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Dois cortados e a conta

24 de maio de 2017: Bob Dylan chega aos 76 anos. Bob Dylan declaradamente influenciado por Arthur RimbaudThoreauBaudelaireJack Kerouac. Bob Dylan fã e amigo de Allen Ginsberg e amante confesso da literatura de Joseph ConradFranz KafkaMark TwainJohn SteinbeckLawrence FerlinghettiWilliam Shakespeare e até Sun Tzu. Bob Dylan que é L&PM: Lyric, Poet, Master.

Para comemorar seu aniversário, (re)publicamos aqui um texto em sua homenagem que também tem tudo a ver com o dia de hoje, já que 24 de maio é o Dia Nacional do Café.

Para ler ao som de “One more cup of coffee“, de Bob Dylan

Por Paula Taitelbaum*

A garota moída de véspera aguarda mais um grão de amor expresso. O professor amargo tenta manter-se acordado sobre o jornal pingado na penumbra de um canto. A garçonete passada queima seu dedo na lágrima fervente da máquina estilo locomotiva à vapor. A senhora fraca deixa um pouco do seu batom na xícara branca de louça barata.

A secretária doce percebe o resto de ai que cai de uma boca espumante. O executivo frio sente o líquido escuro escorrendo por suas veias abertas. A vendedora vazia oferece seu corpo de bandeja enquanto derrama um tanto de suas lamentações. O ator aguado sente a fumaça entrar por suas narinas até experimentar a última gota de fala decorada.

O aposentado leitoso faz tremer o pires gasto que um dia foi do gato. A estudante descafeinada levanta a mão num pedido mirrado e distante. O homem aromatizado finge não prestar atenção na mulher que lambe o dedo lambuzado de chantilly. O poeta denso ignora dois dedos de prosa e rabisca versos imaginários num guardanapo estampado de rodelas marrons.

A moça extra-forte adoça o olhar mexendo suas ideias em movimentos circulares. O desempregado duplo deixa escorrer o resto da auto-estima goela abaixo. A amiga pela metade pensa que as relações não passam de uma meia-taça. A viúva pura assopra suas lembranças para sorvê-las em um grande gole.

O garçom torrado abraça a vassoura por trás do balcão descascado. A filha embebida em restrições pede à mãe uma porção de sonhos frescos. A adolescente encorpada aperta as coxas quentes querendo servir um sanduíche de si mesma. O músico solúvel em críticas esconde as olheiras por trás dos óculos de lentes mal dormidas.

O casal morno alimenta-se de silêncio mastigando um pão adormecido. A esposa granulada acaricia a baguette num requentado pedido de perdão. A velha triturada estende a mão suplicando uma migalha de atenção. A virgem amanteigada deixa sua calda escorrer sem que ninguém perceba onde ela vai parar.

O desquitado italiano hesita antes de pedir um bem-casado. O turista orgânico sorve um sabor estranho enquanto tenta entender a língua que o cerca. A amante cremosa procura o bilhete da sorte entre os restos da mesa ao lado. O garoto cigano de cabelos encaracolados e brinco de ouro lê a sorte na borra decantada antes de partir para o vale lá embaixo.

É uma manhã como outra qualquer no Dylan’s Café.

* Paula Taitelbaum é escritora, autora de Ménage à TroisPorno Pop PocketPalavra vai, palavra vem e coordenadora do Núcleo de Comunicação L&PM.

O Dia Mundial do Rock em ritmo literário

Em homenagem ao Dia Mundial do Rock, cruzamos letras com músicas e criamos as trilhas sonoras perfeitas (ou nem tanto) para certos clássicos da literatura. Tem para todos os gostos. Aumente o som e dance baby, dance…

Para Memória póstumas de Brás Cubas: “The dead man walking”, de David Bowie, em versão acústica:

Para On the Road, “Highway 61 Revisited”, de Bob Dylan, na versão de Johnny Winter:

Para O amor é um cão dos diabos, ou qualquer outro livro de Charles Bukowski, “Sympathy for the Devil”, The Rolling Stones:

Para Peter Pan, “Fly Away From Here”, do Aerosmith:

Para Crime e Castigo, “Help!”, dos Beatles:

Para Romeu e Julieta,” Smells like teen spirit”, do Nirvana:

Para Alice no País das Maravilhas,  “What a Wonderful World” na versão de Joey Ramone:

Famosa canção de Bob Dylan foi influenciada pelos beats

Há 50 anos, em janeiro de 1965 (mais precisamente no dia 14), Bob Dylan gravou uma das músicas mais marcantes de sua carreira: “Subterranean Homesick Blues”.

A importância da canção se deve principalmente a um vídeo – considerado o precursor do videoclipe – em que Dylan acompanha a letra da música com palavras escritas em folhas de papel. Ele foi gravado para ser o trailer do documentário “Don’t Look Back”.

Os cartazes foram escritos, entre outras pessoas, por Dylan e por Allen Ginsberg. O poeta beat aparece ao longo do vídeo, no canto esquerdo da tela, segurando um bastão e conversando.

Dylan disse que teve a influência dos escritores beats na composição da música, especialmente Jack Kerouac. Possivelmente, o título da canção é baseado em Os Subterrâneos, de Jack Kerouac.

Dylan e Ginsberg visitam Kerouac

Foi em 1975, durante uma parada da lendária turnê Rolling Thunder Revue que Bob Dylan visitou a última morada de Jack Kerouac, no Edson Cemetery, em Lowell. Foi acompanhado de Allen Ginsberg. Lá, em frente à sepultura do autor de On the Road, – que morreu em 21 de outubro de 1969 – Ginsberg leu, Dylan tocou, ambos meditaram e um vídeo foi gravado.

Allen (gesticulando em direção ao túmulo): “Então é isso que vai acontecer com você?”
Dylan: “Não, eu quero uma cova sem identificação.”

No prefácio de Pé na estrada (On the Road), o escritor Eduardo Bueno, tradutor da obra, sinaliza a importância de Kerouac para Bob Dylan:

(…) Bob Dylan fugiu de casa depois de ler On the Road. Chrissie Hynde, dos Pretenders, e Hector Babenco, de Pixote, também. Jim Morrison fundou The Doors. No alvorecer dos anos 90, o livro levou o jovem Beck a tornar-se cantor, fundindo rap e poesia beat. Jakob Dylan, filho de Bob, deixou-se fotografar ao lado da tumba de Jack em Lowell, Massachusets, como o próprio pai o fizera, vinte anos antes. Em 1992, Francis Coppola (o produtor), Gus van Sant (o diretor) e Johnny Depp (o ator) envolveram-se numa filmagem nunca concretizada do livro – e, apesar da diferença de idade, os três compartilharam o mesmo fervor reverencial pela obra. Cerca de vinte anos mais tarde, em 2011, Walter Salles e o roteirista Jose Rivera enfim conseguiram, com produção da American Zoetrope de Coppola, levar On the Road para as telas, com Garrett Hedlund, Sam Riley e Kristen Stewart, todos ainda na casa dos vinte anos de idade, nos papéis principais. (…)

Bob Dylan e Allen Ginsberg em frete à sepultura de Kerouac

Bob Dylan e Allen Ginsberg em frete à sepultura de Kerouac – © Ken Regan, 1975

Allen Ginsberg, fotógrafo

Além de poeta, autor do Uivo e ícone da geração beat, Allen Ginsberg era um exímio fotógrafo, que registrou como ninguém a vida urbana e cultural de Nova York e também de outros lugares por onde passou. Suas fotos retratam cenas de sua própria vida e do convívio com outros escritores e artistas, entre eles Bob Dylan, Jack Kerouac, John Cage, William de Kooning, Paul McCartney, Patti Smith, William Burroughs e Iggy Pop.

Boa parte deste material (cerca de 8 mil fotos feitas entre 1944 e 1997) foi reunido pela Larry & Cookie Rossy Family Foundation e está sendo doado para a biblioteca de “special collections” do Centro de Artes da Universidade de Toronto (UTAC), famoso por seu grande acervo de manuscritos, fotos e outros materiais e por ser a maior biblioteca de livros raros do Canadá e uma das maiores do mundo. Várias imagens já foram digitalizadas e estão no Flickr da Thomas Fisher Rare Book Library do UTAC, veja algumas:

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Linda e Paul McCartney

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Patti Smith

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Auto-retrato

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Iggy Pop

Dylan e Ginsberg visitam Kerouac

Bob Dylan está completando 72 primaveras hoje, 24 de maio de 2013. Dylan, que  já se declarou influenciado por Arthur Rimbaud, ThoreauBaudelaire e Jack Kerouac, era amigo de Allen Ginsberg. E é com o autor de Uivo que ele aparece neste vídeo, visitando a última morada de Kerouac, em 1975: 

As celebridades de Richard Avedon

Em 15 de maio de 1923, há exatos 90 anos, nascia Richard Avedon, um dos maiores fotógrafos que o mundo já conheceu! São dele alguns dos registros mais célebres de grandes nomes da literatura, da música, do teatro e do cinema, como Marilyn Monroe, Andy Warhol, Allen Ginsberg, William Burroughs, Bob Dylan, Picasso, Tennesse Williams, Truman Capote e vários outros.

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O dia em que Elvis virou um sofá

Todo mundo sabe que Elvis não morreu. Mesmo assim, a data oficial da sua partida para o além é 16 de agosto de 1977. Elvis continua vivo: em música, fotos, pinturas e souvenirs. Andy Warhol foi um dos que eternizou o rei do rock em valiosos quadros que até hoje fazem a festa dos leiloeiros. Em 1965, Warhol presenteou Bob Dylan com um de seus Elvis, o prateado. Dylan, no entanto, acabou trocando a obra por um sofá. Ao que parece, no entanto, a ficha de artista pop demorou a cair, como demonstra um trecho de Diários de Andy Warhol:

Quinta-feira, 11 de maio de 1978. (…) Robbie disse que me conhecia dos tempos de Dylan. Eu perguntei a ele o que aconteceu com a pintura “Elvis” que dei a Dylan, porque toda vez que eu encontro o empresário de Dylan, Albert Grossman, ele diz que é ele quem a tem e Robbie disse que em alguma época Dylan trocou-a com Grossman por um sofá! (risos) Ele achou que estava precisando de um sofazinho e deu o “Elvis” em troca. Deve ter sido na época de drogas dele. Então foi um sofá caro, aquele. (…)

Andy, Elvis e Dylan em 1965

On the Road na vitrola…

Na estrada, o filme de Walter Salles baseado em On the Road, é como o livro de Jack Kerouac: embalado em música do início ao fim. Infelizmente, a trilha sonora do filme, feita por Gustavo Santaolalla, não será lançada no Brasil. Afoitos por ela, conseguimos comprar o CD via e-bay de um vendedor da Coreia do Sul. Quinze dias depois da transação, eis que o CD chega pelo correio com a trilha original (e não é pirata!).

Nossa trilha de "Na Estrada" recém chegada

Para você sentir o clima, aqui vai uma das músicas mais emocionantes da trilha, a canção que abre e fecha o filme e cuja letra aparece algumas vezes no livro. E o melhor: quem está cantando é o próprio Jack Kerouac!

E assim como há muita música em On the Road, há muitos músicos que se deixaram levar – e inspirar – pela obra de Kerouac, como bem conta Eduardo Bueno no prefácio do livro traduzido por ele:

Bob Dylan fugiu de casa depois de ler On the Road. Chrissie Hynde, dos Pretenders, e Hector Babenco, de Pixote, também. Jim Morrison fundou The Doors. No alvorecer da década de 90, o livro levou o jovem Beck a tornar-se cantor, fundindo rap e poesia beat. Jakob Dylan, filho de Bob, deixou-se fotografar ao lado da tumba de Jack em Lowell, Massachusetts, como o próprio pai fizera, vinte anos antes.

P.S.: E por falar em músico, Caetano Veloso confessou este final de semana em seu blog que nunca conseguiu ler On the Road até o fim, mas que o fará depois de assistar ao filme. “Devo confessar que nunca consegui ler todo. Acho que sou um estranho ser em minha geração. A opinião de Dylan ecoa tudo o que venho lendo e ouvindo sobre esse livro desde a adolescência. Prometo-me que o lerei agora, depois de ver o filme” escreveu ele.

Dylan, minha filha e eu, together in the park

Para ouvir ao som de “Tomorrow is a long time”

Por Paula Taitelbaum*

23 de abril é dia de Shakespeare, Cervantes, São Jorge. Dia Mundial do Livro. Mas hoje nada disso importa… 23 de abril é o dia em que, há exatos 51 anos, Bob Dylan fez seu primeiro show pago, abrindo para John Lee Hooker no Gerde´s Folk City em Nova York. E mais do que isso: é o dia em que nasceu Clara, minha filha. Ou seja: ontem era aniversário dela. Clara, que estava fazendo 11 anos, toca Knock, knock, knockin’ on heaven’s door ao violão e encontra Dylan todo dia de manhã, ao sair do quarto – em uma tela feita pelo artista plástico Oscar Fortunato que há anos está pendurada na parede do corredor bem em frente à sua porta. Clara sabia que o bardo estava na cidade, em um hotel não muito longe de nossa casa. E talvez por isso, desde o final da tarde de ontem, repetia sem cessar: “Queria tanto encontrar o Bob Dylan no dia do meu aniversário…”. Ao sairmos pra jantar com a família, ela continuou falando isso à exaustão, convencida de que o encontro era realmente possível. Lá pelas 22h, ao deixarmos o restaurante, já no rumo de casa, resolvemos fazer um caminho mais longo só para, quem sabe, tropeçar sem querer com Dylan rolando como uma pedra pelas ruas de Porto Alegre… Vá que Clara tivesse razão.

O carro ía devagar, olhávamos atentos às ruas vazias de uma segunda-feira fria. Procurávamos uma figura magra, pequena, provavelmente de touca preta e jaqueta de couro. Nada. Nem sombra. Então, sugeri que virássemos numa rua ao lado do Parcão (como é chamado o Parque Moinhos de Vento). De repente, vimos, sob a penumbra das árvores, entre a luz difusa, duas pessoas caminhando bem devagar. “É ele!” gritou Eduardo. E parou o carro. E era ele. Ele! O cara que escreveu “Like a Rolling Stone” e tanto tanto tanto mais. Que habita nossas paredes, nossas estantes, nossos corações e mentes, o próprio ar que respiramos com sua música. Não havia a menor dúvida de que era ele. Bob e uma mulher caminhavam e conversavam. Dois amigos falando sobre a vida, o clima, o mundo e suas complexidades, sei lá… Together in the park, with the sky already dark. I looked at him and felt a spark, tingle to my bones: meu coração disparou, comecei a tremer inteira, Clara saltou do carro. Caminhamos em direção a ele. Clara e eu. Eduardo ficou um pouco mais atrás, não queria atrapalhar o momento… Ao ver Clara, Dylan sorriu com os olhos. Uma criança faz toda a diferença… “Hi Bob”. “I´m very nervous” disse eu (se isso é coisa que se diga!!!). “Is her birthday” falei, apontado para ela. Ele abriu um sorriso gentil: “Oh, it´s your birthday! Happy birthday”. Então Clara tirou um bilhete da bolsa e ofereceu a ele. Um bilhete que ninguém sabia que ela tinha feito. Estava escrito e desenhado com um coração “I love Bob. From Clara / To Bob Dylan”. Ele pegou o bilhete e sorriu ainda mais, apertando os olhos finos de um azul translúcido, capazes de iluminar a noite fria. Então, apontou para o tênis dela e, vendo os cadarços desatados, disse “You will stumble… Tie up your shoes” (Você vai tropeçar, amarre seu sapato). Clara bend down to top the laces of her shoes… Então, ele ergueu o bilhete, sacudiu-o no ar e o apontou em direção a ela, deixando claro que iria guardá-lo. Eu agradeci e disse “See you tomorrow” (but “Tomorrow is a long time” devia ter emendado). Eles continuaram caminhando. Eu tremia e chorava. Clara pulava. Na cama, antes de dormir, ela disse “Que velhinho mais querido!”. Sim, sim, o velhinho mais jovem que eu já vi na vida. Forever Young and still on the road, after all these years. Nunca vamos esquecer esse 23 de abril… Never gonna be the same again…

*Paula Taitelbaum é escritora, coordenadora do Núcleo de Comunicação da L&PM, mãe de Clara e hoje vai assistir pela sétima vez um show de Bob Dylan.