Juremir Machado da Silva*
Saiu a lista dos livros mais vendidos da Feira de Porto Alegre, que a Câmara do Livro chama de lista dos “mais comprados”. Uma turma de alunos da Ufrgs foi encarregada de entrevistar 600 pessoas. Eles pediram a cada entrevistado para citar dez livros adquiridos na Feira. A lista é cômica. A Câmara do Livro poderia simplesmente perguntar em cada banca o que foi mais vendido. Não faz isso por não acreditar nos vendedores. Acha que eles mentem para tentar induzir a saída de determinado livro. O novo sistema de pesquisa é pior. Vou dar alguns exemplos contundentes. Autografei na Feira “1930” e “História regional da infâmia”. Fiquei mais de hora e meia assinando cada um deles para leitores. Ao longo dos 15 dias da Feira, autografei sem parar esses dois livros. Nenhum deles apareceu na lista. Por quê?
A Sulina fez três promoções sugeridas por mim: “Raízes do mal”, de Maurice Dantec, a minha “Trilogia de Palomas” e “Partículas elementares”, de Michel Houellebecq. Dantec vendeu os 591 exemplares disponíveis. A trilogia vendeu 617 livros. Saíram 118 “Partículas”. Nenhum deles entrou na lista dos 35 “mais comprados”. Curiosamente um livro meu apareceu nessa lista: “Getúlio”, romance de 2004, que não teve sessão de autógrafos e não estava em foco. Liguei para Osvaldo Santucci, distribuidor da Record no Rio Grande do Sul e livreiro na Feira. Ele foi sincero: vendeu 30 exemplares de “Getúlio” na Feira. Era tudo o que tinha no estoque. Uau! De “1930”, estima ter vendido mais de 800. Vamos recapitular? Dantec, Houellebecq e eu mesmo, com vendas de 120 a 800 exemplares, perdemos para “Getúlio”, com 30.
A assessoria prestada pelos alunos da Ufrgs pretende ter feito uma pesquisa científica. Os aluninhos merecem todos fazer novamente a disciplina. Estão reprovados. Santucci, pela sua experiência, garante que, em média, o livro mais vendido da Feira anda pelos 1.500 exemplares. Num caso excepcional esse número teria chegado a oito mil. Se o primeiro vendeu 1.500, poderia um livro com 800 exemplares vendidos não ficar entre 35 mais comprados? O bom livro “Havana”, de Airton Ortiz, aparece em décimo na lista da Feira. Segundo Santucci, também seu distribuidor, foi menos vendido por ele do que “1930”. O inacreditável “A Batalha do apocalipse” aparece um sétimo. Santucci conta que havia pedido um grande número de exemplares, prevendo uma vendagem excepcional. Foi, segundo ele, um dos seus maiores fracassos. Nem falei ainda de “História regional da infâmia”. Aí é que pega.
“História regional da infâmia” estava à venda em 30 bancas. Poucos livros tiveram tantos pontos de venda. Só na da L&PM, editora do livro, vendeu 150. Todas as outras bancas pediram reposição mais de uma vez. A editora terá os dados exatos na próxima semana. Pode-se especular uma vendagem de mil exemplares. Isso é que dá ser escritor maldito. É sina. Eu me orgulho. Sempre na contramão. Numa coisa, ao menos, a Feira do Livro é coerente com o seu imaginário: a sua lista de “mais comprados” é de ficção.
*O texto acima foi originalmente publicado no jornal Correio do Povo em 19 de novembro de 2010