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Sartre: o rosto misterioso de um irmão

Hoje seria o aniversário de Jean-Paul Sartre (1905-1980). Poucos intelectuais encarnaram seu tempo como ele. Poucos filósofos esquadrinharam com tanta profundidade os abismos do ser humano. Filosofia que ele levou para a ficção com a coletânea de contos O muro, a trilogia Os Caminhos da Liberdade (A idade da razão, Náusea e Sursis) ou clássicos da dramaturgia como A prostituta respeitosa, Entre quatro paredes, A mosca entre muitos outros.

E se muitos de seus estudos filosóficos são de extrema complexidade e sofisticação, se a sua biografia de Flaubert, O Idiota da família, ficou inconclusa com pouco menos de quatro mil páginas (e isto é só a metade do que seria), o “outro” Sartre é pop. Coerente com sua vida e suas idéias, recebeu e recusou o Prêmio Nobel de Literatura de 1964. Cabeça privilegiada, soube, no ocaso de sua vida, ser um dos principais interlocutores da juventude rebelde que sacudiu Paris e o mundo em maio de 1968, transformando as ruas do Quartier Latin num campo de batalha. Foi engajado com as causas da esquerda, alinhou-se com Cuba e a URSS num determinado momento, mas mais tarde atacou o cerceamento às liberdades individuais. Sua visão da sociedade e dos homens era generosa e ao mesmo tempo utópica. Nunca perdeu a fé em um mundo mais justo, que fosse um lugar melhor para passar por esta efêmera experiência de existir. Ele mesmo dizia que o grande fracasso do ser humano era a existência da morte. E ao morrer, em abril de 1980, mais de 50 mil pessoas acompanharam seu funeral. Sobre este grande ato de despedida, o jornalista e intelectual francês Gilles Lapouge escreveu um belo texto que foi publicado no Brasil pelo O Estado de S. Paulo. Ele conclui assim:

“(…) é preciso não esquecer que as idéias de Sartre, por mais luminosas e fecundas que sejam, não passariam de um sistema a mais, se não tivessem sido expressas numa das linguagens mais límpidas e mais belas que existem. Sobretudo porque cada uma dessas idéias foi afiançada, garantida, por um homem que ao longo de toda a sua vida, mas principalmente na claridade descorada da morte, tinha o rosto misterioso de um irmão”.

(Ivan Pinheiro Machado)

A L&PM publica a grande biografia de Sartre, escrita por Annie Cohen-Solal, e as obras Esboço para uma teoria das emoções, da Série Pocket Plus, e A imaginação, ambas na Coleção L&PM Pocket.

“On the road” no iPad

A editora Penguin Classics lançou neste fim de semana uma edição ampliada do clássico On the road, de Jack Kerouac, para iPad. Além do texto integral da obra (na versão original, em inglês), o aplicativo traz diversas notas históricas e biográficas, mapas interativos com três rotas possíveis para a road trip de Sal Paradise e Dean Moriarty, links externos com informações sobre os lugares por onde a história passa, além de fotos inéditas, gravações raras em áudio do próprio Kerouac lendo alguns trechos e documentos intactos até então.

Screenshots da versão ampliada de "On the Road"

Screenshots da versão ampliada de "On the Road", da Penguin Classics

E para reafirmar a gradiosidade deste clássico que nunca perde a majestade e nem espaço na lista de desejos dos amantes da literatura de todo o mundo, o aplicativo traz um slideshow com as capas de On the road em diversos países, da Argentina à China – juntando com as imagens deste post, dá pra ter uma visão bem completa do caráter universal da obra mais célebre da literatura beat. O aplicativo está à venda na App Store da Apple por US$ 12,99.

Mas se você ainda não leu On the road, sempre é tempo: a L&PM publica no Brasil a tradução de Eduardo Peninha Bueno em formato pocket.

Londres tem sangue azul

Alguém duvida de que Londres tem sangue azul? Pois eis que as ilhas de Shakespeare, Conan Doyle, Oscar Wilde, J. M. Barrie, Agatha Christie, Jane Austen e tantos outros soberanos literatos tem sido invadida por belgas, que são mais azulados do que o sangue real que corre nas veias da rainha Elizabeth. Neste final de semana, tanto na vitrine de uma loja em Notting Hill como numa banquinha de quinquilharias da Feira de Brick Laine, lá estavam eles: os Smurfs.

Smurfs na vitrine de uma loja em Notting Hill (clique para ampliar)

Smurfs na banquinha de quinquilharias da Feira de Brick Laine (clique para ampliar)

Criados pelo cartunista Peyo (Pierre Culliford) em 1958, essa parece ser a prova de que os pequenos seres azuis parecem ter mesmo voltado à moda. Isso que o filme deles ainda não estreou e o livro da L&PM ainda nem chegou. (Paula Taitelbaum, diretamente de Londres)

Milhares de Huckleberry Finns

O professor Thomas Wortham da Universidade da Califórnia conseguiu juntar um acervo de mais de mil peças relacionadas ao universo do livro As aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain. Boa parte da coleção é de bonecos dos personagens principais e do próprio Mark Twain, dos modelos mais simples aos mais sofisticados:

Huck Finn by Madame Alexander

A coleção tem também posteres, cartazes, edições do livro de diversos países e línguas, canecas e objetos diversos. Para o professor Thomas, que é fã incondicional da história de Huck Finn, sua coleção é o grande testemunho da popularização do clássico escrito em 1884. Veja algumas imagens do acervo no vídeo abaixo, que traz uma entrevista com o professor Thomas Wortham:

O fim das máquinas de escrever

A notícia do fechamento da última fábrica de máquinas de escrever mecânicas do mundo causou certo pesar por aqui. Não por nostalgia, mas pela reverência que qualquer amante das letras tem pelas geringonças barulhentas que ajudaram nossos escritores a dar forma a algumas das maiores obras da literatura mundial.

“Desde que Mark Twain estreou como o primeiro escritor a batucar seus textos em quatro fileiras de teclas, a literatura adotou o invento como companheiro inseparável”, diz o texto da jornalista Dorrit Harazim para a revista Piauí deste mês. Desde então, vários outros autores foram flagrados “barulhando” textos geniais por aí:

Jack Kerouac

Millôr Fernandes

Uma sincera demonstração de afeto de Bukowski por sua máquina de escrever

John Fante

Hunter Thompson

Não só a literatura, mas também a música tem muito a agradecer às Olivettis, Remingtons, Hammonds, Olympias e Underwoods da vida…

Bob Dylan

My Buk’s day

Por Reinaldo Moraes*

Women (pronuncia-se Uímem), do velho Buk, me caiu na mão, não lembro como, no início da década de 80, e logo pensei em traduzir a bagaça, de tanto que eu curti a leitura e releitura do livro. Bukowski virou meu ídolo literário da hora. Traduzi uns dois capítulos por conta própria e levei para a Brasiliense, editora forte na época, que topou bancar a empreitada. Meti, pois, mãos e pés e pinto e coração à obra, que saiu em 1984, se não me engano. Durante o trabalho, que levou quase um semestre, eu contava às pessoas que estava traduzindo o Women, do Bukowski, e as ditas pessoas sempre se espantavam com essa informação, pois entendiam que eu estava a traduzir “O hímen”.  Como é que eu podia estar traduzindo essa incômoda membrana que se antepõe à plena realização sexual das mulheres e também dos homens, by the way? E para que outra membrana eu estaria traduzindo o hímem? Para o diafragma? O peritônio?  Quando a minha versão em português de “O hímem” ficou finalmente pronta, batizada naturalmente de Mulheres (o curioso é que todas as mulheres que aparecem no livro já haviam se livrado do seu hímen há muito tempo), tomei um banho, botei uma calça branca comprada em Barcelona e uma camisa azul comprada em Paris, e fui, babando de orgulho, levar o calhamaço datilografado até a editora, que ficava pras bandas do centro de São Paulo.  Ao sair da editora, com o chequinho da tradução no bolso e tomado de grande alívio e sentimento de realização, resolvi entrar num bar com terraço da avenida Angélica, perto de onde eu morava, para tomar um chopinho vespertino de confraternização comigo mesmo. Eis que, meia hora depois, me entra no bar e senta-se na mesa ao lado da minha uma senhorita com uma camisa amarrada na barriguinha saliente, decote fuck-me-baby, calça justíssima realçando o bundão e umas sandálias de salto alto. Naquele tremendo piranha-look,  a fulana parecia saída diretamente das páginas calientes e divertidas de Mulheres que eu acabara de revisar apenas algumas horas antes. A mulher pediu um chope, puxou um cigarro e me pediu fogo, que eu não tinha, pois não fumava e não fumo. O garçom acendeu o cigarro dela. Fiquei na minha, tomando meu próprio chope e lendo, ou fingindo que lia, o jornal que eu tinha trazido comigo. Não muitos minutos se passaram antes que a piranhuda criatura viesse me pedir a página de cinema do jornal. Emprestei a página e logo entabulamos conversação de mesa a mesa. Que filmes legais estavam passando na cidade, quem já tinha visto o quê, esse tipo de conversinha mole. Quando ficou claro que logo nos tornaríamos mais íntimos, ela veio se sentar à minha mesa. Vários, quiçá muitos chopes depois, sem contar alguns Steinhaegers, saímos do bar abraçados, rumo ao meu carro, um Chevette 77, que fez o favor de nos conduzir até um hoteleco fuleiro do Bexiga, onde passamos algumas horas fazendo a mesma coisa que o sacana do Hank, o personagem-narrador de Mulheres, passara as 300 e tantas páginas do livro a fazer com a legião de namoradas, paqueras ocasionais e putas de alto bordo que por ali desfilam gostosamente. Era inacreditável: eu estava vivendo mais uma das aventuras sexuais errantes narradas pelo Buk com uma de suas mulheres teletransportadas da Califórnia para São Paulo, já com tradução simultânea. No fim, trocamos telefones e eu nunca mais vi a vagaba que, bêbada e pelada no nosso ninho do amor provisório do Bexiga, revelara-se muito da tesuda. Impossível uma experiência mais bukowskiana que essa, que conto aqui sem nenhuma intenção de me vangloriar como o grande literato machão que papa todas as bucetinhas desavisadas e mesmo algumas avisadíssimas, no melhor estilo do meu ídolo americano. Ou talvez eu até esteja mesmo tendo aqui essa intenção imbecil, porém viril, de me vangloriar um pouco, em que pese o fato de todas as glórias serem vãs, ao fim e ao cabo, e vice-versa. Afinal, fui Bukowski por um dia, depois de ter passado meses a fio diante da minha Lettera 22 às voltas com as poéticas putarias do velho safado. Eu merecia aquilo, tanto quanto mereço agora me vangloriar um teco daquela façanha erótica-etílica-poética com a peruete galinha da avenida Angélica, 30 anos atrás, inda mais agora que a minha tradução reaparece em formato de bolso pela L&PM, uma das melhores notícias que tive nos últimos tempos. O mesmo dirão, imagino, os futuros leitores de O hímen, esse clássico bukowskiano. E podem ficar todos sossegados: vagabas hão de pintar por aí, ontem, hoje e sempre.

*Reinaldo Moraes é o tradutor do livro Mulheres, de Charles Bukowski, que acaba de chegar à Coleção L&PM Pocket, autor de Pornopopéia, entre outros livros, e escreveu este texto especialmente para o blog da L&PM.

O dicionário que acompanha gerações

A página de rosto da primeira edição do "Dicionário Caldas Aulete"

 O professor e lexicógrafo português Francisco Júlio de Caldas Aulete não conseguiu passar da letra “A”. Ao falecer, em 1878, ainda faltavam mais de vinte letras – e milhares de verbetes – do dicionário que ele estava compondo. Foi então que o poeta, humanista, amigo de Eça de Queiroz e também lexógrafo António Lopes dos Santos Valente assumiu os trabalhos e completou o “Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa” iniciado pelo colega. Ao ser lançado em Portugal, no ano de 1881, o dicionário apresentava uma proposta inovadora e moderna para a época e obteve grande sucesso editorial. Em homenagem àquele que deu início ao projeto, ele atravessaria gerações conhecido como “Dicionário Caldas Aulete”. 

O recém chegado "Aulete de bolso"

Hoje, muitas reedições e verbetes depois, este dicionário continua sendo um sucesso editorial. E não só em Portugal. Por aqui, o “Projeto Caldas Aulete” é desenvolvido pela editora Lexikon Editora Digital que trabalha sem parar pela atualização permanente da versão brasileira (inclusive de forma interativa). E é a partir de uma parceria com a Lexikon que a Coleção L&PM Pocket acaba de lançar o Dicionário Aulete de Bolso da língua portuguesa. Ele traz 25.400 verbetes e mais de 1.600 locuções. Perfeito para quem quer falar e escrever num estilo um pouco mais “altissonante”. Não sabe o que é? Ah, se você tivesse o Aulete de Bolso na bolsa…

Sidney Poitier e o Oscar 1968

O ator [Rod Steiger] agradeceu à Academia, a Norman Jewison e ao público, e então respirou fundo. “Por fim, o mais importante de todos”, continuou ele. “Gostaria de agradecer ao sr. Sidney Poitier pelo prazer de sua amizade, que me deu o conhecimento e a compreensão sobre a questão do preconceito de que eu precisava para melhorar minha atuação. Muito obrigado, e nós venceremos.” Quando ele deixou o palco, a plateia estava em polvorosa. Steiger havia quebrado o protocolo – fazer referência a questões políticas em um discurso de agradecimento por uma premiação era algo raríssimo em 1968 – e escolhido o momento perfeito para fazer isso. Quando Bob Hope voltou, os aplausos para Steiger ainda não tinha cessado. “As coisas estão meio tensas, não?”, comentou o mestre de cerimônias enquanto esperava. A seguir, ele anunciou quem apresentaria o próximo prêmio: Sidney Poitier. (Depoimento de Dustin Hoffman que está no livro Cenas de uma revolução)

Clique na imagem e assista ao vídeo do Oscar 1968 com a cena descrita acima

Escrito pelo jornalista norteamericano Mark Harris, Cenas de uma revolução – o nascimento de uma nova Hollywood conta tudo e mais um pouco sobre os bastidores (e os holofotes) dos cinco filmes que concorreram ao Oscar 1968. O ator negro Sidney Poitier estrelava dois destes filmes, No Calor da Noite e Adivinhe quem vem para jantar; e quase co-estrelou um terceiro, Doutor Dolittle, além de ser considerado em 1967 a estrela número um de bilheteria dos EUA. Em entrevista exclusiva para o site L&PM, Mark Harris disse, inclusive que, se tivesse que eleger uma das personagens reais do seu livro como sendo “a mais fascinante”, seria Sidney Poitier. Clique aqui e leia a entrevista completa de Harris. Vale a pena.  

Cinco anos antes do discurso de Rod Steiger, Sidney Poitier havia sido primeiro negro a receber o Prêmio de Melhor Ator no Oscar 1963

Os Smurfs vão pegar no seu pé

Mais fofas do que nunca, as criaturinhas azuis e travessas, conhecidas como Smurfs, não vão largar do seu pé tão cedo! A Melissa apresentou ontem, no São Paulo Fashion Week, o modelo Wanting + Smurfs, que deve chegar às lojas no próximo mês, um pouco antes do filme Os Smurfs – 3D, que tem estreia prevista para o dia 5 de agosto. 

Melissa Wanting + Smurfs

E agora ninguém mais segura esta trupe! Em breve, chegará à L&PM o livro com as histórias do Smurf Repórter,  uma criaturinha atenta e observadora que anota em seu caderninho tudo que vê, até que, depois de uma conversa com o Papai Smurf, ele decide abrir um jornal. Veja algumas tiras: 

Clique para ampliar.

 

Ebadi e sua incansável luta pelos direitos humanos

Por Balala Campos*

A palestra da Nobel da Paz, a iraniana Shirin Ebadi, ontem (13 de junho), dentro do Ciclo Fronteiras do Pensamento no Salão de Atos da UFRGS, foi uma continuação do trabalho desta corajosa juíza exilada que ganhou o mundo pelo seu grito a favor dos Direitos Humanos em seu país e no mundo. Com voz pausada e muita clareza, sua fala foi relatando o que acontece com as mulheres no Irã “onde valem metade do que vale um homem”. Assim, afirmou, num depoimento em juízo, a palavra de um homem vale o mesmo que a de duas mulheres. Quanto a indenizações por morte, acidentes, a vida das mulheres vale a metade em dinheiro do que a vida dos homens, para as companhias de seguro. Lembrando a ditadura política e religiosa do governo de Ahmadinejad, Ebadie relatou o que o mundo ocidental indignado já sabe, ou seja, que casais de namorados que mantiverem relações sexuais antes do casamento recebem 100 chibatadas e que o homossexualismo leva à pena de morte, entre tantos outros horrores como penas de apedrejamento, forca, amputação das mãos para os ladrões, prisões de artistas, jornalistas, advogados, todos os que se posicionam contra o governo iraniano.

Sem ter sido recebida pela presidenta Dilma Roussef “por incompatibilidade de agendas”, Ebadi teve sua palestra precedida de pronunciamento da Ministra Maria do Rosário que ressaltou a luta pelos Direitos Humanos do governo petista. Entretanto, diante da fala prolongada da Ministra (9 minutos), a plateia que lotou o Salão de Atos da UFRGS começou a manifestar-se pelo término do pronunciamento, ocasionando algum constrangimento.

A parte final da conferência de Ebadi destinada à resposta de perguntas do auditório foi dinâmica, controvertida, sutil e permeada de alguns recados para os Estados Unidos “que não são o grande modelo de Direitos Humanos para o mundo” e para Israel “que não dá o direito de expressão aos palestinos”.

No encerramento, a Prêmio Nobel da Paz Shirin Ebadi deixou claro que este tipo de ditadura não vai continuar prevalecendo e que o povo iraniano tem se manifestado claramente a favor da mudança de regime. “É uma questão de tempo e de luta”, concluiu a conferencista desta noite inesquecível.

*Balala Campos é jornalista e escreveu este texto especialmente para o blog da L&PM.

Para saber mais sobre a cultura iraniana, fortemente marcada pelo islamismo, leia o volume Islã da Série Encyclopaedia.