Caio Fernando Abreu e Millôr Fernandes falam de Martha Medeiros

Martha Medeiros – a poeta – teve dois padrinhos de respeito: Caio Fernando Abreu e Millôr Fernandes. Curiosamente ela foi se consagrar, popularmente, no texto. A crônica e a ficção fizeram de Martha uma “celebridade” literária. Seu livro Doidas e Santas, lançado em 2009, até hoje é um fenômeno de vendas. O Divã rendeu um filme muito elogiado e a peça baseada em Doidas e Santas está em cartaz até hoje e sempre  lotada. A poesia de Martha está disponível nos livros Poesia reunida e Cartas extraviadas. Vale a pena. Poesia é um gênero que não vai para a lista dos bestsellers. Mas ler a boa poesia é uma emoção inesquecível. No caso de Martha, os  fãs que não conhecem sua poesia, não sabem o que estão perdendo. Millôr e Caio que o digam! (IPM)

A poesia de Martha é de câmara. A poesia de Martha é mínima, como é mínimo o eu contemporâneo, confundido em sua identidade com memórias de filmes noir, reflexos luminosos de neon, cores de out-door, velocidade de videocassete – repertório romântico retirado mais da enorme adega do imaginário coletivo do que da própria vida. Nesse sentido, ela consegue dar voz a uma geração inteira – essa que se movimenta, mais do que entre verdadeiras emoções, entre os clichês das emoções de um tempo, que pode tanto refletir os anos 40 quanto um futuro mais parecido com histórias em quadrinhos do que com sua possibilidade real.

Entre Casablanca, Ingrid Bergman ao som de As Times Goes Bye, e Harrison Ford caçando replicantes em Blade Runner, é que acontece essa poesia. Nos tempos de agora, plenos anos 80, onde o jantar à luz de velas foi preparado num forno microondas, a gardênia de Billie Holiday convive em paz com o disco-laser e o vestido longo de seda para dançar cheek to cheek foi comprado num bom free-shop da moda. Com seu dom para recriar lugares-comuns, numa poesia que frequentemente gira em torno de frases feitas reelaboradas, neste Meia-noite e um Quarto, seu segundo livro, Martha Medeiros assume uma identidade inconfundível na poesia brasileira seguindo, à sua maneira, a trilha aberta por Ana Cristina César.

Extremamente sintética (quase nunca seus poemas ultrapassam poucos versos), com delicadeza, ironia e sofisticação, ela passeia pelas carências, relações e fantasias de um momento histórico que, por incluir nele mesmo vários outros tempos passados, não dispõe ainda de uma face própria. Se é verdade que a boa literatura sempre tem a função de ajudar a definir melhor a face do tempo em que foi escrita, não tenho a menor dúvida ao afirmar que a literatura de Martha, portanto, é da melhor qualidade. Mas essa qualidade – a dos dias de hoje, pós-modernos -, longe das sinfonias grandiloqüentes, está mais próxima de um solo de sax, um gemido de guitarra elétrica, dedilhar rápido de piano ou sopro em flauta-doce. Que, talvez por esta singeleza e despretensão tiponew-bossa, imediatamente cria no leitor a magia rara da identificação.

A poesia de Martha acontece o tempo todo, do lado de dentro ou de fora da gente. Por ser poeta, ela consegue captá-la e dar-lhe a mais sensível e conemporânea das formas. Então comove. E segue o baile.

Caio Fernando Abreu
Menino Deus, outubro de 1987

Martha, Ô Martha

Millôr Fernandes

Martha Medeiros vem de novo, um terceiro livro. Gostei do anterior, uma revelação, próxima disso que o pessoal tem por bem chamar minimalista. Neste, Persona Non Grata, Martha repete a dose, nem melhor nem pior, apenas excelente.

É do tipo poesia sincera, a dela. Quero dizer, não inventada, mas feita de impressões existenciais, pessoais, sentimentos que às vezes nem se realizam senão no ato da apreensão, e crescem no ato do registro. Isso mesmo, como num instantâneo fotográfico. O mocroinstante registrado na velocidade química de 1600 ASA (*) nunca existiu na realidade que vivemos, nunca o vimos, mas é o que permanece como (nossa) eternidade, guardada no fundo da gaveta.

Tem mais; brincando, brincando, o que Martha mais faz é poesia de amor. Tem mais ainda – é absolutamente compreensível, sobretudo para quem compreende.

O que tem a dizer no fundo? Acho que é – quem de nós poderá escolher alternativa, já nascido?

Em resumo, antes que te chateie – das duas uma; ou a poesia morreu, ou a poesia e isso.

E, claro, aquilo. João Cabral, Paulo Mendes Campos e Manoel de Barros estão aí mesmo e não me deixam mentir.

* Pros ignorantes de fotografia: índice numérico de exposição de um filme no sistema adotado pela American Standards Association , usado para indicar a sensibilidade à luz  da emulsão do filme. Millôr é cultura!

Acaba de chegar o novo livro de crônicas de Martha Medeiros: Feliz por nada

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