A próxima terça-feira (16) marcará a abertura da exposição Tempo de ausência: 30 anos sem Josué Guimarães, que ocupará o Espaço Memória da Cultura (Rua dos Andradas, 1.234 – Sala 1003), em Porto Alegre. Josué foi uma das figuras mais atuantes no jornalismo gaúcho no século XX, tendo trabalhado como repórter, editor, correspondente internacional, ilustrador e colunista em jornais influentes como o Diário de Notícias, A Hora, Folha da Tarde, Zero Hora e Folha de S.Paulo. Na literatura, descoberta por ele apenas no fim dos anos 1960, Josué compôs, por meio de livros como Camilo Mortágua, Os tambores silenciosos e Dona Anja e da trilogia inacabada A ferro e fogo, um fiel retrato da sociedade da qual foi observador implacável. A exposição foi montada originalmente em 2016, na Universidade de Passo Fundo, que sedia a cada dois anos, a Jornada Literária de Passo Fundo, da qual Josué foi um dos principais colaboradores. Na mostra, estão, por exemplo, a máquina de escrever de Josué Guimarães e os originais de A ferro e fogo, É tarde para saber e As muralhas de Jericó. O primeiro livro do autor, Os ladrões, e o esboço da capa da obra Um corpo estranho entre nós dois também fazem parte da exposição. Além disso, há preciosidades, como cartas trocadas entre Josué e o escritor Érico Veríssimo.
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30 anos de saudades de Josué Guimarães
Em 23 de março de 2016, completaram-se 30 anos da morte de Josué Guimarães.
Seu nome está estreitamente ligado à L&PM, pois foi um dos primeiros grandes autores brasileiros a aderir ao nosso projeto. Isto lá nos idos de 1976, dois anos depois da fundação da editora. Antes de ter sido um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, autor de uma obra sólida, emocionante e de altíssima qualidade literária, Josué foi um homem de bem, um amigo solidário, alguém que dedicou o melhor de si mesmo para um projeto humanista de sociedade. Era generoso e combativo. Sua fé na liberdade e na democracia, valeu-lhe uma dura perseguição por parte da ditadura militar de 1964 e o exílio em Portugal.
Passados três décadas, eu ainda posso vê-lo, bem humorado, com o seu ar maroto e amigo, elegante como sempre, numa gravata preta a olhar-me do retrato pendurado na parede em minha sala. E fico pensando: será que não se fazem mais homens íntegros, coerentes até quase a insanidade, como Josué? Rejeitado por uma elite cultural no seu tempo (que torcia o nariz porque Josué ganhava a vida como jornalista), sua obra sobreviveu intacta, verdadeiros clássicos que são reeditados permanentemente.
Grande amigo, conselheiro, um ótimo papo. Sempre alegre – ou fingindo estar ok, quando não estava – ele tinha permanentemente na ponta da língua uma palavra de estímulo, de carinho. Deixou-nos precocemente, no auge de sua carreira como escritor, aos 65 anos. Recém publicara a pequeno e emocionante novela “Garibaldi & Manoela – uma história de amor” e tinha mais quatro romances desenhados na sua cabeça. Josué contava as suas obras futuras para os seus amigos até a exaustão. Quando ele achava que a história estava “fechadinha”, como ele dizia, sentava-se na máquina e escrevia de um fôlego só. Sem emendas.
Foram os originais mais limpos que eu conheci em décadas como editor. Deixou “contados” quatro romances, “A morte da primeira dama”, que seria a história de uma telefonista (no tempo das telefonistas) de uma cidade do interior que exercia um enorme poder, pois escutava as conversas, “Uma fresta na janela” que seria a história – também numa cidade do interior – de uma mulher que observava tudo o que se passava na cidade, “A Ferro e Fogo, vol. 3” que se chamaria “Tempo de Angústia” (os volumes anteriores chamaram-se “Tempo de Solidão” e “Tempo de Guerra”) e finalmente “Brava Gente” uma novela-saga atemporal, em que um homem percorreria toda a história do Brasil – um romance entre o histórico e o fantástico. Peço ao leitor o benefício da dúvida na descrição destes livros que jamais sairão, pois afinal se passaram 30 anos… Saudades do Josué Guimarães. (Ivan Pinheiro Machado)
Eles estão prestes a virar pocket
Lançados originalmente em formato convencional pela L&PM, muitos livros ganham vida nova quando são relançados em pocket. Isso porque, neste novo formato, eles ficam disponíveis nos milhares de expositores que a editora mantém em todos os cantos do país; seja nas bancas de jornais do Chuí, na rede de farmácia Big Bem em Belém do Pará, na Livraria Saraiva do Shopping Manauara em Manaus, passando pelas praias de Natal no Rio Grande do Norte e chegando a dezenas de bancas na Avenida Paulista em São Paulo. Muito mais baratas, as edições da coleção L&PM POCKET, a maior coleção de livros de bolso do Brasil, estão literalmente em todos os cantos do país, com um acabamento industrial impecável e com preços que correspondem, no mínimo, a metade do que custariam em uma edição convencional. Veja abaixo o que vem por aí, livros que recentemente foram sucesso de livraria e que, ainda este ano, estarão disponíveis em edições econômicas e bem cuidadas:
Simon’s Cat: as aventuras de um gato travesso e comilão (vol. 1 e 2) – Simon Tofield
Só as mulheres e as baratas sobreviverão – Claudia Tajes
Revolução Francesa (vol 1 e vol 2) – Max Gallo
Diários de Jack Kerouac – 1947-1954
As melhores histórias da mitologia egípcia – A. S. Franchini
As melhores lendas medievais – A. S. Franchini e Carmen Seganfredo
Pedaços de um caderno manchado de vinho – Charles Bukowski
A camareira – Markus Orths
Espelhos – Eduardo Galeano
Surdo mundo – David Lodge
Todos os contos de Maigret (vol. 1 e 2) – Georges Simenon
A ferro e fogo 1: Tempo de solidão – Josué Guimarães
A ferro e fogo 2: Tempo de guerra – Josué Guimarães
Morre Nydia Guimarães, viúva do escritor Josué Guimarães
Morreu ontem (01 de maio) em Canela, na serra gaúcha, aos 82 anos, Nydia Guimarães, viúva do escritor Josué Guimarães. Tenho de Nydia muitas e ternas lembranças e a mais comovente é o profundo amor que tinha por Josué, a quem carinhosamente chamava de “Jua”. Desde que o grande escritor morreu, em março de 1986, Nydia nunca mais foi a mesma. Recolheu-se a sua bela casa em Canela e foi curtir sua saudades. Eu e meu irmão, José Antonio, conhecemos Nydia, Josué e seus filhos Adriana e Rodrigo quando eles estavam exilados em Lisboa, em 1975. Ambos passamos uma temporada em sua casa em Cascais. Meu irmão estava em Lisboa quando contraiu uma doença estranha e ardia em febre sem que descobrissem a causa. Nydia foi buscá-lo no hotel onde estava e cuidou dele como de um filho. Meses mais tarde, neste mesmo ano de 1975, logo em seguida à Revolução dos Cravos, cheguei em Lisboa e tive o mesmo tratamento afetivo e carinhoso. No ano seguinte, Paulo Lima e eu passaríamos a editar “É tarde para saber” e daí para frente publicaríamos todos os livros de Josué. Foram quase 40 anos de convívio com Nydia. Embora distante nos últimos anos, pois ela morava em Canela, sempre tínhamos notícias suas. Ao seu lado, Josué encontrou a paz que foi fundamental para escrever toda a sua grande obra. Para nós fica a lembrança da sua gentileza, do carinho, da lealdade e da sincera atenção que tinha para com os amigos e, sobretudo, do seu amor inabalável por Josué que durou até o último segundo da sua vida. (Ivan Pinheiro Machado)
Millôr e L&PM: uma parceria de décadas
Uma vez, num verão muito quente em 1975, quatro jovens pegaram um ônibus em Porto Alegre e foram ao Rio de Janeiro falar com Millôr Fernandes. O encontro havia sido marcado por telefone. A famosa secretária eletrônica do Millôr registrara nosso interesse em conversar com ele. E foi com grande emoção que recebemos sua ligação de volta, com o dia e a hora para aparecermos no seu estúdio na rua Gomes Carneiro, bem no comecinho de Ipanema. E lá fomos nós, Paulo Lima e eu, donos da raquítica e recém fundada L&PM Editores (4 livros em catálogo na época), o desenhista Edgar Vasques e o humorista Fraga, co-editores da futura “Antologia Brasileira de Humor” a ser publicada pela L&PM em dois volumes. A visita era exatamente para convidá-lo para participar desta antologia. No dia combinado, lá chegamos e fomos recebidos magnificamente por Millôr. A conversa estava tão boa que ele cometeu a suprema gentileza de nos convidar para almoçar em seu apartamento na Vieira Souto esquina com Aníbal de Mendonça. De frente para o mar de Ipanema. Foi a primeira de tantas vezes que desfrutei dos magníficos almoços dirigidos pela poderosa assessoria gastronômica da Dona Wanda, a esposa de Millôr.
Assim começou nosso longo convívio e nossa parceria editorial. Millôr Fernandes e Josué Guimarães foram os primeiros grandes autores de renome nacional publicados pela L&PM. Millôr nos deixou no dia dia 27 de março de 2012 e parte fundamental de seu legado foi (e ainda é) editado por nós. A seguir, os títulos e os respectivos anos das edições L&PM:
Antologia brasileira de humor (em 2 vols. com vários autores) – 1975
Devora-me ou te decifro – 1976
Liberdade, Liberdade (teatro, com Flávio Rangel) – 1977, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1998
É… (teatro) – 1977
A história é uma história (teatro) – 1978
Orfãos de Jânio (teatro) – 1979
Flávia cabeça tronco e membros (teatro) – 1979, reeditado na Col. L&PM Pocket em 2001
Bons Tempos Hein? (teatro) – 1979
Um elefante no Caos (teatro) – 1979, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1998
Vidigal: memórias de um Sargento do Milícias (música de Carlinhos Lira) – 1982
Duas Taboas e uma paixão (teatro) – 1982
Homem do princípio ao fim (teatro) – 1982, reeditado na Col. L&PM Pocket em 2000
Poemas – 1984, reeditado Col. L&PM Pocket 2001
Diários da Nova República 1 – 1985
Diários da Nova República 2 – 1988
Diários da Nova República 3 – 1988
Humor nos tempos de Collor (com Jô Soares e Luis Fernando Veríssimo) – 1991
Millôr Definitivo – A Bíblia do Caos – 1994 (edição brochura, formato 16 x 23cm); 2000 (9ª edição especial em capa dura com sobre-capa); 2002 – reeditado na Col. L&PM Pocket; 2007 – 15ª edição em capa dura com sobre-capa (formato 16 x 23cm), ampliada em 157 frases.
Kaos (teatro) – 1995, Col. L&PM Pocket em 2008
Hai kais – 1997, Col. L&PM Pocket
O livro vermelho dos pensamentos do Millôr – 2005, Col. L&PM Pocket
Crítica da razão impura ou O primado da ignorância – Sobre Brejal dos Guajas, de José Sarney, e Dependência e Desenvolvimento na América Latina, de Fernando Henrique Cardoso – 2002
Viúva imortal (teatro) – 2009, Col. L&PM Pocket
Traduções e adaptações teatrais:
A megera domada – 1979, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1998
Rei Lear, de W. Shakespeare – 1980, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1997
O jardim das cerejeiras, de Anton Tchekov – 1981, reeditado na Col. L&PM Pocket em 2006
As lágrimas amargas de Petra Von Kant, de Rainer W. Fassbinder – 1982
Hamlet, de W. Shakespeare – 1984, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1997
Tio Vânia, de Anton Tchekov – 1984, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1997
Fedra, de Racine – 1985, reeditado na Col. L&PM Pocket em 2002
Pigmaleão, de Bernard Shaw – 1985, reeditado na Col. L&PM Pocket em 2006
Don Juan, o convidado de pedra, de Molière – 1994, reeditado na Col. L&PM Pocket em 2004
As alegres matronas de Windsor, de W. Shakespeare – 1995, Col. L&PM Pocket
Lisístrata, de Aristófanes – 2002, Col. L&PM Pocket
A Celestina, de Fernando de Rojas – 2008
Para ver os livros de Millôr no nosso catálogo, clique aqui.
Para ver as obras traduzidas por ele, clique aqui.
58. O Primeiro-ministro que amava as novelas
Por Ivan Pinheiro Machado*
Em 1976, Portugal era uma festa. Depois de 40 anos da sinistra ditadura salazarista, a cidade de Lisboa vivia a euforia dos cravos vermelhos. Tudo começara um ano antes, em 1975, quando a Revolução dos Cravos havia devolvido a democracia ao povo português.
Naquele ano, eu debutava na Feira Internacional do Livro de Frankfurt, onde, levado pela mão do grande editor brasileiro Fernando Gasparian, fiz os primeiros contatos com importantes agentes e editores internacionais. Gasparian era um homem internacional na exata acepção da palavra. Circulava nas rodas mais influentes da intelectualidade de esquerda europeia. Havia morado em Londres e feito política no Brasil, onde chegou a ser Secretário da Indústria do Estado de São Paulo. Foi empresário, fazendeiro, ganhou muito dinheiro e sempre se manteve firme nos seus ideais democráticos. Participou ativamente da resistência, foi sócio de O Pasquim e dono do legendário Opinião um dos jornais mais sérios e ativos no combate à ditadura. Na época, Portugal era uma espécie de paraíso para nós, brasileiros nostálgicos da democracia. Um verdadeiro exército de exilados invadia Lisboa. Eram professores, militantes, profissionais liberais, políticos cassados… enfim, uma legião de expatriados que já havia fugido da Argentina, que caíra nas mãos dos militares, e depois escapara do Chile, que estava nas mãos igualmente sinistras de Pinochet. Os que conseguiram sair do Chile acabaram, a maioria, ou em Paris ou em Portugal pós Revolução dos Cravos.
Fernando Gasparian já tinha vários encontros agendados e no domingo, quando a Feira de Frankfurt acabou, nós voamos para Lisboa. Eu fui para a casa do escritor Josué Guimarães, um dos principais correspondentes de jornais brasileiros sediados em Lisboa, que juntamente com sua mulher Nídia me acolheu principescamente. Chegamos por volta do meio-dia e, ao anoitecer, Gasparian me ligou e disse “vamos a um jantar meio formal, seria bom que você colocasse uma gravata”. Era o seu estilo afirmativo, sua maneira peculiar de fazer convites. Eu ri e perguntei onde iríamos. Ele estava apressado: “Vamos nos encontrar às 8h no Tivoli”. Às 8 horas lá estava eu de gravata em frente ao tradicional Hotel Tivoli. O Gasparian chegou pontualmente num táxi, eu subi e em 15 minutos estávamos no… Palácio Presidencial. “O Mário (Soares) nos convidou para jantar”, disse o Fernando rindo, “você vai gostar dele, é um boa praça”.
Fomos recebidos pelo cerimonial do palácio, umas três ou quatro pessoas. Uma das encarregadas não demorou a explicar a ausência do anfitrião: “O Primeiro-ministro pede que aguardem no salão uns 15 minutos, pois ele está a ver a novela brasileira”. Nós sorrimos e sentamos no magnífico salão. O jantar foi divertidíssimo, pois o Primeiro-ministro Mário Soares, amigo do Gasparian, era um homem culto e muito divertido. E não perdia por nada nenhum capítulo de “Gabriela Cravo e Canela”, que liderava a audiência em Portugal em 1976.
*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quinquagésimo oitavo post da Série “Era uma vez… uma editora“.
42. Saudades de Josué Guimarães
Por Ivan Pinheiro Machado*
O texto a seguir foi originalmente publicado neste espaço em 25 de março de 2011. Como o editor Ivan Pinheiro Machado encontra-se na Jornada de Passo Fundo, evento que este ano homenageia Josué Guimarães, optamos por reproduzir este post dentro da Série “Era uma vez… uma editora”
Seu nome está estreitamente ligado à L&PM, pois foi um dos primeiros grandes autores brasileiros a aderir ao nosso projeto. Isto lá nos idos de 1976, dois anos depois da fundação da editora. Antes de ter sido um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, autor de uma obra sólida, emocionante e de altíssima qualidade literária, Josué foi um homem de bem, um amigo solidário, alguém que dedicou o melhor de si mesmo para um projeto humanista de sociedade. Era generoso e combativo. Sua fé na liberdade e na democracia, valeu-lhe uma dura perseguição por parte da ditadura militar de 1964 e o exílio em Portugal.
Passado um quarto de século, eu ainda posso vê-lo, bem humorado, com o seu ar maroto e amigo, elegante como sempre, numa gravata preta a olhar-me do retrato pendurado na parede em minha sala. E fico pensando: será que não se fazem mais homens íntegros, coerentes até quase a insanidade, como Josué? Rejeitado por uma elite cultural no seu tempo (que torcia o nariz porque Josué ganhava a vida como jornalista), sua obra sobreviveu intacta, verdadeiros clássicos que são reeditados permanentemente.
Grande amigo, conselheiro, um ótimo papo. Sempre alegre – ou fingindo estar ok, quando não estava – ele tinha permanentemente na ponta da língua uma palavra de estímulo, de carinho. Deixou-nos precocemente, no auge de sua carreira como escritor, aos 65 anos. Recém publicara a pequeno e emocionante novela “Garibaldi & Manoela – uma história de amor” e tinha mais quatro romances desenhados na sua cabeça. Josué contava as suas obras futuras para os seus amigos até a exaustão. Quando ele achava que a história estava “fechadinha”, como ele dizia, sentava-se na máquina e escrevia de um fôlego só. Sem emendas.
Foram os originais mais limpos que eu conheci em décadas como editor. Deixou “contados” quatro romances, “A morte da primeira dama”, que seria a história de uma telefonista (no tempo das telefonistas) de uma cidade do interior que exercia um enorme poder, pois escutava as conversas, “Uma fresta na janela” que seria a história – também numa cidade do interior – de uma mulher que observava tudo o que se passava na cidade, “A Ferro e Fogo, vol. 3” que se chamaria “Tempo de Angústia” (os volumes anteriores chamaram-se “Tempo de Solidão” e “Tempo de Guerra”) e finalmente “Brava Gente” uma novela-saga atemporal, em que um homem percorreria toda a história do Brasil – um romance entre o histórico e o fantástico. Peço ao leitor o benefício da dúvida na descrição destes livros que jamais sairão, pois afinal se passaram 25 anos… Saudades do Josué Guimarães.
*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo segundo post da Série “Era uma vez… uma editora“.
Nunca é tarde para ler Josué Guimarães
SOMBRAS E DORES DA DITADURA
Sergius Gonzaga*
Quando Josué Guimarães escreveu É tarde para saber, em 1976, o Brasil ainda vivia sob o signo de uma longa ditadura militar que se estendeu por vinte anos (1964-1984). Apesar de seu projeto desenvolvimentista, do crescimento econômico ocorrido, em especial nos primeiros anos da década de 1970, e da unificação definitiva do país através de uma múltipla rede de comunicações (televisão, correios, telefonia), o regime autoritário trouxe consigo um universo de sombras e dores. (…) Centenas de rapazes e moças, ultrapassando o medo, a dor, a ameaça da tortura – praticada indiscriminadamente em quartéis e delegacias de polícia -, ultrapassando o próprio horror à morte, fizeram da luta armada a sua situação-limite, o seu enfrentamento radical com o sistema. Despreparados do ponto de vista militar, sem entender o processo social, cultural e econômico que o Brasil experimentava, sem lideranças capazes ou representativas, sem calcular a força brutal do inimigo, inocentes e, ao mesmo tempo, aventureiros, muitos desses jovens foram fácil e impiedosamente derrotados pelas forças repressivas.
Escrever sobre um deles, como Josué o fez em É tarde para saber, exigia coragem e sutileza, porque a ditadura continuava com seu manto assustador de censura, intimidação e controle das existências individuais. Coube também ao escritor, através da figura de Mariana, evocar uma parte da juventude brasileira que se mantinha alienada do que ocorria nos substerrâneos do regime. Fez isso sem acusá-la ou reprová-la. Simplesmente desvelou sua inocente inconsciência, produzindo assim um estranho romance político em que não se discute política. Por isso, mais do que uma bela história de amor adolescente, mais do que um Romeu e Julieta ambientado no Rio de Janeiro de algumas décadas atrás, mais do que um relato de suspense, esta novela é uma obra de grande tradição realista brasileira e ocidental: uma obra que, simultaneamente, mostra e desmascara o seu tempo histórico.
* Sergius Gonzaga é Secretário de Cultura de Porto Alegre, professor, editor, especialista em literatura brasileira e grande conhecedor da obra de Josué Guimarães. Este texto é parte da introdução da edição de É tarde para saber da Coleção L&PM Pocket.
27. A última enciclopédia da era pré-Google
Por Ivan Pinheiro Machado*
O Jorge Furtado todo mundo conhece. Além de festejado roteirista e diretor de TV, é um dos grandes cineastas brasileiros, autor de “Meu tio matou um cara”, “Era uma vez dois verões”, “O homem que copiava”, o clássico curta-metragem “Ilha das Flores”, entre tantos outros trabalhos importantes. O Giba Assis Brasil é outro homem de cinema, exímio montador, parceiro de Jorge Furtado em praticamente todos os seus trabalhos, sócio dele na Casa de Cinema de Porto Alegre – que tem ainda Carlos Gerbase, Nora Goulart, Luciana Tomasi e Ana Luiza Azevedo como sócios. Ambos foram responsáveis pelo projeto de uma grande enciclopédia da cultura brasileira que a L&PM planejava executar e publicar. Se você perguntar ao Jorge ou ao Giba porque não saiu este que foi um dos projetos mais carinhosamente acalentados pela L&PM na época, eles dirão: “em poucos anos os caras estariam inventando o Google, e então…”.
Tudo começou em 1981. O escritor Josué Guimarães entrou na nossa sala (o Lima e eu trabalhávamos na mesma sala) e declarou solenemente: “Não tenho mais tempo nem saco para ir nas escolas dar palestras para os estudantes. Me perdoem, tenho cinco livros pra escrever e a partir de agora vou me dedicar somente aos meus livros e ao meu trabalho na Folha de S. Paulo”. Dito isto, o Josué sorriu e completou: “Mas eu tenho uma ideia”. Foi assim que nasceu a L&PM Vídeo, uma ideia do Josué Guimarães. Seria assim: nós gravaríamos o depoimento dos autores da editora com um roteiro baseado nas questões que costumeiramente são postas pelos estudantes nas escolas. Então, em vez do autor, iriam até as escolas um operador, um aparelho de TV e o vídeo.
Contratamos o jornalista Marcelo Lopes para tocar a nova empresa. Depois vieram trabalhar no projeto Jorge Furtado, Giba Assis Brasil e José Pedro Goulart, que foi parceiro de Jorge e Giba em vários curta-metragens consagrados. Entre outros trabalhos, produzimos o único depoimento que Josué Guimarães deixou para a posteridade, já que morreria pouco tempo depois, em 1986. Gravamos ainda vários autores e especialmente um precioso vídeo que mostra o pintor Iberê Camargo executando diante das câmeras um retrato do escultor Xico Stockinger.
A verdade é que fizemos uma produtora de vídeos culturais muito antes de existir mercado e viabilidade econômica. Tudo era ainda muito precário, o equipamento caríssimo, não havia patrocínio e nós não conseguimos descobrir uma forma de ganhar algum dinheiro com aquilo. Passado o entusiasmo, faltou o dinheiro. Então, caímos na realidade, vendemos o equipamento e fechamos a produtora. E o Jorge e o Giba ficaram desempregados.
Foi aí então que resolvemos recontratar a dupla, já que eles estavam interessados em fazer a nossa tão sonhada “Enciclopédia da Cultura Brasileira” – uma grande enciclopédia que reuniria todos os nomes importantes da cultura brasileira, incluindo (apenas) cinema, literatura, música, artes plásticas, teatro, arquitetura e jornalismo. Mas… depois de 3.000 fichas prontas com os dados completos de pessoas e principais fatos da cultura brasileira em todos os tempos, os dois rapazes desapareceram. Antes que enlouquecessem, foram fazer seus filmes, seguir sua vocação. Durante muito tempo eu guardei as fichas em enormes caixas de papelão. Eu me divertia especialmente quando encontrava o Giba que, envergonhadíssimo, queria nos indenizar por não ter concluído o projeto… Mas a verdade é que, poucos anos depois, o mundo mudou. E, caso tivéssemos levado o projeto adiante, o Google certamente passaria como uma patrola sobre a nossa enciclopédia…
*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o vigésimo sétimo post da Série “Era uma vez… uma editora“.
21. Nós e o SNI (Serviço Nacional de Informações)
Por Ivan Pinheiro Machado*
O Luis Claúdio Cunha, combativo jornalista e autor do clássico “Operação condor: o sequestro dos uruguaios” (L&PM, 2009) me alertou no ano passado (2010) que a Casa Civil da Presidência da República estava disponibilizando, para qualquer cidadão brasileiro, sua ficha (se houvesse) junto aos órgãos de segurança durante o período da Ditadura Militar (1964-1985). Embora eu jamais tenha me considerado um perigoso subversivo, por curiosidade, solicitei formalmente ao Gabinete da Presidência da República a minha “folha corrida” nos órgãos de segurança e repressão da ditadura militar..
Sinceramente, achava que receberia uma resposta tipo “nada consta”. Eis que, poucos dias depois, aterrissou na minha mesa um envelope pardo enviado por Sedex, cujo remetente era “Casa Civil da Presidência da República”, com brasão e tudo. Abri o envelope. Havia termos de responsabilidade, confidencialidade, etc, e um aviso dizendo que aquilo era um resumo de cada registro em meu nome, junto ao Serviço Nacional de Informações (SNI), no período entre 1974 e 1985. Caso eu desejasse as informações detalhadas, teria de fazer nova solicitação. As informações resumidas, com o número de cada “ocorrência”, compreendiam umas dez páginas, com mais de 30 registros. Muitas delas me ligavam ao meu pai e ao Paulo Lima, meu sócio até hoje, e ao jornalista Mario Lima, pai do Paulo, todos nós descritos como perigosos subversivos. Registravam os livros ditos “perigosos para o regime” que lançávamos e incluía como fato altamente subversivo, uma jornalzinho de humor, o “Risco”, que editávamos no início da década de 80. Há registros tais como “Ivan Gomes Pinheiro Machado chegou em Frankfurt, Alemanha, em 14 de outubro de 1976. Em 18 de outubro já estava em Londres, Inglaterra, hospedado na casa de Douglas Aguiar… Em seguida foi para Lisboa onde participou de reuniões com grupos de exilados e elementos anti-regime liderados por Josué Guimarães, Fernando Gasparian…” e por aí vai. Havia menções também a conversas com o “perigoso subversivo Flavio Koutzii, recém chegado da Argentina”. Os registros do SNI descreviam minuciosamente os nossos passos quando ciceroneamos em Porto Alegre Luis Carlos Prestes, na sua volta do exílio. Prestes era amigo e antigo companheiro de partido do meu pai. Enfim, havia nos resumos cifrados, numerados e carimbados, outros detalhes da minha vida na década de 70 de que eu até já havia esquecido. Li atentamente tudo aquilo e fiquei pensando, pensando. A gente era permanentemente espionado e não sabia. Ou melhor, suspeitávamos que éramos espionados, mas isto sempre se punha na conta da paranóia geral daqueles tempos. “Cuidado com o telefone!”, ou “Não fala alto que o fulano é do DOPS…”. Por outro lado, ingenuamente, não nos achávamos importantes para os órgãos de informação. Quando houve a primeira apreensão de livros por motivos políticos, nos demos conta de que nossa atividade era de risco; aqueles que faziam livros, para uma ditadura, eram mais perigosos do que os criminosos comuns.
Lembro até de uma frase do Millôr Fernandes, sobre aqueles tempos sombrios: “Nós temos muita importância para sermos presos e nenhuma importância para sermos soltos…”. Era bem isso. Hoje se vê; quanto dinheiro eles gastavam para espionar os cidadãos! Estabelecer conexões para xeretear a viagem de um menino de 23 anos em Frankfurt, Londres, Lisboa! Os documentos oficiais que me chegaram às mãos comprovam como uma ditadura é burra, insensível e dispendiosa. Deu pra ver que tínhamos, sim, razões para ter medo. E deu também para chegar a uma melancólica conclusão sobre a natureza humana. Há, nestas dezenas de folhas que eu recebi da Casa Civil, informações quase íntimas, que faz supor que o inimigo/informante, se não estava ao lado, estava muito próximo e muitas vezes, quem sabe, sentado na nossa mesa no bar…
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