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69. O homem que amava o Brasil

Por Ivan Pinheiro Machado*

Tomei conhecimento de Stefan Zweig lendo a biografia que ele escreveu sobre Balzac. Além de ensaísta, romancista, contista, Zweig era um conceituado biógrafo. Famosas são suas biografias de Maria Antonieta, Romain Roland, Montaigne, entre muitas outras. Na biografia de Balzac, há o subtítulo “romance de uma vida”. É um texto de arrebatada admiração. Tão emotivo, tão literário e tão devotado à memória de Balzac que serve como um conduto para o enorme manancial que são os livros do grande romancista. Posso dizer até que ele tem um pouco de responsabilidade pelo mergulho que dei na obra do autor de “A comédia humana”.

Stefan Zweig era assim. Um homem apaixonado, emotivo e de extrema sensibilidade. Deprimido pela guerra, pelo avanço do nazismo e da intolerância contra os judeus, principalmente na Áustria, sua terra natal, suicidou-se juntamente com sua mulher há exatos 70 anos, em fevereiro de 1942, em sua casa em Petrópolis na serra carioca. Encantado com o que encontrou por aqui, ele escreveu “Brasil, o país do futuro”. De enorme repercussão na época em que foi lançado, graças à este livro o Brasil ganhou internacionamente, nas décadas de 50 e 60, o “slogan” de “país do futuro”. No começo deste século, em 2004, com Caroline Chang, a Cacá, minha colega e editora da L&PM (recentemente mãe de Dora), tive alguns encontros na Feira do Livro de Frankfurt com Mme. Lindi Preuss, agente literária que representava os interesses do espólio de Stefan Zweig. Lembro que em cada reunião ela oferecia a mim e a Cacá um doce típico alemão. Um gesto emblemático que transformava nossos encontros em conversas leves e agradáveis. A partir de um acordo com a agente de Zweig, publicamos “24 horas na vida de uma mulher”, “Medo” e “Brasil, um país do futuro”, livro fundamental que, há décadas, estava fora das livrarias do país.

"Brasil, um país do futuro" na Coleção L&PM Pocket e com prefácio de Alberto Dines

Esta publicação foi saudada pelos admiradores e entidades que cultuam a memória do grande escritor, especialmente por um dos seu biógrafos, o brilhante jornalista Alberto Dines, que promoveu um verdadeiro “happening” de relançamento de “Brasil, um país do futuro” no Rio de Janeiro.

A Casa Stefan Zweig de Petrópolis e o consulado da Áustria ofereceram um coquetel com uma exposição de fotos sobre a estada de Zweig no Brasil. Para quem não sabe, o consulado da Áustria era uma das últimas casas que resistiam na Avenida Atlântida em Copacabana. De lá, se tinha uma visão paradisíaca do Rio de Janeiro em frente ao mar. Nesta noite, estávamos eu e meu filho Antonio representando a L&PM e vários foram os discursos, com destaque para a bela fala de Alberto Dines, autor do excelente “Morte no Paraíso” (1981), a biografia de Stefan Zweig, e responsável pelo prefácio do nosso “Brasil, um país do futuro”. Estávamos num terraço no sobrado do consulado. A noite estava perfeita e a lua cheia fazia com que o mar, os morros, os prédios enormes, a areia, tudo, tivesse um toque de maravilhamento.

O antigo consulado da Áustria em Copacabana, vendido em 2009

Eu olhava a paisagem inteira e ficava imaginando o Rio que Stefan Zweig conheceu, tantas décadas antes. Se agora, assediada pela transformação dos tempos, pelos prédios gigantescos, pelas favelas, pelos  milhares de carros, por tudo que o “futuro” traz, esta cidade ainda é maravilhosa, imagine naquele tempo. A beleza da paisagem sugeria um amanhã espetacular, cordial, longe da selvageria que o nazismo havia trazido para a Europa naquele início de guerra.

“Brasil, um país do futuro” é lindo e às vezes ingênuo. Confrontado com a realidade, no entanto, ele é profético. A velha Europa que encheu seus cofres e museus com as riquezas do mundo subdesenvolvido parece que está perdendo o fôlego. Com exceção – paradoxalmente, no caso de Zweig – da Alemanha, há dúvidas e suspeitas quanto ao futuro. Por outro lado, o Brasil, que há duas décadas tinha uma inflação de 1% ao dia, figura hoje como um país em pleno desenvolvimento, como se o futuro que Zweig previu tivesse finalmente chegado.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o sexagésimo nono post da Série “Era uma vez… uma editora“.

Balzac é destaque na Wikipédia em português

Quem já acessou a página inicial da Wikipédia em português (sem ser pela busca do Google) deve ter observado que há sempre um “Artigo em destaque” dentro de uma caixa azul (como na imagem abaixo). Estar ali significa que o artigo é de “excelente qualidade”. No ambiente colaborativo e aberto da Wikipédia, em que todo mundo pode  escrever o que bem entende, ter este atestado de credibilidade é valioso.

Bom… tudo isso é pra dizer que o artigo sobre a vida e a obra de Honoré de Balzac está lá na página inicial da Wikipédia em destaque já faz uns dias. Isso quer dizer que, se você precisar de informações precisas sobre o autor de A Comédia Humana, a comunidade de colaboradores da Enciclopédia Livre – como é conhecida a Wikipédia – garante que naquele artigo você pode confiar.

E não é fácil virar “Artigo em destaque”: primeiro, o texto tem que se enquadrar em um lista enorme de critérios (deve conter referências, fontes, notas, etc) e só então vai para a fila de votação. Apenas os usuários mais ativos e mais antigos têm direito a voto, ou seja, tem muita gente comprometida com a Wikipédia de olho no que é publicado por lá. E o processo não termina aí: são contabilizados apenas os votos que vêm com justificativa. E não adianta escrever qualquer coisa, pois só vale se a justificativa estiver de acordo com aquela lista de critérios iniciais. Após esta seleção criteriosa (ufa!), o artigo mais bem votado ganha destaque na página inicial da língua correspondente. É por isso que ser eleito como “Artigo em destaque” na Wikipédia é um mérito e tanto para o conteúdo construído colaborativamente.

Outra opção para saber tudo sobre Balzac é assistir ao documentário Vida & Obra – Honoré de Balzac, apresentado pelo editor Ivan Pinheiro Machado na L&PM WebTV.

“Ferragus”: crimes e intrigas numa Paris assolada por tragédias e paixões

Desde que o remake da novela “O Astro” começou, o nome “Ferragus” caiu, digamos, na boca do povo. Mas talvez nem todos os telespectadores saibam que o misterioso mentor de Herculado Quintanilha, personagem agora vivido por Francisco Cuoco (e que não existia na versão original da novela), certamente foi inspirado em uma criação de Honoré de Balzac. E não só seu nome como também suas atitudes. Tanto é assim que, em uma das primeiras cenas de “O Astro”, Ferragus fala para Herculano: “Todos os seres humanos querem ser enganados, sobretudo as mulheres…”

Talvez esta frase pudesse estar em um dos livros de Balzac. Mas isso não significa que ele não amasse o sexo oposto. Amava muito, assim como amava Paris. Sobre a Comédia Humana, monumental conjunto de textos composto 89 romances (entre eles “Ferragus“), se disse que – caso tirassem as mulheres – desabaria o monumento. Tirassem os homens, mesmo assim seria uma obra-prima. Claro que é um exagero. Mas mostra que são as mulheres que dominam e dão força e sentido a este definitivo monumento da literatura ocidental. Boa parte da imensa obra de Balzac, escrita compulsivamente em menos de 20 anos, tem a presença impressionante da cidade de Paris. Ela paira sobre os livros com seu charme suntuoso, interagindo com os personagens através de suas sombras, suas ruelas sinistras, enlameadas, seus palácios e seus fiacres soturnos que cruzam as madrugadas.

Em “Ferragus” não é diferente. O personagem título – chamado de “O chefe dos devoradores” é o misterioso líder de uma sociedade secreta parisiense. Mas ele não é o único a se enredar nas tramas balzaquianas, como bem mostra o texto de apresentação da edição da L&PM: “Uma mulher, generosa e bela como um anjo, suspeita de adultério; um jovem oficial que se lança na mais vã e desastratada das investigações; um agente de câmbio perdido nos tormentos da paixão; uma soma de dinheiro que ninguém explica; uma sociedade secreta (Os Treze) na qual os membros se protegem para usufruir do poder ao seu bel prazer; duelos, assassinatos, suicídios; e como pano de fundo, como gigantesco e febril teatro de todas as paixões, a cidade de Paris nos incandescentes anos da Restauração da Monarquia. Todo Balzac já está aqui em Ferragus, que é considerado uma das etapas essenciais da grande obra balzaquiana, um dos romances fundadores da Comédia Humana.”