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Esclarecimento: “Memórias de um revolucionário” foi apreendido pela ditadura

No domingo, 26 de outubro, na página 4 do Jornal Zero Hora, o editor da L&PM, Ivan Pinheiro Machado, foi citado em uma entrevista. Segundo o entrevistado dá entender em determinada resposta ao jornalista Alexandre Lucchese, o livro “Memórias de um revolucionário”, editado pela L&PM nos anos 1970, seria uma obra a favor da ditadura, o que não é verdade. A seguir, a resposta de Ivan que foi enviada ao jornal:

“Memórias de um revolucionário”, de Olympio Mourão Filho, é um livro que, literalmente, “desmancha” a elite militar da época (1977). Quando a L&PM publicou o livro, tal era o nível das críticas e até de ofensas aos chefes militares da ditadura, que nenhum editor em Rio e São Paulo ousou publicá-lo. É um brado contra a ditadura e a repressão dado justamente pelo militar que chefiou as tropas em 31 de março. Por isso, o livro foi apreendido. Além da apreensão violenta e arbitrária, houve a tentativa de prender eu e meu sócio, Paulo Lima, quando a Policia Federal invadiu e lacrou a gráfica que imprimia o livro. Na ocasião, fugimos da polícia no carro da sucursal do Jornal do Brasil em Porto Alegre e tivemos que “sumir” algumas semanas. Fomos processados juntamente com o grande historiador brasileiro Hélio Silva, que era quem detinha os direitos autorais do livro, já que o General Mourão havia morrido. E depois de uma batalha judicial comandada pelo meu pai, o advogado e ex-deputado comunista Antonio Pinheiro Machado Netto, que durou dois anos, o livro finalmente foi liberado para circular. A decisão do judiciário foi histórica e decretou em 1979 (ano da Anistia) a liberação deste livro que foi o último a ser apreendido por motivos políticos no Brasil.  (Ivan Pinheiro Machado)

Ivan Pinheiro Machado (à esquerda)  e Paulo Lima, editores da L&PM, em 23 de agosto de 1978, dia em que foi apreendido o livro "Memórias de um revolucionário" de Helio Silva e Olympio Mourão Filho, durante a ditadura

Ivan Pinheiro Machado (à esquerda) e Paulo Lima, editores da L&PM, em 23 de agosto de 1978, dia em que foi apreendido o livro “Memórias de um revolucionário” de Helio Silva e Olympio Mourão Filho, durante a ditadura

 Clique aqui e leia mais sobre esta obra e a perseguição sofrida pela L&PM no tempo da ditadura militar.

 

Há 50 anos, os militares davam início à ditadura no Brasil

capa_1964_golpe_flavio_tavares.inddNa manhã do dia 31 de março, um furioso editorial de primeira página do Correio da Manhã, do Rio, é a senha que alerta os conspiradores comandados por Castello Branco, que ainda não tinham data para se rebelar: “Basta!” é o título. “Até que ponto e até quando o presidente da República abusará da paciência da nação?” – pergunta-se no texto, imitando o discurso de Cícero contra Catilina no Senado romano – a “Catilinária”, que passou à História como símbolo do poder violento e persuasivo da oratória e que o jornal carioca adotava em suas páginas. A grande imprensa do Rio e São Paulo atira-se contra Jango, participando assim da revolta de Mourão. A única exceção é Última Hora, com edições em seis capitais estaduais, mas solidária na oposição ao golpe. (1964 – O Golpe, de Flávio Tavares)

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Capa - Golpe ou contragolpe.inddNo dia 31 de março, o general Amauri Kruel dirigiu-se ao QG do 2º Exército, às primeiras horas da manhã, como de costume. Seriam 7 horas quando o general Linfoldo Ferraz, em gozo de férias na estância mineira de São Lourenço, telefonou-lhe para anunciar movimento anormal de tropas e a saída do Batalhão da Polícia Militar, sediado naquela cidade. Kruel compreendeu que o movimento revolucionário, em Minas Gerais, fora antecipado. (…) Ainda na manhã de 31, o comando do  2º Exército enviou à Guanabara um oficial com a missão de informar aos comandantes dos 5º e 6º Regimentos de Infantaria, localizados no Vale do Paraíba, o levante de Minas. Deveriam, tão somente, receber ordens dele, comandante do 2º Exército e nas forças sob seu comando, no sentido de enfraquecer ou fazer abortar a revolução. Não foi possível ao chefe da nação localizar o general Kruel em suas primeiras tentativas. Atendendo afinal ao chamado, aquele militar apelou para o presidente como seu amigo pessoal e repetindo advertências anteriores, para que se libertasse do cerco das forças populares. Essas ponderações não encontraram acolhida. (1964: Golpe ou Contragolpe?, de Hélio Silva)

 

Você precisa conhecer Hélio Silva

Hélio Silva foi um homem singular. Nasceu em 1904 e morreu em 1995. Médico de formação, jornalista de profissão e historiador de vocação passou a dedicar-se exclusivamente ao jornalismo na década de 30 e rapidamente tornou-se um colunista influente. Sua carreira foi interrompida devido ao movimento revolucionário de 1930 que o proibiu de exercer a profissão. Mas logo voltou à ativa para ser o chefe da sucursal no Rio da recém-fundada Folha da noite, de São Paulo. Colaborou durante muitos anos no Jornal do Brasil. Em 1949, a convite de Carlos Lacerda, assumiu o cargo de redator-chefe da Tribuna da Imprensa. E foi justamente no jornal de Lacerda, em 1959, que ele começou a publicar suas pesquisas de história contemporânea.

Meticuloso, Hélio teve o privilégio de viver a história do século e registrá-la com maestria. Percebeu desde cedo que poderia ter o depoimento “ao vivo” dos atores desta história. E com isso reuniu um imenso arquivo sobre a história republicana brasileira. Um conjunto de documentos e depoimentos sem igual que deu origem ao seu monumental “Ciclo de Vargas”. Uma série escrita em colaboração com a historiadora Maria Cecília Ribas Carneiro que inicia com a história da Proclamação da República, em 1889 e atravessa os séculos no Brasil.

1964 – Golpe ou contragolpe é um complemento a “Ciclo de Vargas” e foi publicado pela primeira vez pela L&PM Editores em novembro de 1978, em plena ditadura militar. Agora, no ano em que completa 50 anos do golpe, o livro de Hélio Silva volta repaginado. Esta obra apresenta fatos que se interpenetram com os volumes da série, personagens comuns, novos e antigos protagonistas, herdeiros de velhas tradições, sempre tendo como foco o golpe de 1964. Hélio Silva foi narrador, personagem e testemunha dessa história, com a autoridade de um intelectual que, no dizer de Antônio Houaiss, foi “dos mais destacados entre os estudiosos brasileiros (do que quer que seja) e merece a consagração de todos os seus compatriotas”.

No início dos anos 90, Hélio Silva fez voto de pobreza e recolheu-se ao Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro, onde morreu em 21 de fevereiro de 1995. Mas ainda é tempo de conhecê-lo através de livros como 1964 – Golpe ou Contragolpe. Uma obra que segue tão atual quanto antes.

Capa - Golpe ou contragolpe.indd

“Março de 1964 é um episódio da Guerra Fria. Já é possível analisá-lo no confronto das correntes históricas antagônicas, nas marchas e contramarchas do processo renovatório. Esse choque se reflete nas Formas Armadas, mais nitidamente a partir da Segunda Guerra Mundial. A FEB traz, em seus heróis, os líderes dos grupos que se defrontarão em 1945, 1950, 1955, 1961 e 1964.”

Um tiro no coração de Vargas

Em 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas saiu da vida e entrou definitivamente para a história. O presidente mais lembrado (e por muitos mais amado) do Brasil deu um tiro no próprio coração. Em 1964, quando completou dez anos de seu suicídio, o já reconhecido jornalista Hélio Silva deu início à publicação de “O Ciclo de Vargas”, um conjunto de 16 volumes que somam quase sete mil páginas que começa com 1889: A República não esperou o amanhecer e vai até 1964: Golpe ou contragolpe. Escritos em colaboração com a historiadora Maria Cecília Ribas Carneiro, essa monumental série traz os personagens, fatos, registros oficiais, depoimentos,  documentos (muitos deles descobertos e trazidos à luz por Hélio Silva), narrados de forma impecável e atraente.

Entre 2004 e 2005, a L&PM reeditou quatro dos títulos de “O Ciclo de Vargas”: 1889: A República não esperou o amanhecer; 1922: Sangue na areia de Copacabana; 1926: A grande marcha e 1954: Um tiro no coração (publicado atualmente em pocket). Na década de oitenta, já havia saído 1964: Golpe ou contragolpe, outro livro da série. E publicar todos eles na Coleção L&PM Pocket, está nos planos da editora.

As medalhas têm duas faces. É comum que em uma delas figure o desenho de uma máquina, o símbolo da realização. A outra estampa a efígie de quem se pretende homenagear, Vargas teve sua efígie profusamente reproduzida em retratos, painéis, medalhões, notas de dinheiro, moeda. Se pretendessem cunhar uma medalha, depois de 24 de agosto, em um dos lados figuraria um poço de petróleo, um forno siderúrgico, a Eletrobrás, um símbolo da política de desenvolvimento, que marca a passagem de Vargas na direção dos negócios públicos do Brasil. Na outra, deveria ficar uma recordação do combate que sofreu, dos obstáculos que enfrentou, da campanha de silêncio do que fazia de bom, para lhe atribuírem todos os crimes de todos os criminosos, e essa imagem poderia ser a última que o povo teve de sua presença física, tombado no leito de morte, com uma bala ferindo o coração. (De 1954: Um tiro no coração, de Hélio Silva)

Hélio Silva foi um homem singular. Antes de se dedicar ao jornalismo, foi um urologista respeitado no Rio de Janeiro. Testemunha ocular da Era Vargas, em 1949, a convite de Carlos Lacerda, assumiu o cargo de redator-chefe da Tribuna da Imprensa. E foi justamente no jornal de Lacerda que ele começou a publicar suas pesquisas de história contemporânea. Era uma homem extremamente católico, modesto, suave e generoso. E um grande trabalhador. Em 1990, resolveu renunciar a todos os bens materiais, fez voto de pobreza e passou a ser monge beneditino recolhido no Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro, onde morreu em 21 de fevereiro de 1995, aos 91 anos.

De Hélio Silva, a Coleção L&PM Pocket publica ainda Vargas uma biografia política.

55. Hélio Silva: o autor do monumental “Ciclo de Vargas”

Por Ivan Pinheiro Machado*

Hélio Silva foi um homem singular. Viveu o século XX, pois nasceu em 1904 e morreu em 1995. Formou-se em Medicina, foi um urologista respeitado no Rio de Janeiro e, como médico, publicou mais de 50 artigos científicos. Paralelamente, exerceu o jornalismo. Ou, como ele dizia, conseguiu a proeza de exercer suas duas paixões, o jornalismo e a medicina. Na década de 30, passou a dedicar-se exclusivamente ao jornalismo e rapidamente tornou-se um colunista influente. Sua carreira foi interrompida devido ao movimento revolucionário de 1930 que proibiu-o de exercer a profissão. Mas logo voltou a ativa para ser o chefe da sucursal no Rio da recém-fundada Folha da noite, de São Paulo. Colaborou durante muitos anos no Jornal do Brasil. Em 1949, a convite de Carlos Lacerda, assumiu o cargo de redator-chefe da Tribuna da Imprensa. E foi justamente no jornal de Lacerda, em 1959, que ele começou a publicar suas pesquisas de história contemporânea. 

Meticuloso, Hélio teve o privilégio de viver a história do século e registrá-la com maestria. Percebeu desde cedo que poderia ter o depoimento “ao vivo” dos atores desta história. E com isso ele reuniu um imenso arquivo sobre a história republicana brasileira. Um conjunto de documentos e depoimentos sem igual que deu origem ao seu monumental “Ciclo de Vargas”. Uma obra que inicia com a história da Proclamação da República, em 1889, e termina com a história do Golpe de 1964. São 16 volumes, sete mil páginas: 1889 – A República não esperou o amanhecer (L&PM); 1922– Sangue na areia de Copacabana (L&PM); 1926 – A grande marcha (L&PM); 1930 – A revolução traída; 1931 – Os tenentes no poder; 1932 – Guerra paulista; 1933 – A crise no tenentismo; 1934 – A constituinte; 1935 – A revolta vermelha; 1937 – Todos os golpes se parecem; 1938 – Terrorismo em campo verde; 1939 – Vésperas de guerra; 1942 – Guerra no continente; 1944 – O Brasil na guerra; 1945 – Por que depuseram Vargas; 1954 – Um tiro no coração (L&PM); 1964 – Golpe ou contragolpe (L&PM).

Uma das raras imagens do "professor" Hélio Silva

Municiado por arquivos importantes, como de Getúlio Vargas, Oswaldo Aranha, entre muitos outros, Hélio Silva construiu o “Ciclo de Vargas” com a autoridade do testemunho, da proximidade do fato histórico e da sua isenção. Sua obra é fundamental para a compreensão do Brasil do século XX e referência para todas as análises e teses correntes sobre este período.

Lima e eu conhecemos Hélio em 1976. Ele veio a Porto Alegre dar uma palestra no colégio que meu pai, o advogado Antonio Pinheiro Machado Netto mantinha em Porto Alegre. Nesta ocasião, conforme já tratamos no post “A ditadura que odiava livros – parte II” ele nos ofereceu as memórias do Gal. Olympio Mourão Filho que lhe doara no leito de morte com a promessa de publicá-la. Nós topamos o desafio, publicamos e o livro foi apreendido pela ditadura. Leia o post e conhecerá os detalhes desta aventura.

Publicamos vários livros do “professor”, como gostávamos de chamá-lo. Sua produção era enorme e qualificada. Durante toda a sua vida de historiador, contou com a colaboração fundamental da também historiadora Maria Cecília Ribas Carneiro. Era uma homem extremamente católico, modesto, suave e generoso. E um grande trabalhador. Era fanático pela história do seu país e nada o detinha na busca de fatos, explicações e documentos. Quando o conhecemos, ele tinha 73 anos e uma enorme vitalidade. Em 1990, ele resolveu renunciar a todos os bens materiais, fez voto de pobreza e passou a ser monge beneditino recolhido no Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro, onde morreu em 21 de fevereiro de 1995, aos 91 anos.

Hélio Silva e a historiadora Maria Cecília Ribas Carneiro

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quiquagésimo quinto post da Série “Era uma vez… uma editora“.

Os registros “esgotados” da ditadura

Há exatos 47 anos, tropas de Minas Gerais e de São Paulo saíram às ruas. Era 31 de março de 1964. Dias antes, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada pelos setores conservadores da sociedade, pedia o afastamento do então presidente João Goulart, que sucumbiu à pressão política e social e refugiou-se no Uruguai. No mesmo dia os militares tomaram o poder, e a ditadura brasileira que duraria 20 anos dava o primeiro passo.

A L&PM Editores foi criada neste período, em 1974. E vamos combinar: fazer livros não era uma atividade bem vista pelo regime… Apesar disso, a produção intelectual era intensa e diversas obras célebres foram publicadas nesta época, como o livro 1964: Golpe ou Contragolpe, de Hélio Silva, que narra em detalhes os acontecimentos políticos e sociais do dia 31 de março de 1964. Um registro precioso em páginas já amareladas, que já não se encontra nas livrarias. Recuperamos este trecho do nosso arquivo e compartilhamos aqui:

Outra saída encontrada para resistir ao regime foi o humor. E nisso, Millôr Fernandes foi mestre e o é até hoje. A peça Bons tempos, hein?! (cujo livro também está fora de circulação há algum tempo), publicada pela L&PM em 1979, faz um resumo dos últimos 15 anos, começando pelo fatídico 1964:

As tirinhas antológicas do Rango, personagem criado pelo cartunista Edgar Vasques em 1970, foram publicadas pela L&PM em sete volumes, entre 1974 e 1981 (todos esgotados). Recuperamos algumas páginas do volume 1 para compartilhar aqui com vocês:

Em 2005, quando completou 35 anos, Rango ganhou uma edição comemorativa em versão pocket. Esta sim pode ser encontrada nas livrarias 🙂

4. A ditadura que odiava os livros – parte II

Por Ivan Pinheiro Machado*

Leia (ou releia) aqui a primeira parte dessa história.

Hélio Silva assumiu a editoria e a responsabilidade – junto conosco – da publicação do livro que ganhou o nome de “Memórias: a verdade de um revolucionário”. Hélio assinou como organizador e prefaciador do livro. Foi um longo trabalho, pois eram muitas páginas e muitas informações. Para a época, era uma verdadeira bomba atômica e – confesso 32 anos depois – eu retirei do livro, em consenso com Hélio Silva, ­as chamadas “ofensas de baixo calão” que  Mourão dirigia a Médici e, principalmente, a Costa e Silva. Os velhos generais eram brindados com os piores adjetivos disponíveis no nosso idioma. Preservamos 90% das ofensas. Os 10 % que cortamos foram em nome da viabilização da empreitada. Mas não adiantou. O livro já estava impresso, empacotado na gráfica EPECÊ, antiga gráfica Champagnat, pertencente à PUC RS. Estava tudo pronto para a distribuição dos livros quando recebemos o telefonema de um dos padres que comandavam a empresa. “Corram aqui!!! A polícia está prendendo o livro!!!”. Meu pai havia detectado por acaso, no Fórum, uma movimentação para “apreensão de livro em segredo de justiça”, promovida por um conhecido escritório de advocacia de Porto Alegre, ligado a um Ministro da ditadura. Advogado, ele assumiu a causa na hora e já estava na gráfica quando chegamos.

Para nos proteger, havíamos convocado toda a imprensa, pois o testemunho dos repórteres evitaria alguma violência contra nós. Receosos, fomos tirar satisfação do delegado do DOPS que liderava a operação. Ele olhou para mim com uma cara de nojo e grunhiu: “Não toquem nos livros e não saiam daqui”. Enquanto isso, o Lima já estava tratando de fugir pela porta dos fundos com 200 livros. Passou-se uma meia hora de enorme tensão. Usando a forma mais respeitosa que eu encontrei, comuniquei a ele que ia me retirar por alguns momentos para buscar um amigo meu no aeroporto. O cara me olhou com absoluta indiferença e voltou a grunhir: “Tu não entendeu, meu? Tu tá preso!” Fiquei parado e meu pai se aproximou. Eu falei bem baixinho: “o cara disse que eu estou preso!”. Dr. Antonio Pinheiro Machado Netto era um velho combatente e me perguntou. “Tu conheces o pessoal do JB?”. “Sim. Por quê?” Meu pai sussurrou: “Está ali o carro deles, quando o cara se distrair entra dentro e te manda!” A repórter Ângela Caporal não estranhou quando eu pulei dentro da Brasília com o enorme logotipo do jornal e me deitei no banco. Discretamente, ela ordenou ao motorista: “Vamos embora daqui!” Foi assim que eu escapei, graças à generosidade da Ângela e à respeitabilidade do saudoso JB, o jornal mais importante do Brasil, na época. O que se seguiu foi uma encarniçada batalha judicial. O livro era enorme e o prejuízo foi maior ainda. Quando estávamos já sem esperanças, vendendo os nossos Volkswagens para pagar a gráfica e fechar a editora, o livro foi surpreendentemente liberado depois de uma sentença histórica do juiz que tratava do caso. Era fevereiro de 1979 e a história recomeçava para nós. A liberação foi manchete em todos os jornais importantes do país e o livro vendeu mais de 50 mil exemplares colocando a L&PM no mapa do Brasil… Hoje, apesar de esgotado, é uma importantíssima referência para elucidar os passos do movimento golpista de 1964.

Hélio Silva escreveu mais de 60 livros sobre história do Brasil e em alguns deles utilizou muitas das informações do General Mourão. Em 1990, fez voto de pobreza e passou a ser monge beneditino. Morreu em 1995, aos 91 anos, no Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro, onde está enterrado.

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3. A ditadura que odiava os livros – parte I

Por Ivan Pinheiro Machado*

Foi em setembro de 1978 que a última apreensão de um livro por motivos políticos aconteceu no Brasil. O título da obra em questão: “Memórias: a verdade de um revolucionário”. Seu autor: General Olympio Mourão Filho. Sua editora: a L&PM. Mesmo que estivéssemos no início de uma “abertura” – que mais parecia uma fresta de redemocratização, a censura insistiu em bater novamente à nossa porta. O general Mourão Filho havia sido o chefe das tropas que insurgiram em 31 de março de 1964, derrubando Jango e dando início à ditadura militar. Estabelecido o governo golpista, Mourão acabou sendo preterido na hora da escolha no Presidente da República. Primeiro, em detrimento do General Castelo Branco e, depois, do General Costa e Silva. A partir de então, o General Mourão deixou-se corroer pelo sentimento de injustiça até morrer amargurado em 1972. No leito de morte, legou a um amigo, o historiador Hélio Silva, um pacote com os originais das suas memórias, obtendo de Hélio a promessa de que o livro seria publicado. Louco de curiosidade com o que tinha nas mãos, assim que chegou em seu amplo apartamento na Avenida Atlântica, Hélio abriu o pacote e começou a ler a cópia datilografada em papel de seda, com tipos azulados do carbono. Ao final de algumas horas, ele já havia vencido 300 das 500 páginas do original. Estava pasmo. Tinha consigo uma metralhadora giratória cujos alvos eram os poderosos ex-presidentes Castelo Branco, Costa e Silva e Médici. Engoliu em seco ao lembrar do juramento ao General moribundo. Meses depois da morte de Mourão, Hélio havia mostrado os originais a todos os editores importantes do Rio de Janeiro e, diante das recusas em série, concluiu que só um louco seria capaz de publicar aquilo. Mas não desistiu. Mais do que obstinado, Hélio era um católico convicto e, para ele, juramento era algo divino.

Corria o ano de 1977. Meu pai, Antonio Pinheiro Machado Netto, era dono de um colégio, o Educandário Cecília Meirelles, que inaugurou em Porto Alegre a prática de trazer grandes personagens da cultura brasileira para conferências pagas. Lembro de Décio Pignatari, Barbosa Lima Sobrinho, Antonio Callado, Helio Pelegrino e muitos outros, entre os quais Hélio Silva, considerado na época um dos principais historiadores brasileiros do período republicano. Ele falou, foi brilhante e, no final de sua conferência, foi apresentado a mim e ao Lima pelo meu pai. Ali, ficou sabendo que tínhamos uma editora e interessou-se. Era um dos grandes autores nacionais, editado pela Civilização Brasileira, a mais importante editora do país na época. Seu “Ciclo de Vargas”, em 16 volumes de mais de 500 páginas cada, um é uma referência obrigatória para quem quer conhecer a História recente do Brasil. Pois bem. Hélio olhou para nós e perguntou sem rodeios:

“Vocês teriam coragem de publicar um material altamente explosivo?”

“Como assim?” perguntou o Lima.

“As memórias do homem que iniciou a revolução de 1964”.

Eu ri e disse: “Desculpe professor, mas nós não somos uma editora de direita…”

Foi a vez dele rir: “Vocês nem imaginam o que ele diz dos milicos. Ele brigou com todos os generais. É um livro importantíssimo, pois há informações absolutamente inéditas sobre o golpe de 64”.

Fez uma pausa e acrescentou: “Por uma questão de honestidade, devo dizer a vocês que é um material perigoso, pois vai incomodar muita gente. Ele esculhamba os generais e ridiculariza o golpe.”

Estávamos espantados com a revelação. Éramos muito jovens, iniciantes e querendo nos firmar nacionalmente como editores. Esta poderia ser uma boa chance. Topamos na hora. O acordo foi no jantar, com brinde e tudo. Estávamos muito excitados com a possibilidade de editar o livro. Meses depois, estaríamos quase arrependidos e tecnicamente quebrados… (continua na próxima semana)

Ivan Pinheiro Machado e Paulo Lima com o livro de Hélio Silva nas mãos

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