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Guido Crepax, o verbete do dia

A partir de hoje, nos domingos, o Blog L&PM publicará um verbete da nova Enciclopédia dos Quadrinhos“, de Goida e André Kleinert. O verbete de hoje é GUIDO CREPAX:

“Em grande parte foi graças ao trabalho de Guido Crepax que as histórias em quadrinhos passaram a ser consideradas como a Nona Arte”. Frase do estudioso Marco Giovannini, que de certa maneira sintetiza a enorme importância desse desenhista e criador milanês, um dos mais importantes nomes dos comics pós-guerra. Depois de graduar-se em Arquitetura, Guido resolveu seguir a carreira artística de ilustrador, em Tempo médico (1958). Embora tivesse tentado os quadrinhos ainda adolescente, foi só mesmo em 1965, quando Giovanni Gardini criou a revista Linus, que Crepax fez sua estreia numa narrativa chamada La Curva di Lesme. O personagem principal era Philip Rembrandt, um crítico de arte e criminologista, cujos poderes concretizavam-se numa figura conhecida pelo nome de Neutron. A permanência de Neutron/Philip durou pouco. Em viagem à Itália, Rembrandt era recebido no aeroporto de Milão, pela Signorina Valentina Rosseli, uma fotógrafa que logo se torna sua amiga íntima.

Valentina, feita à imagem e semelhança de Elisa Crepax (a mulher de Guido) e também a atriz do cinema mudo norte-americano, Louise Brooks, aos poucos foi tomando conta da série “Neutron”. Posteriormente, Philip, casado com ela, acabou sempre um personagem subalterno. Com o correr do tempo, Crepax abandonou em Valentina as histórias convencionais. Preferiu desenhar, numa complexa diagramação de páginas, buscando detalhes em primeiríssimos planos (como montagem cinematográfica), os sonhos, as lembranças e as divagações de sua heroína. Isso garantiu para os quadrinhos modernos as mais maravilhosas narrativas ambientadas no terreno da subjetividade erótico-psicológica. Valentina, antes mesmo do final da década de 60, já era um sucesso internacional, tornando pequena outra heroína sexy que havia surgido quase junto, Barbarella de Jean Claude Forest. Hoje com quase duas mil páginas, Valentina continua fascinando os leitores do mundo inteiro e suas histórias, além das características assinaladas, tem uma certa cronologia familiar. Valentina tem um filho, Mattia, que já é adolescente.

Nos anos 80, a L&PM Editores publicava Valentina, de Guido Crepax

Crepax, entretanto, tinha uma capacidade muito maior do que a limitação ao sucesso de Valentina. Criou outras figuras femininas notáveis – Bianca, Anita – e realizou versões de clássicos da literatura fantástica, como Drácula, de Bram Stoker, e O médico e o monstro, de Stevenson. Fez também adaptações de obras eróticas como A história de O e Emmanuelle. E arranjou tempo para dar sua contribuição à Larousse, em obras como “A Descoberta do Mundo” (mais de mil páginas, junto com Battaglia, Toppi, Sio, Manara e outros) e “A História da China”. Até o fim de seus dias, Crepax morou em Milão, sempre em companhia de Elisa e os três filhos do casal. Seu grafismo inconfundível certamente influenciou muitos jovens a seguirem a carreira de quadrinistas. Isso sem falarmos nos adultos, que descobriram em Crepax quadrinhos para gente grande. Além dos álbuns acima citados, Crepax trabalhou para a série “Um Homem, Uma Aventura”, nos títulos Harlem Blues e Rússia em chamas, não publicados no Brasil. Igualmente inéditos ficaram os álbuns Poe (1979), reunião de histórias baseadas nos escritos de Allan Poe; Lanterna mágica (1981), histórias sem balões com texto; As viagens de Bianca (1991); e The Turn of The Screw (Eurotica, 1995), baseado num original de Henry James. Traduzido para o Brasil tivemos A Vênus das peles (Opera Erótica/Martins Fontes, 1984), versão da obra de Leopold Sacher Masoch. Para uma leitura crítica mais abrangente, sugerimos o álbum de Marco Aurélio Luchetti, Desnudando Valentina (Opera Graphica, 2005).

34. A história dos quadrinhos

O “Era uma vez… uma editora” de hoje está um pouco diferente. Como Ivan Pinheiro Machado está viajando, o post está menos autoral (mas nem por isso menos histórico). Semana que vem Ivan está de volta.

Tudo começou com um quadrinho: Rango, lançado pela L&PM em 1974. Dois anos depois, foi a vez de um álbum do cartunista e pintor Caulos, Só dói quando eu respiro, considerado o primeiro livro brasileiro de um autor importante que denunciava, através do cartum, a devastação ecológica. Em 1980, vieram os álbuns de luxo europeus clássicos, como os quadrinhos eróticos de Guido Crepax, entre eles História de O e vários títulos de Valentina e Anita.

 

Em meados da década de 80, começaram a ser publicados os álbuns clássicos de autores americanos, com destaque para Spirit, de Will Eisner, Fantasma, de Lee Falk, Batman de Bob Cane e Dick Tracy de Chester Gould.

Mais no final dos anos 1980, chegaram os quadrinhos undergrounds americanos como Freak Brothers de Gilbert Shelton e títulos de Crumb como Minhas mulheres. No meio de tudo isso, Moebius, Dik Browne, Quino, Jules Feiffer, Wolinski, Milton Caniff e outros grandes autores nacionais e internacionais que, juntos, somaram 120 títulos.

Esta coleção durou até os anos 90, mas deixou sua marca, cuja linha editorial serviu de inspiração para novas editoras. A tradição em publicar quadrinhos, no entanto, não se esgotou. Prova disso é que os títulos continuam chegando e fazendo parte do catálogo da editora. A partir de setembro deste ano, terá início a série Clássicos em HQ que somará oito títulos publicados em dez volumes. O primeiro deles será Robinson Crusoé. Depois virão A volta ao mundo em 80 dias, Dom Quixote, A ilha do tesouro, Um conto de natal, Os miseráveis, As histórias das mil e uma noites, Guerra e Paz e Odisseia.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo quarto post da Série “Era uma vez… uma editora“.