11. O brinco do Peninha

Por Ivan Pinheiro Machado*

Eduardo Bueno, dito Peninha, é um astro da cultura pop brasileira. Seu livro “A viagem do descobrimento” (Ed. Objetiva) foi um mega bestseller, assim como “Brasil: terra à vista” (L&PM) e muito outros. Peninha foi o inventor do vitorioso gênero “história para todos”. A partir do seu livro sobre o descobrimento do Brasil, os leitores brasileiros passaram a ler a história com outro sabor. E mais que isso. Literalmente, descobriram o Brasil. Tanto é verdade que a fórmula foi imediatamente incorporada ao mercado editorial brasileiro. Hoje, os livros sobre personagens, fatos e datas brasileiras frequentam com naturalidade as listas dos mais vendidos. Peninha, além de jornalista, escritor e historiador, é um grande especialista em Bob Dylan, Grêmio Futebol Portoalegrense e literatura beat, entre outros gêneros que agora não me ocorrem. Estou dizendo tudo isso porque Eduardo Bueno trabalhou aqui na L&PM entre 1984 e 1988. Delirante, engraçado e, digamos, exagerado, Peninha é, além de um intelectual respeitado, uma figura inesquecível. Tem quase 1,90 de altura e, para dizer o mínimo, se caracteriza pela irreverência. Quando ele chegou na editora era um jovem repórter esportivo desencantado com a imprensa e ostentava como grande realização intelectual a tradução de “On the Road” de Jack Kerouac, publicado na época pela editora Brasiliense e, desde 2002, por esta editora. Peninha deixou sua marca na L&PM. Nós já publicávamos Bukowski e, por inspiração dele, criamos duas coleções que até hoje são emblemáticas do nosso trabalho, uma de história, com fontes primárias, como Os Diários de Cristovão Colombo, Pigafetta, Cabeza de Vaca e a famosa coleção “Alma beat”. O resultado deste trabalho é que, até hoje, a L&PM transita nesta faixa de “transgressão”, sendo a editora de todos os Kerouac, Bukowski, Allen Ginsberg, Lawrence Ferlinghetti, Gary Snyder, Neal Cassidy e, modernamente, Hunter Thompson. Lá nos primórdios da editora – a era pré-Peninha ­–, já estabelecíamos esta vocação com a coleção “Rebeldes e malditos” que publicou (e também são publicados até hoje) Rimbaud, Baudelaire, Arthaud, Alfred Jarry, Van Gogh, Téophile Gautier, Appolinaire, De Quincey, entre outros. Em 1988, Peninha saiu da L&PM e foi para o mundo. Publicou dezenas de livros importantíssimos e está entre os principais escritores brasileiros. Mesmo sem um contato profissional mais intenso posso dizer que sou seu amigo e, até hoje, afirmo que os quatro anos em que ele trabalhou aqui tiveram, como dizia o rei Roberto Carlos, “muitas emoções”. Andamos várias vezes pelo mundo, representando a L&PM nas Feiras de Frankfurt, Paris, Londres, Buenos Aires. E foi numa dessas viagens que aconteceu uma das tantas e hilárias aventuras que vivemos juntos. Essa que agora conto aqui.

Foi na primeira vez que ele me acompanhou na sóbria Feira Internacional do Livro de Frankfurt. Lá, sempre se trabalhou de terno e gravata. Até hoje. Na quarta-feira de manhã cedo, eu estava pronto para enfrentar os quilométricos corredores da Buchmesse. Lembro que o primeiro encontro era estratégico, pois seria com um agente inglês, super-formal que tinha livros muito importantes e pela primeira vez recebia a L&PM em Frankfurt. Estávamos no Hotel Ramada e, perto das 9h, impecável num terno escuro e gravata, bati na porta do quarto do Peninha. Quando ele surgiu, o quadro era o seguinte: vestia uma camisa de cetim roxa, sem paletó e um brinco com um pingente. Fiquei em pânico, imaginando a cara do inglês que encontraríamos dali a meia hora… Falando mansamente, argumentei e pedi que ele colocasse uma camisa branca e um blazer. Dei uma explicação rápida sobre o formalismo da feira, etc. Ele me viu todo engravatado e, com relutância, cedeu. Vestiu uma camisa e o blazer. Sem gravata, é claro, mas mesmo assim, já era um grande lucro. Aí eu olhei pro brinco e disse: “Peninha, bacana o seu brinco, deixa eu dar uma olhada”. Ele docilmente me deu o brinco. Eu olhei, vi que era uma simples bijuteria, fui até o banheiro, joguei no vaso e puxei a descarga. Não preciso descrever a cara do Peninha… Sei que eu não faria isto atualmente, mas no fim das contas, a verdade é que temos negócios com o sisudo inglês até hoje… e, o que é mais importante, uma boa história pra contar.

Para ler o próximo post da série “Era uma vez uma editora” clique aqui.

“O retrato de Dorian Gray” estreia no Brasil em março

Estreia oficialmente no Brasil, em março, o filme O retrato de Dorian Gray baseado no livro de Oscar Wilde. Nesta versão do diretor Oliver Parker, quem vive o personagem principal é o ator Ben Barnes, que guarda certa semelhança física com o próprio Wilde. O filme traz ainda Colin Firth como Lord Henry Wotton, Ben Chaplin no papel do pintor Basil Hallward e Rachel Hurd-Wood como Sibyl Vane, uma das amantes de Dorian.

Dorian Gray é um jovem “moralmente corupto” que vive na Inglaterra do século 19. Seu grande amigo e cúmplice, Lord Henry Wotton, é um aristocrata cínico e hedonista, cuja visão de mundo contempla apenas a beleza e o prazer. O livro causou enorme polêmica devido às críticas contra a rigidez moral da sociedade da época e seu conteúdo homoerótico levou Oscar Wilde à prisão.

Abaixo, você confere o trailer de  primeira versão cinematográfica de O retrato de Dorian Gray, de 1945. E na L&PM Web TV pode assistir o trailer da nova versão que estreia em março.

O livro O retrato de Dorian Gray faz parte da Coleção L&PM Pocket, com tradução de José Eduardo Ribeiro Moretzsohn.

A última testemunha da Geração Beat

Carolyn Cassady, como o próprio sobrenome indica, foi a segunda esposa do ícone beat que influenciou personagens importantes da obra de Jack Kerouac e Allen Ginsberg. Pois no livro Off the road, Carolyn conta a sua versão da história. Nunca publicada no Brasil, a obra retrata um Neal Cassady trabalhador e comprometido com a família, bem diferente da conhecida figura que inspirou Jack Kerouac a criar o Dean Moriarty de On the road.

Só o que não muda são as famosas histórias sobre drogas e triângulos amorosos, que estão presentes também na versão de Carolyn. Além de LuAnne, a primeira esposa de quem ele nunca se separou completamente, Neal Cassady se envolveu também com Jack Kerouac e Allen Ginsberg.

Carolyn conviveu 20 anos com Neal Cassady e foi testemunha ocular da cultura beat, sendo hoje a última representante viva daquela geração. Mas ao mesmo tempo, ela faz questão de enterrar algumas passagens. Certa vez, quando estava grávida do primeiro filho, ela não recebeu bem a notícia de que Neal sairia em viagem com Kerouac e LuAnne, os três em clima de romance. “Foi muito traumático”, diz ela. “Eu não queria e não quero saber como eles se divertiam juntos. Eu ainda era tão convencional, e aquilo era uma deserção.” Neste vídeo, amigos de Neal contam como era o beatnik mais “agitado” da turma.

Até aí nenhuma surpresa, pois é este o Neal Cassady que conhecemos. O mais impressionante, no entanto, é que Carolyn sustenta a versão de que o “verdadeiro Neal” era um homem de família e trabalhador, que cuidou de três filhos e sempre tinha um emprego para sustentá-los. E mais: após a separação do casal, em 1963, Neal entrou num processo de auto-destruição, pelo qual Carolyn se sente culpada. “Na época, eu não compreendi que os dois pilares da sua vida eram o trabalho na estrada de ferro e a família. Quando ele percebeu que as coisas não eram mais assim, ele quis morrer”, diz.

Para conhecer melhor a vida e a obra de Neal Cassady, vale ler O primeiro terço, em que o beat mais genuíno de todos narra as desventuras de um garoto desamparado, criado entre vagabundos no árido Oeste americano, às voltas com reformatórios e pequenos furtos.

Só para os fortes: La Fura Dels Baus trará Tito Andrônico para o Brasil

Prepare todos os seus sentidos. Em 2011, o grupo performático catalão La Fura Dels Baus, trará ao Brasil o espetáculo “Degustación de Titus Andrónicus”. A peça, cujos ingressos já estão à venda, levará o espectador ao mundo de Tito Andrônico, um poderoso general da Roma Antiga criado por Shakespeare. Com seu estilo performático que mistura cenografias gigantescas, técnicas circenses, teatro digital, pirotecnia e música ao vivo, La Fura… transformou o texto shakespeariano em uma experiência sensorial. Os espetáculos em São Paulo já estão confirmados na temporada brasileira que vai de 11 de agosto a 25 de setembro e os ingressos estão à venda pelo telefone (11)3803-9964 com preço promocional de R$ 200 (mais próximo da data de estreia eles vão custar R$ 300).  

Cena de "Degustação de Tito Andrônico" do grupo catalão La Fura Dels Baus

Tito Andrônico (Coleção L&PM POCKET) é considerada a peça mais cruel e violenta de Shakespeare e, encenada pelo grupo catalão, ganhou contornos ainda mais chocantes. Como o próprio título da adaptação propõe, o público não apenas assiste, como degusta o espetáculo. Em meio à encenação, são servidos pratos elaborados pelos chefs do famoso restaurante espanhol Mugaritz. As iguarias, no entanto, representam “as entranhas dos filhos do imperador romano Tito”. É o La Fura Dels Baus misturando gastronomia e violência com muito impacto. Se você tem estômago forte, reserve já o seu lugar.

O mito Rimbaud: a dor que fascina

Por Ivan Pinheiro Machado

Nos próximos meses, publicaremos uma biografia de Arthur Rimbaud, por Jean-Baptiste Baronian, na Série Biografias da Coleção L&PM POCKET. Esta série foi produzida originalmente pela editora francesa Gallimard e sua principal característica é a clareza e a qualidade do texto. Todos os “biografados” são retratados de forma a aproximar e cativar o leitor. Alguns destes livros, como os dedicados a Van Gogh, Cézanne, Gandhi e Átila receberam importantes prêmios literários na França.

Verlaine e Rimbaud em detalhe do famoso quadro "Un coin de table" (1872) de Henri Fantin-Latour

Agora chegou a vez de Rimbaud. Com maestria, Jean-Baptiste Baronian traça, em menos de 200 páginas, um perfil realista de Jean-Nicolas Arthur Rimbaud. Ele consegue transportar o leitor ao universo denso e trágico do poeta, mostrando as bases e as causas da existência do “mito Rimbaud”. Porque o grande poeta francês deixou no seu rastro uma longa trilha de mistérios, contradições e indagações que construíram toda uma mitologia que só se amplia com o passar do tempo. Arthur Rimbaud teve uma vida tumultuada e uma obra incomparável. O enigmático divórcio da literatura com pouco mais de 20 anos; um caso de amor com Paul Verlaine, também um grande poeta; onze anos errando pela África Oriental, traficando de tudo, inclusive armas, numa época em que menos de cem europeus aventuravam-se pela Abissínia (hoje Etiópia), quase uma terra de ninguém. O poeta que escreveu toda a sua obra entre os 15 e os 20 anos e é considerado um dos maiores poetas franceses em todos os tempos. Estes são apenas alguns ingredientes irresistíveis para a construção de um mito. E a prova disso são os milhares de livros escritos “sobre” Rimbaud, sua vida e, principalmente, seu périplo africano. O jovem bonito de grandes olhos azuis com apenas 14 anos já havia vencido o concurso de poemas em latim da sua escola. Com 19 anos escreveu “Uma temporada no Inferno”, pouco depois, com 20 anos escreveu “Iluminações”. Além destes dois grandes poemas a obra de Rimbaud é composta de uma centena de poemas entre os quais o célebre “Bateau Îvre” escrito aos 17 anos.

O errante Rimbaud na Abissínia

Adolescente, leu todos os autores fundamentais e, de repente, inconformado com a vida na província e a mãe autoritária, iniciou um rosário de fugas. De Charleville, departamento de Roche, ele ganhou o mundo, deixando no seu rastro histórias de escândalos em Paris, Bruxelas e Londres. Rodou pelo Oriente Médio, na marinha mercante, trabalhou em Chipre, Genova, voltou à França e finalmente sumiu na África. Aden, Harar, Choa, os desertos da Abissína. Onze anos vivendo numa vida terrível, sob 50 graus à sombra, cujo testemunho são as cartas para a família e depoimentos ocasionais de mercadores e europeus que o encontraram ou que trabalharam com ele. Tráfico de armas, suspeitas de tráfico de escravos, Arthur Rimbaud vendia tudo o que era possível vender. Falava mais de 10 línguas, inclusive o árabe. Nunca mais falou em poesia. Nunca mais se referiu a literatura em nenhum relato conhecido a partir dos seus 21 anos. Com 33 anos começou a ter problemas na perna direita. Depois de muito sofrimento foi diagnosticado um câncer. Voltou para a França para morrer depois de imensos sofrimentos. Inclusive a amputação da perna direita.

A história de Arthur Rimbaud intriga e apaixona. Dele, restou o mistério impenetrável. Como um homem abandona um dom no qual era perfeito? Ninguém sabe, nem saberá. Um dos milhares de autores que escreveram com maior ou menor brilhantismo sobre o poeta, Charle Nicholl, finaliza seu brilhante “Rimbaud na África” com um parágrafo que pode definir o grande enigma. Ele refere-se a um registro encontrado em um hotel em Aden:

“A profissão que consta é a de ‘negociante’, e quanto ao endereço, o funcionário escreveu apenas ‘de passage’. Este é o seu verdadeiro epitáfio. Ele é o homem ‘de passagem’, o nômade ou beduíno, o caminhante das grandes estradas. Está – tomando-se a expressão em sua intensidade máxima – apenas de passagem. E mesmo agora, um século depois, em pé diante de seu túmulo em Charleville, não sinto nem um pouco como se estivesse diante de seu último repouso, mas sim batendo à porta de mais uma hospedaria deserta, indagando inutilmente por Monsieur Rimbaud, que já foi ‘traficar no desconhecido’, e não deixou endereço para a posteridade.”

O túmulo de Rimbaud em Charleville, cidade natal do poeta

 

Onde está meu rock’n’roll?

O jornal britânico The Guardian publicou esta semana uma matéria intitulada RIP rock’n’roll, anunciando a morte do gênero musical mais ousado e jovem do mundo. O motivo do óbito, segundo o jornal, é que na lista das 100 músicas mais vendidas no Reino Unido em 2010, há apenas 3 rocks. A notícia deixou em polvorosa os admiradores do gênero e inspirou posts emocionados em blogs e fóruns sobre o assunto.

O site da Blitz, revista portuguesa especializada em música, promoveu uma discussão sobre o tema, que teve intensa participação dos leitores. A maioria, é claro, saiu em defesa do rock’n’roll, questionando os critérios e até a validade do ranking das músicas mais vendidas no Reino Unido. Mas houve também quem concordou com o jornal e defendeu corajosamente que o bom e velho rock’n’roll está mesmo perdendo espaço para outros ritmos como indie ou britpop.

E você, de que lado fica?

Para tirar suas próprias conclusões sobre esta polêmica, leia Mate-me por favor (dois volumes), que narra o nascimento do punk rock, desde a Factory de Andy Warhol até o Max’s Kansas City nos anos 60 e 70, chegando ao Reino Unido nos anos 80.

O livro entra nos camarins e nos apartamentos de astros como Iggy Pop, Patti Smith, Dee Dee e Joey Ramone para reviver os dias de glória do Velvet Underground, Ramones, New York Dolls, Television e Patti Smith Group entre outros.

A verdadeira história do menino que nunca cresce

“Todas as crianças crescem, exceto uma.” Assim Sir James Matthew Barrie começa uma das histórias infanto-juvenis mais belas e conhecidas do mundo ocidental. A ideia de um menino que nunca crescia, que vivia na Terra do Nunca e era perseguido por piratas liderados por “Gancho” foi inspirada nos irmãos Peter, George e Jack Llewelyn Davies, seus vizinhos. Em 27 de dezembro de 1904, a peça Peter Pan estreou em Londres e foi imediatamente um sucesso. Em 1906, Barrie publicou Peter Pan em Kensington Gardens (este texto é, originalmente, o trecho de um romance que ele começara a escrever em 1902 com o nome de The Little White Bird) e, em 1911, transformou sua peça em um romance chamado Peter e Wendy. Em 2004, o filme “Em busca da Terra do Nunca” contou a história de Barrie e sua relação com a família Llewelyn Davies, tendo Johnny Depp no papel principal. Mas tão emocionante quanto assistir ao filme (se você ainda não assistiu, corra para a locadora e prepare-se para chorar com ele) é ver as imagens que o site http://www.jmbarrie.co.uk/ disponibiliza. São 1026 fotos que mostram os garotos Llewelyn nas brincadeiras que inspiraram Barrie. E é de lá, também, que veio este vídeo, na verdade um slide show, montado sobre algumas dessas cenas. Lindo!

A Coleção L&PM POCKET acaba de publicar PETER PAN – Peter e Wendy seguido de Peter Pan em Kensington Gardens com nova tradução.

Jack Kerouac escreveu a Marlon Brando propondo que filmassem “On the road”

Na segunda-feira, 10 de janeiro, o site inglês Collectors Weekly, especializado em Memorabília, publicou um texto assinado por Helen Hall, onde ela conta que, em 2005, mudou-se para Nova York para chefiar o departamento de Memorabilia na Christie´s. Um de seus primeiros trabalhos foi ir até a casa de Marlon Brando, em Mulholland Drive, para selecionar objetos para um leilão. Depois de muitas descobertas, faltava apenas verificar o escritório de Brando. Quando Helen achava que não podia encontrar mais nada, puxou uma velha carta de dentro de uma gaveta, datilografada e assinada em tinta azul: “Jack Kerouac”. “Eu quase desmaiei, enquanto lia a carta” conta ela. “A carta terminou trazendo 33.600 dólares no leilão, mas a minha lembrança de encontrá-la naquele dia quente da Califórnia não tem preço.” Abaixo, você pode ver a carta original que foi leiloada em 2005 (clique nela para aumentar a imagem) e também ler uma tradução (sem compromisso) que fizemos dela. Após a notícia de que Walter Salles terminou sua versão de ON THE ROAD, é emocionante descobrir como o próprio Kerouac havia imaginado seu filme.

Querido Marlon,

eu estou rezando para que você compre ON THE ROAD e faça um filme dele. Não se preocupe com a estrutura, eu sei como condensar e rearranjar um pouco a trama para torná-la mais aceitável para o cinema: transformando todas as viagens em uma só, todas as viagens que no livro são muitas numa única jornada de ida e volta de Nova York para Denver, para Frisco, para o México, para Nova Orleans e de volta a Nova York. Eu já visualizei belas tomadas que poderiam ser feitas com uma câmera no banco da frente do carro, mostrando a estrada (de dia e de noite)… enquanto ela vai se desenrolando pelo para-brisa e Sal e Dean vão tagarelando. Eu quero que você interprete Dean (como você sabe). Eu quero que você faça o Dean porque ele não é um babaca da estrada, mas uma pessoa realmente inteligente (na verdade um jesuíta), um irlandês. Você será Dean e eu serei Sal (a Warner Bros. já mencionou que eu seria Sal) e eu vou lhe mostrar como Dean era na vida real, você não tem ideia de como ele era sem uma boa imitação. Na verdade, a gente poderia ir visitá-lo em Frisco ou poderia ir até L.A. Ele é uma espécie de gato frenético, mas atualmente foi domesticado pela sua última mulher e reza o Pai Nosso todas as noites para seus filhos… como você pode ler em BEAT GENERATION.

Tudo o que eu quero é garantir um futuro para mim e para minha mãe para o resto da vida. Eu realmente quero viajar pelo mundo, escrever sobre o Japão, Índia, França, etc… Eu quero ser livre para alimentar meus companheiros quando estiverem com fome e não ter mais que me preocupar com minha mãe.

Incidentalmente, meu próximo romance é OS SUBTERRÂNEOS que sairá em NY em março próximo e é sobre um caso de amor entre um cara branco e uma garota negra e é uma história muito hip. Alguns dos personagens você poderia ter conhecido no Village. E este livro também poderia virar uma peça (ou um filme), mais fácil do que ON THE ROAD.

O que eu queria fazer era escrever para o teatro e o cinema na América, e dar a essa obra um tom espontâneo e remover as pré-concepções das “situações” para que as pessoas se pareçam como na vida real. É assim que a atuação deve ser: sem um sentido em particular, nenhuma “intenção” em particular, somente como as pessoas são na vida real. Tudo o que eu escrevo, escrevo nesse espírito. E me imagino como um anjo voltando para a Terra. Eu sei que você aprova essa ideia, e incidentalmente o novo show de Frank Sinatra também tem essa base “espontânea” que eu acho que é o único jeito de lidar com o show business ou com a vida. Os filmes franceses dos anos 30 são muito superiores aos nossos porque os franceses realmente deixam seus atores e escritores atuarem sem concepções pré-concebidas com relação às inteligências e eles conversam entre suas almas e todo mundo se entende de imediato. Eu queria fazer grandes filmes franceses na América, finalmente, quando eu for rico… O teatro e o cinema americanos do momento são um dinossauro fora de moda que não se modificou para se adaptar ao melhor da literatura americana.

Se você realmente quer ir adiante com isso, faça arranjos para me ver em Nova York da próxima vez que vier à Flórida e eu estiver aqui, mas o que nós faríamos era conversar sobre isso porque eu acho que isso pode marcar o início de algo realmente grande. E ando entediado ultimamente e estou procurando algo para fazer no vazio, pois, de qualquer maneira – escrever novelas está ficando fácil demais, mesmo com as peças, eu escrevi a peça em 24 horas.

Vamos lá, Marlon, arregace as mangas e escreva!

Sinceramente, até mais tarde,

Jack

Vá de ônibus até o MoMA em Nova York

Ok, uma viagem de ônibus do Brasil até o Museu de Arte Moderna de Nova York pode ser um pouco cansativa. Mas se você não vai até o museu, ele vem até você: o MoMA colocou uma exposição inteira dentro de um aplicativo para iPad e/ou iPhone, que está disponível para download gratuito na Apple Store.

Durante uma viagem de ônibus, trem ou metrô, naquele tempo ocioso do transporte entre a sua casa, o trabalho ou a escola, é possível visitar a exposição Abstract Expressionist New York que está em cartaz no MoMA até abril. São esculturas e pinturas de artistas como Jackson Pollock e Barnett Newman ao alcance do seu touchscreen. Além das imagens, o aplicativo oferece informações completas sobre as obras e vídeos com depoimentos dos curadores. É possível ainda compartilhar as suas obras preferidas com a sua rede de amigos por meio do Twitter.

“Carregue o MoMA com você”

Além do aplicativo da exposição Abstract Expressionist New York, o MoMA possui um app de serviços e conteúdos para iPad, iPhone e Android, que disponibiliza gratuitamente o calendário das exposições, informações sobre obras e artistas e conteúdos em áudio e vídeo. Veja a apresentação do aplicativo:

Da mesma forma que as exposições de arte estão sendo adaptadas das galerias – meios tradicionais de exibição e consumo das artes visuais – para gadgets como iPad e iPhone, a literatura também vai pelo mesmo caminho. Os livros da Coleção L&PM Pocket estarão disponíveis em breve para leitura no iPad e outros leitores de livros digitais. Saiba mais aqui.

10. Bukowski levanta o tapete e mostra a sujeira

Por Ivan Pinheiro Machado*

Charles Bukowski é publicado pela L&PM há quase três décadas. É por isso que o velho safado é super-identificado com a editora que publicou até agora quinze livros seus, incluindo “Delírios Cotidianos”, a bela adaptação de seus contos para HQ feita pelo desenhista alemão Mathias Schultheiss. Nesse ano de 2011, vamos publicar finalmente os seus primeiros romances, “Cartas na rua” e o incensado “Mulheres”. Aí teremos em nosso catálogo todos os seus romances, os principais livros de contos, alguns de suas melhores obras de poemas e o antológico “diário” publicado postumamente: “O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio”. Bukowski conquistou a admiração dos jovens de várias gerações; daqueles que são jovens há muito tempo e daqueles que são jovens recentemente. Esta permanência no coração dos leitores se deve a uma obra descarnada, sobre a qual paira a irresistível aura de transgressão. Há malucos que se tornam santos com o passar do tempo como Van Gogh, Rimbaud, Baudelaire, Artaud, Thoureau, Kerouac, Bukowski, entre dezenas de outros. E esta maravilhosa capacidade da juventude de cultuar aqueles que descarrilham dos trilhos do sistema transforma artistas marginalizados em clássicos. Desde que morreu, em 1994, a obra de Heinrich Karl Bukowski, dito Charles Bukowski, tem corrido o mundo. O bêbado inconveniente capaz de performances desastrosas, completamente embriagado em frente às câmeras da TV, passou a ser respeitado.

O lado sombrio do sonho americano

Nasceu na Alemanha e criou-se nos EUA, filho de um militar de origem alemã que lhe aplicava surras terríveis. Sua prosa e seus poemas “cortam como aço de navalha” e sua obra sistematicamente é o contraponto brutal ao “american way of life”. Foi 1982 que ouvimos falar de Charles Bukowski aqui na L&PM. Curiosamente, ele começava a fazer sucesso na Itália e a agente literária Ana Maria Santeiro, que representava a agência Carmen Balcells no Brasil, me passou um exemplar do livro “Erections, ejaculations, exhibitions and general tales of ordinary madness”. Fiquei perplexo com o título e fascinado com a violência dos contos. Na mesma época, o cineasta italiano Marco Ferreri fez um filme baseado no livro que chamava-se “Crônica de um amor louco”(em italiano “Storie di Ordinaria Folia”), com Ben Gazzara e a maravilhosa Ornella Muti que fazia o papel da “mulher mais linda da cidade”, um dos contos do livro. Rapidamente, a fama do filme espalhou-se e ele virou um verdadeiro “cult” da contra-cultura. Nós compramos os direitos do livro para o Brasil e o publicamos em dois volumes; o primeiro com o título do filme “Crônica de um amor louco” e no segundo adaptamos o título original para “Fabulário geral do delírio cotidiano”. Até hoje publicamos estes livros, agora na Coleção Pocket.

Em 1986, eu estava na Feira Internacional de Frankfurt com o dublê de jornalista e historiador Eduardo Bueno (que na época trabalhava na L&PM) quando conhecemos John Martin, o dono da legendária Black Sparrow, que publicou todos livros do velho Buk, com exceção de “Erections, ejaculations…” que saiu pela editora e livraria City Lights de San Francisco, pertencente até hoje ao poeta beat Lawrence Ferlinghetti. Martin era um grande editor. Foi ele que percebeu o talento de Bukowski e estimulou-o a largar o emprego nos correios e dedicar-se a literatura. Hoje, quase todos os seus livros estão na Coleção L&PM POCKET e o baixo preço é um apelo a mais para que os jovens o leiam. Bukowski não perdoa, não alivia. É sempre violento, irreverente, não tem nenhuma ilusão. É bom que os jovens o leiam. Ele é uma alternativa ao mundo idealizado que virou moda depois da vitória final da civilização do dinheiro e da globalização. Bukowski escancara o lado sombrio da nossa sociedade. Ele levanta o tapete e mostra a sujeira. É a voz dos desvalidos, dos perdedores, dos desempregados, dos doentes, dos falidos, dos feios, das putas, dos bêbados. Não tem nenhum charme, mas a violência que jorra das suas páginas é tão verdadeira que não tem como ficar indiferente.

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