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30 anos de saudades de Josué Guimarães

Em 23 de março de 2016, completaram-se 30 anos da morte de Josué Guimarães.

Seu nome está estreitamente ligado à L&PM, pois foi um dos primeiros grandes autores brasileiros a aderir ao nosso projeto. Isto lá nos idos de 1976, dois anos depois da fundação da editora. Antes de ter sido um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, autor de uma obra sólida, emocionante e de altíssima qualidade literária, Josué foi um homem de bem, um amigo solidário, alguém que dedicou o melhor de si mesmo para um projeto humanista de sociedade. Era generoso e combativo. Sua fé na liberdade e na democracia, valeu-lhe uma dura perseguição por parte da ditadura militar de 1964 e o exílio em Portugal.

Passados três décadas, eu ainda posso vê-lo, bem humorado, com o seu ar maroto e amigo, elegante como sempre, numa gravata preta a olhar-me do retrato pendurado na parede em minha sala. E fico pensando: será que não se fazem mais homens íntegros, coerentes até quase a insanidade, como Josué? Rejeitado por uma elite cultural no seu tempo (que torcia o nariz porque Josué ganhava a vida como jornalista), sua obra sobreviveu intacta, verdadeiros clássicos que são reeditados permanentemente.

Josué Guimarães na sala do editor Ivan Pinheiro Machado

Grande amigo, conselheiro, um ótimo papo. Sempre alegre – ou fingindo estar ok, quando não estava – ele tinha permanentemente na ponta da língua uma palavra de estímulo, de carinho. Deixou-nos precocemente, no auge de sua carreira como escritor, aos 65 anos. Recém publicara a pequeno e emocionante novela “Garibaldi & Manoela – uma história de amor” e tinha mais quatro romances desenhados na sua cabeça. Josué contava as suas obras futuras para os seus amigos até a exaustão. Quando ele achava que a história estava “fechadinha”, como ele dizia, sentava-se na máquina e escrevia de um fôlego só. Sem emendas.

Foram os originais mais limpos que eu conheci em décadas como editor. Deixou “contados” quatro romances, “A morte da primeira dama”, que seria a história de uma telefonista (no tempo das telefonistas) de uma cidade do interior que exercia um enorme poder, pois escutava as conversas, “Uma fresta na janela” que seria a história – também numa cidade do interior – de uma mulher que observava tudo o que se passava na cidade, “A Ferro e Fogo, vol. 3” que se chamaria “Tempo de Angústia” (os volumes anteriores chamaram-se “Tempo de Solidão” e “Tempo de Guerra”) e finalmente “Brava Gente” uma novela-saga atemporal, em que um homem percorreria toda a história do Brasil – um romance entre o histórico e o fantástico. Peço ao leitor o benefício da dúvida na descrição destes livros que jamais sairão, pois afinal se passaram 30 anos… Saudades do Josué Guimarães. (Ivan Pinheiro Machado)

Eles estão prestes a virar pocket

Lançados originalmente em formato convencional pela L&PM, muitos livros ganham vida nova quando são relançados em pocket. Isso porque, neste novo formato, eles ficam disponíveis nos milhares de expositores que a editora mantém em todos os cantos do país; seja nas bancas de jornais do Chuí, na rede de farmácia Big Bem em Belém do Pará, na Livraria Saraiva do Shopping Manauara em Manaus, passando pelas praias de Natal no Rio Grande do Norte e chegando a dezenas de bancas na Avenida Paulista em São Paulo. Muito mais baratas, as edições da coleção L&PM POCKET, a maior coleção de livros de bolso do Brasil, estão literalmente em todos os cantos do país, com um acabamento industrial impecável e com preços que correspondem, no mínimo, a metade do que custariam em uma edição convencional. Veja abaixo o que vem por aí, livros que recentemente foram sucesso de livraria e que, ainda este ano, estarão disponíveis em edições econômicas e bem cuidadas:

Simon’s Cat: as aventuras de um gato travesso e comilão (vol. 1 e 2) – Simon Tofield

Só as mulheres e as baratas sobreviverão Claudia Tajes

Revolução Francesa (vol 1 e vol 2) – Max Gallo

Diários de Jack Kerouac – 1947-1954

As melhores histórias da mitologia egípcia – A. S. Franchini

As melhores lendas medievais – A. S. Franchini e Carmen Seganfredo

Pedaços de um caderno manchado de vinho – Charles Bukowski

A camareira – Markus Orths

Espelhos – Eduardo Galeano

Surdo mundo – David Lodge

Todos os contos de Maigret (vol. 1 e 2) – Georges Simenon

A ferro e fogo 1: Tempo de solidão Josué Guimarães

A ferro e fogo 2: Tempo de guerra Josué Guimarães

42. Saudades de Josué Guimarães

Por Ivan Pinheiro Machado*

O texto a seguir foi originalmente publicado neste espaço em 25 de março de 2011. Como o editor Ivan Pinheiro Machado encontra-se na Jornada de Passo Fundo, evento que este ano homenageia Josué Guimarães, optamos por reproduzir este post dentro da Série “Era uma vez… uma editora”

Seu nome está estreitamente ligado à L&PM, pois foi um dos primeiros grandes autores brasileiros a aderir ao nosso projeto. Isto lá nos idos de 1976, dois anos depois da fundação da editora. Antes de ter sido um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, autor de uma obra sólida, emocionante e de altíssima qualidade literária, Josué foi um homem de bem, um amigo solidário, alguém que dedicou o melhor de si mesmo para um projeto humanista de sociedade. Era generoso e combativo. Sua fé na liberdade e na democracia, valeu-lhe uma dura perseguição por parte da ditadura militar de 1964 e o exílio em Portugal.

Passado um quarto de século, eu ainda posso vê-lo, bem humorado, com o seu ar maroto e amigo, elegante como sempre, numa gravata preta a olhar-me do retrato pendurado na parede em minha sala. E fico pensando: será que não se fazem mais homens íntegros, coerentes até quase a insanidade, como Josué? Rejeitado por uma elite cultural no seu tempo (que torcia o nariz porque Josué ganhava a vida como jornalista), sua obra sobreviveu intacta, verdadeiros clássicos que são reeditados permanentemente.

Josué Guimarães na parede da sala de Ivan Pinheiro Machado

Grande amigo, conselheiro, um ótimo papo. Sempre alegre – ou fingindo estar ok, quando não estava – ele tinha permanentemente na ponta da língua uma palavra de estímulo, de carinho. Deixou-nos precocemente, no auge de sua carreira como escritor, aos 65 anos. Recém publicara a pequeno e emocionante novela “Garibaldi & Manoela – uma história de amor” e tinha mais quatro romances desenhados na sua cabeça. Josué contava as suas obras futuras para os seus amigos até a exaustão. Quando ele achava que a história estava “fechadinha”, como ele dizia, sentava-se na máquina e escrevia de um fôlego só. Sem emendas.

Foram os originais mais limpos que eu conheci em décadas como editor. Deixou “contados” quatro romances, “A morte da primeira dama”, que seria a história de uma telefonista (no tempo das telefonistas) de uma cidade do interior que exercia um enorme poder, pois escutava as conversas, “Uma fresta na janela” que seria a história – também numa cidade do interior – de uma mulher que observava tudo o que se passava na cidade, “A Ferro e Fogo, vol. 3” que se chamaria “Tempo de Angústia” (os volumes anteriores chamaram-se “Tempo de Solidão” e “Tempo de Guerra”) e finalmente “Brava Gente” uma novela-saga atemporal, em que um homem percorreria toda a história do Brasil – um romance entre o histórico e o fantástico. Peço ao leitor o benefício da dúvida na descrição destes livros que jamais sairão, pois afinal se passaram 25 anos… Saudades do Josué Guimarães.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo segundo post da Série “Era uma vez… uma editora“.

7. Josué & Millôr, os primeiros grandes autores

Por Ivan Pinheiro Machado*

Josué Guimarães foi autor de obras-primas como os romances “A Ferro e Fogo – Tempo de Solidão”, “A Ferro e Fogo – Tempo de Guerra”, “É Tarde para saber”, “Camilo Mortágua”, “Enquanto a noite não chega”, entre outros. Era amigo e cliente do meu pai. Por ter sido colaborador de Jango e Brizola, a ditadura nunca largou o pé do Josué, a ponto dele ter que refugiar-se primeiro em Santos, São Paulo, com nome falso e mais tarde em Lisboa, onde testemunharia a Revolução dos Cravos em 1975. A propósito do movimento que acabou com o regime truculento do ditador Salazar, escreveu o livro “Lisboa Urgente”, publicado pela editora Civilização Brasileira que pertencia ao seu amigo Enio Silveira. Foi nesta época que eu o conheci. Estava indo para Frankfurt e tinha uma escala em Lisboa. Meu pai pediu para que eu fosse portador de uma encomenda para o Josué. Quando desembarcamos em Lisboa para pegar a conexão para Frankfurt, o Josué me aguardava no aeroporto. Conversamos uma meia hora, entreguei o pacote e ele convidou-me para passar uns dias em sua casa em Cascais quando retornasse de Frankfurt. Dito e feito. Uma semana depois, cheguei à capital portuguesa e fui desfrutar da maravilhosa hospitalidade de Nídia e Josué. Foram dias inesquecíveis, não só pelo carinho dos anfitriões, mas pelo clima que se vivia em Lisboa. Era uma verdadeira festa de libertação que não acabava nunca. E pra quem, como eu, chegava de um país dominado por uma sombria ditadura, curtir Lisboa naquele ano de 1976, com vinte e poucos anos, era uma experiência pra nunca mais esquecer. Certa noite, depois do jantar, Josué abriu uma garrafa de vinho verde e me chamou pra sacada de sua bela casa. “Vem cá, guri, vamos conversar”. Obedeci, curioso. Josué foi direto ao ponto. “Tu queres publicar um livro meu?” Eu quase caí da cadeira.

A L&PM engatinhava, tinha publicado só 3 ou 4 livros e o Josué completava, com Erico Veríssimo e Dyonélio Machado, o trio de autores gaúchos com renome nacional no início dos anos 70. Obviamente eu disse sim. “Meu editor brasileiro me pediu pra modificar um romance que enviei para publicação. O principal personagem é um rapaz que atua na guerrilha urbana, é comunista e vive na clandestinidade. Ele conhece uma moça normal, de classe média, e eles se apaixonam, mas ela não sabe das atividades dele. Meu editor está com medo dos milicos. Não vou mudar o livro, vou mudar de editora. Toma os originais, lê e amanhã me diz alguma coisa, boa noite!” Comecei a ler naquela hora mesmo, 11 horas da noite. Às 3 da madrugada eu tinha terminado o livro com um nó na garganta. Mal conseguia dormir. A perspectiva de publicar um grande livro de um grande autor, era excitante demais para pegar no sono. Em julho de 1976, a L&PM lançava “É tarde para saber”, com capa do grande pintor gaúcho Nelson Jungbluth. O lançamento foi numa memorável tarde de autógrafos na tradicional Livraria Lima, em Porto Alegre. Foram milhares de livros vendidos na época. E vende muito até hoje, quando seguimos publicando a obra completa de Josué Guimarães.

Um mês depois, saiu o livro “Devora-me ou te decifro” do Millôr Fernandes. Ou seja, não dava mais para voltar atrás.

Para ler o próximo post da série “Era uma vez uma editora…” clique aqui.