Boa ação via twitter

O Instituto Mário Penna teve uma ideia muito legal para auxiliar na recuperação de seus pacientes. Acessando o site www.doepalavras.com.br é possível deixar uma mensagem de apoio aos pacientes em tratamento contra o câncer. A mensagem também pode ser enviada via twitter, basta acrescentar a hashtag #doepalavras ao final da frase.

Admirável mundo velho

Por Paula Taitelbaum

O garoto, filho de um amigo, estava na minha casa quando avistou aquela coisa desconhecida. “Tia, o que é isso?”. Olhei na direção do dedinho e lá estava minha Olivetti. Ela, que já havia sido tão útil, e que agora era objeto de decoração. Depois de ouvir pela primeira vez a palavra “máquina de escrever”, o menino quis saber como funcionava. Sob seu curioso e atento olhar, peguei a máquina, coloquei sobre a mesa, fiz o papel girar e ofereci para que experimentasse “digitar”. Tec, tec, tec… Os olhos do garoto se iluminaram e, num misto de revelação e êxtase, gritou: “Uaaaau! Já sai impresso!”.

Pois lembrei dessa história hoje, quando vi o link de um vídeo em espanhol que apresenta um revolucionário produto: “Book”. E que pode ser visto como um divertido tapinha de luva de pelica no ti-ti-ti em torno do e-book. Parte do texto do vídeo, eu reproduzo abaixo. Mas para os que preferem assistir à íntegra em espanhol, está aqui:

“Olá, apresentamos um novo dispositivo de conhecimento bio-óptico organizado. Seu nome comercial: Book. Book é uma revolucionária ruptura tecnológica: sem cabos, sem circuitos elétricos, sem bateria, sem necessidade de conexão, compacto. Importante: book pode ser utilizado em qualquer lugar. (…) Book nunca estraga. Book nunca precisa ser reiniciado. Simplesmente precisa ser aberto para que se comece a desfrutar de suas imensas verdades. Veja como funciona: Book é feito com folhas de papel numeradas sequencialmente. Cada uma delas pode armazenas mil bytes de informação. (…) A maioria dos Books inclui uma função de índice que mostra a localização exata de qualquer informação selecionada para sua imediata recuperação. O acessório opcional, o marcador de página, permite abrir o Book na exata página que foi selecionada anteriormente, inclusive se o Book estiver fechado. Os marcadores de página se ajustam aos padrões internacionais, de maneira que o mesmo marcador de página pode ser usado em Books de diferentes fabricantes. Além disso, diversos marcadores podem ser utilizados em um mesmo Book se o usuário desejar armazenar várias buscas ao mesmo tempo. Também é possível realizar notas pessoais junto às entradas dos Books mediante uma sensível ferramenta de programação: o lápis. (…) Book está sendo recebido como precursor de uma nova onda de entretenimento. Bem-vindo a uma nova era que transformará sua maneira de ver o mundo. Bem-vindo à experiência ‘Book’.”

Borges e Kafka em Buenos Aires

Começa segunda-feira, dia 19, em Buenos Aires, a Bienal Borges – Kafka 2010, segunda edição do evento cultural e artístico organizado pela Fundação Internacional Jorge Luís Borges e pela Sociedade e Centro Franz Kafka de Praga. Fazem parte da programação mesas redondas, seminários, peças de teatro e exibições de cinema, além de um simpósio que terá a participação de especialistas nos dois escritores. O único brasileiro convidado é Sergius Gonzaga, Secretário de Cultura de Porto Alegre, que falará sobre Kafka na literatura nacional. A programação vai até dia 30 de abril, então ainda dá tempo de você comprar a passagem.
 

Para ver a programação completa (e dois vídeos dos diários de Kafka), clique aqui.

Biblioteca Britânica disponibiliza manuscrito original de Alice

Para quem não aguenta mais esperar a estreia da versão 3D de Alice no País das Maravilhas, boas notícias. Não, não fomos a uma pré-estreia gravar o filme para exibir clandestinamente no blog. Mas a Biblioteca Britânica está dando um presentão a todos os fãs de Alice: na página da instituição, é possível folhear o manuscrito original do livro, com o texto e as ilustrações feitas por Lewis Carroll em 1862. Há ainda a opção de ouvir a narração do livro (em inglês, é claro) e programar as páginas para que virem automaticamente na velocidade que o internauta leitor preferir. 

Página da biblioteca oferece vários recursos aos leitores / Reprodução

Para ver a versão em flash, clique aqui. E para ver o trailer de Alice no País das Maravilhas em 3D, aqui.
Fazem parte da Coleção L&PM Pocket os livros Alice no País das Maravilhas e Alice no País do Espelho.

Shakespeare em 140 caracteres

A peça Romeu e Julieta foi encenada pela primeira vez em 1594, e nos últimos 416 anos foram muitas as versões para cinema, televisão e óperas. Mas agora, em 2010, o clássico está recebendo sua adaptação mais inusitada. Seis atores da Royal Shakespeare Company são os encarregados de “interpretar” os papéis principais no… twitter.

A experiência deve durar cinco semanas e os tweets são feitos em tempo real, ou seja, se determinada ação no texto original acontece às 8h, os atores atualizam suas contas às 8h. Para acompanhar a representação e saber mais sobre o projeto, é só acessar o site www.suchtweetsorrow.com
 

* Essa dica foi retirada da coluna ConexãoZH.

Beijos literários

Ah, o beijo… Como viver, amar e ser feliz sem ele?

É por isso que, hoje, no Dia do Beijo, separamos alguns trechos de pockets da L&PM que homenageiam esse que pode ser o mais puro ou o mais libidinoso dos atos.

Romeu e Julieta, de Shakespeare: “Beijarei teus lábios. Pode ser que ainda encontre neles um pouco de veneno que me faça morrer com este fortificante. (Beija-o)”.

Kama Sutra, Capítulo 3: “Os locais a serem beijados são os seguintes: a fronte, os olhos, as bochechas, a garganta, o colo, os seios, os lábios e o interior da boca. O povo de Lat também beija os seguintes locais: os quadris, os braços e o umbigo”.

 Drácula, de Bram Stoker: “Mas, logo após, voltou a abrir os olhos com toda aquela doce ternura de outrora. E desembaraçando aos poucos sua pobre, frágil e descorada mão, estendeu-a ao encontro da morena destra de Van Helsing. Este tomou-a entre seus robustos dedos, acariciou-a e beijou-a, na mais comovente das sublimações”.

Para sempre ou nunca mais, de Raymond Chandler: “Eu te odeio – ela disse, a boca contra a minha. – Não por isso, mas porque a perfeição nunca vem sem um intervalo e no nosso caso ela veio logo em seguida. E não quero nem vou voltar a vê-lo. Terá que ser para sempre ou nunca mais”.

Pulp, de Charles Bukowski: “Nós nos abraçamos e juntamos as bocas. A língua dela enfiara-se em minha boca, quente, mexendo-se como uma pequena serpente”.

Trecho de Elegia [de Marienbad] de Trilogia da Paixão, de Goethe: “Como por mim à porta ela aguardava / E felizardo aos poucos me fazia, / Após o último beijo me alcançava  / E ainda mais um dos lábios imprimia, / Assim, movente e clara, a efígie amada / No coração a fogo está gravada”.

Trecho de Versos Íntimos, de Eu e Outras Poesias, de Augusto dos Anjos: “Toma um fósforo. Acende teu cigarro! / O beijo, amigo, é a véspera do escarro, / A mão que afaga é a mesma que apedreja. / Se a alguém causa inda pena a tua chaga, / Apedreja essa mão vil que te afaga, / Escarra nessa boca que te beija!”.

O Dia do Beijo é comemorado em duas datas: 6 de julho (Kissing Day) e 13 de abril.

O professor e o louco: um grande livro

*Por Ivan Pinheiro Machado

Tomara que eu me engane, mas não me lembro de ter visto na imprensa brasileira uma matéria ou uma nota sobre O Professor e o Louco (Cia. das Letras, 2008). Não quero fazer uma injustiça. Pode até ter saído alguma coisa. Mas o certo é que em nenhum lugar saiu um texto à altura deste livro extraordinário.
Simon Winchester, o autor, dá uma verdadeira aula de como fazer um livro de não-ficção muito mais empolgante, com muito mais suspense e “fantasia” do que a maioria das chatices de ficção que tomam conta das livrarias e aborrecem os leitores.
A saga do Dr. James Murray – o professor – e do Dr. W. C. Minor – o louco –, tendo como mote a construção do “Oxford English Dictionary” é uma daquelas inesquecíveis experiências de leitura. Se todos escrevessem como Winchester e traduzissem como Flávia Villas-Boas, certamente o mundo teria muito mais leitores. Eu falei construção, pois colocar de pé um dicionário como o OED, com a missão de fixar a língua inglesa, é uma empreitada tão gigantesca quanto construir uma hidrelétrica no rio Amazonas, algo que não encontra similar na história da cultura ocidental. Foram 70 anos de trabalho (de 1858 até 1928) que resultaram em meio milhão de verbetes, quase dois milhões de citações de obras clássicas, numa média de quatro citações literárias utilizando a palavra de forma diferente, por verbete, tudo isso em 12 imensos volumes. Durante 40 anos o Dr. Murray comandou este projeto que contou com a participação do corpo editorial da Oxfdord University Press e milhares de voluntários convocados através de jornais. E o mais assíduo, brilhante e preciso de todos esses voluntários foi exatamente o Dr. W. C. Minor.
O livro começa quando,curioso e grato, Murray decide, 20 anos depois de intenso contato epistolar, conhecer pessoalmente o velho colaborador que morava nos arredores de Londres. O fiacre cruza a cidade rumo ao endereço que  ainda guardava na memória, tantas vezes chegara à sua mesa a correspondência endereçada na letra precisa e bem feita do médico americano William Chester Minor. Ao fim de uma hora cruzando a neblina fria da noite londrina, Dr. Murray chega ao seu destino. Para seu espanto, a casa de Minor era o asilo de loucos de Broadmoor, onde há duas décadas estava internado seu mais fiel colaborador. Como e por quê Minor, veterano médico de campanha na Guerra da Secessão americana, chegou a um asilo nos arredores de Londres?
Não vou dizer.
Leia e deleite-se com este livro magistral. Uma história que mistura crime, erudição, maldade, generosidade e a ambição de conceber uma obra monumental que se eternizaria como o mais importante documento da língua inglesa.

Andy Warhol, Mr. Contradição

Por Cristine Kist*  

Se algumas paredes têm ouvidos, como garantiam nossos avôs, outras bem parecem ter boca. As da Estação Pinacoteca, por exemplo. As paredes da Estação gritam contradições desde o dia 20 de março, quando foi aberta a exposição “Andy Warhol, Mr. America”. Estão elas todas cobertas de citações, palavras conhecidas e desconhecidas, os 15 minutos de fama e à renegação das espinhas.    

Os famosos retratos coloridos de Marilyn Monroe / Reprodução

Logo na entrada são desfeitas as ilusões dos que esperavam confirmar a suspeita de que Warhol era um artista, uma pessoa ou um artista e uma pessoa apenas superficial. Os visitantes já são recebidos com uma citação digna de grande pensador:
“Everybody has their own America, and then they have pieces of a fantasy America that they think is out there but they can’t see. When I was little, I never left Pennsylvania, and I used to have fantasies about things that I thought were happening in the Midwest, or down South, or in Texas, that I felt I was missing out on. But you can only live life in one place at a time. And your own life while it’s happening to you never has any atmosphere, until it’s a memory.”  

Pois é. E depois de ler isso o sujeito mais desprevenido já fica inclinado a cometer duas injustiças. A primeira é pensar que são imprensa e crítica as responsáveis pelo rótulo que Warhol carrega. Não. Ele mesmo fazia questão de se vender assim. A segunda é concluir que de superficial ele não tinha nada. Tinha muito.    

Quando perguntavam se as 32 latas de sopa Campbells, os retratos de presidiários e os autorretratos como drag queen eram uma crítica ao american way of life, ele negava e jurava de pés juntos que amava os Estados Unidos e não tinha qualquer intenção de mostrar o “lado feio” do país.  

Muito provavelmente estava sendo sincero.  

A impressão é de que Warhol era contraditório até para ele mesmo. Batia e acariciava. É preciso mesmo muita força de vontade para acreditar que obras como “Confronto racial” ou os vários retratos coloridos de uma mesma cadeira elétrica estejam ali apenas por motivos estéticos. As latas de sopa também não são exatamente bonitas. E os bandidos mais procurados até são bonitos, mas bom, não deve ser só por isso que estão ali.  

Nunca gostei de meio termo. Sempre achei que meio termo fosse para os fracos. Me rendi. Sou fraca. Andy Warhol, aquela figura excêntrica e cheia de extremos, está mesmo no meio termo entre algo que lembra o intelectual e algo que lembra o superficial. É essa a sua última contradição.  

A exposição fica na Estação Pinacoteca até 23 de maio, de terça a domingo, sempre das 10 às 18h.  E aos interessados em conhecer um pouco mais da personalidade de Warhol, uma bela dica é o livro de quase mil páginas “Diários de Andy Warhol”, publicado pela L&PM em 1989, e agora disponível nos melhores sebos do Brasil.  

  

  

 * Cristine é assessora de imprensa da L&PM

A aventura de traduzir Kerouac

Guilherme da Silva Braga enfrentou o desafio de traduzir Jack Kerouac: Visões de Cody, Big Sur e agora Anjos da desolação, que deverá ser lançado no início do segundo sementre de 2010. Obras viscerais de um autor que marcou o século XX, que inovou na linguagem e segue sendo contemporâneo, e que chega até nós na versão impecável de Guilherme que narra, abaixo, o duro caminho que percorreu para traduzir o texto e a alma de Kerouac.

Por Guilherme da Silva Braga

Depois de três meses de trabalhos começados logo após o Ano-Novo e de quase quatrocentas páginas de prosa ensandecida, hoje terminei a tradução de mais um livro do Kerouac, que vai sair em português pela L&PM com o título de Anjos da desolação (“Desolation Angels”). Assim como aconteceu com Visões de Cody, essa é a primeira tradução de Anjos da desolação para o português, o que é uma ótima notícia para os leitores ávidos por novidade.
Não sei se algum leitor faz idéia, mas esse jeitão largado dos textos do Kerouac pode ser um tanto intimidador para quem traduz, mesmo quando a gente trabalha com o maior cuidado e o maior respeito pelo texto. Quando terminei a minha tradução do difícil poema Mar, que encerra o Big Sur, por exemplo, foi um grande incentivo descobrir que a tradução do Paulo Henriques Britto (Brasiliense, 1985) – embora muito diferente da minha – tinha dado um tratamento mais ou menos similar ao texto. Faz bem saber que o que a gente está fazendo não é uma loucura e que outros tradutores de reconhecida competência e talento tomaram decisões parecidas quando precisaram.

Um bom começo para quem quer conhecer Kerouac

Guilherme também traduziu "Visões de Cody" / Divulgação

Digo sem dúvida que Anjos da desolação é o meu livro favorito do Kerouac até o momento, bem como uma excelente apresentação para quem nunca leu nenhuma obra do cara. Anjos da desolação não é tão surtado quanto Visões de Cody, mas ainda assim quaisquer concessões à “arte do bem escrever” no sentido acadêmico-babaca do termo passaram longe: Kerouac acerta a mão na escrita de sua prosa tipicamente escalafobética, mantendo a estranheza, a espontaneidade e o experimentalismo subversivo do texto, porém sem descambar o tempo inteiro para o absurdo. O resultado é um livro a um só tempo mais cativante e de leitura mais agradável.
Como de costume, em Anjos da desolação Kerouac faz da vida uma aventura e relata desde as experiências espirituais que teve durante a solidão prolongada no topo do Desolation Peak, onde trabalhou como vigia de incêndios, até cenas absolutamente hilárias ao lado dos amigos Allen Ginsberg, Peter Orlovsky, Lafcadio Orlovsky e Gregory Corso na Cidade do México – tudo regado a viagens, garotas, alegrias, bebidas, paranoias, tristezas e ternuras, como qualquer leitor devoto está cansado de saber.
Como tradutor que sou, no entanto, não me cabe contar a história do livro, mas apenas a da tradução. Anjos da desolação, diferente do que ocorreu em Visões de Cody, não virá acompanhado de nenhuma nota introdutória minha sobre a tradução, uma vez que as dificuldades que apresenta – embora não tenham faltado – não são nem tão específicas nem tão extremas a ponto de justificar a tal nota. O que não me impede de escrever estas breves palavras sobre alguns dos percalços que enfrentei com tanta alegria durante a tradução da obra, claro.
Ao contrário do que reza a cartilha tradutória – mas a exemplo do que quase todos os tradutores literários que conheço e com quem já troquei idéias fazem –, não costumo ler os livros que traduzo antes de começar a traduzi-los. No caso específico do Kerouac, parece-me que abrir mão de uma leitura prévia pode ter o benéfico efeito colateral de manter o frescor do texto, o que evidentemente não me dispensa, ao cabo da tradução, de reler todo o texto produzido em português uma segunda vez com o maior cuidado possível para corrigir erros, completar lacunas e aparar arestas a fim de deixar o texto o mais fluente possível.

Parte da série "Beats", publicada pela L&PM

Cada página, um desafio

Tenho certeza de que há quem pegue os livros do Kerouac – seja no original, seja em uma tradução minha ou dos outros valentes tradutores que arriscaram o pescoço nas outras versões brasileiras dos livros do autor – e pense que é fácil escrever ou traduzir prosa em um estilo mais livre, já que certas preocupações com correção gramatical, coerência e coesão textual vão em boa parte para o espaço. O que menos gente percebe é que toda essa liberdade estilística gera um conjunto muito particular de problemas tradutórios. Um dos aspectos mais gritantes, no caso específico de Kerouac, é o som e o ritmo da prosa original, dotada de uma naturalidade incrível, que a faz soar quase como se fosse de fato um texto falado – o que às vezes de fato acontece, como por exemplo no enorme capítulo de Visões de Cody intitulado Frisco: a fita. Assim, um dos grandes desafios de traduzir Kerouac é manter essa espontaneidade, essa vivacidade da língua falada no texto escrito – algo que não estamos acostumados a ver. Muito do que pode parecer desleixo e improviso destrambelhado quando escrito na página soa exatamente como falaríamos no dia-a-dia se lido em voz alta com a entonação adequada (verdade que em certos casos soa tal como falaríamos depois de tomar um porre, mas ainda assim o efeito de verossimilhança permanece).

Os diálogos, um dos pontos altos

Outro aspecto muito comentado e raras vezes explicado quando se fala sobre tradução é a necessidade de conferir a cada personagem uma voz própria. As primeiras vezes em que ouvi falar a respeito, não entendi muito bem como esse efeito seria alcançado. Mas durante a tradução de Visões de Cody descobri um caminho que tem me prestado bons serviços e me permitido dar uma cara própria às falas de Kerouac, Neal Cassady, Gregory Corso, Allen Ginsberg, William Burroughs e o resto desse pessoal. No texto original, o modo como alguns dos personagens falam – Cassady em particular – é tão flagrantemente diferente dos demais que me vi obrigado a elaborar um guia pessoal de estilo para os diferentes protagonistas, a fim de registrar as peculiaridades que eu conferi, em português, à fala de cada um. Assim, nas minhas traduções, o leitor notará por exemplo que Cassady prefere a forma “cê” em vez de “você”, e que Kerouac e Ginsberg falam “teu”, enquanto Corso fala “seu”. Claro, esses são apenas exemplos simplórios, mas depois de traduzir três livros de Kerouac – Visões de Cody, Big Sur e agora Anjos da desolação, com um quarto livro do autor já em vista – o meu pequeno guia cresceu a ponto de incluir expressões e maneirismos menos óbvios, como “fiadaputa” (em geral dito por Neal Cassady), “tá legal” (Gregory Corso), “hmmm” (William Burroughs) e “volta e meia” (Jack Kerouac). É óbvio que estas são apenas orientações gerais que elaborei para a minha própria consulta e não regras infalíveis a que me ative de maneira obstinada – o que sequer seria desejável –, mas de qualquer modo pareceu-me que adotar este ou aquele modo de dizer dependendo de quem está falando seria uma boa forma de marcar a individualidade dos personagens nos diálogos.
Os diálogos de Anjos da desolação, aliás, são um dos pontos mais altos do livro. Em algumas das melhores cenas, Gregory Corso, sempre aos berros, faz um breve e inflamado discurso sobre a beleza e a verdade para os atônitos passageiros de um ônibus; Allen Ginsberg trava uma divertidíssima conversa trilíngüe em que mistura inglês (português), espanhol e francês para pechinchar o aluguel de um apartamento na Cidade do México com a senhoria; e Lafcadio, o irmão parcialmente catatônico de Peter Orlovsky, insiste em fazer perguntas sobre os sonhos de Kerouac.

Agora é só esperar mais alguns meses para o livro chegar às livrarias.