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Os impressionistas chegam ao Rio

Quando minha filha Clara ainda era um toquinho de gente, com menos de 3 anos, ganhou dos avós o livro “M de Monet”. Foi amor à primeira imagem. Ela sentava no colo do avô e ficava literalmente impressionada com a ponte, com o lago, com as pequenas flores das Ninfeias. Daí pra frente, todos os livros para criança com Monet que meus pais encontravam, no Brasil ou em viagens no exterior, traziam para ela. Perdi as contas de quantas vezes a pequena Clara assistiu ao DVD “Lineia no jardim de Monet”.

Mês passado, estivemos em São Paulo e, como não poderia deixar de ser fomos na exposição “Impressionismo: Paris e a Modernidade”. São 85 obras vindas direto do Museu d’Orsay, de Paris. Bem montada, bem organizada, bem iluminada, a mostra é imperdível.

Mas o melhor de tudo foi presenciar o deslumbramento da minha filha, agora com 11 anos, diante da verdadeira ponte pintada por Monet. A real, a pincelada por ele, pelo mestre. “Uau” foi o que ela conseguiu dizer. E ficou ali, diante de “O lago da Ninfeias – Harmonia verde” por uns bons minutos, emocionada, fundindo seu olhar com o conjunto de manchas esverdeadas.

"O lago das Ninfeias - Harmonia Verde", de Claude Monet, está no Rio de Janeiro

Agora, depois de sair de São Paulo, a exposição chegou ao CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) do Rio de Janeiro, na minha opinião um espaço até melhor do que o paulista, pois é mais amplo, mais horizontal. Logo nos primeiros dias, as filas já foram enormes e, assim como em SP, no final de semana de estreia da mostra aconteceu a chamada virada impressionista, com a exposição gratuita aberta ininterruptamente das 9h de sábado (27) às 21h de domingo (28). Além de Monet, Cézanne, Manet, Gauguin, Renoir e Van Gogh são alguns dos pintores que sobem pelas paredes.

“Impressionismo: Paris e a Modernidade” fica no Rio até 13 de janeiro. Vale muito a pena conferir. Você vai ter a impressão de que para ir do Brasil até Paris basta atravessar uma ponte. (Paula Taitelbaum)

Os estrangeiros que sustentaram a revolução da arte moderna

No começo do século, todos queriam morar em Paris. Pintores miseráveis, escultores famintos, escritores em busca de espaço para suas inovações, bailarinos, dramaturgos, músicos, enfim, todos que tinham algo para dizer olhavam para Paris como a Meca das artes e do modernismo.

No que diz respeito à pintura, as grandes revoluções do final do século XIX e começo do século XX ocorreram exatamente em Paris. Foi lá que os impressionistas deram um golpe duro na arte acadêmica, assim como foi lá que surgiram o Cubismo, o Fauvismo, o Dadaísmo, o Surrealismo e outros “ismos” que mudariam a cara da arte.

Neste blog nós já falamos da espetacular mega-exposição da coleção dos Stein (Gertrude, Léo, Michael e Sarah) que conseguiram reunir no começo do século XX cerca de 600 obras de arte moderna. Com a absoluta indiferença dos franceses, especialmente dos parisienses, diante da revolução que era gestada na cidade, os estrangeiros assumiram o papel de comprar e difundir esta nova arte. Os quatro Stein conseguiram convencer suas compatriotas, as irmãs Claribel e Etta Cone de Baltimore, Maryland, a ir às compras no Salão de Outono e nas galerias dos históricos marchands Amboise Vollard e Daniel-Henry Kahnweiler. Com isso, elas acumularam 42 telas, 18 esculturas, 200 desenhos e gravuras de Matisse e também 114 telas e desenhos de Picasso.

A casa de Michael e Sarah Stein na Rue Madame, Paris, em 1907. Matisse está sentado no meio.

Na Rússia, destaque para Ivan Morosov, industrial do ramo têxtil e Serguei Chtchoukine (Sergej Sjtsjoekin), plantador de cereais. Ambos montaram fantásticas coleções de arte moderna entre os anos de 1890 e 1914. Juntos possuíam o maior conjunto conhecido de obras de Cézanne e Gauguin. As encomendas de Chtchoukine à Matisse, para decorar seu palacete em Moscou e dezenas de Picassos das fases azul e rosa fizeram a alegria dos museus soviéticos (e hoje dos museus russos) depois da revolução comunista de 1917.

Uma das salas da casa de Sergei Chtchoukine, outubro de 1911 (clique para ampliar)

Da Alemanha veio Karl Ernst, um dos poucos colecionadores que conseguiram se aproximar e frequentar o atelier de Cézanne. Ernst dividia sua paixão artística entre Cézanne e Matisse. Seu legado está reunido no museu de Essen na Alemanha. Uma grande coleção de pós-impressionistas e impressionistas foi reunida também pelo dinamarquês Christian Tetzen-Lund.

Todos estes estrangeiros tinham em comum a compreensão de que uma nova arte estava surgindo e o dinheiro para adquiri-la. Não que não houvesse grandes fortunas na França. Mas os ricos da época preferiam investir em móveis antigos, castelos, terras e quadros do século XVIII.

Por tudo isto é importante celebrar a coragem aventureira dos Stein, e nada mais justo do que esta grande homenagem que se presta em Paris, no Grand Palais, até o dia 15 de janeiro de 2012. Com o desinteresse dos franceses, foram os Stein e os outros estrangeiros que viabilizaram o mercado que sustentou estes jovens e miseráveis pintores. Sabe-se lá se, caso não houvesse russos, americanos, dinamarqueses e alemães estes pintores geniais não teriam mudado de ramo para sobreviver… (Ivan Pinheiro Machado)

A coleção Stein: o maior acontecimento cultural do ano em Paris

Por Ivan Pinheiro Machado*

“Matisse, Cézanne, Picasso: l’aventure des Stein” – Grand Palais, Paris 8º. De sextas às segundas das 9h às 22h; de terças às quintas das 10h às 22h. Entrada: 12 euros. De 5 de outubro à 15 de janeiro

“Uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa…” (“a rose is a rose is a rose is a rose”), poema escrito em 1914, tornou célebre a escritora Gertrude Stein (1874-1946). Esta genuína vocação para a vanguarda ela provaria uma década antes. Seu endereço parisiense, na rua Fleuris, 27, onde morava com seu irmão Leo e sua companheira da vida inteira, Alice B. Toklas, mais o grande apartamento  de seu irmão Michael e sua mulher Sarah, também em Paris, na rue Madame, 8, abrigaram nos primeiros 20 anos do século XX a maior coleção privada de arte moderna jamais reunida.

Em torno dos anos 1900 os franceses detestavam a arte moderna. O máximo que toleravam em matéria de modernismo eram os impressionistas, e apenas alguns, justamente os mais conservadores. Cubismos estranhos e sombrios de Picasso e cores feéricas e selvagens de Matisse eram motivos de risos e escândalo. Já os americanos e os russos entenderam que ali tinha alguma coisa. E foi graças a eles que Picasso, Matisse, Juan Gris, Cézanne, Marie Laurencin, Renoir, entre muitos outros conseguiram muitos pratos de comida.

Retrato de Gertrude Stein

Em 1903, Leo Stein comprou seu primeiro Cézanne. Um ano depois, Gertrude começaria a comprar Picassos (compraria 180 no total), enquanto seu outro irmão Michael e sua mulher Sarah comprariam praticamente toda a produção da época de Matisse (em torno de 200). Ao todo, entre desenhos, pinturas e esculturas, teriam sido cerca de 600 obras de arte acumuladas pela família Stein em 15 anos de compras. A coleção só não foi mais além, porque em poucos anos os quadros custariam 1000 vezes mais do que os Stein pagaram, inviabilizando a continuação da coleção. Foi então que eles começaram a vendê-la lentamente.

Sarah e Michel Stein retratados por Matisse

Os recursos que mantinham os irmãos Stein numa vida tão confortável em Paris vinham da venda da Omnibus Railway and Cable Company de San Francisco, empresa da família, e de muitos imóveis alugados na Califórnia. Um dos quadros emblemáticos da arte moderna e – junto com “Demoiselles d’Avignon” – precursor do Cubismo é, não por acaso, “Retrato de Gertrude Stein”, uma homenagem de Pablo Picasso que acabou colocando-a como uma das protagonistas (mesmo sem ser pintora) da grande revolução da arte moderna.

Nos anos 20, na euforia pós-guerra, depois de vender boa parte de sua coleção, Gertrude Stein voltaria a cena, treinando seus dotes de visionária. Desta vez, na literatura. Ainda em Paris, descobriria dois jovens escritores americanos: Ernest Hemingway e Francis Scott Fitzgerald.

Pois toda esta história está exposta agora em Paris nas paredes das Galeries nationales du Grand Palais, um fantástico palácio situado entre a avenida Champs Elisées e o Sena. A megaexposição foi inaugurada em 5 de outubro e deverá prosseguir até 15 de janeiro de 2012. É uma viagem fascinante que reúne o melhor da coleção Stein em cerca de 350 obras.

Uma exposição realizada nos melhores moldes das grandes exibições francesas: tudo muito bem explicado, perfeitamente iluminado, muito bem exposto e com a utilização de todos os recursos áudio-visuais disponíveis. Um trabalho impressionante da equipe do Grand Palais. Principalmente se levarmos em conta que a coleção deixou de existir dentro da família Stein nos anos 50 do século passado e que – pior ainda – desde os anos 20 foi sendo paulatinamente vendida. Foram anos de trabalho tentando localizar quadro por quadro nos lugares mais remotos do planeta. Mas o resultado é extraordinário e faz  de Matisse, Cézanne, Picasso: l’aventure dês Stein o maior acontecimento cultural do ano em Paris. E isso não é pouca coisa.

As imensas filas acabaram sendo turbinadas por uma incrível coincidência. Não bastasse a grande importância do conjunto exposto nas paredes do Grand Palais, a exibição passou a ter um poderoso reforço de marketing: o megasucesso cinematográfico de 2011, “Meia noite em Paris”, de Woody Allen, tem como centro de suas ações Gertrude Stein, sua casa e sua turma.

*Ivan Pinheiro Machado é editor e visitou a exposição em Paris quando estava a caminho da Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha. A L&PM publica A autobiografia de Alice B. Toklas na Coleção L&PM Pocket.

Picasso, Matisse e Cézanne juntos em Paris

No início do século 20, anos antes de estourar a 2ª Guerra Mundial na Europa, circulavam por Paris os artistas da chamada “geração perdida”. Em meio a festas e noitadas em bares, eles produziram romances, quadros e esculturas que seriam reconhecidas mais tarde como verdadeiras obras-primas da história da arte e da literatura mundial.

Uma das festas mais badaladas e “bem frequentadas” da época acontecia na casa da família Stein, que tinha se mudado de São Francisco, nos Estados Unidos, para a capital francesa. O famoso sobrado da Rue de Fleurus ocupado por Gertrude Stein e seus irmãos tinha as paredes “forradas” com mais de 200 quadros de alguns dos maiores gênios da pintura mundial como Picasso, Matisse, CézanneGauguin e Toulouse-Lautrec – só para citar alguns que frequentavam o local e deixavam por lá suas marcas.

É a própria Gertrude Stein quem conta as histórias desta época no livro Autobiografia de Alice B. Toklas (Coleção L&PM Pocket), que certamente serviu de inspiração para Woody Allen no filme Meia-noite em Paris. Aliás, quem assistiu ao filme, sabe bem do que estamos falando! E a boa notícia é que a partir de hoje (5/10), as obras do acervo de Gertrude Stein farão parte de uma exposição na galeria Grand Palais, em Paris.

Visitantes observam pinturas de Picasso e Cezanne, durante pré-estreia de exposição da coleção dos Stein

Quem estiver pela Cidade Luz não pode deixar de conferir! A exposição começa hoje e vai até o dia 16 de janeiro de 2012.

A primeira exposição dos impressionistas

Em 15 de abril de 1874 foi oficialmente aberta a exposição que deu origem ao movimento impressionista na Europa. Foram reunidas 165 obras de 27 artistas, entre eles Pissarro, Monet, Renoir, Degas e Cézanne, que exibia pela primeira vez ao público sua obra-prima La maison du pendu. Esta importante passagem na história da arte mundial está descrita no volume Cézanne da Série Biografias:

A grande exposição foi finalmente apresentada de 15 de abril a 15 de maio de 1874, não sem tergiversações. Guillemet desistira de participar. Sua situação melhorara consideravelmente e ele não queria correr o risco de  expor entre aqueles peludos vestidos de trapos. Eles precisavam evitar a qualquer preço dar a impressão de estar fundando uma escola, um movimento, quando tudo o que se queria era possibilitar que  as individualidades fossem expostas lado a lado. Finalmente encontraram um local. O fotógrafo Nadar acabara de mudar-se do seu amplo ateliê do Bulevar des Capucines e concordara em emprestá-lo para o período da exposição. O horário de abertura e o preço da entrada, um franco, foram fixados.

Poucos eventos artísticos deixaram uma marca social e artística tão profunda e suscitaram tantos comentários como este. Nem mesmo a Exposição dos Recusados, organizada um ano antes para acalmar os ânimos dos artistas recusados pela Real Academia Francesa de Pintura e Escultura – entre eles o próprio Cézanne e Manet – foi tão comentada. A chamada Exposição dos Impressionistas – nome cunhado pela imprensa da época – não tardou em transformar-se em um escândalo sem precedentes. A reação do público foi assim descrita:

A multidão comprimia-se em um grunhido de revolta, os escárnios e as gargalhadas zombeteiras explodiam, toda uma histeria maldosa traduzia o medo, a inquietação e a incompreensão. Quem disse que a arte era uma atividade inocente? Ela era o próprio pulso de uma sociedade, seu reflexo, sua dimensão imaginária. Ao mesmo tempo fascinado e colérico, o público aglutinava-se diante das obras daqueles que eram chamados de “os intansigentes”, os artistas em ruptura com o academicismo, os revolucionários. Se, como disse Picasso, é verdade que ninguém ouve mais bobagens em um dia do que um quadro exposto, os quadros daquela manifestação foram mimados. Era horrível, imundo, revoltante, aqueles pintores, pessoas perversas, charlatões. Pintavam ao acaso, jogavam cor na tela sem pensar.

Mas todo aquele barulho não foi por nada, pois uma certa visita mudou o rumo da história:

A exposição  podia ter sido um sucesso escandaloso, mas era um sucesso. A prova? Alguns dias depois, um visitante apresentou-se na exposição.Esse homem distinto, ardoroso e generoso era o conde Doria, um grande colecionador. Ele ficou parado na frente de La Maison du pendu durante algum tempo, procurou todos os motivos para detestar o quadro e desistiu no final. Ele vira e reconhecera uma obra de primeira grandeza nessa composição, nessas massas, nesse movimento telúrico que parecia fazer que a casa surgisse da terra. Ele a comprou.

Apesar desta glória, o retorno financeiro não foi suficiente nem para pagar as despesas da exposição.

Para participar do universo criativo de Picasso

Hoje é aniversário do pintor impressionista Paul Cézanne, que é apontado por Pablo Picasso e Henri Matisse como o precursor do Cubismo. O movimento artístico teve como marco inicial o quadro Les demoiselles d’Avignon, feito por Picasso em 1907, um ano após a morte de Cézanne.

Talvez tenha sido este o maior legado deixado por Cézanne ao mundo das artes. E é por este motivo que resolvemos apresentar aqui a exposição virtual Picasso: Themes and Variations promovida pelo MoMA (Museu de Arte de Nova York), que coloca os quadros e as técnicas do mestre cubista ao alcance de todos, via internet.

No site interativo, desenvolvido especialmente para promover a “visitação” virtual, é possível observar as obras em detalhes, comparar as diversas técnicas utilizadas, conhecer as técnicas de impressão experimentadas por Picasso como a litografia, além de explorar assuntos e temas relacionados a tudo que envolve o universo do pintor espanhol.

Por meio de uma animação interativa, é possível até acompanhar o passo a passo da elaboração de uma tela de Picasso:

O quadro "Jacqueline with headband", do primeiro ao último estágio

Para conhecer mais sobre a vida e a obra destes dois gênios das artes visuais, leia na Série Biografias L&PM: Cézanne, por Bernard Fauconnier, e Picasso, por Gilles Plazy.

O mito Rimbaud: a dor que fascina

Por Ivan Pinheiro Machado

Nos próximos meses, publicaremos uma biografia de Arthur Rimbaud, por Jean-Baptiste Baronian, na Série Biografias da Coleção L&PM POCKET. Esta série foi produzida originalmente pela editora francesa Gallimard e sua principal característica é a clareza e a qualidade do texto. Todos os “biografados” são retratados de forma a aproximar e cativar o leitor. Alguns destes livros, como os dedicados a Van Gogh, Cézanne, Gandhi e Átila receberam importantes prêmios literários na França.

Verlaine e Rimbaud em detalhe do famoso quadro "Un coin de table" (1872) de Henri Fantin-Latour

Agora chegou a vez de Rimbaud. Com maestria, Jean-Baptiste Baronian traça, em menos de 200 páginas, um perfil realista de Jean-Nicolas Arthur Rimbaud. Ele consegue transportar o leitor ao universo denso e trágico do poeta, mostrando as bases e as causas da existência do “mito Rimbaud”. Porque o grande poeta francês deixou no seu rastro uma longa trilha de mistérios, contradições e indagações que construíram toda uma mitologia que só se amplia com o passar do tempo. Arthur Rimbaud teve uma vida tumultuada e uma obra incomparável. O enigmático divórcio da literatura com pouco mais de 20 anos; um caso de amor com Paul Verlaine, também um grande poeta; onze anos errando pela África Oriental, traficando de tudo, inclusive armas, numa época em que menos de cem europeus aventuravam-se pela Abissínia (hoje Etiópia), quase uma terra de ninguém. O poeta que escreveu toda a sua obra entre os 15 e os 20 anos e é considerado um dos maiores poetas franceses em todos os tempos. Estes são apenas alguns ingredientes irresistíveis para a construção de um mito. E a prova disso são os milhares de livros escritos “sobre” Rimbaud, sua vida e, principalmente, seu périplo africano. O jovem bonito de grandes olhos azuis com apenas 14 anos já havia vencido o concurso de poemas em latim da sua escola. Com 19 anos escreveu “Uma temporada no Inferno”, pouco depois, com 20 anos escreveu “Iluminações”. Além destes dois grandes poemas a obra de Rimbaud é composta de uma centena de poemas entre os quais o célebre “Bateau Îvre” escrito aos 17 anos.

O errante Rimbaud na Abissínia

Adolescente, leu todos os autores fundamentais e, de repente, inconformado com a vida na província e a mãe autoritária, iniciou um rosário de fugas. De Charleville, departamento de Roche, ele ganhou o mundo, deixando no seu rastro histórias de escândalos em Paris, Bruxelas e Londres. Rodou pelo Oriente Médio, na marinha mercante, trabalhou em Chipre, Genova, voltou à França e finalmente sumiu na África. Aden, Harar, Choa, os desertos da Abissína. Onze anos vivendo numa vida terrível, sob 50 graus à sombra, cujo testemunho são as cartas para a família e depoimentos ocasionais de mercadores e europeus que o encontraram ou que trabalharam com ele. Tráfico de armas, suspeitas de tráfico de escravos, Arthur Rimbaud vendia tudo o que era possível vender. Falava mais de 10 línguas, inclusive o árabe. Nunca mais falou em poesia. Nunca mais se referiu a literatura em nenhum relato conhecido a partir dos seus 21 anos. Com 33 anos começou a ter problemas na perna direita. Depois de muito sofrimento foi diagnosticado um câncer. Voltou para a França para morrer depois de imensos sofrimentos. Inclusive a amputação da perna direita.

A história de Arthur Rimbaud intriga e apaixona. Dele, restou o mistério impenetrável. Como um homem abandona um dom no qual era perfeito? Ninguém sabe, nem saberá. Um dos milhares de autores que escreveram com maior ou menor brilhantismo sobre o poeta, Charle Nicholl, finaliza seu brilhante “Rimbaud na África” com um parágrafo que pode definir o grande enigma. Ele refere-se a um registro encontrado em um hotel em Aden:

“A profissão que consta é a de ‘negociante’, e quanto ao endereço, o funcionário escreveu apenas ‘de passage’. Este é o seu verdadeiro epitáfio. Ele é o homem ‘de passagem’, o nômade ou beduíno, o caminhante das grandes estradas. Está – tomando-se a expressão em sua intensidade máxima – apenas de passagem. E mesmo agora, um século depois, em pé diante de seu túmulo em Charleville, não sinto nem um pouco como se estivesse diante de seu último repouso, mas sim batendo à porta de mais uma hospedaria deserta, indagando inutilmente por Monsieur Rimbaud, que já foi ‘traficar no desconhecido’, e não deixou endereço para a posteridade.”

O túmulo de Rimbaud em Charleville, cidade natal do poeta