Arquivo mensais:novembro 2010

100 anos da Revolta da Chibata: tempo de relembrar João Cândido

“Vamos fazer agora um juramento. Cada um para o seu Deus, cada um para o seu guia. Custe o que custar, mesmo tendo que matar milhares de pessoas e deixar em ruínas a nossa capital, Marcelino Rodrigues Menezes será o último marinheiro chicoteado em um navio brasileiro.”

O trecho acima é do livro João Cândido, o almirante negro de Alcy Cheuiche. João Cândido,  o líder da Revolta da Chibata, foi anistiado em lei publicada no Diário Oficial da União, em 2009.  No ano em que a a Revolta da Chibata completa 100 anos, Cheuiche faz mais uma homenagem ao grande marinheiro: no dia 22/11, às 17h, o autor bate um papo com o público presente ao lançamento de seu livro, na livraria Travessa 1 (Travessa do Ouvidor, 17 – Centro – Rio de Janeiro).

No nosso site, você lê um trecho do livro. Abaixo veja fotos almirante negro .

João Cândido foi expulso da Marinha e internado no Hospital dos Alienados como louco e indigente - Foto:1910 Arquivo Nacional


João Cândido vendendo peixe a uma freguesa na praça 15, centro do Rio de Janeiro - Foto: 1938/Arquivo Edmar Morel/Biblioteca Nacional

O ex-líder dos marinheiros João Cândido em 1957 - Foto: Arquivo Nacional -1957

O fenômeno “As veias abertas da América Latina”

A mais tradicional das feiras de livros no Brasil, a Feira do Livro de Porto Alegre, em sua 56ª edição, aponta entre os cinco livros mais vendidos nada mais nada menos do que “As veias abertas da América Latina” do escritor uruguaio Eduardo Galeano. É um fenômeno, como gostam de dizer os próprios uruguaios. Afinal, trata-se de um livro que foi lançado 40 anos atrás. Em agosto deste ano, a L&PM contratou “As veias abertas…” que era o único livro de Galeano que não estava em nosso catálogo. Fizemos uma versão convencional em 21 x 14 cm e uma versão na coleção L&PM POCKET, com uma nova e festejada tradução do escritor Sergio Faraco. É um livro emblemático, um brado de resistência. Conta a história real do continente, onde gestos heróicos e grandes homens são confrontados sistematicamente com o assédio predatório dos colonizadores. Toda uma política de genocídio que justificava a exploração do ouro, da prata e de tantas riquezas de que nosso continente é pródigo. Ao permanecer como um “best seller sistemático”, “As veias abertas da América Latina” mostra que ainda há uma esperança pelo interesse que ele desperta nos jovens. Apesar de Galeano enfatizar em seu prefácio nesta edição de 2010: “O autor lamenta que este livro não tenha perdido a atualidade…” (IPM)

Anonymus Gourmet ilustrado por Gonza

Gonzalo Rodriguez, o Gonza, é um ilustrador de mão cheia. Basta ver suas caricaturas e desenhos para concordar. O Anonymus Gourmet, por exemplo, está uma “maravilha” (atenção para o clássico “Voltaremos” na língua pátria do ilustrador – que é argentino). É ou não é igualzinho ao José Antônio Pinheiro Machado? Aliás, 100 segredos de liquidificador, o mais recente livro do Anonymus é um dos mais vendidos da Feira do Livro de Porto Alegre. Para ver mais ilustrações do Gonza, dê uma passada pelo blog do artista. Vale a pena.

Paul in Poa

Angélica Seguí*

Gritinhos histéricos ecoaram pela cidade. Mulheres, homens e simpatizantes se descabelaram. Todos aguardavam ansiosos a entrada de Paul Mc Cartney no palco montado no estádio Beira-Rio, em Porto Alegre. Quase todos… menos eu.

Eu não cresci ouvindo Beatles. No “3 em 1” dos meus pais uruguaios, acostumados a añorar, só rodavam notícias, a banda Iracundos, algun sambita brasilero e outros latinos desconhecidos no Brasil. Mas, acredite, no show do Paul eu chorei. Eu que não peguei fila, que não aguardei ansiosamente pelo show, que não morria por Beatles, eu chorei. Chorei como chora uma criança. Como chorou quem já viveu histórias de amor e amizade com trilha sonora dos garotos de Liverpool. Como qualquer ser humano choraria ao ver o poder inexplicável de uma estrela. Um homem capaz de emocionar os que nunca se emocionam. O show de Paul in Poa foi uma grande celebração ao rock. Um estádio com pessoas em estado de hipnose, cantando e pulando sem parar.  Algo que jamais vi acontecer em um show, e não sei se voltarei a ver. E como diz minha querida amiga Kátia Suman: “Dane-se o resto, o cara é um Beatle”.

Show de Paul McCartney em Porto Alegre - Foto: Mirella Nascimento

Hoje é dia dos portenhos viverem esta emoção. Aqui em Porto Alegre Paul fez questão de falar português e presentear os gaúchos com um “Mas bah tchê!” Qual será a surpresa para os argentinos? Paulistas! Preparem-se…

*jornalista e blogueira

Em sua crônica, Luís Augusto Fischer reflete sobre a Feira do Livro de Porto Alegre

DE TUDO

Luís Augusto Fischer*

– FEIRA – Sensação meio ruim de andar na Feira examinando as bancas: o cenário parece tomado por sebos a desovar estoques de livros irrelevantes e por instituições com escassa relação com o livro. (Para dar um exemplo, apenas: por que bom motivo há um estande do Tribunal do Trabalho ali, bem no meião de tudo?) Para achar publicação relevante, é preciso muita paciência. Em 2010, algumas perguntas se impõem: por que mesmo acabou o desconto, que era uma das grandes atrações da Feira? E por que mesmo não fazem mais a lista dos mais comprados? Quem é que a Feira quer circulando e comprando os livros?

– ANIMAL AGONIZANTE – Deve voltar a cartaz em seguida uma adaptação para o palco de O Animal Agonizante, romance de Philip Roth, com uma atuação excelente de Luiz Paulo Vasconcellos no papel daquele melancólico professor de literatura, um veterano das fantasias de 1968 que pretendeu viver com sexo livre e sem laço significativo com uma parceira. Tudo no lugar: a gente ri, pensa, sente, quase chora, tudo numa levada cênica amena, sem apelação sensacionalista alguma, mas profunda o suficiente, capaz de nos fazer experimentar o espelho revelador que uma grande narração pode oferecer. A direção de Luciano Alabarse volta ao drama contemporâneo otimamente, porque não se a vê – diretor de drama, como de cinema, precisa ter suas marcas, mas é tão melhor quanto mais se pareça àquele ideal do juiz de futebol, que deixa rolar o jogo e não chama a atenção sobre si.

– DOR SEM FORMA NEM TAMANHO – Morreu no domingo o jovem Floriano Xavier Reckziegel, filho de duas figuras queridas, a Isabel e o Roque. Nessa hora em que o futuro é abruptamente interrompido fiquei repassando um vasto passado que compartilho com eles: o Roque e eu (mais o Cajo) fazíamos artesanato, num hippismo adolescente magnífico, ele um artista talentoso desde menino; por um tempo de juventude, moramos juntos (ele, eu, o Cícero e depois o então Nestorzinho), e foi nessa época que ele e a Isabel se conheceram, ela uma ex-aluna minha, talentosa desde sempre, depois colega de profissão da maior competência. Tanto laço bom, que nós temos a fortuna de poder recordar. A memória, talvez a suprema humanidade. O Floriano não vai usufruir dela; ficamos nós com a tarefa.

– PREGO – Foi exatamente uma dor desse tipo, pela morte do meu irmão, Sérgio “Prego”, que gerou o livro Puro Enquanto, pela L&PM (obrigado, Ivan, Lima, Cacá), reunindo o material inédito dele mais um conjunto de depoimentos sobre ele (a memória, que nos faz ser o que somos). Foi há mais de três anos, e desde então muita gente de mobilizou para que na segunda que vem, dia 15, às 18h (no Memorial, Sala dos Jacarandás), a gente pudesse fazer o lançamento.

* O texto acima foi originalmente publicado no Segundo Caderno do Jornal Zero Hora em 9 de novembro de 2010.

Jô conversa com seu criador, David Coimbra

Em conversa imaginária, personagem do livro Jô na estrada tira suas dúvidas existenciais com o escritor David Coimbra, seu criador.   

Jô

Jô, desenhada por Gilmar Fraga

– Aí está um bom começo para nossa conversa! Você me considera a mais linda mulher da estrada?   

David – Há muitas mulheres lindas, mas o que te torna diferente não é ser linda, que é. É estar na estrada.   

– David, se um dia minha história virasse filme, que atriz iria me interpretar?   

David- Pode ser a Carolina Dieckmann? Acho-a parecida contigo. Algo entre santa e sacana.   

– O que farei quando minha beleza acabar? Os homens ainda vão me amar?   

David – Vai fazer o que todos fazemos em certa época da vida: aproveitar as boas lembranças.   

 – Gostaria de saber alguma coisa sobre suas origens, sobre sua adolescência. Você encontrou uma mulher como eu alguma vez na vida?   

David – Encontrei um pedaço de Jô em várias mulheres. Uma leitora me disse outro dia que toda mulher tem um pouco de Jô ou pode se tornar uma Jô algum dia.   

 – Você conhece meu marido?   

David – Conheço o tipo…   

 – Na hora de escrever minha história, que escritor lhe inspirou?   

David – Nenhum em especial. Mas todos que a gente lê contribuem para o estilo que a gente forma.   

 – Quais são suas intenções comigo? Quer que nosso relacionamento continue?   

David – Tenho as melhores intenções contigo. Que, no caso, podem ser consideradas as piores.   

 – Você tem sentimentos por mim?   

David – Mas é claro! Quem não tem sentimentos por ti?   

 – Qual a parte do meu corpo que você  mais gosta ?   

David – Uma vez perguntaram para a Caterine Deneuve que parte do corpo dela ela menos gostava. Ela respondeu: “Minha orelha direita”. Pois eu digo que gosto inclusive da tua orelha direita.   

 – Preciso entender minhas verdades. Ajude-me! Diga minhas verdades!   

David – Acho que tu tens que realizar as tuas verdades. Ação, Jô. Ação.   

 – Que recado você deixa para mulheres como eu, assim, um pouco fogosas… ?   

David – A mesma resposta acima: ação!

Casa de Tchékhov será restaurada

Após anos de descaso e abandono, a casa onde o escritor russo Anton Tchékhov escreveu algumas das suas principais obras será restaurada até o final deste ano. A “Datcha Branca”, como era chamada, fica na cidade de Ialta, na costa ucraniana do Mar Negro, e Tchékhov mudou-se para lá em 1898 para tratar da tuberculose, doença que acabaria causando a sua morte em 1904. Foi nessa casa que  Tchekhov escreveu O jardim das cerejeiras e, além disso, a costa próxima à Datcha foi o cenário de A dama do cachorrinho. Em 1921, o imóvel foi transformado em museu até que, em 2007,  teve que ser parcialmente fechada porque estava caindo aos pedaços.

Criada pela biógrafa, e tradutora de Tchékhov, Rosamund Bartlett, a fundação Yalta Chehhov é responsável pela campanha de restauração e pela preservação da memória do escritor. Para conhecer mais sobre a fundação visite o site http://www.yaltachekhov.org/

No ano em que se comemora os 150 anos de nascimento do escritor russo, a casa onde viveu e escreveu Tchékhov começa a ser restaurada

1. O começo: da cozinha para o porão

Por Ivan Pinheiro Machado*

Uma editora publica histórias – e vive muitas delas. Principalmente quando tem mais de três décadas como nós. Quantas e quantas histórias para contar… O pessoal que “é jovem a menos tempo do que nós”, aqui mesmo na L&PM, sempre quer saber curiosidades, “causos” passados, fatos hilários, outros nem tanto. Enfim, há uma vontade natural de conhecer mais desta convivência entre editores e autores. E também de descobrir um pouco sobre como uma editora atravessou dezenas de crises econômicas, quatro moedas diferentes e uma ditadura brutal. Eu vou tentar, semanalmente, no espaço deste blog, resgatar um pouco desta história.

Foi assim:

Fundamos a editora em agosto de 1974 e a primeira sede foi na cozinha do escritório de advocacia do meu pai, o Dr. Antonio Pinheiro Machado Netto. Ah! Ía me esquecendo de esclarecer; pra quem não sabe, L&PM quer dizer Lima e Pinheiro Machado. Escolhemos este nome por acaso, quase como uma brincadeira, porque nunca imaginávamos chegar onde chegamos… Mas eu falava na primeira sede da L&PM. Mandamos acarpetar a cozinha do escritório de advocacia do “velho” Pinheiro que era num imponente sobrado na Avenida Venâncio Aires em Porto Alegre. Ficamos lá quase um ano, até que faltou espaço. Fomos então para o porão do escritório do pai do Lima, o Mario de Almeida Lima, mais conhecido como “velho” Lima, combativo jornalista, diretor da sucursal de O Estado de S. Paulo em Porto Alegre e dono de uma das principais livrarias de Porto Alegre, a Livraria Lima. Assim, os nosso pais, ambos já falecidos e de saudosa memória, contribuíram decisivamente, aos nos albergar gratuitamente, para o começo desta aventura. Só fomos pagar o primeiro aluguel em 1976. Já tínhamos 25 anos de idade e quase três como editores. Nosso livro de estreia havia sido a coletânea de tiras de quadrinhos do Rango, personagem de Edgar Vasques de grande sucesso na época e que acabou sendo o livro o mais vendido da Feira do Livro de Porto Alegre em 1974. Havíamos publicado ainda a “Antologia Brasileira de Humor” em dois volumes, o livro “Oposição” de Paulo Brossard, “Só dói quando eu respiro” de Caulos –  o primeiro livro brasileiro inteiramente de cartuns sobre ecologia –e estávamos em vias de publicar Millôr Fernandes e Josué Guimarães. Voltando ao começo do começo, vivíamos uma truculenta ditadura que perseguia os intelectuais, artistas e todos aqueles que criticavam o governo. Havia uma severa censura à imprensa e todos os editores independentes eram sistematicamente vigiados e perseguidos. Logo, logo teríamos nosso encontro com esta sombria realidade. Nosso “batismo de fogo” ocorreu exatamente no primeiro livro. A Polícia Federal nos convocou para “prestar esclarecimentos” sobre o conteúdo do livro “Rango 1”. Foi uma tarde inesquecível, pelo desprezo com que o gorila que examinava o livro do Vasques me tratava e o medo que eu sentia lá naquele lugar sinistro de onde alguns conhecidos nossos jamais saíram.  Eles achavam o “Rango” de “subversivo” porque tinha como tema a miséria brasileira.

Para falar bem a verdade, não era a melhor época para fazer uma editora. No auge da ditadura, o livro não tinha nenhum prestígio. Era o tipo do negócio que, como diria o Paulo Francis, “não fazia bem à saúde”. Foi naquele tempo que eu encontrei o grande antropólogo, romancista, ensaísta e educador Darcy Ribeiro, de quem publicamos um belo livro,“Ensaios Insólitos”. Num dado momento da conversa, ele me perguntou “Vocês não tinham um negócio melhor pra fazer?”. Eu não lembro da minha resposta, mas recordo muito bem quando ele falou que o mundo se movia baseado na “inciência (sic) da juventude”. Ou seja, sem sombra de dúvida, era uma maluquice fazer uma editora em plena ditadura.

Para ler o próximo post da série “Era uma vez uma editora…” clique aqui.

Viajar é preciso

Angélica Seguí*

Andar pelo mundo afora deveria ser lei. O governo, depois de deixar tudo em ordem, deveria disponibilizar uma cota dos nossos impostos pagos para que, pelo menos uma vez na vida, o cidadão pudesse viajar para um lugar bem longe de seu país. Muitos dizem que já não precisam viajar. Temos o Google Earth, os programas de transmissão via satélite em real time, fotos de anônimos quase tão boas como o velho Sebastião Salgado. Os hiperconectados que me desculpem. Viajar é preciso. E não sou apenas eu quem diz. No livro Teoria da viagem: poética da geografia,  Michael Onfray – pensador francês, autor de diversos livros de divulgação de filosofia – questiona, entre outras coisas, se o conceito de viagem ainda faz sentido. Eu digo: faz. E faz muito. Na mala apenas um par de roupas, a velha e surrada botina de caminhadas e um livro.
Viajando pela internet você não vai andar numa kombi modelo 1978 – caindo aos pedaços- com outros quinze trabalhadores peruanos, nem será salvo de um possível assalto por uma norueguesa em plena La Paz. Possivelmente também nunca viverá a emoção de encontrar um amigo por acaso no meio da multidão das ruas de uma grande metrópole. Não mesmo. Há coisas que só uma viagem faz por você: experimentar a cultura, enriquecer a mente, tentar comunicar-se em outro idioma ou simplesmente se deixar levar pela deriva.
Onfray diz ainda: “Nós mesmos, eis a grande questão da viagem. Nós mesmos e nada mais. Ou pouco mais. Certamente há muitos pretextos, ocasiões e justificativas, mas em realidade só pegamos a estrada movidos pelo desejo de partir em nossa própria busca com o propósito, muito hipotético, de nos reencontrarmos ou, quem sabe, de nos encontrarmos. A volta ao planeta nem sempre é suficiente para obter esse encontro. Tampouco uma existência inteira, às vezes. Quantos desvios, e por quantos lugares, antes de nos sabermos em presença do que levanta um pouco o véu do ser!”

Se você um dia se perdeu, se um dia precisou se encontrar, se precisou apenas sair do lugar… então viaje! Viaje sempre e sem parar! Se ainda está em dúvida, assista ao vídeo do artista norteamericano Matt Daniels. Ele reuniu imagens e sons de suas viagens pela América Central, Europa e Nova Zelandia. É emocionante.

* Jornalista e blogueira