Umas “porradinhas” na Bienal

Por Paula Taitelbaum*

O cenário: Bienal do Livro do Rio de Janeiro, terça-feira, 6 de setembro de 2011, dezenove horas e poucos minutos, espaço “Café Literário”. Os personagens: poetas da “velha” e da “nova” geração, reunidos numa roda de leitura. Representando a primeira ala, os convidados eram Claufe Rodrigues e Nicolas Behr. Na segunda, estavam os jovens Mariano Marovatto, Alice Sant´Anna e Laura Erber, todos cariocas. Lá pelas tantas, entre uma leitura e outra, Nicolas (pronuncia-se Nicóla) falou com seu sotaque de Brasil central: “Só levando algumas porradinhas na vida é que a gente cresce. Elogio é bom, mas não faz crescer. Eu já levei várias porradinhas, a maior delas foi quando era muito jovem e fiz um plágio, uma releitura, de um poema do Drummond. Um dia, encontrei o grande poeta e recitei pra ele. Drummond olhou bem sério e disse: ‘Você me faça um favor, cuide da sua poesia e deixe a minha poesia em paz’”.

Pois porradinha é isso: dói na hora, mas é necessária. Daí que, hoje, de volta a Porto Alegre, me pego pensando que a Bienal bem que merecia umas leves porradinhas pra ver se, quem sabe, se dá conta de algumas coisas que podem melhorar. Não que eu seja adepta da violência, mas é aquela coisa, talvez um tapinha na orelha possa ser útil de vez em quando (e se for pra deixar o maior encontro literário do Brasil ainda melhor, acredito que valha a pena).

Minha primeira porradinha na Bienal é em relação à iluminação do Café Literário e ao som do espaço do Encontro com Autores. Não consigo entender como é que o pessoal da organização não percebeu o quanto é difícil ler qualquer coisa com a falta de iluminação que existe sobre o palco do Café Literário. Sábado, no sarau supracitado, os pobres poetas praticamente tiveram que gastar toda a sua vista na tentativa de conseguir ler seus poemas… Claufe Rodrigues comentou que só porque sabia seus poemas de cor é que conseguiu declamá-los. Já no auditório em que acontece o Encontro com Autores, o som é péssimo e os escritores estavam se queixando de que não havia retorno e que, por isso, eles não conseguiam se ouvir. Tentei gravar o papo de ontem com Eduardo Bueno para colocar nos nossos podcasts, mas por causa do som, ficarei devendo essa… 

Outra porradinha é em relação a um bando de gente que fica oferecendo “revistas cortesia”. Na verdade, é aquela velha armadilha em que você apresenta seu cartão de crédito pra ganhar uma revista de brinde e acaba sendo “convencido” a fazer uma assinatura que nem queria. São pessoas que, literalmente, atacam você nos corredores. Meio chato, melhor se eles não estivessem lá, não combinam com os belos estandes das livrarias.

A terceira diz respeito aos preços dos comes e bebes. Um motorista da própria Bienal, com o qual conversei, contou que por dois cafés e um sanduíche pagou 18 reais. Outra pessoa disse que por um cachorro quente e uma bebida tinha desembolsado mais de 20. Mais caro do que Londres… Melhor ir ao evento bem alimentado e levar uma garrafinha d´água de casa.

É isso. Nada demais, tudo simples de se resolver. E que, na minha singela opinião, vai deixar o prazer de se escalar uma montanha de livros ainda mais agradável. Ontem, feriado de sete de setembro, houve recorde de público e de vendas. Sinal de que as pessoas estão curtindo. Se você ainda não foi e anda pela cidade maravilhosa, tem até domingo para ir ao Riocentro (sim, eu sei, é longe, mas você vai encontrar publicações que não encontraria em outro lugar…).

E não esqueça de que sábado, dia 10, às 17h, Martha Medeiros vai estar conversando com Cissa Guimarães no  “Mulher e Ponto“. Preciso confessar que não sei como é o som e a iluminação deste espaço, mas torço para que não precise de nenhuma porradinha…

O estande da L&PM na Bienal do Livro do Rio: esse não merece nenhuma "porradinha"

*Paula Taitelbaum é escritora, autora de “Porno Pop Pocket” e “Menáge à Trois” e coordena o Núcleo de Comunicação da L&PM. 

Nunca julgue um livro pela capa…

… A menos que este livro seja O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, um dos grandes romances americanos modernos que acaba de chegar à Coleção L&PM Pocket. A capa desta edição traz o quadro “Mulher de luvas”, da pintora polaca Tamara de Lempicka, que se tornou uma das mais importantes artistas de sua geração ao retratar socialites e membros da nobreza européia. Figura conhecida também na boemia parisiense, ela frequentava os mesmos bares onde se encontravam Picasso, Cocteau e o próprio Fitzgerald. Portanto, esta “mulher de luvas” retratada por Lempicka no fim dos anos 20 bem que podia ser a personagem Daisy de O grande Gatsby, por quem o personagem principal Jay Gatsby se apaixona e dedica toda a fortuna adquirida com o contrabando de bebidas.

A capa da versão original em inglês, feita pelo artista Francis Cugat, é uma das mais célebres da literatura americana. Diferente do que acontece normalmente, a capa ficou pronta antes do romance e deixou Fitzgerald tão encantado que ele resolveu incorporar a imagem criada por Cugat ao livro, como nesta passagem que descreve um dos personagens:

“Acima da terra acinzentada e dos espasmos da poeira soturna que pairam infindavelmente sobre ela, pode-se perceber, após um momento, os olhos do Doutor T. J. Eckleburg. Os olhos do doutor são azuis e gigantescos: as retinas têm um metro de diâmetro. Eles não surgem de nenhum rosto, mas de trás de um par de enormes óculos amarelos apoiados em um nariz inexistente. (…) Mas seus olhos, um pouco desbotados pelo passar do tempo, suportando o sol e a chuva por muitos anos, continuam a contemplar com melancolia o terreno coberto de escória.”

A imagem aparece novamente neste trecho, no fim do capítulo 4, sobre a desejada Daisy: “Ao contrário de Gatsby e Tom Buchanan, eu não tinha assombrações que me acompanhavam pelas ruas escuras e flutuavam entre os luminosos de neón”, numa clara evocação à cena da capa.

Você já deve ter ouvido alguém dizer que não se pode julgar um livro pela capa, mas O grande Gatsby prova que esta regra também tem suas exceções.

Nos contos de Sergio Faraco, uma viagem emocionante ao mundo da leitura

Sergio Faraco é um dos maiores escritores deste país. Acrescente-se a ele Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, João Antonio, J. J. Veiga e está formado o timaço dos grandes contistas brasileiros.

Estamos relançando nesta semana uma nova edição dos Contos Completos de Sergio Faraco. Esta 3ª edição traz como novidade quatro contos absolutamente inéditos: “O segundo homem”, “Tributo”, “Um mundo melhor” e “Epifania na cidade sagrada”.

"Contos completos" com 4 textos inéditos e nova capa

Este livro é um verdadeiro banquete para quem gosta de ler. O conto é um gênero que talvez não tenha, no Brasil, o prestígio que merece. Vale lembrar que autores como Guy de Maupassant, Nicolai Gogol, Tchékhov, Chesterton, Edgar Allan Poe, gênios da literatura mundial, dedicaram-se quase que exclusivamente a este gênero. Escrever um magnífico conto é tão difícil quanto escrever um magnífico romance. Com a dificuldade extra de que, no pequeno espaço de um conto é preciso captar as grandes emoções do leitor. Contos completos de Sergio Faraco comprova esta afirmação ao transformar o ato de ler numa aventura emocionante e inesquecível. (IPM)

44. Bienal do Rio: do Copacabana Palace ao Riocentro

Por Ivan Pinheiro Machado*

A XV Bienal do Livro do Rio de Janeiro é o maior evento do livro no Brasil. Já há alguns anos ela é realizada nos amplos pavilhões do Riocentro na Barra da Tijuca e tornou-se, não só pela magia da cidade, como pelo magnífico espaço, uma grande celebração do livro brasileiro.  A L&PM Editores está lá com o seu estande no Pavilhão Verde, rua N, número 20.

O Copacabana Palace foi a sede da primeira Bienal do Rio em 1983

A história da nossa participação começa exatamente com a história da Bienal. A primeira edição foi realizada – pasmem – no hotel Copacabana Palace em 1983. Éramos um grupo restrito de editores, acomodados nos espaços do lobby e dos salões do velho e legendário Copa. Não havia nenhuma sofisticação nos estandes. Apenas expunhamos os livros para a visitação de um público pequeno e seleto. A sofisticação em si era do hotel mais badalado da cidade mais badalada do Brasil.

A Bienal de São Paulo havia iniciado o “ciclo das Bienais” – ano par em São Paulo, ano ímpar no Rio – e já era um grande acontecimento. Se no Rio era uma exposição recatada e sofisticada num hotel de luxo, a primeira bienal de São Paulo, um ano antes, havia sido um evento impressionante. Filas imensas serpenteavam em frente ao grande e também lendário pavilhão da Bienal de Artes Plásticas do Ibirapuera, um espaço bem mais adequado e que só foi abandonado quando a bienal cresceu demais. Lamentavelmente, na minha opinião, depois que deixou o Parque do Ibirapuera, ela nunca mais foi a mesma. Hoje é feita nos pavilhões da Fenit.

Estande da L&PM na Bienal de São Paulo de 1988

Mas voltando o Rio. Quando se vai para os pavilhões do Riocentro, quem segue pela praia tem uma clara visão da beleza empolgante da cidade. Passa-se por Ipanema, Leblon e entra-se na avenida Niemeyer rumo à São Conrado e de lá para a Barra. O cenário é o mar imenso, as baías, as praias de areia alvíssima, enfim, uma visão que é um bálsamo até visto dos engarrafamentos que são normais nestes trechos. Você anda bastante até chegar na Barra. Mas vale a pena. Impregnado da paisagem, você circulará por imensos pavilhões perfeitamente arejados e verá uma mostra de tudo o que se faz em termos de indústria editorial no Brasil.

Estande da L&PM na Bienal do Rio 2011

Este ano a inauguração de Bienal foi prestigiada pela presença, na quinta feira dia 1º, da Presidenta Dilma Rousseff. Isto dá uma amostra da importância deste grande evento. No final de semana, sábado dia 3 e domingo dia 4, o movimento de público foi impresionante. O estande da L&PM esteve lotado o tempo todo. Pessoas voltavam, pois não conseguiam entrar de tão abarrotado. No nosso estande estão expostos todos os livros em catálogo da L&PM. Em mais de 100 metros quadrados, o visitante tem uma idéia perfeita da produção da editora e especialmente dos quase 1.000 títulos já lançados pela coleção de bolso. Neste primeiro fim de semana, vendeu-se milhares de livros e lideraram as vendas o bestesller nacional Feliz por nada de Martha Medeiros e a versão em pocket de As Veias Abertas da América Latina do escritor uruguaio Eduardo Galeano, um velho conhecido dos cariocas. A XV Bienal Internacional do Rio de Janeiro vai até domingo próximo dia 11.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo quarto post da Série “Era uma vez… uma editora“.

“Orgulho e preconceito” em edição de luxo e ilustrado por Isabel Bishop

Quem é fã de Orgulho e preconceito e Persuasão, os romances mais famosos da escritora inglesa Jane Austen, deve acompanhar o dia-a-dia do blog Jane Austen em Português, que compartilhou hoje um verdadeiro achado: um exemplar de Orgulho e preconceito publicado em 1976 e ilustrado pela artista americana Isabel Bishop, conhecida por suas pinturas e desenhos realistas de mulheres em ambientes urbanos. O deleite começa já na caixa que acompanha a edição de luxo:

… E continua nas páginas internas:

Para combinar ainda mais com o universo de Jane Austen, o glamour fica por conta do autógrafo da própria Isabel Bishop na folha de rosto do livro, que está à venda no eBay pela bagatela de 150 dólares:

Mas quem quiser mergulhar no universo de uma das mais célebres escritoras inglesas de todos os tempos pode pagar bem mais barato pelas edições de Orgulho e preconceito e Persuasão da Coleção L&PM Pocket, enquanto aguarda a chegada de A abadia de Northanger.

Autor de hoje: José de Alencar

Mecejana (CE), Brasil, 1829 – † Rio de Janeiro, Brasil, 1877

Filho de um senador do Império, diplomou-se em Direito em São Paulo. Iniciou sua carreira literária publicando folhetins no Correio Mercantil, do Rio de Janeiro. Trabalhou como advogado, jornalista e político, chegando a deputado e mesmo a Ministro da Justiça. Sua vasta obra teve imediato reconhecimento. Participou também das principais polêmicas de seu tempo, defendendo um programa de literatura nacionalista e romântica. Em sua obra, procurou representar as tradições do Brasil e os costumes nacionais, norteado por um senso estético incomum. Temas como o indianismo, o sertanismo, o regionalismo e a vida urbana em sociedade, presentes em seus romances, convivem com crônicas, textos para o teatro, ensaios críticos e poemas. Seu estilo é apurado e seu texto privilegia a descrição. Nas narrativas e no teatro, sua obra configura a linguagem literária brasileira.

 OBRAS PRINCIPAIS: O guarani, 1857; Lucíola, 1862; Iracema, 1865; O gaúcho, 1870; Senhora, 1875

JOSÉ DE ALENCAR por Myrna Bier Appel

Em 1875, escritor já reconhecido nacionalmente, com cerca de vinte romances publicados, diversas peças teatrais encenadas na corte, artigos publicados pela imprensa, o cearense José Martiniano de Alencar lança o livro Senhora, uma das obras da sua maturidade. Qual é o segredo dessa longevidade? O que pode oferecer ao leitor de hoje o romance Senhora? Aurélia Camargo – órfã, rica, bela, inteligente – é disputada por todos os jovens nos bailes e festas da corte. Cônscia de que sua beleza, aliada à fortuna, constitui um atrativo irresistível aos que lhe fazem a corte, atribui a cada um de seus pretendentes uma cotação, como em um mercado financeiro. Sabedores de sua cotação, os admiradores que a cercam esmeram-se em satisfazer-lhe os menores caprichos. Aurélia diverte-se com o jogo e a todos desdenha. De volta ao seu palacete, em seus aposentos, vai-se despindo de seus adereços e com eles despoja-se da personalidade exibida nos salões. Desfaz o penteado elaborado e aí está a legítima heroína ao gosto romântico: delicada, melancólica, mas decidida e firme. Administra seus pecúlios e sua casa com competência, soluciona problemas e alivia sofrimentos alheios, atenta ao que se passa ao seu redor. Alencar cria tipos humanos e sociais, descreve cenas e costumes da corte: ricos e pobres, escravos e senhores, diplomatas, mercadores, jovens “casadoiras” vigiadas pela família, estudantes à procura de uma noiva com bom dote, meretrizes à caça de um rico protetor. Também o cenário é variado: além do teatro, da ópera, dos bailes da corte, os passeios de fins de semana descrevem praias, arrabaldes com seus folguedos populares e outro padrão de vida. Isso tudo faz parte do plano traçado por Alencar: compor um vasto painel de seu país, com as peculiaridades de raças humanas, regiões, climas, paisagens, tipos sociais, história, política e até mesmo linguagem.

Deixou esquematizada uma gramática do dialeto brasileiro, que em grande parte já empregava em seus escritos, sobretudo nos diálogos de cunho popular, pelos romances e nas peças teatrais, atraindo críticas ferozes dos puristas e conservadores. A todos respondia Alencar, ou pela imprensa, nas famosas polêmicas, ou nos inúmeros prefácios e posfácios de suas obras.

“Seixas era homem honesto; mas ao atrito da secretaria e ao calor das salas, sua honestidade havia tomado essa têmpera flexível de cera que se molda às fantasias da vaidade e aos reclamos da ambição.” Alencar introduz o protagonista com uma frase incisiva, porém não absoluta: ao ponto-e-vírgula seguem palavras que esmaecem a primeira impressão e permitem prever uma personalidade contraditória. Será ela, conjugada a circunstâncias e acontecimentos vários, causa do conflito gerador do interesse da narrativa. Fernando Seixas, órfão de pai, funcionário público modesto, abandona a faculdade, arranja um cargo em uma secretaria, escreve na imprensa e conquista prestígio. Mas os rendimentos eram minguados. Fernando passa a viver então uma vida dupla. Mora numa casa modesta com a mãe e as duas irmãs, trabalha na repartição e no jornal durante o dia. À noite, ao abrirem-se as salas da alta sociedade, da ópera, do teatro, surge Seixas, elegantíssimo, figurino impecável, distinguindo-se entre os homens pela frase polida, pelo galanteio agradável. Alguns anos antes, Fernando cortejara Aurélia, então adolescente e pobre, e um grande amor parecia ligá-los. Com o tempo, ele a pretere em favor do oferecimento de uma noiva acompanhada de um dote tentador. Compromete-se e parte para o Recife a negócios. A vida de Aurélia transforma-se radicalmente: torna-se rica, graças a uma inesperada herança, e passa a brilhar na corte. Seixas volta da viagem em situação que vai se deteriorando progressivamente. O reencontro dos antigos namorados ocorre numa sala de teatro, causando-lhes forte emoção. O amor, mesmo negado e sufocado, ainda ardia vivo. Com o tempo, Aurélia decide virar o jogo. Deseja Seixas como marido e resolve comprá-lo. Sem revelar sua identidade, faz com que um desconhecido tutor ofereça a mais alta “cotação da sua bolsa matrimonial” a Fernando. O jovem aceita o “negócio”, mesmo sem saber quem será sua noiva. O conhecimento só se dará no dia da cerimônia oficial.

Alencar, retratando a vida social e doméstica da época, segue os encontros e desencontros desse casamento de aparências. Com tais antecedentes, poderá o amor sobreviver? Com esse enredo que facilmente poderia descambar para o folhetim melodramático, Alencar estrutura um romance da sociedade do Rio de Janeiro imperial. Examina a psicologia das personagens, evitando o maniqueísmo, prende a atenção do leitor pelas intrigas e artimanhas e confere à linguagem um tratamento literário até então ausente da ficção brasileira.

* Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. A partir de hoje, todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Pra melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.

A(s) possibilidade(s) de uma ilha – Parte III

Alexandre Boide conta a história dos Mangás* (Leia antes a parte I e parte II)

Livres da obrigação autoimposta de agradar somente a uma faixa de público específica, os mangás puderam atingir o grande público a partir de temas quase sempre inexplorados e evitados pelos quadrinhos ocidentais produzidos para o consumo de massa: a violência gráfica explícita e impactante de artistas como Buronson (de Hokuto no Ken) e Ryoichi Ikegami (de Crying Freeman); o retrato glamourizado da atividade criminosa na obra de quadrinistas como Takao Saito (de Golgo 13) e Monkey Punch (de Lupin III); a sensualidade despudorada do traço de Oh! great (de Tenjho Tenge); a ficção intimista dos retratos urbanos presentes nas histórias curtas de Yoshihiro Tatsumi e Jiro Taniguchi; a ficção científica apocalíptica de Katsuhiro Otomo (de Akira) e Masamune Shirow (de Ghost in the Shell); o terror visualmente fascinante de Junji Ito (de Uzumaki) e Hitosi Iwaaki (de Parasyte).

Da mesma forma como não se limita a uma determinada faixa etária, a popularidade dos mangás também não faz distinção de gênero. Aliás, a própria noção dos quadrinhos como uma diversão destinada a meninos pode ser considerada uma herança maldita do Comics Code, que vetava qualquer abordagem de temas românticos que não viesse impregnada de um escancarado viés moralizante. No Japão, as histórias para meninas estão presentes desde os primórdios das revistas de mangás, com títulos dedicados exclusivamente a elas. E, pelo menos desde a década de 1960, são elas que põem a mão na massa: com poucas exceções (como A princesa e o cavaleiro, de Osamu Tezuka), os grandes sucessos dos mangás para meninas são de autoras do sexo feminino. Nesse universo, personagens masculinos de aparência andrógina também são bastante frequentes, assim como romances envolvendo personagens do mesmo sexo, especialmente meninos.

"A princesa e o cavaleiro" de

"A princesa e o cavaleiro", de Osamu Tezuka

Passados mais de 60 anos desde a publicação de Shin-Takarajima, a aventura pioneira de Osamu Tezuka, existem mangás para todos os públicos, gostos, gêneros e faixas etárias. O leque de opções é o mais variado possível: desde as onipresentes sagas de samurais, histórias de ação e humor ininterruptos voltadas para meninos e as tradicionais aventuras de capa e espada até temas muito mais improváveis como gastronomia, pescaria, jogos de tabuleiro e degustação de vinhos finos. E isso sem levar em conta um mercado de quadrinhos alternativos repleto de subgêneros de assimilação nem sempre tão fácil, como lolicon (ou “complexo de Lolita”, com suas fantasias sexuais envolvendo adolescentes) ou ero-guro (“erótico grotesco”, cuja denominação dispensa maiores explicações).

Os dois primeiros mangás a ser lançados pela L&PM são um bom exemplo dessa diversidade. Os dois volumes de Solanin, de Inio Asano — publicado na revista Weekly Young Sunday, da editora Shogakukan, entre 2005 e 2006 —, narram a luta de um jovem casal de recém-formados para se integrar à sociedade adulta sem abrir mão de seus sonhos e ideais. Transformada em filme no Japão, a série foi indicada ao Harvey Award de Melhor Edição de Material Estrangeiro ao ser publicada nos Estados Unidos, em 2008. Já Aventuras de menino, do veterano Mitsuru Adachi, é uma compilação de sete histórias publicadas na revista Big Comic Original, também da Shogakukan, entre 1998 e 2006, e têm em comum o fato de tratarem de recordações do universo infantil, um terreno que o autor explorou com maestria em seus popularíssimos mangás para meninos.

Apesar de tudo isso, ainda há quem pense que os quadrinhos japoneses se resumem à violência extrema e imagens que beiram o pornográfico. Afinal, no Brasil, os mangás são um fenômeno um tanto recente. Alguns títulos chegaram a ser publicados no final da década de 1980 e no início dos anos 1990, mas foi só no ano 2000 que eles desembarcaram por aqui com toda a força, a reboque do sucesso dos desenhos animados na televisão, e respeitando na medida do possível o formato de publicação das histórias em volumes encadernados no Japão. Nessa época, não havia muita gente disposta a apostar no potencial de histórias em quadrinhos em preto e branco feitas para ser lidas “de trás para a frente”. Hoje elas são maioria nas bancas, e estão chegando ao mercado de pocket books através da maior coleção de livros de bolso do país.

(Fim)

(leia aqui a parte II)

*Alexandre Boide é tradutor e coordenador editorial dos Mangás que serão publicados no final de 2011 pela L&PM. “A(s) possibilidade(s) de uma ilha” foi escrito especialmente para este Blog e será publicado em três partes, do dia 01 ao dia 03 de setembro. Não deixe de acompanhar.

Para fazer de olhos fechados

Uma das coisas mais gostosas de se fazer no fim de semana é preparar (e degustar!) uma bela sobremesa. Se for uma torta, melhor ainda. E se, pra completar, for fácil de se fazer em casa e você puder chamar os amigos ou a família para dividir, não há palavras para descrever a alegria. Eis a “Torta preguiçosa”, uma receita que tem a alma do final de semana. A dica é de Célia Ribeiro e foi extraída do livro 100 receitas de sobremesas. Imperdível!

TORTA PREGUIÇOSA

Ingredientes (rende oito porções): 4 maçãs, 1 xícara de açúcar, 2 xícaras de farinha de trigo, 1 colher de fermento em pó, 1 colher de canela em pó, 4 ovos, 1/2 pacote de margarina, 2 colheres de manteiga para untar a forma.

Como preparar: Descasque, retire as sementes e corte as maçãs em fatias finas. Espalhe-as no fundo da forma previamente untada com manteiga. Por cima, pulverize o açúcar misturado com a canela. Cubra com a farinha peneirada junto com o fermento. Bata os ovos, acrescente a margarina derretida e distribua a mistura por cima da torta. Movimente a forma em sentido horizontal para distribuir a gordura. Com um garfo faça furos na preparação até atingir as maçãs.
Leve a torta ao forno moderado (170 a 180 graus) por mais ou menos 30 minutos. Abra a lateral da forma com a torta ainda quente, coloque-a sobre o prato e sirva imediatamente.

Dica: Fica ótima com creme chantilly gelado.

Sábado tem sempre uma “Receita do dia” vinda diretamente dos livros da Série Gastronomia L&PM.

A(s) possibilidade(s) de uma ilha – Parte II

Alexandre Boide conta a história dos Mangás*

Como em quase tudo no que se refere aos primórdios dos mangás, o responsável por essa mudança de mentalidade foi Osamu Tezuka, conhecido como “o deus do mangá”, pressionado pelas privações extremas existentes em seu país no início de sua carreira. No Japão do pós-guerra, as histórias em quadrinhos haviam praticamente desaparecido dos jornais e das revistas. Os quadrinistas precisariam reiventar a dinâmica e o formato de suas histórias caso desejassem permanecer na ativa. A oportunidade para isso surgiu em Osaka, onde vivia Tezuka, com a possibilidade de publicar HQs em preto e branco em livros de impressão barata conhecidos como akahon (“livros vermelhos”, por causa da cor chamativa de suas capas). Para serem encadernadas e comercializadas como livros, as histórias naturalmente precisavam ter começo, meio e fim, e foi assim que, em 1947, surgiu Shin-Takarajima (“A nova Ilha do Tesouro”), o primeiro best-seller da era moderna dos mangás, com 60 páginas e 400 mil exemplares vendidos.

As histórias em quadrinhos japonesas não precisavam se prender a um limite de páginas e seus protagonistas não precisavam ser eternos, mas isso não significa que elas pudessem prescindir do apelo dos heróis. Principalmente a partir de 1959, com a publicação das primeiras revistas voltadas para o público infantil masculino, houve um boom criativo que originou personagens que marcariam para sempre o imaginário coletivo do país: de Kitarô, Doraemon, Kamen Rider e Ultraman até os mais recentes Goku, Naruto e Ruffy. Osamu Tezuka, nunca é demais lembrar, estava lá desde o início, com seu megapopular robozinho Astro Boy. E não eram só os heróis de ação que davam as cartas. Outro gênero de história também se revelou bastante atraente para o novo nicho que surgia: as grandes aventuras esportivas. Ao longo das décadas, não foram poucos os autores que alcançaram o estrelato explorando o potencial desse gênero, como Tetsuya Chiba (de Ashita no Joe), Mitsuru Adachi (de Touch), Yoichi Takahashi (de Captain Tsubasa) e Takehiko Inoue (de Slam Dunk).

Osamu Tezuka em um mar de mangás criados por ele

E as limitações de formato não foram a única barreira quebrada pela nova maneira de fazer quadrinhos inventada pelos japoneses. Nos Estados Unidos, em 1954, foi decretado oficialmente, e pelos próprios editores: gibi era coisa de criança. Violência escancarada, sensualidade e mensagens de desafio ao status quo não seriam mais toleradas nos comic books, que só poderiam ser comercializados depois de receber o selo de aprovação do Comics Code, o código de ética dos quadrinhos. Conteúdo mais ousado e contestador somente em publicações destinadas a maiores de idade, como a revista Mad ou, mais tarde, no mercado underground de revistas publicadas por conta própria e distribuídas pelo correio ou de mão em mão, onde surgiram grandes nomes dos quadrinhos norte-americanos das últimas décadas, como R. Crumb, Harvey Pekar e os irmãos Hernandez. A partir do estabelecimento do Comics Code, o mercado de massa das revistas de HQs nos Estados Unidos passou a ser totalmente dominado por animaizinhos falantes, super-heróis virtuosos e historinhas edificantes como a de Archie e sua turma.

No Japão, essa limitação formal e arbitrária nunca existiu. Muitos dos personagens das revistas para meninos são cínicos, amorais e até indecentes sem nunca perder a simpatia. E, quando estudantes universitários e jovens proletários começaram a procurar por histórias em quadrinhos mais adequadas a sua faixa etária, os editores dos ankohon deram ouvidos à demanda e começaram a publicar os kurai (os mangás “dark”), que exploravam temas considerados tabus, como a humilhação imposta ao país com a derrota na 2ª Guerra Mundial e passagens espinhosas da história japonesa que não podiam ser ensinadas nas escolas em virtude da censura exercida pelo governo imperial. Foi no caminho aberto pelos kurai na abordagem de temas históricos que surgiram grandes clássicos dos quadrinhos japoneses, como A lenda de Kamui, de Sanpei Shirato, Gen pés descalços, de Keiji Nakazawa e Lobo Solitário, de Kazuo Koike e Goseki Kojima.

(Continua amanhã)

(leia aqui a parte I)

*Alexandre Boide é tradutor e coordenador editorial dos Mangás que serão publicados no final de 2011 pela L&PM. “A(s) possibilidade(s) de uma ilha” foi escrito especialmente para este Blog e será publicado em três partes, do dia 01 ao dia 03 de setembro. Não deixe de acompanhar.

Quando Andy Warhol expôs… os outros

Quarta-feira, 2 de setembro, 1981 – Colorado-New York. Os jornais só falam de mim e da minha idade. Todos contam minha idade. (…) Por alguma razão todos nós dormimos no caminho para o aeroporto, exceto Chris, que disse que iria passar a noite em Denver e ir ao Baths. Observar aquele touro deve tê-lo excitado muito. Cheguei a New York, nosso motorista estava esperando por nós. Deixei Fred e ele me deu minha roupa de baixo que estava em sua maleta e aí deixei Bob em casa. Dei uma gorjeta para o motorista ($40)…

A capa dos diários publicados em 1989 pela L&PM

O trecho acima – que mostra exatamente por onde andava Andy Warhol há 30 anos atrás – faz parte de Diários de Andy Warhol, publicado pela L&PM em 1989 e que está sendo preparado para voltar ao mercado em dois volumes, na Coleção L&PM POCKET. De 1976 até sua morte em 1987, A.W. telefonava todas as manhãs para a escritora Pat Hackett, sua amiga e colaboradora, e relatava os acontecimentos das últimas 24 horas: onde tinha ido, o que tinha feito, quem tinha visto e o que achava de tudo isso. O relato que começou despretenciosamente, com o passar do tempo transformou-se no diário mais sincero e compulsivo já escrito por uma personalidade deste século. Após a morte de A.W., “Diários de Andy Warhol” foi organizado por Pat, publicado e provocou processos e arrepios nos billionaires e mega-stars internacionais. Mick Jagger, Ronald Reagan, Truman Capote, John Lennon e Yoko Ono, Fellini, Pelé, Jack Nicholson, Madonna e mais centenas de pessoas famosas estão expostas em comentários que vão do chocante ao hilariante: “A plástica de Truman [Capote] é a primeira que vejo que funcionou realmente bem. A papada dele desapareceu e tinha estado ali durante anos. A única coisa errada é a cicatriz sobre a orelha que ainda tem cinco centímetros…”

“Diários de Andy Warhol” é um relato de quase 800 páginas que, ainda em 2011, sairá em dois volumes no formato pocket que poderão ser adquiridos separadamente ou em uma Caixa Especial. O primeiro volume vai do final de 1976 ao final de 1981 e o segundo contempla de 1982 até 1987.

E vem mais Andy Warhol por aí: a L&PM vai lançar também a vida de Andy Warhol na Série Biografias e ainda o livro “América”, com textos e fotos de sua autoria. Assim como nos seus diários, “América” expõe e mostra celebridades no backstage e em momentos de descontração. Warhol carregava sempre uma câmera com ele e, nesta obra, registra muitas das cenas citadas em seus diários. Como o facelift de Truman Capote:

Uma das fotos do livro "América": Truman Capote clicado por Andy Warhol após o seu "facelift"