Arquivo mensais:junho 2010

Irmãos Grimm para ler e viajar

Quem não cresceu ouvindo os clássicos dos Irmãos Grimm? Chapeuzinho Vermelho, A bela adormecida, O pequeno polegar, Branca de neve e tantas outras histórias atravessam as gerações em novas leituras, edições e até adaptações para o cinema.

E que tal se agora, além de viajar pelas páginas desses clássicos, você pudesse, literalmente, viajar pelas paisagens que inspiraram os Irmãos Grimm? Na Alemanha, onde os dois viveram, foi criada a “Rota dos contos de fada”. Em um trajeto de 560 quilômetros entre Frankfurt e Bremen, é possível conhecer a casa na qual Wilhelm e Jacob viveram até os 6 anos (em Hanau), a Vila de Steinau (56 quilômetros ao norte de Hanau), onde moraram depois, além de passear por inúmeras cidadezinhas que podem ter servido de cenário para a dupla.

A dica é planejar o roteiro para 2011, quando parte dos museus da Rota, hoje em reforma, já estarão abertos à visitação. Enquanto você fala com seu agente de viagens, aproveite para reler as clássicas histórias nos dois volumes lançados pela Coleção L&PM Pocket. E quando a viagem sair, não esqueça de levá-los na mala, claro.

O árbitro

O árbitro é arbitrário por definição. Este é o abominável tirano que exerce sua ditadura sem oposição possível e o verdugo afetado que exerce seu poder absoluto com gestos de ópera. Apito na boca, o árbitro sopra os ventos da fatalidade do destino e confirma ou anula os gols. Cartão na mão, levanta as cores da condenação: o amarelo, que castiga o pecador e o obriga ao arrependimento, ou o vermelho, que o manda para o exílio.
Os bandeirinhas, que ajudam, mas não mandam, olham de fora. Só o árbitro entra em campo; e com toda razão se benze ao entrar, assim que surge diante da multidão que ruge. Seu trabalho consiste em se fazer odiar. Única unanimidade do futebol: todos os odeiam. É vaiado sempre, jamais é aplaudido.
Ninguém corre mais do que ele. É o único obrigado a correr o tempo todo. Este intruso que ofega sem descanso entre os vinte e dois jogadores galopa como um cavalo, e a recompensa por tanto sacrifício é a multidão que exige sua cabeça. (…)

Até o final da Copa, o blog da L&PM publica diariamente um trecho do livro Futebol ao sol e à sombra, de Eduardo Galeano. Leia os anteriores:
Gol de Nilton Santos
O pecado de perder 

Sobrinho-bisneto de Bram Stoker virá ao Brasil

Da sombra do tio-bisavô (?) surge de repente o escritor Dacre Stoker, autor de Drácula, o morto-vivo. Dacre é um parente (bem distante) de Bram Stoker, criador do Drácula (o original), e vem a Bienal do Livro de São Paulo em agosto. Para quem gosta de histórias de terror, é uma oportunidade de ouro: Dacre participará do Salão de Ideias sobre vampirismo com José Mojica Marins, o célebre Zé do Caixão. E se você está pensando em ir, já pode preparar a fantasia: os visitantes caracterizados entram de graça e ainda concorrem a prêmios.

Também durante a Bienal, a L&PM lança na sua Série Ouro, um livro que reúne alguns dos maiores clássicos de horror: Drácula (o de Bram Stoker), Frankenstein,  de Mary Shelley  e O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson.

Veja as adaptações do clássico de Bram Stoker para o cinema no post Parabéns ao Drácula.
 

Gol de Nilton Santos

“Foi no Mundial de 58. O Brasil estava ganhando de 1 a 0 contra a Áustria. No começo do segundo tempo, Nilton Santos, o homem-chave da defesa brasileira, chamado de Enciclopédia pelo muito que sabia de futebol, avançou, partindo de seu campo. Abandonou a retaguarda, passou a linha central, esquivou um par de adversários e continuou seu caminho. O técnico basileiro, Vicente Feola, corria também pela lateral do campo, mas do lado de fora. Suando em bicas, gritava:
– Volta, volta!
E Nilton, imperturbável, continuava sua corida para a área adversária. O gordo Feola, desesperado, agarrava a cabeça, mas Nilton não passou a bola a nenhum atacante: fez toda a jogada sozinho, e culminou-a com um golaço.
Então, Feola, feliz, comentou:
– Viram só? Eu não disse? Este sim, sabe!”

Nota do editor: exatamente há 52 anos atrás, em 29 de junho de 1958, o Brasil conquistou a Copa do Mundo pela primeira vez, derrotando os suecos, anfitriões da Copa, por 5 a 2. 

Até o final da Copa, o blog da L&PM publica diariamente um trecho do livro Futebol ao sol e à sombra, de Eduardo Galeano. Leia o anterior:
O pecado de perder 

Balzac e a política: um autor de direita e uma obra de esquerda

Ivan Pinheiro Machado

Balzac viveu em um dos períodos mais movimentados e importantes da história da humanidade. Nasceu em 20 de maio de 1799 e morreu em 19 de agosto de 1850. Isto significa que, 10 anos antes de seu nascimento, seu pai – advogado e vereador em Tours, cidade onde morava a família de Balzac – estava às voltas com a Revolução Francesa que eclodiu em 14 de julho de 1789. Este dia é o começo do fim do poder absoluto de Luis XVI que acabou definitivamente em setembro de 1792 quando foi proclamada a República. Meses mais tarde, em fevereiro de 93, o rei e a rainha foram decapitados. Começou então o período do Terror, comandado pelos radicais Marat, Danton e Robespierre. Marat acabou assassinado na banheira por Charlotte Corday. Depois foi Danton e, por fim, a cabeça do “incorruptível” Robespierre foi parar no cesto, encerrando o período do Terror um ano depois de seu começo. O Diretório passou a governar a França. É a época do início das guerras napoleônicas, da ascensão fulminante da burguesia, e da instituição da corrupção generalizada. Em 18 brumário do ano IX, segundo o calendário da Revolução (9 de novembro de 1799), aconteceu o famoso golpe de Estado que conduziu Napoleão à chefia da Nação. Balzac tinha 8 meses quando ele assumiu o poder e 6 anos quando autoproclamou-se Imperador. Napoleão caiu em 1814, mas  voltou do exílio na Ilha de Elba para reassumir o governo dos “100 dias”. Seu fim ocorreu em 1815 quando foi derrotado em Waterloo. Balzac tinha 15 anos e assistiu nas Tulherias quando o Imperador fez a pomposa revista das tropas que iam para Waterloo. 20 anos depois, ele descreveria esta cena impressionante de forma magistral em A mulher de 30 anos.

Finda a era de Napoleão, foi restaurada a monarquia com Luis XVIII, depois sucedido por seu primo Carlos X em 1824. Conservador, Carlos X tentou derrubar as conquistas de julho de 1789 e caiu com a Revolução de julho de 1830. Subiu ao trono, Luis Felipe I, o “Felipe Égalité”, um monarca “esclarecido” situado bem à esquerda de Carlos X e simpatizante de Revolução. Mas Felipe foi destronado em 1848 quando, desgastado pela crise econômica e pelas intrigas palacianas, caiu em desgraça tanto pela esquerda como pela direita. Foi proclamada então – para desespero de Balzac – a II República. Balzac morreu em 1850 e não viu a volta da França Imperial. Em 1852, o sobrinho de Napoleão Bonaparte, Luis Bonaparte, foi coroado imperador, após um plebiscito com a concordância de 95% dos franceses. O Napoleão III ficaria 18 anos no poder.

 O “relator” de um novo mundo

Pode-se dizer que Balzac viveu, na plenitude de sua vida, toda a efervescência política da França e da Europa da primeira metade do século XIX.  E não foi pouca coisa. Os primeiros 25 anos do século XIX foram uma viagem vertiginosa com mudanças que se refletiriam nos rumos da civilização ocidental. O jovem Balzac estava lá e teve a sensibilidade de perceber que aquela era uma nova sociedade. Havia uma burguesia financeira e industrial nascente, uma classe média composta de funcionários públicos, profissionais liberais e comerciantes. E havia, sobretudo, a possibilidade de mudar de classe, de ascender socialmente. Enfim, um novo mundo estava batendo à sua porta. E Balzac percebeu que era sua chance de entrar para o panteon da história; ele iria ser o “relator” deste novo mundo. Sua Comédia Humana é o documento definitivo desta transformação.

Enquanto os historiadores se preocuparam em documentar os eventos históricos, Balzac fez o inestimável serviço de narrar a chamada “vida privada” da Europa neste meio século. Marx e Engels nunca esconderam sua admiração por Balzac – que os próprios comunistas consideravam “um vassalo da aristocracia”. Mas Engels teve a percepção correta de que “Balzac descreveu melhor a sociedade francesa do que todos os tratados de historiadores, economistas e estatísticos”.

Politicamente falando, Balzac é o paradoxo em pessoa. Auto-intitulado monarquista e legitimista, era a favor da monarquia do “direito divino”. Seu legado literário é um verdadeiro brado contra a usura, contra a sociedade do dinheiro pelo dinheiro. Suas presas prediletas são os banqueiros, os agiotas, os funcionários super-graduados do Estado francês. Não há um elogio da monarquia como sistema (embora muitas vezes ele apregoe “um governo forte”), mas existe um cinismo impregnado em seus personagens que freqüentam o poder. Sua literatura expõe as vísceras de um sistema geralmente corrupto; o tráfico de influências, o nepotismo, as seduções do poder, o fisiologismo político, a troca de favores.

Se foi “progressista” em sua obra e “reacionário” na vida real, esta é apenas mais uma contradição deste homem que viveu os paradoxos e, dentro deles, construiu a maior obra da história da literatura. No final da sua vida, estava indignado com a Revolução de 1848 quando Luis Felipe, que ele considerava um monarca “liberal demais”, foi derrubado. As barricadas nas ruas de Paris, a II República, deixaram Balzac perplexo. Para ele, era demais absorver a entrada de uma nova classe, no caso, a classe operária, no jogo social. Politicamente, manifestava-se cansado e decepcionado, no ocaso de sua vida. Mesmo assim, apresentou-se como candidato a deputado pelo partido conservador na nova Constituinte. Não foi eleito.

Balzac defendia os aristocratas, era contra a República e tinha um fascínio deslumbrado pela nobreza, pelo “faubourg” Saint Germain, onde moravam os bem nascidos. Este homem de direita fez uma obra de esquerda. Balzac queria ser rico e nobre a qualquer custo. Mas expôs as mazelas de um mundo fútil e corrupto. Era fascinado pelas altas rodas, pelo luxo, mas em seus romances ridicularizava os banqueiros, os agiotas e os grandes proprietários.

A nossa sorte é que ele foi um desastre para os negócios, como vimos no post “Um homem de (maus) negócios”. Porque na impossibilidade de ser rico e poderoso só restou a ele ganhar a vida escrevendo a Comédia Humana.

Leia também:

O homem que amava as mulheres
Balzac: a volta ao Brasil mais de 20 anos depois
Por que ler Balzac
O monumento chamado Comédia Humana
Balzac: o homem de (maus) negócios
Sexo para todos os gostos
20 de maio: aniversário de Balzac
Ouro e prazer
Balzac e as balzaquianas
O poder das mulheres na Comédia humana

CLIQUE AQUI PARA LER A PARTE 12 DESTA SÉRIE.

O pecado de perder

A partir desta segunda-feira e até o final da Copa, o blog da L&PM vai trazer diariamente trechos do livro Futebol ao sol e à sombra, de Eduardo Galeano. O trecho de hoje foi retirado da crônica “O pecado de perder”.

“O futebol eleva suas divindades e as expõe à vingança dos crentes. Com a pelota no pé e as cores pátrias no peito, o jogador que encarna a nação marcha para conquistar glórias em longínquos campos de batalha. Na volta, o guerreiro vencido é um anjo caído. Em 1958, no aeroporto de Ezeiza, as pessoas jogaram moedas nos jogadores de seleção argentina, que tinham feito má figura no Mundial da Suécia. No Mundial de 82, Caszely errou um pênalti e no Chile sua vida ficou impossível. Dez anos mais tarde, alguns jogadores da Etiópia pediram asilo às Nações Unidas, depois de perder por 6 a 1 do Egito.

Somos porque ganhamos. Se perdemos, deixamos de ser. A camisa da seleção nacional transformou-se no mais indubitável símbolo de identidade coletiva, e não só nos países pobres ou nos pequenos que dependem do futebol para figurar no mapa. Quando a Inglaterra foi eliminada nas preliminares do Mundial de 94, o Daily Mirror, de Londres, abriu título na primeira página, em corpo catástrofe: O FIM DO MUNDO.”

Ivan Ilitch

Por Luiz Antonio de Assis Brasil

É uma preciosidade, esta pequena novela de Tolstói: A Morte de Ivan Ilitch. Tão preciosa quanto o romance Guerra e Paz. A primeira, um estudo minimalista; o outro, um poderoso drama acerca da invasão napoleônica à Rússia dos czares. Cada qual, à sua maneira, honra o gênio que os escreveu, e Ivan Ilitch possui uma grandeza que rivaliza com o famoso épico.

E por quê? Antes de tudo, pela segura condução da narrativa. O conflito central – a doença e morte do protagonista – só se agrava da primeira à última página. Aliás, muitos elogiam o admirável Crônica de uma Morte Anunciada como se fosse o primeiro livro a antecipar o seu final sem que isso seja um spoiler. Tolstói já fizera isso. Mesmo sabedores que Ivan Ilitch vai morrer, lemos, fascinados, como a personagem, a partir do anúncio de sua doença, vai ganhando em humanidade, revendo sua vida inútil e amparada por seu cargo burocrático e bem pago.

A questão tratada nesta narrativa não é a morte, que a ela nos acostumamos à medida que passa o tempo, mas é a morte como o fim da possibilidade de aprimorarmos nossa vida. Sim, com a morte cessa todo o esforço para sermos melhores. E quando essa morte surge como uma possibilidade logo ali, ao dobrar da esquina, tudo é pior.

Ivan Ilitch vê, a partir de uma pequena dor, que não é eterno, e que todo o amparo de um conforto conquistado, agora nada valem. Ivan, por isso, não suporta que sua esposa e sua filha decidam ir ao teatro, porque nada é mais importante do que sua doença. Ivan não admite sequer otimismo profissional de seu médico, detesta-lhe a saúde, o perfume, a pele rosada e hígida.

Tolstói consegue, como nenhum outro, utilizar-se da dor física para refletir sobre os limites de nossa vontade. Ivan Ilitch, o onipotente, deve dobrar-se a algo mesquinho e maligno que cresce dentro de seu corpo. Eis aí uma lição para os que, admitindo em tese que são mortais, não aceitam a inevitabilidade de sua morte pessoal. Uma boa reflexão para os neoarrogantes de nosso século.

E temos na praça uma premiada tradução, editada pela L&PM, assinada pela inesquecível e talentosa Vera Karam. É uma celebração da literatura.

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Texto publicado originalmente na coluna de Assis Brasil no jornal Zero Hora.

Astro de Harry Potter deve protagonizar remake de Nada de novo no front

Daniel Radcliffe, vulgo “Harry Potter”, assinou para protagonizar o remake de Nada de novo no front, filme de 1930 dirigido por Lewis Milestone e baseado no clássico de Erich Maria Remarque publicado na Coleção L&PM Pocket.

Radcliffe ficou encantado com o roteiro do remake / Divulgação

O novo longa tem o roteiro assinado por Ian Stokell e Lesley Paterson, mas ainda está sem diretor e, portanto, não tem qualquer definição com relação a datas. Se o projeto realmente sair do papel, Radcliffe interpretará Paul Baumer, um estudante idealista que é levado a se alistar no exército alemão por um professor ultranacionalista. A ideia é mostrar a desilusão dos soldados alemães durante a Primeira Guerra e o estranhamento na volta para casa, alguns anos depois. Stokell disse à revista Variety que Radcliffe traz vulnerabilidade e inocência ao personagem: “Quando nos demos conta de o quanto ele gostou do script ficamos muito felizes, porque sabemos que ele pode encontrar o equilíbrio entre intensidade e credibilidade que é essencial para esse papel.”

No primeiro filme, Paul Baumer foi interpretado pelo ator Lew Aires e recebeu indicações para o Oscar nas categorias de melhor fotografia e diretor. Assista ao trailer:

Com informações do The Guardian

Brasil é país convidado na Feira do Livro de Frankfurt de 2013

É graças a Feira do Livro de Frankfurt que muitos livros chegam até você. O mega evento, que acontece anualmente desde setembro de 1949, é onde as editoras do mundo inteiro se encontram para comprar e vender seus títulos. Pois essa semana foi divulgado que, em 2013, o Brasil será novamente o tema da Feira – a primeira vez foi em 1994. O que isso significa? Que, se você é escritor, terá mais chances do seu livro ser vertido para o alemão e outras línguas. Que, se você é livreiro, seus títulos poderão ter maior destaque na Europa. E que você, leitor, provavelmente terá mais novidades para escolher nas livrarias.

Corredores da Feira de Frankfurt em 2009 / Bob O'Hara

A homenagem ao Brasil foi divulgada após um encontro que reuniu o diretor da Feira, Jüergen Boos, e o Ministro da Cultura do Brasil, Juca Ferreira. Outro que participou da reunião foi Mauricio de Sousa. “O mundo passa por lá para saber o que há de melhor no mercado editorial e nós estaremos lá. Temos que trabalhar para que Frankfurt possa ser a melhor vitrine”, disse o criador da Turma da Mônica. Já o diretor Boos destacou a presença da imprensa: “O importante é que nesses cinco dias são 11 mil jornalistas presentes. Fiz uma pesquisa do que eles escrevem e 60% do noticiário se refere ao país tema, que é convidado de honra”.

Enquanto 2013 não chega, trataremos de aproveitar a 62ª edição da Feira de Frankfurt desse ano, que ocorrerá entre 6 e 10 de outubro. Há cerca de 20 anos a L&PM participa do evento.

A leveza de um suspiro e a precisão de um punhal

Por Jorge Furtado*

Em meu último filme (Saneamento Básico) tem uma cena que termina com uma frase de Dostoiévski na qual eu acredito profundamente: “a beleza salvará o mundo”. Trata-se de um strip-tease de Silene (Camila Pitanga), intercalado com imagens da exuberante natureza da serra gaúcha, regatos, folhas, flores, pedras, musgos, tudo o que há de mais bonito no mundo. Não demorei muito tempo para escolher a trilha da cena, o som de maior beleza possível: a voz de Billie Holiday.

Billie teve uma vida de cão, e não dos mais sortudos. Violentada aos dez anos e internada numa casa de correção, aos 12 era faxineira dos mais sórdidos puteiros de Baltimore. Prostituta aos 14, alcóolatra e viciada em heroína, apanhou e foi roubada por seus sucessivos maridos. Sofreu o que pode até sua morte, aos 44 anos.

Em troca de tanta dor, deixou ao mundo uma obra de raríssima beleza. Billie Holiday é uma força da natureza, uma das maiores artistas da história da humanidade. Sua voz é um instrumento musical capaz de contracenar com o trompete de Louis Armstrong, os pianos de Duke Ellington e Count Basie, o sax de Lester Young e os clarinetes de Benny Goodman e Artie Shaw. Seu ritmo é único e seu timbre, inconfundível. Era também boa compositora, mas nem precisava. Sua interpretação tem, ao mesmo tempo, a leveza de um suspiro e a precisão de um punhal. Corta fundo e assopra, mata e cura. Melhor que o silêncio, só Billie Holiday.

*Jorge Furtado é diretor, roteirista e escritor. Pela L&PM publicou Meu tio matou um cara.

Para saber mais sobre a biografia da maior diva do blues, leia Billie Holiday, o mais recente lançamento da Série Biografias.