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Quando uma atriz famosa caiu na teia de Agatha Christie

“A terceira peça que tive representada em Londres (todas ao mesmo tempo) foi ‘A Teia da Aranha’, escrita especialmente para Margaret Lockwood. Peter Saunders pedira-me para me encontrar com ela e para conversarmos sobre esse assunto. Margaret Lockwood disse-me que gostava da ideia de eu escrever uma peça para ela e perguntei-lhe, exatamente, de que gênero de peça gostaria. Disse-me imediatamente que não gostaria de continuar desempenhando papéis sinistros e melodramáticos, e que fizera filmes demais, ultimamente, em que fora a mulher má. Queria representar comédias. Acho que estava com a razão, porque tinha enorme talento para comédia, tanto quanto para papéis dramáticos. É ótima atriz e possui um ritmo perfeito, que a torna capaz de dar ao texto seu verdadeiro peso. Também gostei muito de escrever a parte de Clarissa em ‘A Teia da Aranha’. A princípio, houve certas hesitações quanto ao título; hesitamos entre ‘Clarissa Encontra um Cadáver’ e ‘A Teia da Aranha’; mas, por fim, o último título levou a melhor. Ficou em cena dois anos e eu me senti muito feliz com ela. Quando Margaret Lockwood conduzia o inspetor de polícia pelo caminho do jardim, era encantadora.” (Agatha Christie em trecho de sua Autobiografia

Agatha Christie e Margaret Lockwood

Encenada pela primeira vez em 1954 com Margaret Lockwood no papel de Clarissa, A Teia da Aranha  é uma peça de comédia e mistério escrita por Agatha Christie de grande sucesso nos palcos londrinos. Após a morte da autora, o texto foi adaptado pelo também escritor Charles Osborne e virou um romance. Osborne manteve tudo igual ao original – trama, personagens e diálogos – mas acrescentou algumas pequenas descrições para facilitar a leitura (ex.: “Explicou o inspetor”, “Miss Peak exclamou”, “Continuou ele, voltando-se para Clarissa”). 

Antes de chegar à Coleção L&PM POCKET, A Teia da Aranha era inédito no Brasil. Com um enredo bem-humorado, repleto de truques e reviravoltas, esta criação de Agatha Christie começa quando o corpo do desagradável Oliver Costello aparece misteriosamente na casa de campo do distinto casal Henry e Clarissa Hailsham-Brown. Acreditando tratar-se de um acidente, Clarissa decide esconder o cadáver. E é justamente isto o que ela está fazendo quando chega à casa o inspetor Lord, que acaba de receber um telefonema com a denúncia de um homicídio. O que vem depois, além de muitas surpresas, é uma boa dose de diversão.

Quer saber mais sobre a Rainha do Crime e seus livros? Visite o Hotsite Agatha Christie.

“Ferragus”: crimes e intrigas numa Paris assolada por tragédias e paixões

Desde que o remake da novela “O Astro” começou, o nome “Ferragus” caiu, digamos, na boca do povo. Mas talvez nem todos os telespectadores saibam que o misterioso mentor de Herculado Quintanilha, personagem agora vivido por Francisco Cuoco (e que não existia na versão original da novela), certamente foi inspirado em uma criação de Honoré de Balzac. E não só seu nome como também suas atitudes. Tanto é assim que, em uma das primeiras cenas de “O Astro”, Ferragus fala para Herculano: “Todos os seres humanos querem ser enganados, sobretudo as mulheres…”

Talvez esta frase pudesse estar em um dos livros de Balzac. Mas isso não significa que ele não amasse o sexo oposto. Amava muito, assim como amava Paris. Sobre a Comédia Humana, monumental conjunto de textos composto 89 romances (entre eles “Ferragus“), se disse que – caso tirassem as mulheres – desabaria o monumento. Tirassem os homens, mesmo assim seria uma obra-prima. Claro que é um exagero. Mas mostra que são as mulheres que dominam e dão força e sentido a este definitivo monumento da literatura ocidental. Boa parte da imensa obra de Balzac, escrita compulsivamente em menos de 20 anos, tem a presença impressionante da cidade de Paris. Ela paira sobre os livros com seu charme suntuoso, interagindo com os personagens através de suas sombras, suas ruelas sinistras, enlameadas, seus palácios e seus fiacres soturnos que cruzam as madrugadas.

Em “Ferragus” não é diferente. O personagem título – chamado de “O chefe dos devoradores” é o misterioso líder de uma sociedade secreta parisiense. Mas ele não é o único a se enredar nas tramas balzaquianas, como bem mostra o texto de apresentação da edição da L&PM: “Uma mulher, generosa e bela como um anjo, suspeita de adultério; um jovem oficial que se lança na mais vã e desastratada das investigações; um agente de câmbio perdido nos tormentos da paixão; uma soma de dinheiro que ninguém explica; uma sociedade secreta (Os Treze) na qual os membros se protegem para usufruir do poder ao seu bel prazer; duelos, assassinatos, suicídios; e como pano de fundo, como gigantesco e febril teatro de todas as paixões, a cidade de Paris nos incandescentes anos da Restauração da Monarquia. Todo Balzac já está aqui em Ferragus, que é considerado uma das etapas essenciais da grande obra balzaquiana, um dos romances fundadores da Comédia Humana.”

A grande Marilyn causa polêmica

Na rua, as pessoas correm às dezenas, em seguida às centenas; curiosos, admiradores, policiais, repórteres, fotógrafos; ouvem-se gritos, sirenes; uma agitação não habitual ocorre também no restaurante; os fregueses saem precipitadamente para ir olhar. (…) Milhares de anônimos se reúnem atrás das barreiras protegidas por guardas. O conjunto da polícia nova-iorquina está a postos. Apesar da hora tardia, há engarrafamentos monstruosos nas ruas adjacentes. Nas janelas, centenas de pessoas espiam com os olhos voltados, todos, para uma pequena silhueta branca e loura da qual um enorme ventilador elétrico colocado sob o respiradouro do metrô faz voar o vestido. Todos estão conscientes, possivelmente, de estar vivendo um momento histórico – do cinema e da América. Todos sob a saia de Marilyn, em êxtase barulhento, diante das pernas afastadas de Marilyn, das coxas de Marilyn, da calcinha de Marilyn.

Este trecho da biografia de Marilyn Monroe (Coleção L&PM POCKET) remonta o clima da gravação da célebre cena do filme O pecado mora ao lado (1955), em que Marilyn e seu vestido branco esvoaçante marcaram a história do cinema para sempre. Pois agora, uma estátua recém inaugurada em Chicago, com mais de 8 metros de altura, que congela a cena no exato momento em que o vestido branco de Marilyn levanta, está causando polêmica. Enquanto alguns visitantes admiram a visão, digamos, privilegiada da estrela em uma de suas poses mais famosas, outros acham a obra “Forever Marilyn”, do artista Seward Johnson, uma aberração rude, vulgar e de mau gosto.

Crédito: John Picken no Flickr

O fato é que as opiniões são as mais diversas. Observando isso, o fotógrafo Mike Yen resolveu registrar as reações das pessoas que visitam o monumento e classificá-las de acordo com uma escala que vai de “Coy” (tímido, recatado) a “Crude” (bruto, grosseiro). O resultado está no álbum “Causing a Scene” no Flickr. Veja algumas:

Foto do álbum "Causing a Scene", de Mike Yen no Flickr

Foto do álbum "Causing a Scene", de Mike Yen no Flickr

Foto do álbum "Causing a Scene", de Mike Yen no Flickr

Veja todas as fotos do álbum “Causing a Scene” no Flickr de Mike Yen.

As canções inspiradas em Billy the Kid

“O encontro estava marcado para a hora do nascer da lua. Quando o cavalo deslizou pela ribanceira, derrubando moitas e arbustos retorcidos, os primeiros raios de um luar amarelado refletiam-se na correnteza serena do rio Pecos como os pedaços de um espelho partido. O homem que usava a estrela desmontou, caminhou pela areia branca da margem e olhou ao redor. Cactos lançavam uma estranha sombra ao solo. O vento cálido do verão soprava de montanhas distantes. O homem tinha as espáduas largas e vestia um traje negro. Era alto, quase 1,95m. Dois revólveres Colt 44 lhe pendiam da cintura. O rifle Winchester estava na bainha da sela. Seus olhos brilhavam insondáveis acima do bigode de “matador” (…)”

Assim começa a introdução de Eduardo Bueno para Billy the Kid, livro narrado por Pat Garrett. Pat, antigo companheiro de Billy, virou xerife e, com uma estrela no peito e dois revólveres em punho, caçou e duelou com o ex-amigo, considerado o “mais temido e sanguinário desperado do sudoeste dos Estados Unidos, cuja cabeça estava a prêmio há mais de dois anos”. O duelo mortal (e real) entre Pat Garret e Billy the Kid é, sem dúvida, a mais célebre história de um bandido do velho Oeste. Além de livro, Billy the Kid virou lenda, transformou-se em cult e foi filmado por grandes diretores. Em 1973,  Sam Peckinpah dirigiu “Pat Garret & Billy the Kid” que tem trilha sonora e participação especial de Bob Dylan no elenco (veja aqui o trailer). Mas Bob Dylan não foi o único a se inspirar nesta incrível história. Antes e depois dele, outros músicos narraram Billy the Kid em suas canções. Separamos aqui algumas delas.

Woody Guthrie, cantor e compositor folk, é um dos ídolos de Bob Dylan. Nos anos 1940, Woody foi o primeiro a cantar Billy the Kid em uma guitarra onde estava escrita a frase “essa máquina mata fascistas”:

Em 2009, o rapper holandês Keizer fez a sua versão de Billy the Kid. Imagine se o pessoal do velho Oeste ouvisse isso:

Tom Petty (que já tocou com Bob Dylan) não resistiu à tentação e também escreveu e cantou o seu Billy the Kid que está no álbum Echo, de 1999:

Para terminar, aqui está a música tema que Bob Dylan compôs para o filme “Pat Garret & Billy the Kid”. Esta é faixa instrumental, mas a trilha do filme traz outras canções com letras que contam toda história da dupla, entre elas, as chamadas Billy 1, Billy 2, Billy 3 e Billy 4:

Amigos para sempre

Já contamos esta história aqui no blog, mas ela é tão boa que vale repetir:  em 20 de julho de 1969, Neil Armstrong deu o pequeno passo que seria “um gigantesco salto para a humanidade”. O que o astronauta não sabia era que sua chegada à lua também seria responsável pela criação do Dia Internacional do Amigo. Isso porque, a partir de então, o argentino Enrique Ernesto Febbraro passou a divulgar exaustivamente que o feito era uma “grande oportunidade de fazer amigos em outras partes do universo” e lançou a campanha Meu amigo é meu mestre, meu discípulo é meu companheiro. Tanto ele insistiu que, em 1979, através de um decreto, Buenos Aires adotou oficialmente o dia 20 de julho como aquele dedicado a todos os amigos. Da capital argentina, a data espalhou-se pelo mundo e, hoje, em quase todas as partes do planeta (ou será do universo?) é comemorado o Dia Internacional do Amigo.

Amigos, aliás, não faltam na literatura. Sherlock Holmes e Dr. Watson, Dom Quixote e Sancho Pança, Huckleberry Finn e Jimmy… Sem contar as clássicas amizades dos quadrinhos como estas que seguem logo abaixo e que mostram os amigos Snoopy e Woodstock, Garfield e John e Mônica, Magali, Cascão e Cebolinha. É pra se divertir e compartilhar com seus amigos (e pra ler melhor, clique em cima da imagem):

Manuscritos inacabados de Jane Austen vão a leilão

Manuscritos de uma obra inacabada da escritora Jane Austen foram vendidos num leilão da Sotheby, em Londres, pela “bagatela” de 1.2 milhões de euros – mais ou menos 3 vezes a expectativa prévia de venda. A ótima notícia que vem junto com esta é a de que os originais, que faziam parte de um acervo particular até então, foram adquiridos pela Bodleian Library, a biblioteca mais pretigiada da Universidade de Oxford.

Parte dos manuscritos inacabados de "The Watsons" só pra nos deixar na vontade!

Jane Austen começou a escrever “The Watsons” no início em 1804, mas o abandonou em seguida. O romance conta a história de uma jovem que retorna à casa da família depois de ter sido criado por uma tia rica. Segundo especialistas, os originais de “The Watsons” fornecem informações valiosas sobre o trabalho da autora de Orgulho e preconceitoPersuasão.

Além deste, há vários outros textos de Jane Austen que ficaram inacabados, inclusive o romance “Sanditon” que foi interrompido pela morte precoce da autora em, 1817, aos 41 anos.

Crônicas das Crônicas

O Segundo Caderno do Jornal Zero Hora de hoje, 20 de julho, traz duas crônicas que falam de livros de crônicas: David Coimbra escreve sobre “Feliz por Nada” de Martha Medeiros e Fabrício Carpinejar sobre “A massagista japonesa” de Moacyr Scliar. A seguir, os textos na íntegra:

MARTHA MEDEIROS: SINCERA E RETA
Por David Coimbra*

Martha Medeiros escreve para as mulheres. Os leitores em geral dizem isso, e é compreensível que digam. Porque o texto da Martha Medeiros é um texto suave, direto, sincero, livre de intenções subjacentes, um texto que pode ser lido sem sobressaltos ao se trinchar uma fatia de pão com manteiga no café da manhã, ou entre um telefonema e outro na mesa do escritório. Não há perigo de você se indignar, ao ler um texto da Martha Medeiros. Você não vai atirar o jornal na lata de lixo, nem ligar para cancelar a assinatura. Também não vai ter de repisar uma frase para compreendê-la. Os sentimentos e ressentimentos da vida urbana, as vicissitudes comezinhas e pequenas glórias da existência moderna, isso tudo está cintilando nos textos da Martha Medeiros, mas cintilando sem agressividade e com objetividade. Como são as mulheres. Pegue o livro que a Martha Medeiros vai lançar sexta-feira na Saraiva do Shopping Moinhos, “Feliz por Nada“, da L&PM. O livro já anuncia suas intenções no título. Desde que foi “descoberta” por Zero Hora, há 18 anos, Martha Medeiros escreve sobre a felicidade corriqueira e suas possibilidades. Pegue agora, aleatoriamente, a abertura de algumas crônicas:

“Onde é que você gostaria de estar agora, nesse exato momento?”
“Tenho amigas de fé. Muitas.”
“Estou lendo ‘O quebra-cabeça da sexualidade’, do professor espanhol José Antônio Marina.”
“Eu estava quieta, só ouvindo. Éramos eu e mais duas amigas numa mesa de restaurante e uma delas se queixando, pela trigésima vez, do seu namoro caótico, dizendo que não sabia por que ainda estava com aquele sequelado etcetera, etcetera.”
“Quando eu era guria, adorava novela, mas aos poucos fui abandonando o vício e hoje assisto apenas uma ou outra, sem fissura.”
“Você gostaria de ter um amor que fosse estável, divertido e fácil.”
“Tem se falado muito na falta de limites das crianças de hoje.”

Basta correr os olhos pelas primeiras frases de um texto da Martha Medeiros para perceber que ela está se colocando inteira entre a capitular e o ponto final. Martha Medeiros não se esconde, abre-se para o leitor. Ela é sincera e reta, não há dissimulações entre vírgulas, não há o que ler nas entrelinhas. E é precisamente, justamente, exatamente essa precisa, justa e exata sinceridade que faz da Martha Medeiros um sucesso. As pessoas bebem dessa exposição de sentimentos comuns e se saciam com sua límpida simplicidade. O resultado disso é a bem-aventurança da carreira literária de Martha Medeiros num país de desventuras literárias. Martha Medeiros já teve obras adaptadas para o cinema, para a TV e para o teatro, e é admirada no Brasil inteiro. Apenas um dado, em números precisos, justos e exatos como o texto da Martha Medeiros: Doidas e Santas, outro livro lançado pela L&PM, está na quinta reimpressão de 20 mil exemplares cada. Ou seja: já vendeu 100 mil exemplares. Uma façanha. O que demonstra que os leitores estão errados. Martha Medeiros não escreve para as mulheres. Martha Medeiros escreve para as pessoas.

* Esta crônica foi publicada originalmente no Segundo Caderno do Jornal Zero Hora em 20 de julho de 2011. David Coimbra é escritor, jornalista e editor de esportes de ZH.

Martha Medeiros autografa sexta-feira em Porto Alegre a coletânea de crônicas “Feliz por Nada”

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MOACYR SCLIAR: CONTOS DISFARÇADOS DE CRÔNICAS
Por Fabrício Carpinejar*

Moacyr Scliar (1937 – 2011) foi um atleta de triatlo da literatura brasileira. Nadava, pedalava, corria. Escreveu mais de 80 livros em praticamente todos os gêneros. Só não publicou em poesia para não humilhar seus colegas. Romancista que renovou o imaginário judaico, autor de clássicos como O Centauro no Jardim, quatro vezes premiado com Jabuti, Scliar mantinha seu condicionamento literário pelas crônicas, publicadas quase que diariamente nos jornais Zero Hora e Folha de S. Paulo. Os relatos afetivos e coloquiais formavam uma espécie de diário de seu conhecimento enciclopédico, em que ele comentava sobre qualquer assunto e nome, desde medicina até sociologia, de Antonio Vieira a J. K. Rowling. O escritor gaúcho, falecido em fevereiro, não era um generalista, mas um sábio à moda antiga, com cultura geral sólida, pronto para qualquer discussão e cafezinho.

Não se intimidava diante da complexidade das questões. Ao contrário de intelectuais que se tornaram referência, tal Paulo Francis na década de 1980, jamais escorregou em perfil conservador, mantendo-se sempre curioso e ávido pelas mudanças tecnológicas e de comportamento e aberto a diferentes pontos de vista.

A coletânea de 1984 A Massagista Japonesa, relançada agora pela L&PM, por vias tortas acena para o lado contista de Scliar, possibilitando o reencontro com sua capacidade de mimetizar dilemas do cotidiano e propor um suspense de pensamento. São 35 textos de natureza híbrida entre a narrativa curta e o ensaio. Poderiam constar facilmente em seus livros de contos as tramas de “Muitos e Muitos Graus Abaixo de Zero”, “A Massagista Japonesa”, “O Ocaso da Delação” e “O Homem que Corria”. O núcleo contístico traduz o ponto alto da obra, pelas histórias visível e invisível, concisão da ação e exagero da caracterização, além do final imprevisível.

Scliar maneja a arte de criar lógica da incoerência. Ele nos convence do absurdo a ponto de parecer normal. Como a trama do advogado que se apaixona pela maratona a ponto de transformar o casamento, o escritório e os filhos em meras linhas de chegada de uma corrida interminável pelo melhor tempo. E não é uma metáfora, o sujeito pretende fazer tudo mesmo correndo por Porto Alegre. Uma das virtudes da trajetória do ficcionista, demonstrada com astúcia em “A Orelha de Van Gogh” e “O Carnaval dos Animais”, é justamente exumar metáforas: converter parábolas em situações literais, objetivar o figurado. Na contramão bíblica, transforma o vinho em água, leva a sério a chuva de rãs, traz à tona os efeitos colaterais dos milagres.

Magistral contador de causos, flaubertiano assumido, não deixa nenhum ponto sem nó, nunca desperdiça migalha jogada ao chão (é caminho de volta), não despreza informação abordada antes. Se uma personagem tricota um pulôver é que a roupa vai fazer a maior diferença no desfecho. Nada é avulso. Sua competência é desviar atenção a um contexto de maior movimentação, para que outra zona exploda secretamente e surpreenda o leitor. Exemplo é a antipatia que ajuda a alimentar pelo delator da escola. Afinal, não existe motivo para admirar o guri que dedura por prazer. Toda hora alerta o professor para colegas colando na prova, trocando bilhetes de amor, conversando no fundo. Nem o professor suporta tamanha alcaguetagem e pede que ele procure se concentrar no conteúdo. Ao cabo, o fofoqueiro é pego fumando no banheiro e sumariamente expulso da instituição. O alívio dá lugar a um mal-estar, já que se descobre que o próprio delator se denunciou por bilhete anônimo e tudo aquilo que o movia era uma absoluta carência.

Scliar é cruel sendo emotivo. Um engano supor que A Massagista Japonesa servirá para matar saudade do seu trabalho. De modo nenhum: apenas aumenta sua falta.

* Esta crônica foi publicada originalmente no Segundo Caderno do Jornal Zero Hora em 20 de julho de 2011. Fabrício Carpinejar é jornalista, escritor, poeta, cronista e colaborador do Jornal Zero Hora.

A Ressurreição de Machado

“Não sei o que deva pensar deste livro; ignoro sobretudo o que pensará dele o leitor. A benevolência com que foi recebido um volume de contos e novelas, que há dois anos publiquei, me animou a escrevê-lo. É um ensaio. Vai despretensiosamente às mãos da crítica e do público, que o tratarão com a justiça que merecer. (…) Não quis fazer um romance de costumes; tentei o esboço de uma situação e o contaste de dois caracteres; com esses simples elementos busquei o interesse do livro. A crítica decidirá se a obra corresponde ao intuito, e sobretudo se o operário tem jeito para ela. É o que lhe peço com o coração nas mãos.” (Machado de Assis no prólogo de Ressurreição

O recém lançado "Ressurreição" em edição comentada

 Ressurreição é o romance de estreia de Machado de Assis. Publicado originalmente em 1872, o livro que inaugurou uma nova fase do grande escritor agora chega à Coleção L&PM POCKET para completar a série de dez romances machadianos em edição anotada, com biografia do autor e panorama da vida cotidiana da época. Além de Ressurreição, os romances Dom CasmurroCasa Velha, Esaú e Jacó, Helena, Iaiá  Garcia, A mão e a luva, Memorial de Aires, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba apresentam notas e posfácios produzidos por especialistas – em Ressurreição elas são de Eliana Inge Pritsch. 

Neste romance curto, Machado apresenta as diferenças entre Félix, um bon-vivant, e Lívia, uma jovem e bela viúva. O amor que os une será posto à prova diversas vezes, num vai e vem de paixões perpassado pelo ciúme e por suspeitas de traição, tema que depois o escritor retomaria magistralmente em Dom Casmurro. 

Os dez romances de Machado de Assis publicados em pocket pela L&PM têm seu texto cotejado com a edição crítica do Instituto Nacional do Livro, estabelecida pela Comissão Machado de Assis. A coordenação deste projeto é de Luís Augusto Fischer que, na L&PM WebTV, apresenta um vídeo com a vida e obra do autor.  Vale a pena assistir.

O primeiro Grenal da história

Panfleto de divulgação do jogo

Há exatos 102 anos, num Domingo à tarde, acontecia aquele que daria origem ao maior de todos os clássicos futebolísticos do Rio Grande do Sul (e um dos grandes do Brasil). Em Porto Alegre, no campo do Moinhos de Vento, aconteceu o primeiro embate entre Sport-Club Internacional e Gremio Foot-Ball Porto-Alegrense. A batalha de estreia entre vermelhos e azuis acabou em goleada e deu início a uma rivalidade que completa mais de um século e que está contada em detalhes no livro A história dos Grenais. Escrito por David Coimbra, Nico Noronha, Mário Marcos de Souza e Carlos André Moreira, os autores dizem que “Pode-se até achar que esta rivalidade foi longe demais. Mas foram 100 anos a aquecer este caldeirão onde os líquidos não se misturam”. Leia um trecho do capítulo “Phrases pouco gentis”, cujo título é autoexplicativo:

(…) as páginas róseas do Correio do Povo de domingo, 18 de julho de 1909, advertiram, abaixo do texto de apresentação do jogo:

Somos obrigados, a fim de evitar factos desagradaveis, a aconselhar aos espectadores a que não se pronunciem, por ocasião do jogo, em favor de um ou de outro team. Ainda domingo ultimo, durante o torneio, deu-se, entre um dos juizes e um grupo de assistentes, lamentavel incidente, tendo os espectadores imprudentes ouvido phrases pouco gentis.

Achamos justo que se formem partidos sympathicos aos teams combatentes, porém que o enthusiasmo seja sempre moderado, para honra dos jogadores. Como se sabe, em todos os matches numerosa é a assistencia nos grounds, notando-se, entre ella, grande numero de senhoras e senhoritas, às quaes não se deve dar o desgosto de testemunhar discussões inconvenientes. Si fazemos esta pequena observação é porque desejamos ver o progresso do sport bretão, que está caindo no agrado da mocidade porto-alegrense.

(…)

Às duas da tarde, os footballers rubros saíram em bonde expresso da sede do club, na Avenida Redenção, em direção ao Moinhos de Vento. Uma hora e dez minutos depois, as duas equipes cruzaram lado a lado a roleta à margem do campo e entraram no gramado, precedidas pelos respectivos presidentes e pela banda da Brigada Militar. As 2 mil pessoas da assistência aplaudiram com entusiasmo. Os jogadores do Grêmio ostentavam fardamento estilo inglês, com camisas metade azul, metade branca, e calções pretos; os colorados, camisas listradas de vermelho e branco e calções brancos, à moda italiana. O árbitro foi Waldemar Bromberg, auxiliado por Castro Silva e Sommes (juízes de linha) e Theobaldo Förnges e Theodoro Bugs (juízes de gol). Os juízes de gol ficavam sentadinhos num banquinho ao lado das goleiras. Eram muito necessários por uma razão bem simples: as goleiras ainda não estavam equipadas com redes. Aí, qualquer chute que passasse próximo às traves originava a maior discussão: foi gol, não foi. Aos juízes de gol competia deliberar acerca dessas angustiantes polêmicas.

Às 15h25 “foi dado o signal de kick-off”, batendo na bola o center forward Booth, do Grêmio. Nos primeiros minutos, indecisão. O Grêmio estudava a força do adversário. Mas logo os “porto-alegrenses”, como eram chamados os gremistas, tomaram conta da partida. Aos dez minutos, Booth marcou o primeiro gol do jogo e da história do clássico Grenal. O goleiro do Inter, Poppe II, até então bem na partida, começou a dar sinais de nervosismo. Aos vinte ele tomou o segundo gol. O Grêmio faria um terceiro, anulado por off-side (impedimento). O primeiro tempo terminou em 2 x 0.

Naquela época, cada tempo durava quarenta minutos, às vezes só meia hora, com um intervalo de dez minutos. O primeiro Grenal teve dois tempos de quarenta minutos. O Grêmio voltou para o segundo período ainda mais empenhado em provar a sua superioridade. O Inter tentou dois ataques, mas, em ambas as vezes, a bola parou nas poças de lama do campo de defesa do Grêmio. Aos dez, quando os gremistas ampliaram para 3 x 0, os colorados mostravam-se cansados. Só os forwards Mendonça, Carvalho e Poppe I continuavam correndo. Foi uma tranquilidade para os bem treinados e experientes jogadores do Grêmio. Em trinta minutos, assinalaram sete gols. O jogo transcorreu todo no lado do campo do Internacional. Estava tão fácil que o goleiro Kallfelz e os beques Deppermann e Becker passaram vários minutos conversando com os torcedores à beira do gramado. No dia seguinte, o juiz Bromberg confessaria ter se cansado de dar a saída de jogo tantas vezes. Quando ele encerrou a partida, o placar estava em 10 x 0 para o Grêmio.

O campo foi invadido pela torcida, que carregou os jogadores do Grêmio sobre os ombros. Às seis da tarde, juízes, jogadores e dirigentes foram até a sede dos Atiradores Alemães, ao lado da Baixada, e lá beberam cerveja e bailaram até a madrugada. Os colorados brindaram e homenagearam os vencedores, como rezava a boa educação, e aproveitaram a festa.

Alguns, contudo, se deixaram abater pela humilhação do primeiro Grenal. Caso do presidente João Leopoldo Seferin. Aos poucos, desanimado, ele foi se afastando do clube, dedicando-se mais ao seu trabalho na Pharmacia Fischer. No final do ano, entregaria a presidência em definitivo para Henrique Poppe. O time passou três meses sem jogar, bem próximo do fechamento. O que não ocorreu devido à fibra de alguns bravos. Com destaque para dois, entre eles: o maragato gritão Antenor Lemos e o primeiro ídolo da torcida, Carlos Kluwe.

No dia seguinte, a chamada na capa de um dos jornais de Porto Alegre

Para conhecer um pouco mais sobre a megarrivalidade entre as torcidas de Grêmio e Intenacional, nossa dica é acompanhar a minissérie Gre-nal é Gre-nal (apenas 4 capítulos), veiculada pela RBS TV, que retransmite a TV Globo no Rio Grande do Sul. O roteiro foi escrito com base no livro A história dos Grenais, de onde foi extraído o trecho acima.

17 formas de amar Neruda

A Barcarola, Cantos cerimoniais, Cem sonetos de amor, O coração amarelo, Crepusculário, Elegia, Jardim de inverno, Livro das perguntas, A Rosa Separada, Memorial de Isla Negra, Residência na Terra I, Residência na Terra II, Terceira residência, Últimos Poemas, As uvas e o vento, Defeitos escolhidos e 2000 (este último, dois livros em um volume). Mais do que 17 títulos que fazem parte da Coleção L&PM POCKET, estas são diferentes formas de descobrir, se encantar e amar Pablo Neruda.

Um dos mais importantes e influentes poetas de língua espanhola em todos os tempos, e Prêmio Nobel de Literatura 1971, o chileno Pablo Neruda  (1904-1973) deixou sua marca no século XX com uma poesia que pontificou na vanguarda das tendências literárias, além de reunir um lirismo genuíno e arrebatador, combinado com um profundo comprometimento com as causas sociais latino-americanas.

No início da década de 80, a L&PM Editores passou a publicar grande parte da obra poética de Neruda, até então desconhecida no Brasil. Na época, os leitores brasileiros tinham acesso apenas à sua biografia, “Confesso que vivi”, e à coletânea “Vinte poemas de amor e uma canção desesperada”. As edições da L&PM, a maioria delas bilígues, tiveram a colaboração de grandes tradutores brasileiros, como os poetas Paulo Mendes, Olga Savary, José Eduardo Degrazia, Luiz de Miranda, Geraldo Galvão Ferraz e Carlos Nejar. Foram publicados 16 livros de poemas, com destaque para a poesia social e aos poemas póstumos. Este grande conjunto significa mais da metade da obra poética de Neruda.

Quando recebeu o Prêmio Nobel de literatura, em 1971, Pablo Neruda proferiu um discurso que tornou-se célebre pela veemência e lirismo. Leia aqui.

Pablo Neruda recebendo o Nobel de Literatura em 1971