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Obdulio

Eu era menino e peladeiro, e como todos os uruguaios estava grudado no rádio, escutando a final da Copa do Mundo. Quando a voz de Carlos Solé transmitiu a triste notícia do gol brasileiro, minha alma caiu no chão. Recorri então ao mais poderoso de meus amigos. Prometi a Deus uma quantidade de sacrifícios, se Ele aparecesse no Maracanã e virasse o jogo.
Nunca consegui recordar as muitas coisas que prometi, e por isso nunca pude cumpri-las. Além disso, a vitória do Uruguai diante da maior multidão jamais reunida numa partida de futebol tinha sido sem dúvida um milagre, mas o milagre foi acima de tudo obra de um mortal de carne e osso chamado Obdulio Varela. Obdulio tinha esfriado a partida, quando a avalanche nos caía em cima, e depois carregou toda a equipe nos ombros e com pura coragem impeliu-a contra ventos e marés.
No final daquela jornada, os jornalistas acossaram o herói. E ele não bateu no peito proclamando somos os melhores e que não há quem possa com a garra nacional:
– Foi casualidade – murmurou Obdulio, abanando a cabeça. E quando quiseram fotografá-lo, virou de costas.
Passou aquela noite bebendo cerveja, de bar em bar, abraçado aos vencidos, nos balcões do Rio de Janeiro. Os brasileiros choravam. Ninguém o reconheceu. No dia seguinte, fugiu da multidão que o esperava no aeroporto de Montevidéu, onde seu nome brilhava num enorme letreiro luminoso. No meio da euforia, escapuliu disfarçado de Humphrey Bogart, com um chapéu metido até o nariz e um impermeável de gola levantada.
Em recompensa pela façanha, os dirigentes do futebol uruguaio deram a si mesmos medalhas de ouro. Aos jogadores, deram medalhas de prata e algum dinheiro. O prêmio que Obdulio recebeu deu para comprar um Ford modelo 31, que foi roubado naquela mesma semana.

Leia entrevista em que Galeano fala sobre as chances do Uruguai na Copa.

Até o final da Copa, o blog da L&PM publica diariamente um trecho do livro Futebol ao sol e à sombra, de Eduardo Galeano. Leia os anteriores:
Gol de Maradona
O gol
O árbitro
Gol de Nilton Santos
O pecado de perder