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Um leitor na “Ola Google”

Nesta segunda-feira, 16 de junho, o Google publicou um doodle em que suas letras realizam a Ola em meio a outras letras. O interessante é que a letra “L”, em vez de estar assistindo ao jogo, está concentrada lendo. Mas quando a Ola chega ele não deixa de se levantar, sem tirar os olhos do seu livro. Ótimo incentivo à leitura durante a Copa.

Leitor concentrado em meio às letras.

Leitor concentrado em meio às letras.

A Ola ficou famosa na Copa do Mundo de 1986, no México.

Quando Sun Tzu participou da Copa

Na Copa de 2002, quando Luiz Felipe Scolari comandou a seleção brasileira, ele distribuiu a edição em pocket da L&PM de A arte da guerra, de Sun Tzu, para todos os jogadores. Na época, ele falou sobre essa estratégia tática para a Folha de S. Paulo. Leia abaixo um trecho da reportagem.

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“A ARTE DA GUERRA” SERÁ O MANUAL DA COPA

FÁBIO VICTOR – DA REPORTAGEM LOCAL / FERNANDO MELLO E JOSÉ ALBERTO BOMBIG  – DO PAINEL FC

Um pequeno livro, com 111 páginas numa edição de tamanho normal e 141 no formato de bolso, escrito há cerca de 2.500 anos, no século 6º antes de Cristo, é o principal guia da seleção brasileira para enfrentar a Copa do Mundo. Trechos de “A Arte da Guerra”, do chinês Sun Tzu, um filósofo que se tornou general no reino Wu, estarão espalhados pelos quartos dos jogadores nas concentrações do time nacional na preparação para o Mundial. O mentor da estratégia é Luiz Felipe Scolari, entusiasta de técnicas de motivação e psicologia esportiva, supersticioso notório e admirador confesso do ex-ditador chileno Augusto Pinochet. A revelação foi feita por Scolari em entrevista exclusiva à Folha, na última quinta-feira, em dois momentos distintos: no início de uma visita à Redação do jornal e dentro de um carro rumo ao aeroporto de Congonhas, onde tomou um vôo para Porto Alegre. “A Arte da Guerra” prega basicamente que uma vitória militar depende mais de aspectos morais e intelectuais dos oficiais e das circunstâncias da batalha do que do poderio dos Exércitos. Um dos maiores clássicos da literatura de guerra, o livro teria servido de inspiração para Napoleão e foi manual para Mao Tsé-tung e para os exércitos chinês e russo ao longo da história.

Folha – Você vai estimular a leitura na concentração?
Scolari –
Vou levar alguns livros de motivação…

Folha – Quais livros?
Scolari –
A “Arte da Guerra” é um livro. Vou tentar passar para eles algumas coisas que eu leio ali, através do Rodrigo [Paiva, assessor de imprensa da CBF”, que vai bater no computador, ou do Guilherme [Ribeiro, administrador da CBF”, e fixar nos quartos. Vou levar os meus livros de motivação, um ou dois, que eu não vou ter muito tempo, não. Vou levar minhas revistas normais, porque ali tem umas frases para determinados momentos.

Leia aqui a reportagem completa.

Leia texto inédito de Galeano sobre a Copa de 2010

A primeira edição de Futebol ao sol e à sombra (sobre o qual fizemos uma série no blog), de Eduardo Galeano, foi lançada em 1995. Desde então, a cada nova Copa do Mundo, ele atualiza o livro e acrescenta novos textos. Foi assim em 1998, 2002 e 2006. Agora, menos de uma semana após o final do mundial, disponibilizamos com exclusividade em nosso site, o anexo sobre a Copa de 2010, que será incluído na próxima reedição do livro.

A Copa do Mundo de 2010

Eduardo Galeano

Uma campanha internacional transformava o Irã no mais grave perigo para a humanidade, porque dizem que dizem que o Irã teria ou poderia ter armas nucleares, como se tivessem sido iranianos os que lançaram bombas atômicas sobre a população civil de Hiroshima e Nagasaki.
Israel metralhava, em águas internacionais, os navios que levavam à Palestina alimentos, remédios e brinquedos, num dos habituais atos criminosos que castigam os palestinos como se eles, que são semitas, fossem culpados pelo antissemitismo e seus horrores.
O Fundo Monetário, o Banco Mundial e numerosos governos humilhavam a Grécia, obrigando-na a aceitar o inaceitável, como se tivessem sido os gregos, e não os banqueiros de Wall Street, os responsáveis pela pior crise internacional desde 1929.
O Pentágono anunciava que os seus especialistas haviam descoberto no Afeganistão uma jazida de um bilhão de dólares em ouro, cobalto, cobre, ferro e, sobretudo, lítio, o cobiçado mineral imprescindível para os telefones celulares e os computadores portáteis, e o país invasor anunciava isso alegremente, como se ao fim de quase nove anos de guerra e milhares de mortos, tivesse encontrado o que procurava de fato no país invadido.
Na Colômbia, aparecia uma vala comum com mais de dois mil mortos sem nome que o exército havia jogado ali como se fossem guerrilheiros abatidos em combate, ainda que os moradores do lugar soubessem que eram militantes sindicais, ativistas comunitários e camponeses que defendiam as suas terras.
Uma das piores catástrofes ecológicas de todos os tempos transformava o golfo do México numa imensa poça de petróleo, e um mês e meio depois, o fundo do mar seguia sendo um vulcão de petróleo, enquanto a empresa British Petroleum assoviava e olhava para o outro lado, como se não tivesse nada a ver com isso.
Em vários países, uma enxurrada de denúncias acusava a Igreja Católica de abusos sexuais e violações de crianças, e por todo lado se multiplicavam os testemunhos que o medo havia reprimido durante anos e que, por fim, vinham à luz, enquanto algumas fontes eclesiásticas se defendiam dizendo que essas atrocidades ocorriam também fora da Igreja, como se isso a desculpasse e que, em muitos casos, os sacerdotes tinham sido provocados, como se os culpados fossem as vítimas.
Fontes bem informadas de Miami seguiam negando-se a acreditar que Fidel Castro seguisse vivinho da silva, como se ele não estivesse lhes dando novos desgostos a cada dia.
Perdíamos dois escritores sem suplentes, José Saramago e Carlos Monsiváis, e sentíamos falta deles como se não soubéssemos que seguirão ressuscitando entre os mortos, por mais que pareça impossível, pelo puro prazer de atormentar os donos do mundo.
E no porto de Hamburgo, uma multidão comemorava o retorno à primeira divisão alemã do clube de futebol Sankt Pauli, que conta com vinte milhões de simpatizantes, por mais que pareça impossível, congregados em torno das bandeiras do clube: não ao racismo, não ao sexismo, não à homofobia, não ao nazismo.
Enquanto longe dali, na África do Sul, era inaugurado o décimo nono campeonato mundial de futebol, sob o amparo de uma dessas bandeiras: não ao racismo. 

***

Durante um mês, o mundo deixou de girar e muitos dos seus habitantes deixamos de respirar.
Nada atípico, porque isso ocorre a cada quatro anos, mas o atípico foi que esta foi a primeira Copa em terra africana.
A África negra, desprezada, condenada ao silêncio e ao esquecimento, pôde ocupar por um momento o centro da atenção universal, ao menos enquanto durou o campeonato.
Trinta e dois países disputaram a Copa em dez estádios que custaram uma dinheirama. E não se sabe como a África do Sul fará para manter em atividade esses gigantes de cimento, esbanjo multimilionário fácil de explicar, mas difícil de justificar num dos países mais injustos do mundo. 

***

O estádio mais belo, em forma de flor, abre as suas imensas pétalas sobre a baía chamada Nelson Mandela.
Mandela foi o herói desta Copa. Uma homenagem mais do que merecida ao fundador da democracia naquele país. O seu sacrifício rendeu frutos que, de alguma forma, podem ser vistos no planeta inteiro. No entanto, na África do Sul, os negros continuam sendo os mais pobres e os mais castigados pela polícia e pelas pestes, e foram os negros, os mendigos, as prostitutas e os meninos de rua que, nas vésperas da Copa, foram escondidos para não dar má impressão para as visitas. 

***

Ao longo do torneio, pôde-se ver que o futebol africano conservou a sua agilidade, mas perdeu desenvoltura e fantasia. Correu muito, mas dançou pouco. Há quem acredite que os técnicos das seleções, quase todos europeus, tenham contribuído para esse endurecimento. Se foi assim, pouco ajudaram um futebol que prometia tanta alegria.
A África sacrificou as suas virtudes em nome da eficácia, e a eficácia brilhou pela sua ausência. Um só país africano, Gana, ficou entre os oito melhores; e pouco depois, também Gana voltou para casa. Nenhuma seleção africana sobreviveu, nem sequer a do país anfitrião.
Muitos dos jogadores africanos, dignos da sua herança de bom futebol, vivem e jogam no continente que havia escravizado os seus avôs.
Numa das partidas da Copa, enfrentaram-se os irmãos Boateng, filhos de pai ganense: um vestia a camisa de Gana, e o outro, a camisa da Alemanha.
Dos jogadores da seleção de Gana, nenhum jogava no campeonato local.
Dos jogadores da seleção da Alemanha, todos jogavam no campeonato local da Alemanha.
Como a América Latina, a África exporta mão-de-obra e pé-de-obra.

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Jabulani foi o nome da bola do torneio, ensaboada, meio louca, que fugia das mãos e desobedecia aos pés. Essa novidade da Adidas foi imposta no Mundial, mesmo que os jogadores não gostassem nem um pouquinho dela. Do seu castelo de Zurich, os senhores do futebol impõem, não propõem. Eles têm esse costume. 

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Os erros e os horrores cometidos por alguns árbitros colocaram mais uma vez em evidência o que o senso comum exige há muitos anos.
Aos gritos, o senso comum clama, sempre em vão, que o árbitro possa consultar os primeiros planos, registrados pelas câmeras, de jogadas decisivas que sejam duvidosas. A tecnologia permite, agora, que esse cotejo seja feito com a rapidez e a naturalidade com que se consulta outro instrumento tecnológico, chamado relógio, para medir o tempo de cada partida.
Todos os demais esportes, como o basquete, o tênis, o beisebol, a natação e até a esgrima e as corridas de automóvel, utilizam normalmente as ajudas eletrônicas. O futebol, não. E a explicação de seus amos seria cômica, se não fosse simplesmente suspeita: o erro faz parte do jogo, dizem, e nos deixam boquiabertos descobrindo que errare humanum est. 

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A melhor defesa do torneio não foi obra de um goleiro, mas de um goleador: o atacante uruguaio Luis Suárez deteve a escorregadia bola com as duas mãos, na linha do gol, no último minuto de uma partida decisiva. Esse gol teria deixado o seu país fora da Copa: graças ao seu ato de patriótica loucura, Suárez foi expulso, mas o Uruguai não. 

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O Uruguai, que havia entrado na Copa em último lugar, depois de uma penosa classificação, jogou todo o campeonato sem se render nunca, e foi o único país latino-americano que chegou às semifinais. Alguns cardiologistas nos advertiram, pela imprensa, que o excesso de felicidade pode ser perigoso para a saúde. Muitos de nós, uruguaios, que parecíamos condenados a morrer de tédio, comemoramos esse risco, e as ruas do país viraram uma festa. Ao fim e ao cabo, o direito de festejar os próprios méritos é sempre preferível ao prazer que alguns sentem pela desgraça alheia.
O Uruguai terminou em quarto lugar, o que não é tão ruim para o único país que pôde evitar que esta Copa não passasse de uma Eurocopa.
Diego Forlán, nosso goleador, foi eleito o melhor jogador do torneio.

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Ganhou a Espanha. Esse país, que nunca havia conquistado a taça mundial, ganhou com justiça, por obra e graça do seu futebol solidário, um por todos, todos por um, e pela assombrosa habilidade desse pequeno mago chamado Andrés Iniesta.
Holanda foi vice, depois de uma última partida em que traiu, aos pontapés, as suas melhores tradições. 

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A campeã e a vice-campeã da Copa anterior voltaram para casa sem abrir as malas. Em 2006, Itália e França tinham se encontrado na partida final. Agora se encontraram na porta de saída do aeroporto. Na Itália, se multiplicaram as vozes críticas a um futebol jogado para impedir que o rival jogue. Na França, o desastre provocou uma crise política e acendeu as fúrias racistas, porque haviam sido negros quase todos os jogadores que cantaram a Marselhesa nos estádios sul-africanos.
Outros favoritos, como a Inglaterra, tampouco duraram muito.
Brasil e Argentina sofreram cruéis banhos de humildade. O Brasil estava irreconhecível, salvo nos momentos de liberdade que arrombaram a jaula do esquema defensivo. De que sofria este futebol para precisar de um remédio tão duvidoso?
A Argentina foi goleada na sua última partida. Meio século antes, outra seleção argentina havia recebido uma chuva de moedas quando retornou de uma Copa desastrosa, mas desta vez foi bem recebida por uma multidão afetuosa. Ainda há pessoas que creem em coisas mais importantes do que o êxito ou o fracasso. 

***

Esta Copa confirmou que os jogadores se lesionam com reveladora frequência, triturados como estão pelo extenuante ritmo de trabalho que o futebol profissional impõe impunemente. Dirão que alguns ficaram ricos, e até riquíssimos, mas isso só é verdade para os mais cotados, que além de jogar dois ou mais jogos por semana, e além de treinar noite e dia, sacrificam à sociedade de consumo os seus escassos minutos livres vendendo cuecas, carros, perfumes e barbeadores e posando para as capas das revistas de luxo. E, ao fim e ao cabo, isso só prova que este mundo é tão absurdo que tem até escravos milionários. 

***

Faltaram ao encontro duas das superestrelas mais anunciadas e esperadas. Lionel Messi quis comparecer, fez o que pôde, e algo foi visto. Dizem que Cristiano Ronaldo esteve lá, mas ninguém o viu: talvez estivesse muito ocupado vendo-se a si mesmo.
Mas uma nova estrela, inesperada, surgiu das profundidades dos mares e se elevou ao ponto mais alto do firmamento futebolístico. É um polvo que vive num aquário da Alemanha. Chama-se Paul, ainda que merecesse chamar-se Polvodamus.
Antes de cada jogo, formulava as suas profecias. Faziam-no escolher entre os mexilhões que levavam as bandeiras dos dois rivais. Ele comia os mexilhões do vencedor, e não errava.
O oráculo octópode, que influenciou decisivamente nas apostas, foi ouvido no mundo futebolístico com religiosa reverência e foi amado e odiado e até caluniado por alguns ressentidos, como eu: quando anunciou que Uruguai perderia contra Alemanha, denunciei:
− Este polvo é um corrupto.

***

Quando o Mundial começou, pendurei na porta da minha casa um cartaz que dizia: Fechado devido ao futebol.
Quando o retirei, um mês depois, eu já havia jogado sessenta e quatro jogos, de cerveja na mão, sem me mover da minha poltrona preferida.
Essa proeza me deixou moído, com os músculos doloridos e a garganta arrebentada; mas já estou sentindo saudades. Já começo a sentir falta da insuportável ladainha das vuvuzelas, da emoção dos gols não recomendados para cardíacos, da beleza das melhores jogadas repetidas em câmera lenta. E também da festa e do luto, porque às vezes o futebol é uma alegria que dói, e a música que comemora alguma vitória dessas que fazem os mortos dançar soa muito parecida ao clamoroso silêncio do estádio vazio, onde algum vencido, sozinho, incapaz de se mover, espera sentado em meio às imensas arquibancadas sem ninguém.

Felipe Melo & Shakespeare

Ivan Pinheiro Machado

O Brasil ficou melancolicamente de fora da parte quente da Copa do Mundo de 2010. Antiga protagonista temida e respeitada, a seleção brasileira virou inofensiva coadjuvante da grande festa do futebol.
Felipe Melo foi eleito o saco de pancada.
Ele deu o passe genial para Robinho fazer o gol do Brasil contra a Holanda e pouco depois amputou as chances de reação do time ao colaborar no empate da Holanda e ir pra rua ao pisotear um holandês. Como diria William Shakespeare em Julio César: “o bem que os homens fazem quase sempre é enterrado com seus ossos…”

Veja outras frases do grande dramaturgo que estão em Shakespeare de A a Z, da Coleção L&PM POCKET, e que também podem ser aplicadas a certas cenas (dramáticas ou não) do futebol brasileiro:

– Muitos passam para outro amo pisando no primeiro.
– Foge de entrar na briga; mas se acaso brigares, faz com que o competidor te tema sempre.
– Poucos gostam de ouvir falar nas faltas que com prazer praticam.
– A impaciência só fica bem para um cachorro louco.
– Quem gosta de ser adulado é digno de adulador.

David Coimbra visita a editora

 

Mal a Copa acabou e David Coimbra, que esteve na África do Sul como enviado do jornal Zero Hora, já apareceu na editora para fazer uma visita. Infelizmente foi só uma visita mesmo, sem distribuição de presentes ou lembrancinhas africanas. 

David conversa com o editor Ivan Pinheiro Machado / Foto: Cristine Kist

Está previsto para setembro o lançamento do próximo livro de David, Jô na estrada, uma compilação de três folhetins publicados no blog do jornalista. A autoria do livro será dividida com o ilustrador Gilmar Fraga, que contará partes da história da protagonista em forma de quadrinhos.

A guerra dançada

No futebol, sublimação ritual da guerra, onze homens de calção acabam sendo a espada vingadora do bairro, da cidade ou da nação. Estes guerreiros sem armas nem couraças exorcizam os demônios da multidão e confirmam sua fé: em cada confronto entre duas equipes, entram em combate velhos ódios e amores herdados de pai para filho. O estádio tem torres e estandartes, como um castelo, e um fosso fundo e largo ao redor do campo. No meio, uma raia branca assinala os territórios em disputa. Em cada extremo, aguardam os arcos, que serão bombardeados por boladas. Em frente aos arcos, a área se chama zona de perigo. No círculo central, os capitães trocam flâmulas e se cumprimentam como manda o ritual. Soa o apito do árbitro e a bola, outro vento assobiador, põe-se em movimento. A bola vai e vem e um jogador leva essa bola e passeia com ela até que alguém lhe dá uma trombada e ele vai escarranchado. A vítima não se levanta. Na imensidão da grama verde, jaz o jogador. E na imensidão das arquibancadas, vozes trovejam. A torcida inimiga ruge amavelmente:
– Morre!
– Que se muera!
– Devi morire!
– Tuez-le!
– Mach ihn nieder!
– Let him die!
– Kill kill kill!


Como a Copa termina neste final de semana, nossa série de posts com trechos de 
Futebol ao sol e à sombra, de Eduardo Galeano também encerra-se por aqui. Que vença o melhor. Ou não.
Leia os posts anteriores:
Cruyff
Gol de Zarra
Obdulio
Gol de Maradona
O gol
O árbitro
Gol de Nilton Santos
O pecado de perder

Cruyff

A seleção holandesa era chamada de Laranja Mecânica, mas nada tinha de mecânico aquela obra da imaginação, que desconcertava todo mundo com suas mudanças incessantes. Como A Máquina do River, também caluniada pelo nome, aquele fogo laranja ia e vinha, impelido por um vento sábio que o trazia e o levava: todos atacavam e todos defendiam, espalhando-se e unindo-se vertiginosamente em leque, e o adversário perdia as pistas diante de uma equipe onde cada um era onze.
Um jornalista brasileiro chamou-a de desorganização organizada. A Holanda tinha música e o que regia a melodia de tantos sons simultâneos, evitando a bagunça e o desafino, era Johann Cruyff. Maestro da orquestra e músico, Cruyff trabalhava mais do que todos.
Aquele magrinho elétrico tinha entrado para o Ajax quando era menino: enquanto sua mãe servia na cantina do clube, ele recolhia as bolas que iam para fora, limpava as chuteiras dos jogadores, colocava as bandeirinhas nos cantos dos campos e fazia tudo o que lhe pedissem e nada do que lhe mandassem. Queria jogar e não deixavam, por seu físico frágil e seu caráter demasiadamente forte. Quando deixaram entrar, ele ficou. E ainda garoto estreou na seleção holandesa, jogou estupendamente, marcou um gol e com um murro fez o árbitro desmaiar.
Depois continuou sendo esquentado, trabalhador e talentoso. Durante duas décadas ganhou vinte e dois campeonatos, na Holanda e na Espanha . Parou aos trinta e sete anos, quando acabava de fazer seu último gol, nos braços da multidão que o acompanhou do estádio até sua casa.

Até o final da Copa, o blog da L&PM publica diariamente um trecho do livro Futebol ao sol e à sombra, de Eduardo Galeano. Leia os anteriores:
Gol de Zarra
Obdulio
Gol de Maradona
O gol
O árbitro
Gol de Nilton Santos
O pecado de perder

Gol de Zarra

Foi no Mundial de 50. A Espanha acossava a Inglaterra, que só atinava em chutar de longe.
O ponta Gaínza devorou a cancha pela esquerda, passou por meia defesa e cruzou a bola para a meta inglesa. O zagueiro Ramsey chegou a tocá-la, de costas, no contrapé, quando Zarra arremeteu e meteu a bola, raspando a trave esquerda.
Telmo Zarra, goleador da Espanha em seis campeonatos, herdeiro do toureiro Manolete na paixão popular, jogava com três pernas. A terceira perna era sua cabeça fulminante. Foram de cabeça seus gols mais famosos. Zarra não fez de cabeça aquele gol da vitória, mas comemorou-o apertando entre as mãos a medalhinha da Imaculada, pendurada no peito.
O dirigente máximo do futebol espanhol, Armando Muñoz Calero, que tinha participado da invasão nazista a terras russas, enviou por rádio uma mensagem ao generalíssimo Franco:

– Excelência: vencemos a pérfida Albion.

Era a vingança pela aniquilação da Invencível Armada Espanhola, que tinha sido derrotada em 1588 nas águas do Canal da Mancha.
Munõz Calero dedicou a partida “ao Melhor Caudilho do Mundo”. Não dedicou a ninguém a partida seguinte, quando a Espanha enfrentou o Brasil e levou seis gols.

Até o final da Copa, o blog da L&PM publica diariamente um trecho do livro Futebol ao sol e à sombra, de Eduardo Galeano. Leia os anteriores:
Obdulio
Gol de Maradona
O gol
O árbitro
Gol de Nilton Santos
O pecado de perder

Obdulio

Eu era menino e peladeiro, e como todos os uruguaios estava grudado no rádio, escutando a final da Copa do Mundo. Quando a voz de Carlos Solé transmitiu a triste notícia do gol brasileiro, minha alma caiu no chão. Recorri então ao mais poderoso de meus amigos. Prometi a Deus uma quantidade de sacrifícios, se Ele aparecesse no Maracanã e virasse o jogo.
Nunca consegui recordar as muitas coisas que prometi, e por isso nunca pude cumpri-las. Além disso, a vitória do Uruguai diante da maior multidão jamais reunida numa partida de futebol tinha sido sem dúvida um milagre, mas o milagre foi acima de tudo obra de um mortal de carne e osso chamado Obdulio Varela. Obdulio tinha esfriado a partida, quando a avalanche nos caía em cima, e depois carregou toda a equipe nos ombros e com pura coragem impeliu-a contra ventos e marés.
No final daquela jornada, os jornalistas acossaram o herói. E ele não bateu no peito proclamando somos os melhores e que não há quem possa com a garra nacional:
– Foi casualidade – murmurou Obdulio, abanando a cabeça. E quando quiseram fotografá-lo, virou de costas.
Passou aquela noite bebendo cerveja, de bar em bar, abraçado aos vencidos, nos balcões do Rio de Janeiro. Os brasileiros choravam. Ninguém o reconheceu. No dia seguinte, fugiu da multidão que o esperava no aeroporto de Montevidéu, onde seu nome brilhava num enorme letreiro luminoso. No meio da euforia, escapuliu disfarçado de Humphrey Bogart, com um chapéu metido até o nariz e um impermeável de gola levantada.
Em recompensa pela façanha, os dirigentes do futebol uruguaio deram a si mesmos medalhas de ouro. Aos jogadores, deram medalhas de prata e algum dinheiro. O prêmio que Obdulio recebeu deu para comprar um Ford modelo 31, que foi roubado naquela mesma semana.

Leia entrevista em que Galeano fala sobre as chances do Uruguai na Copa.

Até o final da Copa, o blog da L&PM publica diariamente um trecho do livro Futebol ao sol e à sombra, de Eduardo Galeano. Leia os anteriores:
Gol de Maradona
O gol
O árbitro
Gol de Nilton Santos
O pecado de perder

Todos querem falar com Eduardo Galeano

Ivan Pinheiro Machado

Eduardo Galeano é a grande referência internacional do Uruguai. É apaixonado por futebol e autor do clássico Futebol ao sol e a sombra. Sem arroubos patrióticos, Galeano é apaixonado pela sua Celeste, como é chamada carinhosamente a seleção uruguaia. E nós somos seus editores no Brasil, razão pela qual TODOS os grandes veículos de comunicação brasileiros, via amigos ou desconhecidos, pedem para que intercedamos junto ao Galeano para que ele dê declarações e entrevistas a respeito do grande confronto de amanhã contra a Holanda nas semi-finais da Copa. A todos damos a mesma desculpa: não temos esse poder. O que temos feito, diante do assédio da imprensa pedindo telefone, endereço e pistolão é… dar o e-mail. E mesmo por e-mail, todas as tentativas de contactá-lo têm caído no vazio. Pelo que sei, a única pessoa que ele atende, em meio a sua concentração cívica e futebolística ,é seu tradutor, o escritor Sergio Faraco, que está retraduzindo As Veias Abertas da América Latina. Por outro lado, soubemos de fonte segura que ele esteve incógnito, assistindo a Uruguai e Gana no telão da Plaza Independência em Montevidéu, no meio da massa. Quem sabe ele não vai lá amanhã?

Eu compreendo o Galeano. Primeiro, ele está curtindo recluso esta fábula maravilhosa que é seu pequeno país chegar entre as quatro grandes equipes do planeta; que histórias deve estar dando este frenesi! E por mais que ele seja interrompido amanhã contra a Holanda, já terá sido um grande feito da Celeste. E segundo, Galeano, na sua honrada e sincera modéstia, deve estar constrangido, porque – apesar de seu status de celebridade, afinal é publicado em mais de 30 países – jamais se considerou porta-voz do povo uruguaio.

A L&PM está publicando durante a Copa a série Futebol ao sol e à sombra. Diariamente são postados trechos do livro de Galeano. Veja os posts feitos até agora:
Gol de Maradona
O gol
O árbitro
Gol de Nilton Santos
O pecado de perder