Bukowski e a caixa-preta

Por Paula Taitelbaum

Uma grande amiga minha costumava repetir, nos seus velhos tempos de múltiplas ressacas (sabe aquela época em que você tem vinte e poucos anos? Pois é…), o seguinte bordão: “ontem à noite perdi a caixa-preta!”. De tanto ela falar, acabei adotando a expressão com a certeza de que era praticamente um dito popular, um aforismo de domínio público. Pois eis que acabo de descobrir que, pelo menos aqui na minha sala, ninguém jamais usou a frase “perdi a minha caixa-preta” para designar aqueles momentos etílicos em que todas as suas informações desaparecem, você esquece as mensagens trocadas e seus reflexos entram em pane.

Ok, você deve estar se perguntando porque eu desencavei esta história justo agora (!). E eu respondo: simplesmente porque não pude desassociar a chegada da “Caixa Especial Bukowski” da certeza de que nosso querido escritor devia estar sempre com a sua caixa-preta perdida. E não venha dizer que estou delirando porque a analogia também se deve ao fato de que a “Buk box” é praticamente… preta (verde? que verde?).

A “Caixa Especial Bukowski” reúne Misto Quente, Crônica de um amor louco, Fabulário geral do delírio cotidiano, Factótum e Pulp. Breve, ela estará chegando nas livrarias. Vê se não perde essa caixa-preta, hein?

Um tour Jack Kerouac pela Big Apple

Vai para Nova York? Que tal fazer um tour Jack Kerouac pela cidade? Sugerido pelo kerouacsnewyork.tripod.com, a lista inclui bares, restaurantes, parques e igrejas. O roteiro traz apenas locais que ainda existem e alguns deles estão aqui para que você possa colocar o pé na estrada e viajar pelo mundo de Kerouac. Mas sem esquecer de levar seus livros na bagagem, é claro.

White Horse Tavern –  567, Hudson St.
Kerouac morou em frente a esta taverna do século 19. A sala de madeira do bar ainda é a original e eles oferecem uma boa seleção de cervejas, incluindo Ale White Horse. Outros grandes escritores que costumavam frequentar o White Horse: Dylan Thomas, Norman Mailer e Hunter S. Thompson.

Saint Patrick´s Cathedral – 5th Ave. com 49th St.
Localizada em Midtown, a poucos passos do Rockefeller Center, esta bela catedral costumava receber a visita de Kerouac. Pegue a sua cópia de “Visões de Cody” e veja se você consegue encontrar o vitral citado por Jack no livro.

The former Hurley’s Saloon – 6th Ave. com 49th St.
Jack Kerouac costumava frequentar este lugar, principalmente nas noites de sexta-feira, algumas vezes para ver o jazzista Lee Konitz tocar. Só que agora, no lugar do bom e “Velho Saloon”, há um restaurante chique. Então resta fazer algumas fotos da fachada – que é igual a que Jack conheceu.

Manny´s Music Store – 156 W 48th St
Jack seguiu Lee Konitz até esta “loja de música dos hipsters e Symphony Sid”. Vale a visita para comprar uma palheta personalizada ou apenas para conhecer a parede de fotos autografadas.

Washington Square Park – no final da 5 ª Avenida
O parque onde Kerouac costumava ir é um dos principais marcos do Greenwich Village e um espaço famoso por sua tradição de inconformidade. Além da estátua de George Washington, ali também está uma escultura de Garibaldi.

Statue of Samuel Cox – 7th St. perto da esquina com a Avenue A
Em uma cidade repleta de monumentos, as pessoas facilmente passam despercebidas pela estátua de Samuel Cox, no East Village. No entanto, ela é notável para os fãs de Kerouac por causa da famosa fotografia que Allen Ginsberg fez de Jack onde ele aparece de boca aberta com esta estátua ao fundo.

Minetta Tavern – 113 MacDougal St.
Este velho restaurante italiano ainda continua funcionando. Certamente, a atmosfera não deve ser mais a mesma do tempo em que William Burroughs levava Kerouac e outros beat para jantares finos por lá.

Gas Light Cafe – 116 MacDougal St.
A Gas Light foi berço dos saraus poéticos do Village. Jack e todos os grandes leram seus textos por lá. Bob Dylan também tocou por lá no começo de sua carreira (e inclusive morou no andar de cima).

Para completar, ainda há o Café Reggio na MacDougal St., 121; o Kettle of Fish também na MacDougal, mas no número 114; a “Our Lady of Guadalupe”, uma das igrejas favoritas do escritor que fica na 229 W 14th St. e o Glen Patrick´s que era um pub frequentado por Kerouac quando ele morava em Richmond Hill.

Os malditos Laerte, Angeli, Adão, Glauco e Nani

Estreou em São Paulo, no último final de semana, o documentário Malditos cartunistas, que traça um panorama sobre a profissão de desenhista de humor no Brasil, desde o inesquecível O Pasquim, nos anos 60, até hoje. Dirigido e produzido de forma independente pelos também “malditos” Daniel Paiva e Daniel Garcia, este é o primeiro longa metragem feito sobre o assunto no Brasil. Foram 40 entrevistados, dos quais 25 entraram na versão final, entre eles Laerte, Angeli, Adão Iturrusgarai, Glauco e Nani.

Os realizadores tiraram do próprio bolso a verba para a produção do longa, mas a falta de recursos não interferiu na qualidade do trabalho. Malditos cartunistas já ganhou o prêmio do júri popular no festival de cinema Íbero Americano CineSul no Rio e participou do Cine Ouro Preto, onde teve excelente aceitação do público e crítica.

O filme já foi exibido em sessões especiais em algumas cidades, como São Paulo e Porto Alegre. Enquanto o longa não entra no circuito comercial (se entrar), dê uma olhada no trailer:

Estão disponíveis no canal oficial no Youtube algumas cenas inéditas que não entraram na versão final do longa. Vale conferir os depoimentos de Laerte, Angeli, Adão Iturrusgarai, Glauco e Nani (clique sobre o nome para abrir o respectivo vídeo). Outros nomes de peso no universo dos quadrinhos no Brasil também participaram do documentário, como Allan Sieber, Chiquinha, Fábio Zimbres, Schiavon, Reinaldo, Leonardo, Ziraldo, Arnaldo Branco, Jaguar, Guazzelli, Ota e André Dahmer.

38. O dia em que o dr. Lucchese bateu Paulo Coelho e Harry Potter (juntos)

Por Ivan Pinheiro Machado*

Há poucos dias, neste espaço, eu falei sobre o Grenal (clássico do futebol que divide o RS entre Grêmio e Internacional). Pois bem, no Rio Grande tudo é Grenal. As pessoas se sentem na obrigação de ter um lado. Um contra o outro. Em qualquer coisa, sobre qualquer assunto. Bem ou mal, é assim.

A história que vou narrar a seguir começa com uma gafe:

Para você não confudir o dr. Lucchese com o dr. Nesralla, aqui está a foto do nosso autor

Em Porto Alegre, no Grenal da cardiologia, existem dois grandes médicos, o dr. Fernando Lucchese e o dr. Ivo Nesralla. Ambos têm seguidores que não se relacionam entre si. Nem eles, que são amigos cordiais e já trabalharam juntos, explicam isso. Mas, reza a lenda, havia uma grande rivalidade entre os dois. O dr. Ivo Nesralla, no início dos anos 2000, além de emérito cardiologista, acumulava as funções de diretor da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre e da Bienal de Artes Plásticas do Mercosul. Digo isso porque um belo dia, recém eu havia me mudado para um novo prédio quando, na garagem do edifício, encontro um velho amigo de escola, o também cardiologista João Ricardo Santanna. Nos abraçamos e logo engatamos uma conversa de rememorações da nossa infância no Colégio de Aplicação. Nesse momento, perto de nós, um carro estaciona e desce dele um senhor que vem sorrindo em direção ao João Ricardo. Meu ex-colega me apresenta o recém-chegado:

– Dr. Lucchese, eu queria apresentar o meu velho amigo, o editor Ivan Pinheiro Machado.

– Muito prazer em lhe conhecer – disse, simpático, o dr. Lucchese.

Eu quis ser mais simpático ainda e tasquei:

– Dr., eu queria lhe cumprimentar pelo grande trabalho que o senhor faz à frente da Bienal do Mercosul….

O João Ricardo arregalou os olhos e disse:

–Não, Ivan! A Bienal do Mercosul é com o Dr. Nesralla.

Lucchese caiu na gargalhada e gentilmente tentou me tirar do imenso embaraço:

– Não se preocupe, é assim mesmo. Vivem nos confundindo. Eu até já receitei em nome do Dr. Nesralla.

Eu havia naufragado no Grenal da cardiologia. Mal recomposto da gafe, conversamos um pouco e rapidamente combinamos que, já que seríamos vizinhos, eu incentivaria o dr. Lucchese a entrar no mundo dos livros. E o primeiro passo, segundo sugestão do doutor, seria um livro bem popular sobre prevenção a doenças. E mais não falamos. Ainda envergonhadíssimo, peguei o elevador e fui para minha casa.

Três meses depois, recebo um envelope com um simpático bilhete. “Vê se é este o livro. Abraço do Lucchese”.

Abri, dei uma trecheada nos originais e deixei em cima de um móvel na sala de estar. Passaram-se alguns dias, eu não tive tempo de ver melhor o livro e Dona Circe, minha mãe, foi almoçar lá em casa. Leitora compulsiva, ela pegou o envelope e começou a ler, só interrompendo para almoçar. Eu comi e saí correndo para um compromisso. Minha mãe passou a tarde com os netos. À noite ela me ligou:

– Eu li aquele livro que estava em cima da mesinha da sala, “Pílulas para viver melhor”. Acredita que comecei e não consegui largar?! É um livro espetacular! Festejeou minha mãe.

Fiquei alerta! Ao chegar em casa li os originais, liguei para o doutor e comuniquei a ele que a L&PM estava interessada em publicar o livro. Lançamos em março de 2000 na Coleção L&PM POCKET. Dona Circe tinha toda a razão. O sucesso foi instantâneo. A consagração veio na Feira do Livro de Porto Alegre cuja lista dos mais vendidos, para espanto de todos, apontava o dr. Lucchese em primeiro lugar, na frente de Paulo Coelho, Harry Potter e outros grandes bestsellers da época. Em 17 dias foram vendidos 12 mil livros (só em Porto Alegre), sendo que no último dia de Feira, nas primeiras horas da tarde, o livro tinha esgotado. O pessoal chegou a disputar no braço os últimos exemplares.

Detalhe do Jornal Zero Hora que mostra a lista dos mais vendidos na Feira do Livro de Porto Alegre no ano 2000

O livro estabeleceu o recorde absoluto da Feira do Livro de Porto Alegre em sua história de mais de 60 anos. Depois disso, “Pílulas para viver melhor” chegou à marca de 200 mil exemplares vendidos e o dr. Lucchese já escreveu outros 13 títulos. Há uma anedota (verdadeira) relacionada com o livro. Um dia, bem no final da tarde, havia pouca gente na editora e o telefone tocou. Eu mesmo atendi. Era uma senhora com uma voz muito distinta, dizendo que queria fazer uma reclamação em relação ao livro do dr. Lucchese: “O senhor veja só; hoje a tarde comprei o livro do dr. Lucchese. Quando cheguei em casa e abri a sacola,  vi que só estava lá o livro. Não me entregaram as pílulas…”

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo-oitavo post da Série “Era uma vez… uma editora“.

Procura-se Cervantes

O sujeito acima lhe parece familiar? Pintado pelo artista Juan de Jauregui em 1600, este é o mais popular retrato de Miguel de Cervantes (1547 – 1616). Mas não é a única face do mito. Há pinturas em que o rosto do criador de Dom Quixote de La Mancha é mais fino, em que seus olhos são mais caídos, em que seu nariz é mais adunco ou em que ele até parece bem bonitinho (e em todos Cervantes está com a mesma barbichinha de Dom Quixote!).

Mas agora esqueça por alguns instantes todas estas imagens. Isso porque historiadores e arqueólogos começaram uma busca pelos ossos de Cervantes, que revelariam não só os traços precisos do rosto do escritor espanhol, como também a verdadeira causa de sua morte.

Sabe-se que o criador do cavaleiro da triste figura, como é conhecido Dom Quixote, lutou na Batalha de Lepanto em 1571 e foi ferido diversas vezes no peito e no braço, chegando a perder o movimento de uma das mãos. Logo, seus ossos devem trazer estas marcas, facilitando a identificação. Além disso, segundo o jornal britânico The Guardian o grupo comandado pelo pesquisador Fernando Prado conta com tecnologias capazes de encontrar materiais escondidos em paredes ou enterrados em até cinco metros de profundidade. A intenção do grupo é encerrar as buscas até 2016, em tempo para a celebração do aniversário de 400 anos da morte de Cervantes. Uma busca bem ao estilo de Quixote, não?

O primeiro a denunciar um crime ecológico

"Um inimigo do povo" acaba de ser reeditado na Coleção L&PM POCKET

Um Inimigo do Povo é a primeira grande denúncia, no domínio da literatura e da dramaturgia, de um crime ecológico. Na verdade, numa época em que não existia a “questão do meio-ambiente”, Henrik Ibsen se valeu de um crime ecológico para criar um emocionante tratado contra a corrupção, a hipocrisia da sociedade e poder maléfico da unanimidade. Sua obra é um libelo humanista e Um inimigo do povo, talvez sua obra mais polêmica e certamente a mais importante.

A peça trata de um cientista, o dr. Stockmann, que é profundamente identificado com sua cidade –  uma estação de veraneio no interior da Noruega –, e descobre que os resíduos de uma fábrica próxima estão poluindo o lençol freático da região e contaminando as águas onde os turistas tomam banho. Num primeiro momento, o cientista é aclamado pela descoberta – afinal, a população corria um enorme risco. Mas imediatamente os políticos e empresários se mobilizam contra o dr. Stockmann, já que as denúncias levariam ao fim do turismo e à ruína econômica da cidade. De repente, ele passa de herói à vilão e é publicamente escorraçado pelos cidadãos.

Profético, no que diz respeito à denuncia de um crime ambiental, Ibsen trata de um tema antigo como o mundo, que é a inveja, a ambição, o egoísmo e a perversidade do ser humano.

Em 1966, Arthur Miller (ex-marido de Marylin Monroe) adaptou Um inimigo do povo para a TV com grande sucesso. Em 1978, este mesmo roteiro de Miller ganhou as telas dos cinemas com direção de George Schaefer e Steve McQueen no papel de dr. Stockmann (veja cena abaixo). 

No Brasil, a principal montagem desta peça de Ibsen foi encenada em 1969 com direção de Fernando Torres e Beatriz Segall no elenco.  

Henrik Ibsen nasceu na Noruega em 20 de março de 1828 e morreu em 23 de maio de 1906. Sua magnífica obra em dramaturgia lhe valeu uma indicação ao Prêmio Nobel de Literatura em 1902. Escreveu alguns grandes clássicos do teatro ocidental como Hedda Gabler, Pato selvagem, Casa de Bonecas e Inimigo do Povo, entre outras.

Quando uma atriz famosa caiu na teia de Agatha Christie

“A terceira peça que tive representada em Londres (todas ao mesmo tempo) foi ‘A Teia da Aranha’, escrita especialmente para Margaret Lockwood. Peter Saunders pedira-me para me encontrar com ela e para conversarmos sobre esse assunto. Margaret Lockwood disse-me que gostava da ideia de eu escrever uma peça para ela e perguntei-lhe, exatamente, de que gênero de peça gostaria. Disse-me imediatamente que não gostaria de continuar desempenhando papéis sinistros e melodramáticos, e que fizera filmes demais, ultimamente, em que fora a mulher má. Queria representar comédias. Acho que estava com a razão, porque tinha enorme talento para comédia, tanto quanto para papéis dramáticos. É ótima atriz e possui um ritmo perfeito, que a torna capaz de dar ao texto seu verdadeiro peso. Também gostei muito de escrever a parte de Clarissa em ‘A Teia da Aranha’. A princípio, houve certas hesitações quanto ao título; hesitamos entre ‘Clarissa Encontra um Cadáver’ e ‘A Teia da Aranha’; mas, por fim, o último título levou a melhor. Ficou em cena dois anos e eu me senti muito feliz com ela. Quando Margaret Lockwood conduzia o inspetor de polícia pelo caminho do jardim, era encantadora.” (Agatha Christie em trecho de sua Autobiografia

Agatha Christie e Margaret Lockwood

Encenada pela primeira vez em 1954 com Margaret Lockwood no papel de Clarissa, A Teia da Aranha  é uma peça de comédia e mistério escrita por Agatha Christie de grande sucesso nos palcos londrinos. Após a morte da autora, o texto foi adaptado pelo também escritor Charles Osborne e virou um romance. Osborne manteve tudo igual ao original – trama, personagens e diálogos – mas acrescentou algumas pequenas descrições para facilitar a leitura (ex.: “Explicou o inspetor”, “Miss Peak exclamou”, “Continuou ele, voltando-se para Clarissa”). 

Antes de chegar à Coleção L&PM POCKET, A Teia da Aranha era inédito no Brasil. Com um enredo bem-humorado, repleto de truques e reviravoltas, esta criação de Agatha Christie começa quando o corpo do desagradável Oliver Costello aparece misteriosamente na casa de campo do distinto casal Henry e Clarissa Hailsham-Brown. Acreditando tratar-se de um acidente, Clarissa decide esconder o cadáver. E é justamente isto o que ela está fazendo quando chega à casa o inspetor Lord, que acaba de receber um telefonema com a denúncia de um homicídio. O que vem depois, além de muitas surpresas, é uma boa dose de diversão.

Quer saber mais sobre a Rainha do Crime e seus livros? Visite o Hotsite Agatha Christie.

Autor de hoje: Machado de Assis

Rio de Janeiro, Brasil, 1839 – † Rio de Janeiro, Brasil, 1908

De origem humilde, era tímido, pobre, mulato e órfão de mãe. Trabalhou muito cedo como aprendiz de tipógrafo e estreou como poeta no jornal A Marmota, empregando-se, logo a seguir, na Imprensa Nacional. Convidado por Quintino Bocaiúva, passou a colaborar no Diário do Rio de Janeiro, no qual publicou contos e crônicas. Produziu ainda poemas, peças teatrais, ensaios e romances. O público e a crítica, desde cedo, consagraram o escritor, que foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e o seu primeiro presidente. Suas obras são perpassadas por um fino humor e uma ironia amarga. Nelas a elegância do estilo se completa com a correção da linguagem. Em suas narrativas encontra-se a tendência à análise psicológica das personagens, aliada à visão dos costumes da época e à introspecção. Leitor dos grandes autores, sua obra documenta a presença do homem na sociedade brasileira do Segundo Império.

OBRAS PRINCIPAIS: Memórias póstumas de Brás Cubas, 1881; Papéis avulsos, 1882; Quincas Borba, 1891; Várias histórias, 1896; Dom Casmurro, 1900; Memorial de Aires, 1908

MACHADO DE ASSIS por Patrícia Lessa Flores da Cunha

A vida repleta de dificuldades e conquistas de Joaquim Maria Machado de Assis registra a trajetória, até certo ponto típica, do escritor do século XIX: autor de uma profusão de romances, novelas, contos, obras teatrais, ensaios, poesias, resenhas, crônicas políticas, que foi também tipógrafo, repórter, diretor de uma revista, candidato a cargo público, fundador e primeiro presidente da academia de letras de seu país. A atividade literária profissional de Machado de As sis estendeu-se de 1858 a 1906, distribuída entre os vários jornais e semanários da cidade do Rio de Janeiro em que teve atuação jornalística regular.

Em seus escritos, Machado foi um observador implacável e determinado das injustiças – sociais, econômicas, culturais – e, sobretudo, das misérias humanas que formavam o cotidiano da sua época. Um realista, engajado com a realidade, que mostrou por inteiro, utilizando-se, paradoxalmente, da ambiguidade e da dissimulação para produzir um texto surpreendente e marginal, revelando um mundo bifronte e enigmático, sob a aparente neutralidade das histórias convencionais, que todos podiam ler.

Fiel à disposição de não abusar da cor local, soube expressar um brasileirismo interior, discreto, di verso daquele que grassava, de modo ostensivo, em obras de artistas seus contemporâneos, mas, nem por isso, menos autêntico, e com certeza mais original. Sem desprezar o passado, olhou atentamente o presente, detendo-se e inspirando-se na realidade social e psicológica que o cercava para atingir a sensibilidade das gerações futuras, entre leitores e escritores que viessem a perceber, com maior acuidade, as nuances do seu projeto de literatura e pensamento nacional. Nesse sentido, cabia demonstrar, para si e para o seu caro leitor, transformado em peça-chave para a cabal realização desse empreendimento ficcional, qual era o sentimento íntimo que determinava a nacionalidade do fazer literário.

Lidando preferencialmente com situações e caracteres, fórmula genérica que buscou sempre aperfeiçoar a cada incursão sua na matéria ficcional, Machado de Assis compôs, através de sua escritura, um retrato progressivo, porém indefectível, da formação da sociedade brasileira, a partir do momento histórico da sua afirmação como entidade supostamente autônoma. Conseguiu, assim, fixar a cara cambiante do cidadão brasileiro, diante da virada do século, expondo-o nos instantes banais e corriqueiros do dia – e da noite – de um Rio de Janeiro que se metamorfoseava em capital dos trópicos, de modelo europeu, mas de face e fundo bem brasileiros. Optando pela sugestão irônica e sutilmente complacente como modo de escrever, revelou, na dubiedade da farsa, todas as mazelas, misérias, sonhos e esperanças próprias do indivíduo que precisava e queria, enfim, sobreviver intelectual, física e culturalmente, em meio a uma realidade desafiante, em processo de autoconstituição.

Entre suas obras, destacam-se o ensaio “Instinto de Nacionalidade – Notícia de Literatura Brasileira”, publicado inicialmente em Nova York em 1972, e as edições dos romances Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876), Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Memorial de Aires (1908), e dos livros de contos Histórias da meia noite (1873), Papéis avulsos (1882), Várias histórias (1896), Páginas recolhidas (1899), Relíquias da casa velha (1906), entre outros.

Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. Todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Para melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.

Taglierini al funghetto

Sílvio Lancellotti cozinha com personalidade, na primeira pessoa. Suas receitas possuem um inebriante sabor e um gosto que instiga o paladar. A receita de hoje, retirada do livro 100 receitas de macarrão, certamente deixará seu final de semana com um sabor especial.

TAGLIERINI AL FUNGHETTO

Ingredientes para quatro pessoas:

500g de taglierini ou, na sua ausência, fettuccine ou trenette, a massa cozida até um minuto antes do ponto al dente. 1 berinjela, sem as cascas, cortada em dadinhos. Sal. 8 colheres de sopa de azeite de olivas. 4 dentes de alho, micrometricamente picadinhos. 2 colheres de sopa de salsinha verde, bem batidinha. 1 abobrinha, cortada em rodelinhas finésimas, com as cascas. 200g de champignons frescos delicadamente laminados. Orégano, a gosto.

Como preparar:

Coloco os dadinhos de berinjela num escorredor de macarrão. Pulverizo com sal. Misturo e remisturo. Espero que os dadinhos da berinjela transpirem bastante, cerca de quinze minutos. Numa frigideira bem larga aqueço o azeite e, nele, levemente refogo os dentes de alho. Não permito que o alho se doure. Rebaixo o calor. Agrego a salsinha. Mexo e remexo. Incorporo os dadinhos de berinjela. Misturo e remisturo, até que eles comecem a transpirar. Pulverizo tudo com orégano, a gosto. Acerto o ponto do sal. Mexo e remexo. Incorporo o taglierini. Salteio e ressalteio a massa em seu molho. Sirvo, imediatamente, sem nenhum tipo de queijo.

Sábado tem sempre uma “Receita do dia” vinda diretamente dos livros da Série Gastronomia L&PM.

“Ferragus”: crimes e intrigas numa Paris assolada por tragédias e paixões

Desde que o remake da novela “O Astro” começou, o nome “Ferragus” caiu, digamos, na boca do povo. Mas talvez nem todos os telespectadores saibam que o misterioso mentor de Herculado Quintanilha, personagem agora vivido por Francisco Cuoco (e que não existia na versão original da novela), certamente foi inspirado em uma criação de Honoré de Balzac. E não só seu nome como também suas atitudes. Tanto é assim que, em uma das primeiras cenas de “O Astro”, Ferragus fala para Herculano: “Todos os seres humanos querem ser enganados, sobretudo as mulheres…”

Talvez esta frase pudesse estar em um dos livros de Balzac. Mas isso não significa que ele não amasse o sexo oposto. Amava muito, assim como amava Paris. Sobre a Comédia Humana, monumental conjunto de textos composto 89 romances (entre eles “Ferragus“), se disse que – caso tirassem as mulheres – desabaria o monumento. Tirassem os homens, mesmo assim seria uma obra-prima. Claro que é um exagero. Mas mostra que são as mulheres que dominam e dão força e sentido a este definitivo monumento da literatura ocidental. Boa parte da imensa obra de Balzac, escrita compulsivamente em menos de 20 anos, tem a presença impressionante da cidade de Paris. Ela paira sobre os livros com seu charme suntuoso, interagindo com os personagens através de suas sombras, suas ruelas sinistras, enlameadas, seus palácios e seus fiacres soturnos que cruzam as madrugadas.

Em “Ferragus” não é diferente. O personagem título – chamado de “O chefe dos devoradores” é o misterioso líder de uma sociedade secreta parisiense. Mas ele não é o único a se enredar nas tramas balzaquianas, como bem mostra o texto de apresentação da edição da L&PM: “Uma mulher, generosa e bela como um anjo, suspeita de adultério; um jovem oficial que se lança na mais vã e desastratada das investigações; um agente de câmbio perdido nos tormentos da paixão; uma soma de dinheiro que ninguém explica; uma sociedade secreta (Os Treze) na qual os membros se protegem para usufruir do poder ao seu bel prazer; duelos, assassinatos, suicídios; e como pano de fundo, como gigantesco e febril teatro de todas as paixões, a cidade de Paris nos incandescentes anos da Restauração da Monarquia. Todo Balzac já está aqui em Ferragus, que é considerado uma das etapas essenciais da grande obra balzaquiana, um dos romances fundadores da Comédia Humana.”