Arquivo mensais:janeiro 2012

65. Cabeza de Vaca na cabeça

Hoje, 31 de janeiro, quem entra no Google encontra um belo doodle que indica a “Descoberta das Cataratas do Iguaçu por Álvares Núñez Cabeza de Vaca”. Viajante, aventureiro, explorador, Cabeza de Vaca foi o primeiro branco a contemplar as maravilhosas e impressionantes quedas d´água (o que ele terá sentido ao encontrá-las?) no Paraná. Em 1542, ele escreveu em seu diário: “Logo adiante, no ponto onde haviam embarcado, o rio dá uns saltos por uns penhascos enormes e a água golpeia a terra com tanta força que de muito longe se ouve o ruído.” As memórias de Cabeza de Vaca foram publicadas pela primeira vez no Brasil em 1985,  pela L&PM, no livro “Naufrágios e comentários“, trazidas ao público pelo então editor Eduardo Bueno que, nos anos 70, havia lido a respeito dele e de suas viagens pela América Latina. Conversamos com Bueno que nos contou um pouco mais sobre como Cabeza de Vaca aportou por aqui:

L&PM: Quando você ouviu falar pela primeira vez no Cabeza de Vaca?
Eduardo Bueno: Foi no início dos anos 70, quando eu comecei a me interessar e a estudar o litoral de Santa Catarina, numa época em que eu já tinha vontade de escrever sobre história do Brasil. Isso era mais ou menos 1974.

L&PM: E o livro de memórias dele, Naufrágios e Comentários? Quando você leu pela primeira vez?
EB: Eu procurei esse livro durante muitos anos. E é bom lembrar que antes não havia o Google para ajudar. Até que, em 1978, encontrei para vender em um sebo de Buenos Aires.

L&PM: E a edição brasileira? Como surgiu?
EB: Quando eu comecei a trabalhar como editor na L&PM, criei a coleção “Os conquistadores” e o nome dele sempre esteve entre as primeiras opções. Mas optamos por lançar antes os mais conhecidos como Cristóvão Colombo, Américo Vespúcio e Marco Pólo. Em 1985, lançamos a primeira edição de Naufrágios e Comentários.

L&PM: É verdade que você refez alguns dos caminhos de Cabeza de Vaca?
EB: Primeiro, eu me liguei na história dele no Brasil, na rota que fez a pé da Ilha de Santa Catarina até Assunção, no Paraguai. Mas depois fiquei ligado na viagem de Cabeza de Vaca pelos Estados Unidos e refiz alguns trechos. Eram caminhos que tinham a ver com On the Road, principalmente no Novo México. Isso foi em 1985, pouco depois do livro sair pela L&PM.

L&PM: E como foi a descoberta do prefácio de Henry Miller para o livro?
EB: Eu li que Henry Miller adorava o Cabeza de Vaca e descobri que havia uma edição com prefácio feito por ele. Consegui encontrar o livro em um sebo em Nova York e o texto de Miller foi então comprado e incorporado à edição da L&PM. Esse prefácio continua na edição em pocket, junto com a minha introdução e as notas que também foram feitas por mim.

L&PM: Ou seja, graças a você, faz tempo que Cabeza de Vaca anda pelas livrarias do Brasil…
EB: Há ¼ de século. 25 anos!

A capa de "Naufrágios e comentários" de 1985 que agora faz parte da Coleção L&PM Pocket

Toda terça-feira, resgatamos histórias que aconteceram em quase quatro décadas de L&PM. Este é o sexagésimo quinto post da Série “Era uma vez… uma editora“.

O último jejum de Gandhi

Em 1948, a Índia passava por graves conflitos sociais, devido principalmente ao grande número de imigrantes que chegava ao país fugindo do terror que dominava nações e territórios vizinhos. Os acampamentos e os hospitais estavam sobrecarregados e cadáveres apodreciam nas ruas. Trens carregados de estrangeiros eram detidos e os passageiros, fuzilados. A morte estava por todo lado e não havia alguém capaz de controlar a situação. No meio do caos geral, a paz  parecia um sonho muito, muito distante.

Gandhi vestido como satyagrahi, ativista da não-violência, em 1913.

Talvez o único que mantinha viva a esperança de dias melhores era o líder Mahatma Gandhi, que resolveu iniciar aquele que seria, segundo ele, seu maior jejum. “Agir ou morrer” tinha virado seu lema naqueles dias de caos. Ninguém o deteve nesta última e derradeira tentativa de instaurar a paz em seu país. Estava disposto a jejuar até a morte se fosse necessário. E assim aconteceu, só que de outra forma.

Após duas semanas de jejum, Gandhi estava seriamente doente. Tinha cogitado interromper a penitência, mas resistira, pois daria a vida para restaurar a paz. Nem mesmo um atentado à bomba ocorrido dias antes no local onde realizava orações o faria mudar de ideia. Pelo contrário: para ele, a tentativa de assassinato tinha sido mais uma prova de que deveria perseverar. Além da fragilidade física, ele sabia que sua vida corria perigo, mas proibiu que reforçassem a segurança.

Talvez hoje eu seja o único a ter conservado a fé na não-violência. (…) Assim, tanto faz que haja ou não policiais e militares postados para minha proteção. Pois é Rama [Deus] que me protege… Estou cada vez mais convencido de que todo o resto é fútil. (do livro Gandhi na Série Biografias L&PM)

Ele continuava a fazer seu trabalho, animado pela fé em meio ao caos geral. Mas em 30 de janeiro, depois de 17 dias de jejum ininterrupto, a violência superou o sentimento de paz, conforme descreve a biógrafa Christine Jordis:

Apoiado nas duas sobrinhas, Ava e Manu, ele atravessou a grandes passos a multidão; muitos se levantaram, outros se inclinavam até o chão. Desculpou-se pelo atraso juntando as mãos à maneira hindu, em sinal de saudação. Foi nesse momento que um jovem se precipitou, afastou brutalmente Manu, prosternou-se diante do Mahatma em sinal de reverencia e disparou três tiros à queima-roupa. Gandhi caiu em seguida, pronunciando apenas, como queria, a palavra Rama: “He Rama” (Ó Deus!).

Dia do Quadrinho Nacional

Em 1984, a Associação dos Quadrinhistas e Cartunistas de São Paulo elegeu o dia 30 de janeiro como o Dia do Quadrinho Nacional. A data não foi escolhida por acaso. Ela marca a publicação da primeira história em quadrinhos publicada no Brasil, desenhada pelo ítalo/italiano Angelo Agostini*.

Para muitos pesquisadores, este artista italiano, radicado no Brasil desde 1861, foi o criador do que se poderia chamar de os primeiros “quadrinhos” brasileiros. Em 1869, na revista Vida Fluminense, foram desenhados os primeiros capítulos de As aventuras de Nhô-Quim. Essas histórias, de longa duração, lembravam o padrão europeu da “narrativa figurada”, sem balões e com textos ao pé de cada quadrinho. A data inicial da publicação de Nhô-Quim, 30 de janeiro, é hoje comemorada como o Dia do Quadrinho Nacional, e “Angelo Agostini” passou a ser o nome de um troféu concedido anualmente aos destaques das HQs.  (…) (Enciclopédia dos Quadrinhos, de Goida e André Kleinert, verbete “Angelo Agostini” p. 23)

Para comemorar esta data, há encontros agendados para hoje, ambos de graça:

– Em Porto Alegre, às 19h30min na Livraria Saraiva do Praia de Belas Shopping, os desenhistas Edgar Vasques Iotti, acompanhados de André Kleinert, o co-autor de A Enciclopédia dos Quadrinhos, conversam sobre HQs com o público.

– No Rio de Janeiro, das 18h às 20h30min, haverá um bate-papo com Mestre Shima (Julio Shimamoto) na sede carioca da Escola/Estúdio de quadrinhos que fica na Rua General Polidoro, 10 em Botafogo. Como às vagas são limitadas, é bom telefonar antes: (21) 2471.9547

* É possível conhecer um pouco mais do trabalho de Angelo Agostini ao visitar a Casa de Cultura Laura Alvim no Rio de Janeiro. Laura era neta de Agostini que, além de cartunista, também era pintor e desenhista. Alguns de seus trabalhos estão em exposição permanente no terceiro andar da Casa de Cultura que fica  na Av. Vieira Souto 176 em Ipanema

Verbete de hoje: Joseph Pinchon

 

Com o lançamento da nova Enciclopédia dos Quadrinhos“, de Goida e André Kleinert, o Blog L&PM publicará, nos domingos, um verbete do livro. O de hoje é  o francês Joseph Pinchon (1871-1953)

O ilustrador Joseph-Porphyre Pinchon entrou para a História dos quadrinhos franceses quando, em fevereiro de 1905, desenhou para a revista La Semaine de Suzette a primeira página de uma personagem chamada Bécassine. Não era ainda uma história em quadrinhos, mas narrativa figurada, com textos ao pé de cada imagem e sem as separações convencionais dos comics. Bécassine, uma jovem bretã, empregada doméstica em Paris, ingênua e servil, alcançou inesperado sucesso. Por muitos e muitos anos, Pinchon continuou desenhando a série, que a partir de 1913 ganhou roteiros de Maurice Languereau, com o pseudônimo de Caumery. “Bécassine” representou para os quadrinhos franceses o que The Yellow Kid (veja em Outcault, Richard) trouxe para a nascente indústria dos comics norte-americanos, em 1895. Sem dúvida, uma obra pioneira, que eclipsou os outros trabalhos que Pinchon ilustrou até 1950. Ainda hoje circulam vários álbuns com seleções das melhores páginas de Bécassine, alegrando novas gerações marcadas por super-heróis e a comunicação televisionada.

Bécassine em ação em uma página assinada por Pinchon

À noite, como deve sentir-se solitário o vento
Quando todos apagam a luz
E quem possui um abrigo
Fecha a janela e vai dormir.

Ao meio-dia, como deve sentir-se impotente o vento
Ao pisar em incorpórea música,
Corrigindo erros do firmamento
E limpando a cena.

Pela manhã, como deve sentir-se poderoso o vento
Ao se deter em mil auroras,
Desposando cada um, rejeitando todas
E voando para seu esguio templo, depois.

De Emily Dickinson, Poemas escolhidos – Edição bilingue

Peanuts até os ossos – parte 2

Publicamos na semana passada aqui no blog as ilustrações de Michael Paulus, o artista que imaginou e desenhou como seriam os esqueletos dos personagens de Charles Schulz, lembra? Charlie Brown, Lucy, Linius e Patty compareceram, mas não encontramos os ossinhos do Snoopy e do Woodstock. Até que o Juliano, leitor do blog, deixou nos comentários os links com as imagens que faltavam. Aí vão elas:

Pronto! Agora o time está completo. Obrigada, Juliano!

O manuscrito original de Alice

Como Lewis Carroll, só Lewis Carroll. A riqueza de seus personagens, de seus cenários e de seu texto – recheado de charadas, trocadilhos e referências de época – revela uma mente matematicamente criativa que o mundo jamais viu igual. Nascido em 27 de janeiro de 1832, Carroll criou a mais famosa e engenhosa história infantil de todos os tempos: Alice no País das Maravilhas. Para homenageá-lo no dia de seu aniversário, e presentear os fãs desta incrível história, apresentamos o manuscrito original que hoje encontra-se na British Library (Biblioteca Britânica). As páginas estão disponíveis no site da biblioteca e nós montamos um “flip” para que ele possa ser folheado como a menina Alice fez ao recebê-lo das mãos do escritor.

Este manuscrito, um dos melhores da British Library – tesouro querido, é a versão original de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, o pseudônimo de Charles Dodgson, um matemático de Oxford. Dodgson gostava de crianças e fez amizade com Lorina, Alice e Edith Liddell, jovens filhas do vice-reitor de sua faculdade, Christ Church.

Em um dia de verão de 1862, para entretê-las durante um passeio de barco, ele contou uma história de aventuras vivida por Alice em um mundo mágico ao entrar numa toca de coelho. A Alice de dez anos de idade ficou tão extasiada que pediu que ele anotasse a história para ela. Levou algum tempo, mas ele escreveu o conto – à mão, numa caligrafia minúscula – que foi completada com 37 ilustrações. Então, em novembro de 1864, Alice finalmente recebeu o livro de 90 páginas, dedicado a “uma criança querida, em memória de um dia de verão”.

Incitado por amigos a publicar a história, Dodgson reescreveu e aumentou o texto, removendo algumas das referências familiares privadas e acrescentando dois novos capítulos. A versão publicada foi ilustrada pelo artista John Tenniel.

Muitos anos depois, Alice foi forçada a vender seu precioso manuscrito em um leilão. Ele foi comprado por um colecionador americano, mas retornou à Inglaterra em 1948 quando um grupo de benfeitores americanos doou-o à British Library em reconhecimento ao papel do povo britânico na Segunda Guerra Mundial.

(Texto de apresentação do manuscrito que está no site da British Library)

A casa dos vagabundos iluminados

Você já teve a oportunidade de visitar o local de trabalho de um grande artista? Já parou para pensar qual era a paisagem que seu escritor preferido via da janela ou quais os móveis que o rondavam enquanto ele escrevia aquele livro incrível?

Kerouac na casa de Orlando

Há quem diga que os lugares onde viveram grandes artistas conservam através dos tempos a inspiração que ajudou seus antigos moradores a criar suas obras. Pelo menos é nisso que acredita o Jack Kerouac Writers-in-Residence Project, que restaurou a casa onde o escritor beat morou, em Orlando, com o objetivo de hospedar escritores com trabalhos in progress, já que foi nesta casa que Kerouac escreveu Os vagabundos iluminados. Dizem, aliás, que a curadoria é temática: somente “vagabundos iluminados” têm chance de fazer parte do projeto.

Uma das escritoras que teve o mesmo endereço de Kerouac por três meses, Beth Raymer, disse em entrevista que não é difícil lidar com as frequentes visitas de fãs do antigo morador, já que a casa é uma verdadeira Meca para os amantes da literatura beat. Ela conta que alguns ficam apenas observando, maravilhados, do lado de fora, já outros pedem para entrar e ela acaba oferecendo algo para beber.

Veja como ficou a casa de Kerouac após a restauração. Não é realmente inspiradora?

Agatha Christie e a lenda cigana

Em seu relatório de 23 de maio de 1967, o parecerista da editora Collins atestava que o novo livro de Agatha Christie, Noite sem fim, era “excepcionalmente bom de se ler. A atmosfera é soturna desde o início e todos os menores truques e arabescos são usados para aumentar esse efeito”. No mês seguinte do lançamento do livro, que aconteceu em 30 de outubro de 1967, Agatha Christie admitiu em entrevista à revista The Times que Noite sem fim “é muito diferente de tudo o que fiz até hoje – mais sério, realmente uma tragédia. (…) Em geral, levo três ou quatro meses para fazer um livro, mas escrevi Noite sem fim em seis semanas. Se conseguimos escrever rapidamente, o resultado é mais espontâneo. Ser Mike não foi difícil”.

Entre os méritos de Noite sem fim, está justamente o de Agatha “Ser Mike”. Aos 75 anos, idade que tinha quando escreveu o livro, ela surpreendeu ao dar voz a um rapaz de classe operária. Mike é Michael Rogers que, logo no início do romance, casa-se com uma rica herdeira norte-americana e vai morar com ela no Campo do Cigano, um lugar que parecia perfeito para começar uma vida a dois. Mas o Campo do Cigano guarda grandes mistérios e o casal é alertado por uma cigana sobre os “perigos” de viverem neste local “amaldiçoado”. Ignorando o aviso, eles permanecem ali. É quando um acidente fatal acontece e uma trama monstruosa começa a se desenrolar…

A ideia de escrever o livro provavelmente começou a nascer quando Nora Prichard, avó paterna do neto de Agatha, contou sobre a lenda que envolvia uma terra cigana. Nora vivia em Gypsy´s Acre, no Vale de Glamorgan, País de Gales, onde, muitos anos antes, um acampamento cigano que ficava nas proximidades foi removido. Para se vingar da expulsão, o chefe do grupo amaldiçoou o lugar. A partir de então, inúmeros acidentes de carro ocorreram na vizinhança e a lenda ganhou força. Em agradecimento à história contada, Agatha dedicou Noite sem fim à sogra da filha: “A Nora Prichard, de quem ouvi a lenda do Campo do Cigano pela primeira vez.”

Noite sem fim recebeu as melhores críticas na época de seu lançamento e é um dos livros preferidos da Rainha do Crime.

E por falar em Agatha Christie, já deu uma olhada no hotsite dela?

Um carteiro chamado Bukowski

Foi no dia 25 de janeiro de 1663 que o primeiro carteiro que se tem notícia aqui no Brasil começou a trabalhar. Chamado de “Correio-mor”, ele era responsável pela troca de cartas entre as autoridades que aqui moravam e a Corte, em Portugal, buscando e levando as correspondências que chegavam de navio. Nada mais justo, portanto, que o dia 25 de janeiro fosse escolhido para ser o… Dia do Carteiro. E numa data como esta, nós não poderíamos deixar de homenagear o entregador de cartas mais ilustre da literatura: Henry Chinaski, o alter ego do escritor Charles Bukowski.

Como um bom personagem autobiográfico, Chinaski tem muito em comum com seu criador: bebia demais, teve inúmeros casos com mulheres mais jovens e passou boa parte da vida trabalhando como entregador de cartas, apesar de odiar o ofício.

É no romance Cartas na rua, escrito em 1974, que Chinaski aparece pela primeira vez. “Tudo começou como um erro”, ele anuncia já na primeira linha do texto. Este “erro” foi justamente ter se candidatado à vaga de carteiro temporário na época, há mais de uma década atrás, já que o ofício de escritor não lhe pagava nem a bebida. Quando se deu conta, já estava em seu segundo cargo no correio e carregava nas costas 14 anos de uma rotina maçante – ainda mais para um homem de meia-idade que estava sempre de ressaca.

A rotina de entregador de cartas é descrita em detalhes por Bukowski, inclusive a parte dos cães – que, todo mundo sabe, odeiam carteiros.

Era um verão quente e ele veio PULANDO de um quintal e então SALTOU, cruzando o ar. Seus dentes estalaram, errando por pouco a minha jugular.

– OH, JESUS! – gritei – OH JESUS CRISTO! ASSASSINATO! ASSASSINATO! SOCORRO! ASSASSINATO!

A fera deu meia-volta e saltou de novo. Acertei sua cabeça em cheio com a sacola, bem no meio do salto, as cartas e as revista voaram. Ele estava pronto para saltar outra vez quando dois caras, os donos, surgiram e o agarraram. Então, enquanto o cão me encarava sem parar de rosnar, eu me agachei e recolhi as cartas e as revistas que teria de reorganizar em frente à varanda da casa seguinte.

– Seus filhos da puta dementes –  eu disse aos dois homens – esse cachorro é um assassino. Livrem-se dele ou mantenham ele longe da rua!

E não eram só os cachorros os responsáveis por transformar a rotina de Henry Chinaski num inferno. Mais a frente, ele explica:

Todas as rotas tinham armadilhas e apenas os carteiros regulares as conheciam. Todo dia era a mesma merda, e você precisava estar preparado para um estupro, um assassinato, cães ou algum tipo de insanidade. Os regulares não revelavam seus segredinhos. Era a única vantagem que tinham – exceto saberem seus itinerários de cor. Era de matar para um novato, principalmente para um que bebia a noite inteira, ia para a cama à duas, levantava às quatro e meia, depois de trepar e cantar a noite toda, e quase conseguir sair ileso de tudo isso.

Depois de tudo isso, fica mais do que merecida a nossa homenagem a todos os carteiros! E se quiser ler outras peripécias do grande Henry Chinaski, elas estão contadas em vários outros romances como Mulheres, Misto-Quente, Factótum e Hollywood.