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David Coimbra indica o novo livro de Martha Medeiros

O que ler – UM LUGAR NA JANELA

David Coimbra*

Li o novo livro da Martha Medeiros, Um lugar na janela – relatos de viagem, e depois fui conversar com ela. Então, a Martha, modesta como é, disse, com intenção de se menoscabar, que o texto do livro às vezes parece-lhe ter sido escrito por uma menina de 13 anos de idade. Dei um tapa na testa. Mas é isso mesmo! O livro é tão genuíno, tão puro, que dá a impressão de ser obra de uma menina. E é justamente por isso que “Um lugar na janela” é encantador. Esta é, precisamente, a palavra: encantador. Trata-se de um livro sem dissimulações, como todas as pessoas deveriam ser. Martha não esconde o seu deslumbramento com os lugares que visita e, assim, deslumbra o leitor. Mais do que isso: faz com que o leitor se sinta jovem, talvez com 13 anos. Uma bela idade para se ter.

* Esta dica de leitura de David Coimbra foi publicada originalmente em sua coluna dominical “O Código David”, do Jornal Zero Hora,  em 28 de outubro de 2012.

Martha Medeiros autografa Um lugar na janela na Feira do Livro de Porto Alegre no dia 10 de novembro às 16h. Em 29 de novembro, a autora estará lançando seu novo livro no Rio de Janeiro e no dia 01 de dezembro em São Paulo.

Fila de bestseller é assim…

Uma hora antes do horário marcado, a fila começou a se formar na Praça da Alfândega em Porto Alegre. Às 16h15min de sábado, 05 de novembro, quando Martha Medeiros chegou, já encontrou centenas de pessoas com o livro Feliz por nada nas mãos. Tudo indicava que sua sessão de autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre se estenderia por muito tempo. Não deu outra. Mais de três horas (e de muitas assinaturas e fotos) depois, foi preciso “fechar” a fila e pedir para que ninguém mais entrasse mais nela. Ou Martha acabaria com uma tendinite daquelas…

A fila começou bem antes da hora marcada

Alguns aproveitaram para levar outros livros, além de "Feliz por nada"

Outros aproveitaram para ler o livro na fila

Até que chegou a hora de receber a dedicatória

E de tirar a foto que ficará guardada junto com o livro autografado

De Porto Alegre para Curitiba: amanhã, 8 de novembro, às 20h, Martha Medeiros participa de um encontro com os leitores no “Paiol Literário”, no Teatro Paiol, com entrada franca.

Por isso eu sou Claudia Tajes

Ontem, 03 de novembro, Claudia Tajes fechou a Feira do Livro de Porto Alegre. Literalmente. A imensa fila de pessoas que foram até lá em busca de um autógrafo no livro “Por isso eu sou vingativa” perdurou das 19h30min às 22h15min. E só parou porque o pessoal que trabalha na feira queria ir pra casa. Hoje, Claudia publicou no seu Facebook: “Aqui vai um agradecimento aos queridos que tiveram paciência de esperar por mim na Feira do Livro de ontem. Foi um dos melhores dias/noites da minha já longa vida. Supervaleu pra todo mundo e um beijo com carinhos nada vingativos!”. Ela vai pro trono ou não vai?

Aqui não dá pra ver, mas a fila para autografar o novo livro de Claudia Tajes era enoooooorme

Ervas contam histórias

Por Carlos Urbim*

Comecei a ler Atado de Ervas, não parei mais. Queria desvendar o ramo de histórias e perceber que Ana Mariano é autora de um dos melhores livros desta 57ª Feira do Livro. (…)

Num panorama literário de varões assinalados, que vêm reconstituindo a história do Rio Grande, Ana se aventura pela mesma vertente. E deixa os leitores apaixonados pela forma como junta a vida simples das estâncias gaúchas ao que vai acontecendo no mundo. Tudo registrado, de tanto em tanto, naqueles velhos calendários da Editora Globo. Lá longe há batalhas, no Rio doutor Getúlio assume o poder, vira ditador, depois se mata, seus sucessores hão de ser Jango e Brizola. Aqui na fazenda missioneira é preciso registrar que trouxeram as encomendas, o gado está vacinado, uma ovelha foi carneada, houve outro casamento e mais um funeral.

É delicioso, com aromas de jujos, percorrer a trajetória de famílias a partir dos campos de São Borja, passando por Santa Maria e Porto Alegre, no tempo em que todo mundo viajava de trem. Numa entrevista, a escritora declara que quer apenas apresentar uma narrativa bem urdida por quem está dominando o ofício de contar. Consegue e faz mais do que isso. Traz para a gente o Brasil da primeira metade do século 20 pelo olhar feminino. É um privilégio desatar as ervas de Ana.

Ana Mariano autografou "Atado de Ervas" na Feira do Livro de Porto Alegre

* Carlos Urbim é jornalista e escritor e, em 2009, foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre. Este texto foi originalmente publicado na pg. 32 do Jornal Zero Hora do dia 29 de outubro de 2011.

38. O dia em que o dr. Lucchese bateu Paulo Coelho e Harry Potter (juntos)

Por Ivan Pinheiro Machado*

Há poucos dias, neste espaço, eu falei sobre o Grenal (clássico do futebol que divide o RS entre Grêmio e Internacional). Pois bem, no Rio Grande tudo é Grenal. As pessoas se sentem na obrigação de ter um lado. Um contra o outro. Em qualquer coisa, sobre qualquer assunto. Bem ou mal, é assim.

A história que vou narrar a seguir começa com uma gafe:

Para você não confudir o dr. Lucchese com o dr. Nesralla, aqui está a foto do nosso autor

Em Porto Alegre, no Grenal da cardiologia, existem dois grandes médicos, o dr. Fernando Lucchese e o dr. Ivo Nesralla. Ambos têm seguidores que não se relacionam entre si. Nem eles, que são amigos cordiais e já trabalharam juntos, explicam isso. Mas, reza a lenda, havia uma grande rivalidade entre os dois. O dr. Ivo Nesralla, no início dos anos 2000, além de emérito cardiologista, acumulava as funções de diretor da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre e da Bienal de Artes Plásticas do Mercosul. Digo isso porque um belo dia, recém eu havia me mudado para um novo prédio quando, na garagem do edifício, encontro um velho amigo de escola, o também cardiologista João Ricardo Santanna. Nos abraçamos e logo engatamos uma conversa de rememorações da nossa infância no Colégio de Aplicação. Nesse momento, perto de nós, um carro estaciona e desce dele um senhor que vem sorrindo em direção ao João Ricardo. Meu ex-colega me apresenta o recém-chegado:

– Dr. Lucchese, eu queria apresentar o meu velho amigo, o editor Ivan Pinheiro Machado.

– Muito prazer em lhe conhecer – disse, simpático, o dr. Lucchese.

Eu quis ser mais simpático ainda e tasquei:

– Dr., eu queria lhe cumprimentar pelo grande trabalho que o senhor faz à frente da Bienal do Mercosul….

O João Ricardo arregalou os olhos e disse:

–Não, Ivan! A Bienal do Mercosul é com o Dr. Nesralla.

Lucchese caiu na gargalhada e gentilmente tentou me tirar do imenso embaraço:

– Não se preocupe, é assim mesmo. Vivem nos confundindo. Eu até já receitei em nome do Dr. Nesralla.

Eu havia naufragado no Grenal da cardiologia. Mal recomposto da gafe, conversamos um pouco e rapidamente combinamos que, já que seríamos vizinhos, eu incentivaria o dr. Lucchese a entrar no mundo dos livros. E o primeiro passo, segundo sugestão do doutor, seria um livro bem popular sobre prevenção a doenças. E mais não falamos. Ainda envergonhadíssimo, peguei o elevador e fui para minha casa.

Três meses depois, recebo um envelope com um simpático bilhete. “Vê se é este o livro. Abraço do Lucchese”.

Abri, dei uma trecheada nos originais e deixei em cima de um móvel na sala de estar. Passaram-se alguns dias, eu não tive tempo de ver melhor o livro e Dona Circe, minha mãe, foi almoçar lá em casa. Leitora compulsiva, ela pegou o envelope e começou a ler, só interrompendo para almoçar. Eu comi e saí correndo para um compromisso. Minha mãe passou a tarde com os netos. À noite ela me ligou:

– Eu li aquele livro que estava em cima da mesinha da sala, “Pílulas para viver melhor”. Acredita que comecei e não consegui largar?! É um livro espetacular! Festejeou minha mãe.

Fiquei alerta! Ao chegar em casa li os originais, liguei para o doutor e comuniquei a ele que a L&PM estava interessada em publicar o livro. Lançamos em março de 2000 na Coleção L&PM POCKET. Dona Circe tinha toda a razão. O sucesso foi instantâneo. A consagração veio na Feira do Livro de Porto Alegre cuja lista dos mais vendidos, para espanto de todos, apontava o dr. Lucchese em primeiro lugar, na frente de Paulo Coelho, Harry Potter e outros grandes bestsellers da época. Em 17 dias foram vendidos 12 mil livros (só em Porto Alegre), sendo que no último dia de Feira, nas primeiras horas da tarde, o livro tinha esgotado. O pessoal chegou a disputar no braço os últimos exemplares.

Detalhe do Jornal Zero Hora que mostra a lista dos mais vendidos na Feira do Livro de Porto Alegre no ano 2000

O livro estabeleceu o recorde absoluto da Feira do Livro de Porto Alegre em sua história de mais de 60 anos. Depois disso, “Pílulas para viver melhor” chegou à marca de 200 mil exemplares vendidos e o dr. Lucchese já escreveu outros 13 títulos. Há uma anedota (verdadeira) relacionada com o livro. Um dia, bem no final da tarde, havia pouca gente na editora e o telefone tocou. Eu mesmo atendi. Era uma senhora com uma voz muito distinta, dizendo que queria fazer uma reclamação em relação ao livro do dr. Lucchese: “O senhor veja só; hoje a tarde comprei o livro do dr. Lucchese. Quando cheguei em casa e abri a sacola,  vi que só estava lá o livro. Não me entregaram as pílulas…”

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo-oitavo post da Série “Era uma vez… uma editora“.

22. A história do fracasso de Andy Warhol… na L&PM

Por Ivan Pinheiro Machado*

Era o final de 1987 e  ainda ecoava no mundo Pop as lamentações pela morte de Andy Warhol. Um suposto erro médico, numa banal cirurgia de vesícula em fevereiro daquele ano, tinha tirado a vida do inventor da Pop Art. Europa e Estados Unidos preparavam retrospectivas de sua obra gráfica e cinematográfica. Tudo ao som de Lou Read e seu “Velvet Underground”, descobertas de Warhol.

Foi neste clima profundamente andywarhoniano que, na Feira de Frankfurt de 1987, 8 meses depois de sua morte, um agente literário ofereceu a mim e ao Paulo Lima os famosos “Diários de Andy Warhol”, um enorme calhamaço recheado de mexericos e fofocas novaiorquinas do uper jet set com aproximadamente 800 páginas que sairia no início de 1988 no Estados Unidos. É claro que nos interessamos. Nós e outros 15 editores brasileiros. Como havia uma grande procura, o agente fez um leilão via fax (não havia e-mail na pré-história) e, depois de vários lances, fizemos uma oferta de U$ 20 mil dólares de adiantamento de direitos autorais. Lá no período paleolítico, no final dos anos 80, um dólar era um dólar de verdade! Não esta merreca de hoje em dia. Um dólar chegava a ser o que hoje equivale a três reais no câmbio oficial e uns 4 reais no famoso “black”, ou mercado negro. Tudo isto em meio a uma inflação de dois dígitos ao mês. Foi assim que recebemos a “feliz” notícia que todos os outros 14 pretendentes tinham se afastado do leilão e, portanto, o livro era nosso.

Confesso que quando baixou a poeira, não chegamos a festejar muito. No começo da operação, quando vencemos o leilão, aqueles 20 mil dólares nos tiraram apenas algumas horas de sono. No final, com o livro nas livrarias no começo do ano de 1989, passaram a nos tirar noites inteiras de sono… Foi assim:

Contratamos o músico e escritor Celso Loureiro Chaves, recém chegado de uma longa estadia nos Estados Unidos, para fazer a tradução. Foram 1.000 laudas. Revisamos em tempo recorde e, finalmente, um ano e pouco depois de assinarmos o contrato, colocamos um belo livro de 800 páginas em corpo 10, formato 16 x 23 cm nas livrarias de todo o Brasil. O preço seria o equivalente hoje a uns 100 reais. Imprimimos 5.000 exemplares para que a tiragem amortizasse o preço do calhamaço. Não precisou mais do que uma semana para que nossas esperanças se esvaissem. Nenhuma reposição. Só devoluções daqueles livreiros que apostaram – como nós – e fizeram pilhas nas suas livrarias. As pilhas foram muito observadas, mas ficaram intactas. Apesar da imprensa ter dado enorme destaque. O grande investimento em direitos, tradução (eram 1.000 laudas!), papel e gráfica tinha ido pelo ralo. Foi o livro mais festejado e não-comprado da história de mais de três décadas de L&PM. E nosso primeiro contato com aquilo que chama-se fracasso editorial. Dez anos depois, decidimos acabar com as enormes, gigantescas, pilhas que se acumulavam no nosso depósito. Aí então Andy Warhol foi um verdadeiro bestseller. Vendemos os 3 mil exemplares que sobraram por R$ 10,00 na Feira do Livro de Porto Alegre de 1997. Foi o saldo mais disputado da história de mais de meio século de Feira.

Sobre o livro, vale dizer que ele foi organizado por Pat Hackett, secretária e amiga de AW, que editou e escreveu o diário baseado nos telefonemas e no convívio diário com ele. Quem espera tiradas geniais e pistas para entender o mega universo Pop, fica profundamente decepcionado. Os diários empilham ti-ti-tis de celebridades, maldades, fofocas, tricôs e não revelam mais do que um personagem fútil, deslumbrado com o mundo dos ricos e das celebridades. Em bom português, pode-se dizer que, apesar das suas 800 páginas, os diários de Andy Warhol possuem a profundidade de uma poça d’ água. E não fazem jus ao seu gênio.

A fábrica do pop

Sua primeira grande criação foi a Factory (estúdio multi-disciplinar, onde Warhol pintava, desenhava e fazia seus célebres filmes underground. Depois criou a revista Interview que tornou-se uma referência no jornalismo cultural mundial. Célebre pela “invenção” da serigrafia como forma de arte, ou da concepção da obra de arte como um múltiplo, ele influenciou gerações. Em suas mãos, o banal se transformou em objeto artístico. Fotos criaram um clima inconfundível com seus alto contrastes e cores fortes. Cada retrato recebia dezenas de versões, sendo colorizado a partir de uma matriz que era reproduzida em várias telas. AW criou também o culto à celebridade e inventou a máxima bilhões de vezes repetida de que “todos teriam seus 15 minutos de fama”. Em 1968, foi alvejado três vezes por uma ex-funcionária da Factory, doublê de dramaturga e lésbica que se prostituía para ganhar a vida. Conseguiu sobreviver. Morreu dezenove anos depois. Foi enterrado em Pittsburgh, cidade onde nasceu, descendente de uma família de judeus húngaros, e onde está hoje o Museu Andy Warhol.

Embora os diários, como livro, não façam jus a dimensão do artista, AW é o último grande esteta num mundo que banalizou-se plasticamente. Ele transformou a arte num objeto de consumo e foi o monstro sagrado das artes visuais. Tímido, adquiriu, post-mortem, a celebridade e a importância do artista que fez a última grande revolução na arte moderna. Andy Warhol também está na série Biografias L&PM.

O mito Marilyn imortalizado pelas cores do pai da pop arte

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15. O Analista de Bagé

Por Ivan Pinheiro Machado*

“O Analista de Bagé”, de Luis Fernando Veríssimo, despontou para a fama e a glória na Feira do Livro de Porto Alegre de 1981. Em meio a uma onda de Sidney Sheldon, Morris West e Harold Robbins, o livro de um autor praticamente desconhecido no eixo Rio-São Paulo surgia como o mais vendido na Feira. Numa daquelas tardes animadas na Praça da Alfândega, eu estava na barraca da L&PM conversando sobre amenidades com a repórter do Jornal do Brasil Cláudia Nocchi quando ela me interrompeu.

Você já notou que, enquanto falamos, três clientes compraram o “Analista de Bagé”?

E era verdade. Estava vendendo muito. Tínhamos feito uma edição de 3 mil exemplares que se esgotara na primeira semana da Feira. Reeditamos rapidamente e “O Analista” já era o mais vendido segundo a lista que a Câmara Riograndense do Livro distribuía todos os dias. E cada vez vendia mais. Cláudia ficou impressionada e resolveu sugerir ao Rio de Janeiro uma matéria sobre o novo fenômeno editorial. O editor do Jornal do Brasil era o gaúcho Raul Riff e, seu filho Sergio Riff, era repórter do Caderno B. No começo dos anos 80, o Caderno B do Jornal do Brasil era a verdadeira bíblia da cultura brasileira. Saía no JB, todo mundo ficava sabendo. E não deu outra. Se houve ou não lobby gaúcho, não sei. Mas, no fim de semana seguinte, o “Analista” deu capa do caderno B, com matéria da Cláudia, resenha do Sergio Riff e até uma enorme caricatura do Luis Fernando ilustrando a página. Um mês depois, o livro já era o mais vendido no país. Aí foi a vez da Veja. Matéria de capa. E olha que poucas vezes um livro deu capa da Veja. Foi a consagração. E durante dois anos “O Analista de Bagé” foi o livro mais vendido em todas as listas de bestsellers dos jornais e revistas brasileiros.

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13. Mais de mil pessoas na sessão de autógrafos de Eduardo Galeano

Por Ivan Pinheiro Machado*

Na Feira do Livro de 2008, Eduardo Galeano veio a Porto Alegre para lançar seu livro “Espelhos”, então recém editado na Espanha e em toda a América espanhola. Galeano é um homem gentil, calmo, um papo agradabilíssimo. Nos poucos dias em que ele esteve aqui em Porto Alegre na companhia de seu velho amigo, o carioca Zé Fernando Balbi, tivemos noitadas memoráveis. Junto com a equipe da L&PM, fechamos (no sentido de ser o último cliente) vários bares em conversas deliciosas e bem humoradas. Galeano gosta de Porto Alegre, seus bares e restaurantes. Evidentemente que, como bom uruguaio, não entra em churrascaria fora do seu país. Então, nosso roteiro gastronômico gaúcho foge do circuito “tradicionalista”. Entre almoços e jantares, ele fez o que devia; deu entrevistas e compareceu à leitura de seu livro e sessão de autógrafos que foi realizada no Teatro da Assembléia Legislativa. Na ocasião, ele foi entrevistado pelo jornalista Ruy Carlos Ostermann no palco do teatro, dentro da programação de “Encontros com o Professor”.

Aquilo que seria uma conservadora entrevista com um grande intelectual, acabou se transformando numa verdadeira comoção no centro da cidade.  Naquele dia ensolarado de outubro, Galeano teve o seu momento pop star. Uma multidão acumulava-se em frente ao prédio do teatro da Assembléia Legislativa. Foi permitida a entrada de cerca de 1.000 pessoas em um auditório onde cabiam 800. E mais de duas mil ficaram na rua. A solução que a administração da Assembléia encontrou, foi agilizar a transmissão ao vivo pela TV Assembléia, com a instalação de um telão em frente ao teatro que retransmitiu a palestra/entrevista para a multidão que ficou do lado de fora. Ele respondeu às perguntas do professor Ostermann e com sua voz pausada e musical leu as belas, líricas e ao mesmo tempo contundentes passagens de “Espelhos”. Foi muito aplaudido. No final, iniciou sua sessão de autógrafos. Quatro horas depois,estava muito cansado (ele dá autógrafos em pé e conversa com cada um dos leitores). Pediu-me para parar, pois não aguentava mais, queria ir embora para o hotel. A fila era imensa. Fiquei imaginando o que fazer com a multidão que se acotovelava em frente ao palco há horas, com o livro na mão, esperando a sua vez. Um editor tem que estar preparado para “administrar” uma saia justa deste porte… Tomei um ar, subi no palco e disse mais ou menos isso: “Pessoal, o Galeano está há mais de 4 horas aqui, em pé e está muito cansado. Pedimos desculpas, mas vocês que gostam dele, vão ter que compreender. Por favor, aqueles que quiserem o autógrafo, deixem o seu livro conosco, com o nome, ele autografará no hotel e os livros estarão, devidamente autografados, à disposição dos seus donos a partir das 15 horas de amanhã na barraca da Câmara Riograndense do Livro na Praça da Alfândega”. Obviamente fui vaiado. Muito vaiado. Depois de vaias e xingamentos, acabaram deixando mais de 300 livros que foram colocados em seis caixas e levados  ao hotel onde Galeano estava hospedado. Ele autografou todos os livros que foram entregues para os seus donos no dia seguinte. Um exemplo de ordem (e sorte), pois dos trezentos, não faltou nenhum e não houve nenhuma reclamação.

Eduardo Galeano é um dos grandes autores latino americanos e nós temos orgulho de editar toda a sua obra no Brasil. Em 2010, a L&PM publicou o seu grande clássico (era o único livro que não tínhamos em nosso catálogo), “As veias abertas da América Latina”, em edição convencional e em pocket, numa nova tradução do grande escritor Sergio Faraco. Também em 2010 republicamos em livro de bolso, numa caixa especial, a trilogia “Memória do Fogo” (“Nascimentos”, “As caras e as máscaras” e “O século do vento”).

Para assistir a entrevista de Eduardo Galeano com Ruy Carlos Ostermann, clique na imagem abaixo:

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o décimo terceiro post da Série “Era uma vez… uma editora“.

A bizarra lista da Feira do Livro

Juremir Machado da Silva*

Saiu a lista dos livros mais vendidos da Feira de Porto Alegre, que a Câmara do Livro chama de lista dos “mais comprados”. Uma turma de alunos da Ufrgs foi encarregada de entrevistar 600 pessoas. Eles pediram a cada entrevistado para citar dez livros adquiridos na Feira. A lista é cômica. A Câmara do Livro poderia simplesmente perguntar em cada banca o que foi mais vendido. Não faz isso por não acreditar nos vendedores. Acha que eles mentem para tentar induzir a saída de determinado livro. O novo sistema de pesquisa é pior. Vou dar alguns exemplos contundentes. Autografei na Feira “1930” e “História regional da infâmia”. Fiquei mais de hora e meia assinando cada um deles para leitores. Ao longo dos 15 dias da Feira, autografei sem parar esses dois livros. Nenhum deles apareceu na lista. Por quê?
A Sulina fez três promoções sugeridas por mim: “Raízes do mal”, de Maurice Dantec, a minha “Trilogia de Palomas” e “Partículas elementares”, de Michel Houellebecq. Dantec vendeu os 591 exemplares disponíveis. A trilogia vendeu 617 livros. Saíram 118 “Partículas”. Nenhum deles entrou na lista dos 35 “mais comprados”. Curiosamente um livro meu apareceu nessa lista: “Getúlio”, romance de 2004, que não teve sessão de autógrafos e não estava em foco. Liguei para Osvaldo Santucci, distribuidor da Record no Rio Grande do Sul e livreiro na Feira. Ele foi sincero: vendeu 30 exemplares de “Getúlio” na Feira. Era tudo o que tinha no estoque. Uau! De “1930”, estima ter vendido mais de 800. Vamos recapitular? Dantec, Houellebecq e eu mesmo, com vendas de 120 a 800 exemplares, perdemos para “Getúlio”, com 30.

A assessoria prestada pelos alunos da Ufrgs pretende ter feito uma pesquisa científica. Os aluninhos merecem todos fazer novamente a disciplina. Estão reprovados. Santucci, pela sua experiência, garante que, em média, o livro mais vendido da Feira anda pelos 1.500 exemplares. Num caso excepcional esse número teria chegado a oito mil. Se o primeiro vendeu 1.500, poderia um livro com 800 exemplares vendidos não ficar entre 35 mais comprados? O bom livro “Havana”, de Airton Ortiz, aparece em décimo na lista da Feira. Segundo Santucci, também seu distribuidor, foi menos vendido por ele do que “1930”. O inacreditável “A Batalha do apocalipse” aparece um sétimo. Santucci conta que havia pedido um grande número de exemplares, prevendo uma vendagem excepcional. Foi, segundo ele, um dos seus maiores fracassos. Nem falei ainda de “História regional da infâmia”. Aí é que pega.
“História regional da infâmia” estava à venda em 30 bancas. Poucos livros tiveram tantos pontos de venda. Só na da L&PM, editora do livro, vendeu 150. Todas as outras bancas pediram reposição mais de uma vez. A editora terá os dados exatos na próxima semana. Pode-se especular uma vendagem de mil exemplares. Isso é que dá ser escritor maldito. É sina. Eu me orgulho. Sempre na contramão. Numa coisa, ao menos, a Feira do Livro é coerente com o seu imaginário: a sua lista de “mais comprados” é de ficção.

*O texto acima foi originalmente publicado no jornal Correio do Povo em 19 de novembro de 2010

Em sua crônica, Luís Augusto Fischer reflete sobre a Feira do Livro de Porto Alegre

DE TUDO

Luís Augusto Fischer*

– FEIRA – Sensação meio ruim de andar na Feira examinando as bancas: o cenário parece tomado por sebos a desovar estoques de livros irrelevantes e por instituições com escassa relação com o livro. (Para dar um exemplo, apenas: por que bom motivo há um estande do Tribunal do Trabalho ali, bem no meião de tudo?) Para achar publicação relevante, é preciso muita paciência. Em 2010, algumas perguntas se impõem: por que mesmo acabou o desconto, que era uma das grandes atrações da Feira? E por que mesmo não fazem mais a lista dos mais comprados? Quem é que a Feira quer circulando e comprando os livros?

– ANIMAL AGONIZANTE – Deve voltar a cartaz em seguida uma adaptação para o palco de O Animal Agonizante, romance de Philip Roth, com uma atuação excelente de Luiz Paulo Vasconcellos no papel daquele melancólico professor de literatura, um veterano das fantasias de 1968 que pretendeu viver com sexo livre e sem laço significativo com uma parceira. Tudo no lugar: a gente ri, pensa, sente, quase chora, tudo numa levada cênica amena, sem apelação sensacionalista alguma, mas profunda o suficiente, capaz de nos fazer experimentar o espelho revelador que uma grande narração pode oferecer. A direção de Luciano Alabarse volta ao drama contemporâneo otimamente, porque não se a vê – diretor de drama, como de cinema, precisa ter suas marcas, mas é tão melhor quanto mais se pareça àquele ideal do juiz de futebol, que deixa rolar o jogo e não chama a atenção sobre si.

– DOR SEM FORMA NEM TAMANHO – Morreu no domingo o jovem Floriano Xavier Reckziegel, filho de duas figuras queridas, a Isabel e o Roque. Nessa hora em que o futuro é abruptamente interrompido fiquei repassando um vasto passado que compartilho com eles: o Roque e eu (mais o Cajo) fazíamos artesanato, num hippismo adolescente magnífico, ele um artista talentoso desde menino; por um tempo de juventude, moramos juntos (ele, eu, o Cícero e depois o então Nestorzinho), e foi nessa época que ele e a Isabel se conheceram, ela uma ex-aluna minha, talentosa desde sempre, depois colega de profissão da maior competência. Tanto laço bom, que nós temos a fortuna de poder recordar. A memória, talvez a suprema humanidade. O Floriano não vai usufruir dela; ficamos nós com a tarefa.

– PREGO – Foi exatamente uma dor desse tipo, pela morte do meu irmão, Sérgio “Prego”, que gerou o livro Puro Enquanto, pela L&PM (obrigado, Ivan, Lima, Cacá), reunindo o material inédito dele mais um conjunto de depoimentos sobre ele (a memória, que nos faz ser o que somos). Foi há mais de três anos, e desde então muita gente de mobilizou para que na segunda que vem, dia 15, às 18h (no Memorial, Sala dos Jacarandás), a gente pudesse fazer o lançamento.

* O texto acima foi originalmente publicado no Segundo Caderno do Jornal Zero Hora em 9 de novembro de 2010.