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Caulos e o primeiro livro a denunciar crimes ambientais

Era 1976 quando a L&PM Editores lançou o livro “Só dói quando eu respiro” de Caulos. Foi o primeiro livro de um intelectual brasileiro importante a abordar com um humor quase trágico a questão da ecologia – do desmatamento, da poluição, do crescimento urbanístico desenfreado. E isso em um tempo em que ninguém pensava em meio ambiente ou “sustentabilidade”. Só uns poucos, como José Lutzenberger e seus pares, que geralmente eram acusados de “malucos”, se preocupavam com a natureza.

A primeira capa de "Só dói quando eu respiro", edição de 1976

Caulos é um grande artista brasileiro. Pintor, cartunista, deixou a sua marca na imprensa defendendo a causa da ecologia e – na época da ditadura – da democracia. Seus trabalhos eram publicados no legendário “O Pasquim” (onde além de publicar cartuns, fazia com Ivan Lessa a coluna “Gip gip nheco nheco”) e no Jornal do Brasil, quando este jornal era o mais influente no país. Caulos era o mais importante cartunista do JB.

Um dos cartuns do livro

Outro cartum de "Só dói quando eu respiro"

Pois o principal dos seus trabalhos que saiu no JB e no Pasquim foi publicado em “Só dói quando eu respiro”, este livro admirável. A L&PM Editores está preparando uma nova edição para o começo de julho.

A realização da “Rio + 20” é a ocasião ideal para apreciar este trabalho magnífico. E entender o que é um “clássico”: um livro genial que resiste incólume na sua incrível qualidade gráfica e atualidade temática, 36 anos depois de ter sido publicado pela primeira vez. (Ivan Pinheiro Machado)

Em 2001, o livro foi relançado com esta capa que, em breve, chegará novamente às livrarias

Sobre “Millôr Definitivo”

Mais de 600 páginas de Millôr em estado puro

Este livro espetacular é o resultado de uma verdadeira operação “pente-fino” na obra de Millôr Fernandes. Muitas foram as pessoas que colaboraram no “rastreamento” das frases deste grande intelectual brasileiro, dentro e fora da L&PM. Mas foi aqui na editora que executamos a monumental tarefa de selecionar, reunir, “xerocar” e assinalar quase 10.000 frases. Esta equipe foi capitaneada por Jó Saldanha, Fernanda Veríssimo e por mim. Consultamos as coleções de “O Cruzeiro”, “Veja”, “Isto É”, “O Pasquim”, “Pif-Paf”, “Jornal do Brasil” e todos os livros publicados por Millôr como “30 anos de mim mesmo”, “A história é uma história”, “A verdadeira história do Paraíso”, “O livro vermelho dos pensamentos de Millôr”, “Fábulas fabulosas”, “Hai-kais”, “Poemas” entre muitos outros, além das 21 peças de teatro originais, criadas por ele (para quem não sabe, Millôr também traduziu mais de 100 peças de teatro, entre elas “Hamlet”, “Rei Lear” e “A megera domada” de Shakespeare, “Pigmaleão” de Bernard Shaw e “Gata em telhado de zinco quente” de Tennessee Williams. O material original, com as páginas de livros, jornais e cópias de revistas formariam uma pilha de mais ou menos três metros de altura, caso fossem empilhadas, é óbvio… Millôr analisou as 10 mil frases e cortou mais de 4 mil. Foram aprovadas 5.142 frases. O trabalho começou em 1988 e o livro saiu finalmente em 1994 com um mega lançamento na churrascaria Marius em Ipanema, Rio de Janeiro. Um mês depois, faríamos outro grande lançamento na pizzaria “Birra e Pasta” em Porto Alegre, numa grande festa comemorando os 20 anos da L&PM Editores. De lá para cá, este livro já vendeu bem mais de 50 mil exemplares.

São mais de 600 páginas de Millôr Fernandes em estado puro. Há no mercado uma edição de luxo em capa dura, no valor de R$ 74,00 e  a versão em bolso, com texto integral por R$ 29,00. É um fantástico conjunto de preciosidades intelectuais. Uma síntese do pensamento de Millôr Fernandes. Frases que marcaram nossa história recente e traduzem de maneira genial o que se viu, sonhou, sofreu e vibrou nestas últimasd décadas. (Ivan Pinheiro Machado)

 

Há 69 anos, morria o escritor Stefan Zweig

Dizem que o Brasil é o país do futuro (e parece que sempre será). Mas o que nem todos sabem é que a frase que hoje é clichê não foi criada por um brasileiro, mas proferida em livro por um austríaco, o escritor Stefan Zweig. Em 1936, convidado para um congresso em Buenos Aires, Zweig aproveitou para visitar também o Brasil. Chegou esperando encontrar “uma daquelas repúblicas sul-americanas que não distinguimos bem umas das outras, com clima quente e insalubre, situação política instável e finanças em desordem…”, como depois escreveria. Mas ao desembarcar no Rio de Janeiro, a sensação foi outra: “Fiquei fascinado e, ao mesmo tempo, estremeci. Pois não apenas me defrontei com uma das paisagens mais belas do mundo, esta combinação ímpar de mar e montanha, cidade e natureza tropical, mas ainda com um tipo completamente diferente de civilização”. A partir de então, Zweig envolveu-se tão intensamente pelo Brasil que, em 1941 mudou-se para Petrópolis, virou biógrafo de Américo Vespúcio e escreveu o apaixonado ensaio histórico Brasil, um país do futuro.

Em 23 de fevereiro de 1942, deprimido com as barbáries da Segunda Guerra e sem esperanças no futuro da humanidade, cometeu suicídio junto com a esposa Lotte na casa que moravam em Petrópolis, ingerindo uma alta dose de barbitúricos. No dia seguinte, o Jornal do Brasil trazia a notícia: “Morre tragicamente um dos maiores escritores contemporâneos – Stefan Zweig e sua esposa suicidaram-se em Petrópolis na tarde de ontem – Os funerais serão feitos pelo governo e se realizarão hoje.”

Tombada pelo IPHAN, a última morada do escritor hoje é a Casa Stefan Zweig, uma entidade cultural sem fins lucrativos que homenageia sua memória, através do acervo físico com objetos pessoais e relativos às suas obras e à sua época, com coleção de livros, fotos, documentos, vídeos, filmes, biblioteca.

Além de Brasil, um país do futuro, a L&PM publica em pocket Medo e outras histórias e 24 horas na vida de uma mulher.

15. O Analista de Bagé

Por Ivan Pinheiro Machado*

“O Analista de Bagé”, de Luis Fernando Veríssimo, despontou para a fama e a glória na Feira do Livro de Porto Alegre de 1981. Em meio a uma onda de Sidney Sheldon, Morris West e Harold Robbins, o livro de um autor praticamente desconhecido no eixo Rio-São Paulo surgia como o mais vendido na Feira. Numa daquelas tardes animadas na Praça da Alfândega, eu estava na barraca da L&PM conversando sobre amenidades com a repórter do Jornal do Brasil Cláudia Nocchi quando ela me interrompeu.

Você já notou que, enquanto falamos, três clientes compraram o “Analista de Bagé”?

E era verdade. Estava vendendo muito. Tínhamos feito uma edição de 3 mil exemplares que se esgotara na primeira semana da Feira. Reeditamos rapidamente e “O Analista” já era o mais vendido segundo a lista que a Câmara Riograndense do Livro distribuía todos os dias. E cada vez vendia mais. Cláudia ficou impressionada e resolveu sugerir ao Rio de Janeiro uma matéria sobre o novo fenômeno editorial. O editor do Jornal do Brasil era o gaúcho Raul Riff e, seu filho Sergio Riff, era repórter do Caderno B. No começo dos anos 80, o Caderno B do Jornal do Brasil era a verdadeira bíblia da cultura brasileira. Saía no JB, todo mundo ficava sabendo. E não deu outra. Se houve ou não lobby gaúcho, não sei. Mas, no fim de semana seguinte, o “Analista” deu capa do caderno B, com matéria da Cláudia, resenha do Sergio Riff e até uma enorme caricatura do Luis Fernando ilustrando a página. Um mês depois, o livro já era o mais vendido no país. Aí foi a vez da Veja. Matéria de capa. E olha que poucas vezes um livro deu capa da Veja. Foi a consagração. E durante dois anos “O Analista de Bagé” foi o livro mais vendido em todas as listas de bestsellers dos jornais e revistas brasileiros.

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4. A ditadura que odiava os livros – parte II

Por Ivan Pinheiro Machado*

Leia (ou releia) aqui a primeira parte dessa história.

Hélio Silva assumiu a editoria e a responsabilidade – junto conosco – da publicação do livro que ganhou o nome de “Memórias: a verdade de um revolucionário”. Hélio assinou como organizador e prefaciador do livro. Foi um longo trabalho, pois eram muitas páginas e muitas informações. Para a época, era uma verdadeira bomba atômica e – confesso 32 anos depois – eu retirei do livro, em consenso com Hélio Silva, ­as chamadas “ofensas de baixo calão” que  Mourão dirigia a Médici e, principalmente, a Costa e Silva. Os velhos generais eram brindados com os piores adjetivos disponíveis no nosso idioma. Preservamos 90% das ofensas. Os 10 % que cortamos foram em nome da viabilização da empreitada. Mas não adiantou. O livro já estava impresso, empacotado na gráfica EPECÊ, antiga gráfica Champagnat, pertencente à PUC RS. Estava tudo pronto para a distribuição dos livros quando recebemos o telefonema de um dos padres que comandavam a empresa. “Corram aqui!!! A polícia está prendendo o livro!!!”. Meu pai havia detectado por acaso, no Fórum, uma movimentação para “apreensão de livro em segredo de justiça”, promovida por um conhecido escritório de advocacia de Porto Alegre, ligado a um Ministro da ditadura. Advogado, ele assumiu a causa na hora e já estava na gráfica quando chegamos.

Para nos proteger, havíamos convocado toda a imprensa, pois o testemunho dos repórteres evitaria alguma violência contra nós. Receosos, fomos tirar satisfação do delegado do DOPS que liderava a operação. Ele olhou para mim com uma cara de nojo e grunhiu: “Não toquem nos livros e não saiam daqui”. Enquanto isso, o Lima já estava tratando de fugir pela porta dos fundos com 200 livros. Passou-se uma meia hora de enorme tensão. Usando a forma mais respeitosa que eu encontrei, comuniquei a ele que ia me retirar por alguns momentos para buscar um amigo meu no aeroporto. O cara me olhou com absoluta indiferença e voltou a grunhir: “Tu não entendeu, meu? Tu tá preso!” Fiquei parado e meu pai se aproximou. Eu falei bem baixinho: “o cara disse que eu estou preso!”. Dr. Antonio Pinheiro Machado Netto era um velho combatente e me perguntou. “Tu conheces o pessoal do JB?”. “Sim. Por quê?” Meu pai sussurrou: “Está ali o carro deles, quando o cara se distrair entra dentro e te manda!” A repórter Ângela Caporal não estranhou quando eu pulei dentro da Brasília com o enorme logotipo do jornal e me deitei no banco. Discretamente, ela ordenou ao motorista: “Vamos embora daqui!” Foi assim que eu escapei, graças à generosidade da Ângela e à respeitabilidade do saudoso JB, o jornal mais importante do Brasil, na época. O que se seguiu foi uma encarniçada batalha judicial. O livro era enorme e o prejuízo foi maior ainda. Quando estávamos já sem esperanças, vendendo os nossos Volkswagens para pagar a gráfica e fechar a editora, o livro foi surpreendentemente liberado depois de uma sentença histórica do juiz que tratava do caso. Era fevereiro de 1979 e a história recomeçava para nós. A liberação foi manchete em todos os jornais importantes do país e o livro vendeu mais de 50 mil exemplares colocando a L&PM no mapa do Brasil… Hoje, apesar de esgotado, é uma importantíssima referência para elucidar os passos do movimento golpista de 1964.

Hélio Silva escreveu mais de 60 livros sobre história do Brasil e em alguns deles utilizou muitas das informações do General Mourão. Em 1990, fez voto de pobreza e passou a ser monge beneditino. Morreu em 1995, aos 91 anos, no Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro, onde está enterrado.

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