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39. Martha Medeiros: uma história de sucesso

Por Ivan Pinheiro Machado*

No começo dos anos 80, Beth Perrenoud trabalhava como assessora de imprensa da L&PM Editores. Um dia, ela deixou sobre a minha mesa uma pasta e disse “lê esta poeta. É sensacional”. A luta pela sobrevivência numa inflação de 20, 30% ao mês, não permitiu que houvesse clima para examinar com carinho aqueles poemas cuidadosamente encadernados numa daquelas pastas de colégio, com presilhas.

Capa da primeira edição de "Strip-tease", da Brasiliense

Um ano depois, em 1985, Beth surgiu na minha sala novamente, desta vez com um livro na mão: “olha o livro que não quiseste publicar”. E me deu Strip-Tease, de Martha Medeiros, lançado pela Brasiliense que, na época, era uma das mais importantes e prestigiadas editoras brasileiras. A Beth, além de bonita, é uma ótima pessoa. Amiga da Martha e leal à L&PM, ela estava muito chateada, afinal me dera a oportunidade de publicar o livro…

Eu li Strip-Tease em uma hora. Eram poemas diferentes daqueles que chegavam diariamente à minha mesa, pleiteando publicação. Uma linguagem coloquial e ao mesmo tempo intensa, visceral. Uma poesia contemporânea, falando sobre sua geração de uma forma nova, direta, sem arabescos desnecessários, mas com uma intensa força poética. Enfim, eu estava diante de uma grande poeta que a inflação, o descuido, a inexperiência e as vicissitudes de um começo difícil tinham nos impedido de publicar.

Poucos têm uma segunda chance na vida. Graças a minha insistência e a generosidade da Martha, tivemos a nossa. E publicamos seu segundo livro de poemas, Meia noite e um quarto em 1987. Depois, em 1991, lançamos Persona non Grata e, em 1995, De cara lavada. Em 1998, Martha reuniu todos os seus livros de poemas e fez uma seleção que foi publicada na então recém criada Coleção L&PM POCKET com o título de Poesia reunida.

A esta altura ela estava abandonando uma próspera carreira de publicitária e já era uma cronista de sucesso, escrevendo semanalmente para o jornal Zero Hora em Porto Alegre. Em 1997, publicamos seu primeiro livro de crônicas, Topless. Depois, saíram Trem-Bala (1999), Non Stop (2000), Cartas extraviadas e outros poemas (2000), Montanha-russa (2003), Coisas da vida (2005) e o bestseller Doidas e Santas (2008). Pela editora Objetiva, ela publicou os romances “Divã”, “Selma e Sinatra”, “Tudo o que eu queria te dizer” e “Fora de mim”.

Foram feitas adaptações – com grande sucesso – de seus livros para TV, teatro e cinema. Enfim, Martha tornou-se um sucesso nacional. Ou melhor, um grande sucesso nacional. Seu livro mais recente Feliz por nada, lançado dia 15 de junho de 2011,  já era o livro mais vendido no Brasil duas semanas depois, ocupando o primeiro lugar nas listas dos mais vendidos das revistas nacionais Veja e Época.

Hoje, o Brasil inteiro conhece Martha através dos seus livros, da TV, dos filmes, das peças de teatro e das crônicas que ela publica semanalmente nos jornais Zero Hora, de Porto Alegre e O Globo do Rio de Janeiro.

Com o tempo, como cronista, ela foi ampliando esta visão do cotidiano com as belas ferramentas que sua grande poesia lhe dá. Suas crônicas tem o raro sortilégio da identificação. Quando recém começava sua carreira literária, muito jovem, no início dos anos 80, Martha chamou a atenção de Millôr Fernandes e de Caio Fernando Abreu que se encantaram com o seu trabalho. Em seu texto sobre ela, Caio foi sintético e profético sobre o futuro da cronista/poeta: “A poesia de Martha acontece o tempo todo, do lado de dentro ou de fora da gente. Por ser poeta, ela consegue captá-la e dar-lhe a mais sensível e contemporânea das formas. Então comove. E segue o baile.”

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo-nono post da Série “Era uma vez… uma editora“.

38. O dia em que o dr. Lucchese bateu Paulo Coelho e Harry Potter (juntos)

Por Ivan Pinheiro Machado*

Há poucos dias, neste espaço, eu falei sobre o Grenal (clássico do futebol que divide o RS entre Grêmio e Internacional). Pois bem, no Rio Grande tudo é Grenal. As pessoas se sentem na obrigação de ter um lado. Um contra o outro. Em qualquer coisa, sobre qualquer assunto. Bem ou mal, é assim.

A história que vou narrar a seguir começa com uma gafe:

Para você não confudir o dr. Lucchese com o dr. Nesralla, aqui está a foto do nosso autor

Em Porto Alegre, no Grenal da cardiologia, existem dois grandes médicos, o dr. Fernando Lucchese e o dr. Ivo Nesralla. Ambos têm seguidores que não se relacionam entre si. Nem eles, que são amigos cordiais e já trabalharam juntos, explicam isso. Mas, reza a lenda, havia uma grande rivalidade entre os dois. O dr. Ivo Nesralla, no início dos anos 2000, além de emérito cardiologista, acumulava as funções de diretor da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre e da Bienal de Artes Plásticas do Mercosul. Digo isso porque um belo dia, recém eu havia me mudado para um novo prédio quando, na garagem do edifício, encontro um velho amigo de escola, o também cardiologista João Ricardo Santanna. Nos abraçamos e logo engatamos uma conversa de rememorações da nossa infância no Colégio de Aplicação. Nesse momento, perto de nós, um carro estaciona e desce dele um senhor que vem sorrindo em direção ao João Ricardo. Meu ex-colega me apresenta o recém-chegado:

– Dr. Lucchese, eu queria apresentar o meu velho amigo, o editor Ivan Pinheiro Machado.

– Muito prazer em lhe conhecer – disse, simpático, o dr. Lucchese.

Eu quis ser mais simpático ainda e tasquei:

– Dr., eu queria lhe cumprimentar pelo grande trabalho que o senhor faz à frente da Bienal do Mercosul….

O João Ricardo arregalou os olhos e disse:

–Não, Ivan! A Bienal do Mercosul é com o Dr. Nesralla.

Lucchese caiu na gargalhada e gentilmente tentou me tirar do imenso embaraço:

– Não se preocupe, é assim mesmo. Vivem nos confundindo. Eu até já receitei em nome do Dr. Nesralla.

Eu havia naufragado no Grenal da cardiologia. Mal recomposto da gafe, conversamos um pouco e rapidamente combinamos que, já que seríamos vizinhos, eu incentivaria o dr. Lucchese a entrar no mundo dos livros. E o primeiro passo, segundo sugestão do doutor, seria um livro bem popular sobre prevenção a doenças. E mais não falamos. Ainda envergonhadíssimo, peguei o elevador e fui para minha casa.

Três meses depois, recebo um envelope com um simpático bilhete. “Vê se é este o livro. Abraço do Lucchese”.

Abri, dei uma trecheada nos originais e deixei em cima de um móvel na sala de estar. Passaram-se alguns dias, eu não tive tempo de ver melhor o livro e Dona Circe, minha mãe, foi almoçar lá em casa. Leitora compulsiva, ela pegou o envelope e começou a ler, só interrompendo para almoçar. Eu comi e saí correndo para um compromisso. Minha mãe passou a tarde com os netos. À noite ela me ligou:

– Eu li aquele livro que estava em cima da mesinha da sala, “Pílulas para viver melhor”. Acredita que comecei e não consegui largar?! É um livro espetacular! Festejeou minha mãe.

Fiquei alerta! Ao chegar em casa li os originais, liguei para o doutor e comuniquei a ele que a L&PM estava interessada em publicar o livro. Lançamos em março de 2000 na Coleção L&PM POCKET. Dona Circe tinha toda a razão. O sucesso foi instantâneo. A consagração veio na Feira do Livro de Porto Alegre cuja lista dos mais vendidos, para espanto de todos, apontava o dr. Lucchese em primeiro lugar, na frente de Paulo Coelho, Harry Potter e outros grandes bestsellers da época. Em 17 dias foram vendidos 12 mil livros (só em Porto Alegre), sendo que no último dia de Feira, nas primeiras horas da tarde, o livro tinha esgotado. O pessoal chegou a disputar no braço os últimos exemplares.

Detalhe do Jornal Zero Hora que mostra a lista dos mais vendidos na Feira do Livro de Porto Alegre no ano 2000

O livro estabeleceu o recorde absoluto da Feira do Livro de Porto Alegre em sua história de mais de 60 anos. Depois disso, “Pílulas para viver melhor” chegou à marca de 200 mil exemplares vendidos e o dr. Lucchese já escreveu outros 13 títulos. Há uma anedota (verdadeira) relacionada com o livro. Um dia, bem no final da tarde, havia pouca gente na editora e o telefone tocou. Eu mesmo atendi. Era uma senhora com uma voz muito distinta, dizendo que queria fazer uma reclamação em relação ao livro do dr. Lucchese: “O senhor veja só; hoje a tarde comprei o livro do dr. Lucchese. Quando cheguei em casa e abri a sacola,  vi que só estava lá o livro. Não me entregaram as pílulas…”

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo-oitavo post da Série “Era uma vez… uma editora“.

37. Um livro de etiqueta nas paradas de sucesso

Por Ivan Pinheiro Machado*

Celia Ribeiro é uma das grandes jornalistas do país. Há pelo menos quatro décadas, sua opinião e seus comentários sobre moda e comportamento influenciam gerações.

A capa da primeira edição de "Etiqueta na prática" em formato convencional

Pois foi em 1991 que nós decidimos pedir à Celia aquele que seria o primeiro livro brasileiro “moderno” sobre etiqueta. Ela trabalhou no projeto durante quase um ano e nós publicamos uma pequena edição de 1.000 exemplares do livro ”Etiqueta na Prática”, um guia completo para um comportamento “socialmente correto”. Incluía instruções detalhadas de como se comportar à mesa, no trabalho, em festas, o tipo de vestimenta adequada a cada evento, enfim, tudo o que alguém precisa saber para circular em sociedade sem ser notado. Partindo do princípio, é claro, de que as gafes e as maneiras inadequadas, paradoxalmente, são o que realmente chamam a atenção.

Mas o livro “Etiqueta na prática”, lançado no final do ano de 1991, para surpresa geral, acabou vendendo sua edição de 1.000 exemplares em apenas um dia. Reeditamos imediatamente e depois de sucessivas reimpressões, o livro “estourou” no Brasil inteiro, a ponto de a revista Veja, na sua edição de 3 de março de 1992, registrar numa matéria de quatro páginas, o novo “fenômeno editorial”.

Na época, foram muitas as teses que tentavam explicar o enorme sucesso do livro. Em poucos meses alcançamos a cifra de 35 mil exemplares e, 10 anos após o lançamento, já em versão pocket, “Etiqueta na Prática” atingia a extraordinária cifra de 200 mil exemplares vendidos. Surpresos com o sucesso, encomendamos uma pesquisa para descobrir qual era o público leitor do livro. A conclusão foi de que ele era composto, em sua maioria, por mulheres entre 18 e 35 anos. Ou seja, os clientes eram preferencialmente os filhos da geração dos anos 70, cujos pais não davam nenhuma bola à formalidade. E ao chegar na idade em que se entra na convivência social propriamente dita, no trabalho e no lazer, estes filhos da geração hippie, sentiam falta de uma orientação para enfrentar as formalidades do dia a dia. Seja a garota que recebia o seu primeiro convite para jantar com o namorado, seja o rapaz que havia sido convidado para uma recepção à noite ou tinha uma entrevista para emprego, todos encontraram no livro de Celia Ribeiro o roteiro exato de comportamento e traje. Inclusive há no livro tabelas em que ela traduz na prática as indicações de vestimentas (para homem e mulher) que sempre vêm nos convites; “alto esporte”, “tenue de ville”, “tenue de soirée”, “passeio completo”, “recepção”, “Black tie” e por aí vai.

Nos anos 1980, Celia Ribeiro ao lado de Clodovil

Foi então que o mercado imediatamente respondeu e “inspirou-se” no sucesso de Celia. Começaram a surgir dezenas de livros de etiqueta e boas maneiras, sendo que o mais destacado foi “Na sala com Danuza”, de Danuza Leão, que fazia uma muito sutil “resposta” a Celia Ribeiro, como quem diz que a vida poderia ser mais informal. Mas a verdade é que, quando havia uma formalidade, a bíblia a ser seguida sempre era o livro da Célia. E tal foi o sucesso que, 5 anos depois, em 1997, atendendo a centenas de pedidos, Celia Ribeiro escreveu e nós publicamos “Etiqueta na prática para crianças”, com ilustrações do cartunista Miguel Mendes; outro sucesso avassalador, pois hoje, passados 14 anos, este livro é leitura obrigatória em centenas de colégios de primeiro e segundo grau em todo o país.

Célia escreveu ainda “Boas maneiras e sucesso nos negócios”, “Boas maneiras à mesa”, “Casamento e etiqueta” e “Etiqueta Século XXI”. No momento, ela prepara um “Dicionário de etiqueta”, que será lançado diretamente na coleção L&PM Pocket.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo-sétimo post da Série “Era uma vez… uma editora“.

36. De Corto Maltese aos Mangás: as HQs no DNA da L&PM

Por Ivan Pinheiro Machado*

No post da semana passada da série Era uma vez… uma editora, a Paula Taitelbaum, que coordena o núcleo de comunicação da L&PM, na minha ausência, iniciou um assunto que tem muito a ver com a história da editora: a coleção Quadrinhos L&PM. Tão importante são os quadrinhos para nós (o primeiro livro da editora foi o Rango 1, de Edgar Vasques, um livro de tiras de humor), que eu vou me estender neste assunto. Foi assim:

Em 1980 nós decidimos fazer uma coleção de quadrinhos nos moldes europeus. Nosso modelo era a extinta editora francesa Futurópolis, que resgatava e reconstituía os originais das primeiras histórias dos clássicos americanos e as editoras Castermann, Glennat e Dargaud. Ficávamos fascinados quando íamos a Paris e víamos, nas livrarias Fnac, numa grande sala destinada somente aos quadrinhos, dezenas de jovens sentados no chão lendo belos álbuns por horas a fio.

No Brasil, embora em declínio, havia a histórica editora EBAL que publicava os clássicos em edições luxuosas. Os quadrinhos mais populares, os tradicionais gibis, com os personagens americanos da Marvel e da DC Comics em suas novas versões requentadas, eram vendidos somente em bancas de jornais. Nossa idéia era publicar os álbuns nos modelos europeus, no formato 28 cm x 21 cm, papel de alta qualidade, edições costuradas, quase luxuosas e colocar os quadrinhos nas livrarias. O preço seria uma média entre as edições luxuosas do Príncipe Valente, por exemplo, e os gibis vendidos em banca.

Quando adolescente, meu pai foi para o exílio fugindo das perseguições da ditadura militar que imperava (literalmente) no Brasil. Toda a minha família foi para Roma. Foi lá que conheci um dos grandes personagens dos quadrinhos europeus na época, Corto Maltese, o fascinante marujo criado por Hugo Pratt (1927-1995). Eu e meu irmão éramos fãs de Corto e líamos avidamente todos os dias a tira que saía no jornal Corriere de la Sera. Aos domingos era publicada a sequência da história em meia página (8 tiras) formato standard (tipo Estadão).

"A Balada do Mar Salgado" foi primeira aventura de Corto Maltese publicada em livro

Quando projetamos a coleção de quadrinhos em 1980, escolhemos como primeiro título – numa homenagem à nossa estadia romana – o “romance gráfico” de Hugo Pratt, A Balada do Mar Salgado, primeira aventura publicada de Corto Maltese em livro. Uma longa história em quadrinhos de 200 páginas, onde Corto vive as mais variadas aventuras pelos mares do Sul entre piratas, bandidos e nativos das ilhas. Calado, bonitão, desiludido da vida, Corto é uma espécie de herói romântico, sentimental e duro, quando é preciso ser duro. Na sequência, publicamos outro italiano lendário, Guido Crepax (1933 – 2003), que fazia também enorme sucesso na Europa com sua lânguida, misteriosa e “gostosíssima” personagem Valentina. Depois, decidimos seguir “apresentando” os grandes quadrinistas internacionais ao público brasileiro; publicamos Moebius, Altan, Wolinski, Pichard, Jean Claude-Claeys, Quino (os cartuns), Fontanarrosa, Mathias Schulteiss, Rotundo, Magnus, Manara. Todos estes autores, com exceção de Manara e Quino, foram editados pela primeira vez no Brasil pela coleção Quadrinhos L&PM. Também publicamos de forma pioneira os autores underground Robert Crumb e Gilbert Shelton (Os Freak Brothers).

"Valentina" de Guido Crepax

Num trabalho de “reconstituição histórica” das HQs americanas, resgatamos as primeira histórias de Batman de Bob Cane, Superman de Jerome Segel e Joe Shuster, Fantasma de Lee Falk e Ray more, Dick Tracy de Chester Gould, Mandrake de Lee Falk e Phil Davis, Flash Gordon de Dan Barry, Spirit de Will Eisner, Popeye de E. Segar, Steve Canyon de Milton Cannif, Cisco Kid de J. Salinas entre muitos outros. Publicamos também na coleção de quadrinhos vários autores brasileiros como Caulos, Miguel Paiva, Chico Caruso, Paulo Caruso, Edgar Vasques, Luis Fernando Veríssimo, Mauricio de Sousa e Flavio Collin. Enfim, foram 123 álbuns em grande formato lançados num período 8 anos. Até que fomos fulminados pela concorrência das grandes editoras de revistas. Começavam a surgir as famosas “grafic novels” lideradas por Frank Miller e seu Batman futurista. Ali começou o fim da nossa coleção, pois no dinheiro de hoje, os nossos álbuns custariam entre R$ 25,00 e R$ 30,00. Nossa concorrência apresentava maravilhosas histórias inteiramente a cores (95% dos nossos álbuns eram em branco e preto, conforme as histórias originais). As grandes tiragens, a forte (e cara) propaganda e a distribuição em milhares de bancas faziam com que estas “grafic novels” chegassem ao consumidor por menos de R$ 10,00. O remédio foi honrosamente encerrar a coleção.

Mas quase como um vício, esta idéia dos quadrinhos sempre rondou a L&PM. Seguidamente temos recaídas. E desde o ano 2000 temos retomado a publicação eventual de histórias em quadrinhos. Destaque para a série de histórias de Agatha Christie, a história que, filmada, quase ganhou o Oscar de filme estrangeiro de 2009, Valsa com Bashir de Ari Folman, Aya de Yopougon de Margarite Abouet (álbuns coloridos) e a grande série das obras completas de Shulz, Peanuts que chega ao seu quarto volume em luxuosas edições em capa dura. A L&PM está lançando também, ainda em 2011, uma grande série de clássicos internacionais adaptados aos quadrinhos.

Tanto está no DNA desta casa, que os quadrinhos estão também magnificamente representados na maior coleção de livros de bolso do país que é, justamente a Coleção L&PM POCKET; lá estão Hagar, Garfield, Dilbert, Recruta Zero, Peanuts, Snoopy, Smurfs e grandes autores brasileiros como Laerte, Angeli, Glauco, Adão Iturrusgarai, Edgar Vasques, Iotti, Santiago, Mauricio de Sousa entre outros.

Para encerrar, aguarde a grande novidade, também para 2011: antes do Natal você vai ter na Coleção L&PM Pocket várias séries dos melhores Mangás japoneses. Evidentemente, para ler de trás pra diante…

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo-sexto post da Série “Era uma vez… uma editora“.

35. O Humor nos tempos de chumbo: uma historinha da “Antologia Brasileira de Humor”

Por Ivan Pinheiro Machado*

O segundo lançamento da L&PM Editores foi a “Antologia Brasileira de Humor” em dois volumes. Era 1976. Hoje, passadas mais de três décadas, este livro, que reúne os 82 dos mais importantes humoristas brasileiros da época, é um documento único, histórico e precioso. O humor estava – paradoxalmente – em alta. Vivíamos sob dura censura e eram o cartum, a tira, ou mesmo o texto de humor, os únicos veículos onde, por ignorância e descuido dos censores, ainda se podia “vazar” algum “contrabando” contra a ditadura. A “Antologia Brasileira de Humor” retrata de maneira extraordinária este momento da história cultural e política de nosso país. A prova da popularidade dos livros de humor são as listas de bestsellers da época. Entre os livros mais vendidos, a maioria eram livros do gênero. Títulos de Ziraldo, Millôr Fernandes, antologias de piadas e outros livros editados principalmente pela editora Codecri, de propriedade de “O Pasquim”, dominavam as listas. E toda a atividade humorístico/contestadora do país, na época, emanava de uma velha casa no alto da ladeira da rua Saint Roman, no final de Copacabana, no Rio de Janeiro. Lá era a a sede do “templo” da resistência cultural brasileira, “ O Pasquim”.

Os volumes 1 e 2 da "Antologia Brasileira de Humor"

Havíamos estreado como editora em agosto de 1974 com o Rango 1, do Edgar Vasques (leia o post que conta esta história). O Lima, o Edgar Vasques, o Fraga (humorista e colaborador da Folha da Manhã de Porto Alegre) e eu formávamos a equipe que editaria a primeira grande antologia organizada naqueles tempos sombrios.

Para que o nosso projeto se concretizasse precisávamos “vender” a ideia para a turma do Pasquim. Millôr, Ziraldo, Caulos, Ivan Lessa, Jaguar, Fortuna, Henfil e o resto da “patota” (como eles se auto-intitulavam) tinha que endossar a empreitada. Além é claro, da turma de São Paulo, com Laerte, Angeli, Luiz Gê, Chico e Paulo Caruso entre muitos outros. Se o pessoal do “Pasquim” aderisse, certamente todo mundo seguiria.

O Edgar Vasques era um cara conhecido pelo seu original e brilhante personagem Rango (que mais tarde seria publicado também pelo “Pasquim”). Tendo ele como referência, marcamos – via caríssimos telefonemas interurbanos –, encontros com Millôr Fernandes e Ziraldo no Rio de Janeiro. Éramos meninos de pouco mais de 20 anos e Millôr e Ziraldo já eram monstros sagrados da cultura brasileira. O encontro com Millôr foi inesquecível. Ele se mostrou gentilíssimo, recebeu-nos em sua cobertura/estúdio na praça Gen. Osório e, depois do encontro, nos convidou para almoçar na sua casa, na Vieira Souto esquina com Aníbal de Mendonça. Neste prestigiado endereço tivemos a oportunidade de comer um verdadeiro banquete de comida brasileira promovido por Dona Vanda, esposa do Millôr. De lá, fomos até a sede do “Pasquim”, onde Ziraldo nos aguardava precedido por um telefonema do Millôr. Subimos a íngreme ladeira da rua Saint Roman e lá apresentamos ao Ziraldo o projeto da “Antologia” pedindo que ele fizesse um “meio-campo” entre nós e o pessoal que colaborava no “Pasquim”. Ele achou ótimo e se comprometeu a cobrar dos parceiros o material para inclusão na antologia. Henfil, Caulos, grandes figuras, testemunharam o encontro e imediatamente se solidarizaram conosco prometendo também nos ajudar a “cooptar” o resto do pessoal. Até que, no meio da nossa conversa, Ivan Lessa entrou na sala. Eu, que achava o Ivan Lessa e o Millôr os caras mais inteligentes do Brasil, preparei-me para me curvar diante do gênio. Ele estava sério, olhou para nós irritado e perguntou:

– Quem são estes caras? (Bem assim).

O tom era de poucos amigos. Ziraldo ficou meio constrangido, mas falou:

– Eles são gaúchos lá de Porto Alegre, estão organizando uma Antologia Brasileira de Humor e querem a nossa colaboração.

Ivan Lessa passou da irritação à indignação:

– Pôrra Ziraldo! Você adora dar força para a concorrência! Não vê que estes caras são nossos concorrentes, pô! Porque a Codecri não faz esta porra desta antologia? Desta aí eu estou fora!

Ficamos paralisados. O Ziraldo, o Caulos e o Henfil, chateadíssimos, esperaram o Ivan Lessa sair da sala batendo a porta para se desculparem. Nós estávamos chocados. O Ziraldo procurou contemporizar:

– Não levem a mal, porque o Ivan é assim mesmo…deixa comigo, eu convenço ele a participar.

Seis meses depois, ia para as livrarias a “ Antologia Brasileira de Humor” em dois volumes,  com capa do grande cartunista paranaense Miran, 10 mil exemplares de tiragem (cada volume) e com a participação de 82 humoristas, entre eles… Ivan Lessa.

Abaixo, separamos alguns dos cartuns que foram publicados nos dois volumes da antológica antologia. Clique e folheie à vontade:

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo cinco post da Série “Era uma vez… uma editora“.

34. A história dos quadrinhos

O “Era uma vez… uma editora” de hoje está um pouco diferente. Como Ivan Pinheiro Machado está viajando, o post está menos autoral (mas nem por isso menos histórico). Semana que vem Ivan está de volta.

Tudo começou com um quadrinho: Rango, lançado pela L&PM em 1974. Dois anos depois, foi a vez de um álbum do cartunista e pintor Caulos, Só dói quando eu respiro, considerado o primeiro livro brasileiro de um autor importante que denunciava, através do cartum, a devastação ecológica. Em 1980, vieram os álbuns de luxo europeus clássicos, como os quadrinhos eróticos de Guido Crepax, entre eles História de O e vários títulos de Valentina e Anita.

 

Em meados da década de 80, começaram a ser publicados os álbuns clássicos de autores americanos, com destaque para Spirit, de Will Eisner, Fantasma, de Lee Falk, Batman de Bob Cane e Dick Tracy de Chester Gould.

Mais no final dos anos 1980, chegaram os quadrinhos undergrounds americanos como Freak Brothers de Gilbert Shelton e títulos de Crumb como Minhas mulheres. No meio de tudo isso, Moebius, Dik Browne, Quino, Jules Feiffer, Wolinski, Milton Caniff e outros grandes autores nacionais e internacionais que, juntos, somaram 120 títulos.

Esta coleção durou até os anos 90, mas deixou sua marca, cuja linha editorial serviu de inspiração para novas editoras. A tradição em publicar quadrinhos, no entanto, não se esgotou. Prova disso é que os títulos continuam chegando e fazendo parte do catálogo da editora. A partir de setembro deste ano, terá início a série Clássicos em HQ que somará oito títulos publicados em dez volumes. O primeiro deles será Robinson Crusoé. Depois virão A volta ao mundo em 80 dias, Dom Quixote, A ilha do tesouro, Um conto de natal, Os miseráveis, As histórias das mil e uma noites, Guerra e Paz e Odisseia.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo quarto post da Série “Era uma vez… uma editora“.

33. A Biografia dos “Mamonas Assassinas”

Por Ivan Pinheiro Machado*

Provavelmente nunca mais haverá um fenômeno de massa, mídia e comportamento como foi a meteórica passagem dos Mamonas Assassinas pelo universo midiático brasileiro. Luan Santana, só para citar um super-astro do momento, com seu rostinho de classe média bem-comportado, não representa 1% do “estouro” que foram os Mamonas. Os jovens de todo o Brasil  com 4, 5, 15, 18 anos cantavam cândida e animadamente: “neste raio de suruba/ já me passaram a mão na bunda/ e eu não comi ninguém…

Isso mesmo! O rádio tocava insistentemente clássicos como Pelados em Santos (“minha Brasília amarela, tá de portas abertas”, quem não lembra?), Vira-Vira (a música da suruba cantada em sotaque lusitano, imitando o “Vira” do folclore português), Chopis Centis (“A felicidade é um crediário nas Casas Bahia”), Mundo animal (“Comer tatu é bom, pena que dá dor nas costas”…), Robocop gay (“Faça bem a barba,/ arranque seu bigode/ gaúcho também pode/ não tem que disfarçar”…), Bois don’t cry (“Soy um hombre conformado/ escuto a voz do coração/ sou um corno apaixonado/sei que já fui chifrado/ o mas o que vale é o tesão) e muitos outros. Ninguém explicava o fenômeno. Havia teses e mais teses, mas a verdade é que no final de sua curta vida, os shows dos Mamonas aconteciam em lugares imensos para 30, 40 e até 70 mil pessoas).

Tudo isto acabou em uma das maiores tragédias da história da música popular brasileira. Os cinco jovens que fascinaram e divertiram o Brasil durante menos de dois anos e bateram todos os recordes de venda de CDs de uma banda nacional morreram  no dia 2 de março de 1996. O jatinho que os trazia de um show em Brasília espatifou-se contra a serra da Cantareira em São Paulo.

Cerca de um mês depois da tragédia que comoveu e parou o país, Paulo Lima, o “L” da L&PM, caminhava pela Avenida Rio Branco, no centro do Rio de Janeiro, quando seu celular tocou. Fugindo do barulho ensurdecedor dos ônibus e carros, Lima entrou numa farmácia para atender a ligação de um número desconhecido com prefixo de São Paulo. Era Rick Bonadio, o produtor dos Mamonas e representante das famílias dos rapazes depois do acidente. Ele havia pego o telefone do Lima em nosso escritório em São Paulo e convidava a L&PM para participar de uma concorrência para produzir e editar uma “biografia” da banda. Outros editores seriam ouvidos também. A concorrência levaria em conta a proposta em dinheiro e a qualidade do projeto apresentado.

Resumindo: fizemos uma oferta razoável e propusemos o Eduardo “Peninha” Bueno como autor. Fomos a São Paulo no estúdio do produtor dos Mamonas, levamos o Peninha a tiracolo e apresentamos o projeto. Rick ficou fascinado pelo discurso pop de Eduardo Bueno, o amigo de Bob Dylan, e depois de ouvir os outros “concorrentes” decidiu-se por fazer o contrato com a L&PM.

Peninha “mudou-se” para São Paulo e depois de 2 meses passados na sua maior parte nos subúrbios cinzentos de Guarulhos, o livro estava pronto. Fora um doloroso périplo entrevistando as famílias e amigos dos cinco jovens. O resultado foi um livro extraordinário, em que o texto límpido e emocionado de Eduardo Bueno conseguiu captar sem melodramas aquela impressionante e dramática história brasileira. Uma história de suburbanos que despontaram para a fama e a glória e fizeram cantar um país inteiro de norte a sul, pobres e ricos de todas as idades. Esta foi a grande mágica dos Mamonas Assassinas. Foi um sucesso quase instantâneo e avassalador. Uma história muito curta, mas que deixou no seu rastro recordes e mais recordes de público, vendas de discos e exposição na mídia.

Blá Blá Blá - a biografia autorizada dos Mamonas AssassinasO livro saiu 3 meses depois da tragédia. Um recorde no gênero que os ingleses batizaram de “instant books”. Blá, blá, blá – a biografia autorizada dos Mamonas Assassinas vendeu exatos 90 mil exemplares, uma grande venda, mas aquém do que esperávamos. Procuramos, na época, uma explicação para o fato do livro não ter reprisado o imenso sucesso dos discos. O livro era leve, informativo, extremamente bem escrito, ilustrado belissimamente com histórias em quadrinhos, fotos a cores e fora distribuído, além das livrarias, também nas bancas de jornais. Nunca obtivemos uma resposta convincente. Havia sido uma boa venda, mas, como tudo na meteórica passagem dos Mamonas sobre a terra tinha sido exageradamente grande, ficamos frustrados com os números finais. Foram muitas as teses procurando explicar o “fenômeno”. Mas, como se sabe, teses não mudam destinos. Principalmente de coisas que já aconteceram.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo terceiro post da Série “Era uma vez… uma editora“.

32. Atravessando o Brasil de Fusca para fazer uma editora nacional

Por Ivan Pinheiro Machado*

Quando fizemos a L&PM e lançamos nosso primeiro livro, o “Rango 1”  do Edgar Vasques, decidimos que ela não seria uma “editora gaúcha”, mas uma editora brasileira. Portanto, precisávamos apresentá-la ao Brasil. Isto na prática significava levar o primeiro livro em mãos para os principais jornais do centro do país. O jornalista Mario de Almeida Lima, pai do Paulo, o “L” da L&PM, era diretor da sucursal do “Estadão” em Porto Alegre e preparou-nos uma lista de jornais e jornalistas importantes de Florianópolis, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. Para alguns editores amigos, o Mario Lima fez uma carta de apresentação.

Não tínhamos dinheiro para fazer este périplo de avião. Naqueles tempos ancestrais, você pagava para ir de Porto Alegre ao Rio o mesmo que hoje se paga para ir a Paris… O Lima tinha um Fusca 1971 (estávamos em 1975) e eu tinha um Puma conversível quase Zero km. Os pneus do carro do Lima estavam completamente “carecas” e no Puma (um esportivo de dois lugares) não cabiam as caixas de livros e a nossa bagagem. A solução foi tirar as rodas do Puma, colocar no Fusca (era a mesma bitola) e enfrentar a velha BR-116 rumo ao Rio de Janeiro com escala em outras capitais. Tudo ocorreu conforme o planejado. Fomos aos principais jornais de Floripa e Curitiba, e em São Paulo conseguimos uma matéria de meia página no Estadão extremamente elogiosa sobre o “Rango 1”, primeiro e – até então – único lançamento da L&PM. E foi com o Estadão embaixo do braço que fomos para o Rio. Primeiro visitamos o grande jornal da época, o Jornal do Brasil, editado pelo gaúcho Raul Riff e depois O Globo. Em ambos os jornais o “Rango 1” obteve resenhas consagradoras – e este seria o primeiro passo para que Edgar Vasques se tornasse colaborador do famoso O Pasquim.

Foi aí então que resolvemos ligar para o célebre Ziraldo, na tentativa de que ele nos recebesse. Ele foi muito simpático e marcou um encontro conosco às 13 horas no restaurante de um hotel à beira mar em Copacabana, pois morava ali perto. O Lima e eu ficamos excitadíssimos. Íamos conhecer o grande Ziraldo!… Chegamos no velho prédio do Ouro Verde Hotel, subimos para o restaurante e ficamos ao mesmo tempo impressionados e preocupados. Na sala de espera do restaurante, decorada em pesados lambris de mogno e velhas gravuras inglesas, o embaixador Walther Moreira Salles lia o “Le Fígaro”. Mais tarde ficamos sabendo que a revista americana Fortune, havia incluído o restaurante do Ouro Verde entre os “10 melhores pequenos restaurantes do mundo”… Ziraldo já nos aguardava numa mesa diante de um geladíssimo vinho branco português. Nos apresentamos e começamos uma ótima conversa. Como sempre, Ziraldo foi muito simpático. E do alto da sua celebridade tratou os dois jovens desconhecidos muito bem. Apresentamos o projeto de um “Álbum do bebê”, utilizando os personagens da turma do Pererê, personagem desenhado por ele. Ziraldo achou ótimo, conversamos bastante e então pedimos o almoço. Ou melhor, o Lima e eu, apavorados com os preços, optamos pela saladinha mais barata.

O Ouro Verde Hotel, na Avenida Atlântica em Copacabana, palco de um célebre encontro com Ziraldo

O resumo desta história é o seguinte: o papo foi sensacional, comemos, bebemos, até que chegou a conta. Para os nossos modestíssimos recursos, era um valor astronômico. O Lima e eu nos preparávamos para rachar o prejuízo quando o Ziraldo magnanimamente disse: “Não! Esta conta é comigo!!”. O imenso alívio que tomou conta de nós, no entanto, durou pouco. Ele começou a apalpar os bolsos insistentemente até que disse: “Xiiiiii! Acho que esqueci a carteira em casa… então paguem vocês”.

Íamos ficar mais uma semana no Rio de Janeiro, curtindo as lendárias noites do Baixo Leblon, no “Luna Bar”, “Diagonal”, Pizzaria Guanabara” etc. Mas no outro dia, na madrugada, contrariando nossos planos, estávamos já na estrada. Depois de pago o almoço do Ouro Verde, mal sobrou para alguns sanduíches e a gasolina da viagem. As aventuras no Baixo Leblon ficariam para uma próxima oportunidade.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo segundo post da Série “Era uma vez… uma editora“.

31. O homem que sabia dar títulos

Por Ivan Pinheiro Machado*

Editor, até pouco tempo atrás, era considerado apenas um leitor de luxo. Uma espécie de diletante privilegiado, quase como um diretor de uma fundação. Poucos imaginavam que uma editora pudesse ser uma empresa, ter obrigações prosaicas como pagar salários, direitos autorais, aluguéis etc. As pessoas se sentiam no direito de interromper o nosso jantar num restaurante para dizer que tinham uns poemas ou um romance “e você vai ter que ler e publicá-los!”. Este detalhe insalubre da profissão de editor é pouco conhecido. Vez por outra, numa festa ou num lugar público, você se torna refém dos chatos…  Hoje, o mercado se profissionalizou e estas abordagens já não são tão frequentes como antes. Ainda acontece, mas o “público em geral” já tem ideia de que editor é um profissional como qualquer outro. Uma editora, ao contrário de uma fundação, é um negócio sujeito às leis do mercado.

Com os escritores acontecia praticamente o mesmo. Eram (e são) atormentados pelos mesmos chatos e amigos para lerem originais e darem uma opinião ou uma ajudinha para encontrar um editor. O José Onofre Krob Jardim, escritor e um dos melhores textos da imprensa brasileira, falecido recentemente, contava uma história muito boa sobre esta relação entre o “chato” e o escritor.

William Faulkner, prêmio Nobel de 1949, autor de “O som e a fúria”, “Enquanto agonizo”, “Luzes de agosto”, entre outras obras-primas, era famoso por criar ótimos títulos para os seus livros. Um dia, um amigo ligou e disse que seu filho havia escrito um romance muito bom, mas que estava com dificuldades para escolher o título. Ele pedia que Faulkner lesse o livro e desse um nome a ele. Educadamente, o grande escritor concedeu que o filho do amigo fosse a sua casa com seus originais.

Poucos dias depois, o rapaz cumpriu a promessa do pai e chegou na casa do escritor com um enorme calhamaço, um romance com quase 800 páginas datilografadas.

– Aqui está o livro para o senhor ler, Mestre.

Faulkner olhou apavorado para aquela montanha de papel e disse:

– Olha, meu filho, eu acho que já tenho um título para o seu livro…

– Mas o senhor não quer ler?

– Diga-me uma coisa. Por acaso a sua história se refere a tambores? Há alguma passagem em que os personagens toquem tambores?

– Não… com certeza não.

– Diga-me também o seguinte; em algum momento do livro existe uma cena em que há o som de clarins como fundo?

– Não. Respondeu o jovem, cada vez mais intrigado.

– Então está aí… Disse Faulkner com um sorriso sábio. Já temos o título: “Nem tambores, nem clarins”!!

O escritor William Faulkner em seu escritório

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo primeiro post da Série “Era uma vez… uma editora“.

30. Tudo sobre uma utopia generosa

 

Por Ivan Pinheiro Machado*

No início dos anos 80, a ditadura já agonizava. A juventude que protestou nas ruas, que apanhou da polícia, passou a viver a euforia de uma abertura democrática. A plenitude só voltaria em 1985 com o fim da era dos generais. Já no começo dos anos 1980, na agonia da ditadura, a imensa pressão da sociedade constrangia o regime e abrandava a repressão. Já não se escondiam os crimes cometidos pela polícia política embaixo do tapete da repressão. A censura prévia fora derrubada aos poucos, pela tenaz resistência da imprensa e pelo repúdio de todas as instituições brasileiras com credibilidade.

Um dos livros da "Biblioteca Anarquista" que agora está na Coleção L&PM POCKET

A “série Anarquista”, publicada pelas L&PM Editores, surgiu nesta época e neste contexto. Éramos muito jovens no final dos anos 70 e início dos anos 80. O ambiente cultural saía das trevas da ditadura e as idéias explodiam. Sem sermos anarquistas, militantes ou simpatizantes, nós resolvemos desafiar o conservadorismo da direita e os preconceitos da esquerda, criando uma série que expusesse o pensamento anarquista na sua plenitude, sem cerceamento. Expor para o conhecimento de todos esta utopia generosa de um estado sem governo, onde o homem exercesse a sua plenitude sem ser obrigado a obedecer regras estritas da política. Foi um trabalho sério e pioneiro, onde os melhores autores simpatizantes como Oscar Wilde, Tostói ou ideólogos do anarquismo como Proudhon, Kropotkin, Bakunin, Malatesta e Woodcock tiveram suas obras publicadas criteriosamente num conjunto que foi batizado de “Biblioteca Anarquista”.

Sempre atual, sempre polêmico, o pensamento anarquista, através de sua desvairada utopia, penetrou nos corações dos jovens exatamente pelo seu lado mais generoso (sempre esta palavra) e, se foi inviável como aplicação doutrinária e política, contribuiu para a formação de uma visão humana e plural da sociedade. Já no século XXI, a L&PM Editores, através da sua coleção L&PM POCKET reeditou a “Biblioteca Anarquista”. Para completar, “Grandes escritos anarquistas”, do teórico americano George Woodcock, será republicado em 2012.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo post da Série “Era uma vez… uma editora“.