O desenhista Renato Canini morreu dormindo na noite desta quarta-feira, 30 de outubro, aos 77 anos na cidade de Pelotas. Ele que foi um dos principais ilustradores do personagem Zé Carioca, da Disney e que ficou conhecido por dar às histórias do Zé Carioca, criado nos Estados Unidos, uma jeitinho mais brasileiro.
Em 1976, Canini participou do primeiro volume da Antologia Brasileira de Humor, editada pela L&PM. Além das charges que ilustraram cinco páginas do livro, ele também fez parte do conselho editorial da publicação.
O nome de Canini na capa da “Antologia Brasileira de Humor- Vol. I”, publicada pela L&PM em 1976
Uma vez, num verão muito quente em 1975, quatro jovens pegaram um ônibus em Porto Alegre e foram ao Rio de Janeiro falar com Millôr Fernandes. O encontro havia sido marcado por telefone. A famosa secretária eletrônica do Millôr registrara nosso interesse em conversar com ele. E foi com grande emoção que recebemos sua ligação de volta, com o dia e a hora para aparecermos no seu estúdio na rua Gomes Carneiro, bem no comecinho de Ipanema. E lá fomos nós, Paulo Lima e eu, donos da raquítica e recém fundada L&PM Editores (4 livros em catálogo na época), o desenhista Edgar Vasques e o humorista Fraga, co-editores da futura “Antologia Brasileira de Humor” a ser publicada pela L&PM em dois volumes. A visita era exatamente para convidá-lo para participar desta antologia. No dia combinado, lá chegamos e fomos recebidos magnificamente por Millôr. A conversa estava tão boa que ele cometeu a suprema gentileza de nos convidar para almoçar em seu apartamento na Vieira Souto esquina com Aníbal de Mendonça. De frente para o mar de Ipanema. Foi a primeira de tantas vezes que desfrutei dos magníficos almoços dirigidos pela poderosa assessoria gastronômica da Dona Wanda, a esposa de Millôr.
Assim começou nosso longo convívio e nossa parceria editorial. Millôr Fernandes e Josué Guimarães foram os primeiros grandes autores de renome nacional publicados pela L&PM. Millôr nos deixou no dia dia 27 de março de 2012 e parte fundamental de seu legado foi (e ainda é) editado por nós. A seguir, os títulos e os respectivos anos das edições L&PM:
Antologia brasileira de humor (em 2 vols. com vários autores) – 1975 Devora-me ou te decifro – 1976 Liberdade, Liberdade (teatro, com Flávio Rangel) – 1977, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1998 É… (teatro) – 1977 A história é uma história (teatro) – 1978 Orfãos de Jânio (teatro) – 1979 Flávia cabeça tronco e membros (teatro) – 1979, reeditado na Col. L&PM Pocket em 2001 Bons Tempos Hein? (teatro) – 1979 Um elefante no Caos (teatro) – 1979, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1998 Vidigal: memórias de um Sargento do Milícias (música de Carlinhos Lira) – 1982 Duas Taboas e uma paixão (teatro) – 1982 Homem do princípio ao fim (teatro) – 1982, reeditado na Col. L&PM Pocket em 2000 Poemas– 1984, reeditado Col. L&PM Pocket 2001 Diários da Nova República 1 – 1985 Diários da Nova República 2 – 1988 Diários da Nova República 3 – 1988 Humor nos tempos de Collor (com Jô Soares e Luis Fernando Veríssimo) – 1991 Millôr Definitivo – A Bíblia do Caos – 1994 (edição brochura, formato 16 x 23cm); 2000 (9ª edição especial em capa dura com sobre-capa); 2002 – reeditado na Col. L&PM Pocket; 2007 – 15ª edição em capa dura com sobre-capa (formato 16 x 23cm), ampliada em 157 frases. Kaos (teatro) – 1995, Col. L&PM Pocket em 2008 Hai kais – 1997, Col. L&PM Pocket O livro vermelho dos pensamentos do Millôr – 2005, Col. L&PM Pocket Crítica da razão impura ou O primado da ignorância – Sobre Brejal dos Guajas, de José Sarney, e Dependência e Desenvolvimento na América Latina, de Fernando Henrique Cardoso – 2002 Viúva imortal (teatro) – 2009, Col. L&PM Pocket
A megera domada – 1979, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1998 Rei Lear, de W. Shakespeare – 1980, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1997 O jardim das cerejeiras, de Anton Tchekov – 1981, reeditado na Col.L&PM Pocket em 2006 As lágrimas amargas de Petra Von Kant, de Rainer W. Fassbinder – 1982 Hamlet, de W. Shakespeare – 1984, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1997 Tio Vânia, de Anton Tchekov – 1984, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1997 Fedra, de Racine – 1985, reeditado na Col.L&PM Pocket em 2002 Pigmaleão, de Bernard Shaw – 1985, reeditado na Col. L&PM Pocket em 2006 Don Juan, o convidado de pedra, de Molière – 1994, reeditado na Col. L&PM Pocket em 2004 As alegres matronas de Windsor, de W. Shakespeare – 1995, Col. L&PM Pocket Lisístrata, de Aristófanes – 2002, Col. L&PM Pocket A Celestina, de Fernando de Rojas – 2008
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Para ver as obras traduzidas por ele, clique aqui.
O segundo lançamento da L&PM Editores foi a “Antologia Brasileira de Humor” em dois volumes. Era 1976. Hoje, passadas mais de três décadas, este livro, que reúne os 82 dos mais importantes humoristas brasileiros da época, é um documento único, histórico e precioso. O humor estava – paradoxalmente – em alta. Vivíamos sob dura censura e eram o cartum, a tira, ou mesmo o texto de humor, os únicos veículos onde, por ignorância e descuido dos censores, ainda se podia “vazar” algum “contrabando” contra a ditadura. A “Antologia Brasileira de Humor” retrata de maneira extraordinária este momento da história cultural e política de nosso país. A prova da popularidade dos livros de humor são as listas de bestsellers da época. Entre os livros mais vendidos, a maioria eram livros do gênero. Títulos de Ziraldo, Millôr Fernandes, antologias de piadas e outros livros editados principalmente pela editora Codecri, de propriedade de “O Pasquim”, dominavam as listas. E toda a atividade humorístico/contestadora do país, na época, emanava de uma velha casa no alto da ladeira da rua Saint Roman, no final de Copacabana, no Rio de Janeiro. Lá era a a sede do “templo” da resistência cultural brasileira, “ O Pasquim”.
Os volumes 1 e 2 da "Antologia Brasileira de Humor"
Havíamos estreado como editora em agosto de 1974 com o Rango 1, do Edgar Vasques (leia o post que conta esta história). O Lima, o Edgar Vasques, o Fraga (humorista e colaborador da Folha da Manhã de Porto Alegre) e eu formávamos a equipe que editaria a primeira grande antologia organizada naqueles tempos sombrios.
Para que o nosso projeto se concretizasse precisávamos “vender” a ideia para a turma do Pasquim. Millôr, Ziraldo, Caulos, Ivan Lessa, Jaguar, Fortuna, Henfil e o resto da “patota” (como eles se auto-intitulavam) tinha que endossar a empreitada. Além é claro, da turma de São Paulo, com Laerte, Angeli, Luiz Gê, Chico e Paulo Caruso entre muitos outros. Se o pessoal do “Pasquim” aderisse, certamente todo mundo seguiria.
O Edgar Vasques era um cara conhecido pelo seu original e brilhante personagem Rango (que mais tarde seria publicado também pelo “Pasquim”). Tendo ele como referência, marcamos – via caríssimos telefonemas interurbanos –, encontros com Millôr Fernandes e Ziraldo no Rio de Janeiro. Éramos meninos de pouco mais de 20 anos e Millôr e Ziraldo já eram monstros sagrados da cultura brasileira. O encontro com Millôr foi inesquecível. Ele se mostrou gentilíssimo, recebeu-nos em sua cobertura/estúdio na praça Gen. Osório e, depois do encontro, nos convidou para almoçar na sua casa, na Vieira Souto esquina com Aníbal de Mendonça. Neste prestigiado endereço tivemos a oportunidade de comer um verdadeiro banquete de comida brasileira promovido por Dona Vanda, esposa do Millôr. De lá, fomos até a sede do “Pasquim”, onde Ziraldo nos aguardava precedido por um telefonema do Millôr. Subimos a íngreme ladeira da rua Saint Roman e lá apresentamos ao Ziraldo o projeto da “Antologia” pedindo que ele fizesse um “meio-campo” entre nós e o pessoal que colaborava no “Pasquim”. Ele achou ótimo e se comprometeu a cobrar dos parceiros o material para inclusão na antologia. Henfil, Caulos, grandes figuras, testemunharam o encontro e imediatamente se solidarizaram conosco prometendo também nos ajudar a “cooptar” o resto do pessoal. Até que, no meio da nossa conversa, Ivan Lessa entrou na sala. Eu, que achava o Ivan Lessa e o Millôr os caras mais inteligentes do Brasil, preparei-me para me curvar diante do gênio. Ele estava sério, olhou para nós irritado e perguntou:
– Quem são estes caras? (Bem assim).
O tom era de poucos amigos. Ziraldo ficou meio constrangido, mas falou:
– Eles são gaúchos lá de Porto Alegre, estão organizando uma Antologia Brasileira de Humor e querem a nossa colaboração.
Ivan Lessa passou da irritação à indignação:
– Pôrra Ziraldo! Você adora dar força para a concorrência! Não vê que estes caras são nossos concorrentes, pô! Porque a Codecri não faz esta porra desta antologia? Desta aí eu estou fora!
Ficamos paralisados. O Ziraldo, o Caulos e o Henfil, chateadíssimos, esperaram o Ivan Lessa sair da sala batendo a porta para se desculparem. Nós estávamos chocados. O Ziraldo procurou contemporizar:
– Não levem a mal, porque o Ivan é assim mesmo…deixa comigo, eu convenço ele a participar.
Seis meses depois, ia para as livrarias a “ Antologia Brasileira de Humor” em dois volumes, com capa do grande cartunista paranaense Miran, 10 mil exemplares de tiragem (cada volume) e com a participação de 82 humoristas, entre eles… Ivan Lessa.
Abaixo, separamos alguns dos cartuns que foram publicados nos dois volumes da antológica antologia. Clique e folheie à vontade:
*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo cinco post da Série “Era uma vez… uma editora“.