Arquivo mensais:julho 2010

Twitter ressuscita escritores

Já há algum tempo o twitter deixou de ser um simplificado micro-querido-diário de seus usuários. Até o clássico “what are you doing?” foi substituído por um simpático “what’s happening?”. Mas além de ferramenta para publicação de notícias, divulgação de produtos, concursos e interação com clientes (oi, seguidores!), o twitter recebeu também outra função: ressuscitador de escritores. E pelos perfis dá para descobrir várias coisas sobre a personalidade de alguns dos nossos autores preferidos:

– Dostoiévski (@FDosto) não é dos mais assíduos e não posta nada desde março. Mas não é bobo e aproveitou os últimos meses para começar a seguir a musa da Copa, Larissa Riquelme.
– Os amigos Jack Kerouac e Allen Ginsberg parecem ter visões diferentes da coisa. @Jack__Kerouac, um cara simpático (ou será bisbilhoteiro?), segue mais de 300 pessoas. @allen_ginsberg não segue ninguém e parece bem assim.
– O último tweet (de dois) de Charles Bukowski (@hank_bukowski) dizia o seguinte: “Yesterday I met Adolf  H. in hell. He is fuckin stupid”. Tradução: “Ontem encontrei Adolf H. no inferno. Ele é um _ estúpido”. Talvez esse seja real, hein…

Mas nem só de fakes vive o twitter. Alguns autores da casa realmente mantêm contas no microblog, e nós fazemos questão de indicá-los para vocês: @mauriciodesousa, @thedycorrea, @carolteixeira_, @ZPgoulart e @ducaleindecker. Follow them!

Atualização: faltou listar um importantíssimo: no @voltaremos é possível encontrar as ótimas receitas do querido Anonymus Gourmet!

A ecobag da L&PM

Chegaram ontem aqui na editora as novas ecobags da L&PM. Na Bienal do Livro de São Paulo, compras acima de R$120 levarão uma de presente. Mas você, leitor de todo o Brasil, também pode ganhar a sua.

Hoje, os três primeiros colocados do concurso Seu conhecimento vale um livro, que é feito todas as quartas-feiras no twitter da L&PM (veja o regulamento aqui), além do livro que escolherem, levam também uma ecobag. Permaneçam online!

Especialista em Conan Doyle tenta impedir que casa do escritor seja remodelada

Escritor supervisionou a construção da casa em 1870 / Foto: Victorian Society

John Gibson, um estudioso da obra de Arthur Conan Doyle, está usando o próprio dinheiro para lutar na justiça contra a remodelação da casa onde o criador de Sherlock Holmes viveu por 10 anos.
A mansão em estilo vitoriano foi projetada pelo próprio Conan Doyle, que supervisionou sua construção em 1870. Foi lá que ele escreveu O cão dos Baskerville, e várias de suas histórias e cartas fazem referência à casa. Foi lá também que ele se reuniu com contemporâneos como Bram Stoker, autor de Drácula, e JM Barrie, de Peter Pan.
Depois da morte de Conan Doyle, a casa foi transformada em hotel até ser comprada por uma empresa especializada em remodelação de imóveis em 2004. De acordo com o projeto dessa empresa, que já foi autorizado pela justiça, a rediência seria dividida em três unidades, com outras cinco casas adicionadas em outra área, e a sala de bilhar do escritor se transformaria em cozinha e o estábulo em garagem.
Gibson agora tenta reverter a autorização concedida pela justiça e nomes de peso, como Ian Rankin e Stephen Fry, além dos descententes de Conan Doyle,  já se engajaram na campanha.

Um processo kafkiano

Como se sabe, antes de morrer, Franz Kafka pediu ao amigo Max Brod que destruísse todos os seus escritos para que eles nunca fossem publicados. Felizmente, Brod não atendeu ao pedido e, só na coleção de bolso, estão quatro obras do tcheco.
Bom. Em 1939, pouco antes da invasão nazista, Brod contrabandeou duas malas com cartas, desenhos e manuscritos de Kafka para a Palestina. Depois, em 1956, durante a Crise de Suez, mandou parte desse material para a Suíça. E quando ele, Brod, morreu, os documentos ficaram sob os cuidados de sua namorada, Esther Hoffe. Esther morou em Tel Aviv, capital de Israel, até que também ela morreu três anos atrás. Desde então, as duas filhas dela lutam na justiça pelo direito de ficar com os pertences de Kafka. E elas inclusive já venderam alguns, incluindo o manuscrito de O processo, para o Arquivo da Literatura Alemã. O governo de Israel alega que os documentos devem estar acessíveis ao povo israelense e move uma ação para garantir que eles sejam mandados à Biblioteca Nacional do país.

Isso tudo para dizer que ontem foram abertas em Zurique as quatro caixas que continham o material enviado por Brod à Suíça 50 anos antes. Ninguém sabe exatamente qual é o conteúdo das caixas, já que as irmãs israelenses impediram que qualquer relatório fosse aberto à imprensa. Mas sabe-se, por exemplo, que algumas páginas de Carta ao pai e um texto ressentido que Kafka escreveu em 1919 – e que parece ser uma peça-chave para entender a sua obra – fazem parte do conteúdo.
A decisão da justiça sobre tornar público ou não o conteúdo das caixas deve ser divulgada em breve.

Com informações do The Guardian.

Da viagem à lua ao Dia Internacional do Amigo

Em 20 de julho de 1969, Neil Armstrong deu o pequeno passo que seria “um gigantesco salto para a humanidade”. O que o astronauta não sabia era que sua chegada à lua também seria responsável pela criação do Dia Internacional do Amigo. Isso porque, a partir de então, o argentino Enrique Ernesto Febbraro passou a divulgar exaustivamente que o feito era uma “grande oportunidade de fazer amigos em outras partes do universo” (!) e lançou a campanha Meu amigo é meu mestre, meu discípulo é meu companheiro (?). Tanto ele insistiu que, em 1979, através de um decreto, Buenos Aires adotou oficialmente o dia 20 de julho como aquele dedicado a todos os amigos. Da capital argentina, a data espalhou-se pelo mundo e, hoje, em quase todas as partes do planeta (ou será do universo?) é comemorado o Dia Internacional do Amigo.

E para mostrar que de amizade a gente entende, a Coleção L&PM Pocket publica alguns livros que trazem amigos até no título:

 Um amigo de Kafka, de Isaac Bashevis Singer
  
O amigo de infância de Maigret, de Simenon 

Garfield e seus amigos, de Jim Davis

Divulgado pôster de Uivo, o filme

Foi liberado o pôster do filme Howl (Uivo), baseado no livro homônimo de Allen Ginsberg. No longa, Ginsberg é interpretado por James Franco (de Homem-Aranha e Milk). O elenco conta ainda com Jon Hamm Jeff Daniels, Mary-Louise Parker e Paul Rudd, entre outros.

Na L&PM WebTV, é possível assistir alguns trechos legendados do filme, que estreia nos Estados Unidos no dia 24 de setembro.

Leia texto inédito de Galeano sobre a Copa de 2010

A primeira edição de Futebol ao sol e à sombra (sobre o qual fizemos uma série no blog), de Eduardo Galeano, foi lançada em 1995. Desde então, a cada nova Copa do Mundo, ele atualiza o livro e acrescenta novos textos. Foi assim em 1998, 2002 e 2006. Agora, menos de uma semana após o final do mundial, disponibilizamos com exclusividade em nosso site, o anexo sobre a Copa de 2010, que será incluído na próxima reedição do livro.

A Copa do Mundo de 2010

Eduardo Galeano

Uma campanha internacional transformava o Irã no mais grave perigo para a humanidade, porque dizem que dizem que o Irã teria ou poderia ter armas nucleares, como se tivessem sido iranianos os que lançaram bombas atômicas sobre a população civil de Hiroshima e Nagasaki.
Israel metralhava, em águas internacionais, os navios que levavam à Palestina alimentos, remédios e brinquedos, num dos habituais atos criminosos que castigam os palestinos como se eles, que são semitas, fossem culpados pelo antissemitismo e seus horrores.
O Fundo Monetário, o Banco Mundial e numerosos governos humilhavam a Grécia, obrigando-na a aceitar o inaceitável, como se tivessem sido os gregos, e não os banqueiros de Wall Street, os responsáveis pela pior crise internacional desde 1929.
O Pentágono anunciava que os seus especialistas haviam descoberto no Afeganistão uma jazida de um bilhão de dólares em ouro, cobalto, cobre, ferro e, sobretudo, lítio, o cobiçado mineral imprescindível para os telefones celulares e os computadores portáteis, e o país invasor anunciava isso alegremente, como se ao fim de quase nove anos de guerra e milhares de mortos, tivesse encontrado o que procurava de fato no país invadido.
Na Colômbia, aparecia uma vala comum com mais de dois mil mortos sem nome que o exército havia jogado ali como se fossem guerrilheiros abatidos em combate, ainda que os moradores do lugar soubessem que eram militantes sindicais, ativistas comunitários e camponeses que defendiam as suas terras.
Uma das piores catástrofes ecológicas de todos os tempos transformava o golfo do México numa imensa poça de petróleo, e um mês e meio depois, o fundo do mar seguia sendo um vulcão de petróleo, enquanto a empresa British Petroleum assoviava e olhava para o outro lado, como se não tivesse nada a ver com isso.
Em vários países, uma enxurrada de denúncias acusava a Igreja Católica de abusos sexuais e violações de crianças, e por todo lado se multiplicavam os testemunhos que o medo havia reprimido durante anos e que, por fim, vinham à luz, enquanto algumas fontes eclesiásticas se defendiam dizendo que essas atrocidades ocorriam também fora da Igreja, como se isso a desculpasse e que, em muitos casos, os sacerdotes tinham sido provocados, como se os culpados fossem as vítimas.
Fontes bem informadas de Miami seguiam negando-se a acreditar que Fidel Castro seguisse vivinho da silva, como se ele não estivesse lhes dando novos desgostos a cada dia.
Perdíamos dois escritores sem suplentes, José Saramago e Carlos Monsiváis, e sentíamos falta deles como se não soubéssemos que seguirão ressuscitando entre os mortos, por mais que pareça impossível, pelo puro prazer de atormentar os donos do mundo.
E no porto de Hamburgo, uma multidão comemorava o retorno à primeira divisão alemã do clube de futebol Sankt Pauli, que conta com vinte milhões de simpatizantes, por mais que pareça impossível, congregados em torno das bandeiras do clube: não ao racismo, não ao sexismo, não à homofobia, não ao nazismo.
Enquanto longe dali, na África do Sul, era inaugurado o décimo nono campeonato mundial de futebol, sob o amparo de uma dessas bandeiras: não ao racismo. 

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Durante um mês, o mundo deixou de girar e muitos dos seus habitantes deixamos de respirar.
Nada atípico, porque isso ocorre a cada quatro anos, mas o atípico foi que esta foi a primeira Copa em terra africana.
A África negra, desprezada, condenada ao silêncio e ao esquecimento, pôde ocupar por um momento o centro da atenção universal, ao menos enquanto durou o campeonato.
Trinta e dois países disputaram a Copa em dez estádios que custaram uma dinheirama. E não se sabe como a África do Sul fará para manter em atividade esses gigantes de cimento, esbanjo multimilionário fácil de explicar, mas difícil de justificar num dos países mais injustos do mundo. 

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O estádio mais belo, em forma de flor, abre as suas imensas pétalas sobre a baía chamada Nelson Mandela.
Mandela foi o herói desta Copa. Uma homenagem mais do que merecida ao fundador da democracia naquele país. O seu sacrifício rendeu frutos que, de alguma forma, podem ser vistos no planeta inteiro. No entanto, na África do Sul, os negros continuam sendo os mais pobres e os mais castigados pela polícia e pelas pestes, e foram os negros, os mendigos, as prostitutas e os meninos de rua que, nas vésperas da Copa, foram escondidos para não dar má impressão para as visitas. 

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Ao longo do torneio, pôde-se ver que o futebol africano conservou a sua agilidade, mas perdeu desenvoltura e fantasia. Correu muito, mas dançou pouco. Há quem acredite que os técnicos das seleções, quase todos europeus, tenham contribuído para esse endurecimento. Se foi assim, pouco ajudaram um futebol que prometia tanta alegria.
A África sacrificou as suas virtudes em nome da eficácia, e a eficácia brilhou pela sua ausência. Um só país africano, Gana, ficou entre os oito melhores; e pouco depois, também Gana voltou para casa. Nenhuma seleção africana sobreviveu, nem sequer a do país anfitrião.
Muitos dos jogadores africanos, dignos da sua herança de bom futebol, vivem e jogam no continente que havia escravizado os seus avôs.
Numa das partidas da Copa, enfrentaram-se os irmãos Boateng, filhos de pai ganense: um vestia a camisa de Gana, e o outro, a camisa da Alemanha.
Dos jogadores da seleção de Gana, nenhum jogava no campeonato local.
Dos jogadores da seleção da Alemanha, todos jogavam no campeonato local da Alemanha.
Como a América Latina, a África exporta mão-de-obra e pé-de-obra.

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Jabulani foi o nome da bola do torneio, ensaboada, meio louca, que fugia das mãos e desobedecia aos pés. Essa novidade da Adidas foi imposta no Mundial, mesmo que os jogadores não gostassem nem um pouquinho dela. Do seu castelo de Zurich, os senhores do futebol impõem, não propõem. Eles têm esse costume. 

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Os erros e os horrores cometidos por alguns árbitros colocaram mais uma vez em evidência o que o senso comum exige há muitos anos.
Aos gritos, o senso comum clama, sempre em vão, que o árbitro possa consultar os primeiros planos, registrados pelas câmeras, de jogadas decisivas que sejam duvidosas. A tecnologia permite, agora, que esse cotejo seja feito com a rapidez e a naturalidade com que se consulta outro instrumento tecnológico, chamado relógio, para medir o tempo de cada partida.
Todos os demais esportes, como o basquete, o tênis, o beisebol, a natação e até a esgrima e as corridas de automóvel, utilizam normalmente as ajudas eletrônicas. O futebol, não. E a explicação de seus amos seria cômica, se não fosse simplesmente suspeita: o erro faz parte do jogo, dizem, e nos deixam boquiabertos descobrindo que errare humanum est. 

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A melhor defesa do torneio não foi obra de um goleiro, mas de um goleador: o atacante uruguaio Luis Suárez deteve a escorregadia bola com as duas mãos, na linha do gol, no último minuto de uma partida decisiva. Esse gol teria deixado o seu país fora da Copa: graças ao seu ato de patriótica loucura, Suárez foi expulso, mas o Uruguai não. 

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O Uruguai, que havia entrado na Copa em último lugar, depois de uma penosa classificação, jogou todo o campeonato sem se render nunca, e foi o único país latino-americano que chegou às semifinais. Alguns cardiologistas nos advertiram, pela imprensa, que o excesso de felicidade pode ser perigoso para a saúde. Muitos de nós, uruguaios, que parecíamos condenados a morrer de tédio, comemoramos esse risco, e as ruas do país viraram uma festa. Ao fim e ao cabo, o direito de festejar os próprios méritos é sempre preferível ao prazer que alguns sentem pela desgraça alheia.
O Uruguai terminou em quarto lugar, o que não é tão ruim para o único país que pôde evitar que esta Copa não passasse de uma Eurocopa.
Diego Forlán, nosso goleador, foi eleito o melhor jogador do torneio.

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Ganhou a Espanha. Esse país, que nunca havia conquistado a taça mundial, ganhou com justiça, por obra e graça do seu futebol solidário, um por todos, todos por um, e pela assombrosa habilidade desse pequeno mago chamado Andrés Iniesta.
Holanda foi vice, depois de uma última partida em que traiu, aos pontapés, as suas melhores tradições. 

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A campeã e a vice-campeã da Copa anterior voltaram para casa sem abrir as malas. Em 2006, Itália e França tinham se encontrado na partida final. Agora se encontraram na porta de saída do aeroporto. Na Itália, se multiplicaram as vozes críticas a um futebol jogado para impedir que o rival jogue. Na França, o desastre provocou uma crise política e acendeu as fúrias racistas, porque haviam sido negros quase todos os jogadores que cantaram a Marselhesa nos estádios sul-africanos.
Outros favoritos, como a Inglaterra, tampouco duraram muito.
Brasil e Argentina sofreram cruéis banhos de humildade. O Brasil estava irreconhecível, salvo nos momentos de liberdade que arrombaram a jaula do esquema defensivo. De que sofria este futebol para precisar de um remédio tão duvidoso?
A Argentina foi goleada na sua última partida. Meio século antes, outra seleção argentina havia recebido uma chuva de moedas quando retornou de uma Copa desastrosa, mas desta vez foi bem recebida por uma multidão afetuosa. Ainda há pessoas que creem em coisas mais importantes do que o êxito ou o fracasso. 

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Esta Copa confirmou que os jogadores se lesionam com reveladora frequência, triturados como estão pelo extenuante ritmo de trabalho que o futebol profissional impõe impunemente. Dirão que alguns ficaram ricos, e até riquíssimos, mas isso só é verdade para os mais cotados, que além de jogar dois ou mais jogos por semana, e além de treinar noite e dia, sacrificam à sociedade de consumo os seus escassos minutos livres vendendo cuecas, carros, perfumes e barbeadores e posando para as capas das revistas de luxo. E, ao fim e ao cabo, isso só prova que este mundo é tão absurdo que tem até escravos milionários. 

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Faltaram ao encontro duas das superestrelas mais anunciadas e esperadas. Lionel Messi quis comparecer, fez o que pôde, e algo foi visto. Dizem que Cristiano Ronaldo esteve lá, mas ninguém o viu: talvez estivesse muito ocupado vendo-se a si mesmo.
Mas uma nova estrela, inesperada, surgiu das profundidades dos mares e se elevou ao ponto mais alto do firmamento futebolístico. É um polvo que vive num aquário da Alemanha. Chama-se Paul, ainda que merecesse chamar-se Polvodamus.
Antes de cada jogo, formulava as suas profecias. Faziam-no escolher entre os mexilhões que levavam as bandeiras dos dois rivais. Ele comia os mexilhões do vencedor, e não errava.
O oráculo octópode, que influenciou decisivamente nas apostas, foi ouvido no mundo futebolístico com religiosa reverência e foi amado e odiado e até caluniado por alguns ressentidos, como eu: quando anunciou que Uruguai perderia contra Alemanha, denunciei:
− Este polvo é um corrupto.

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Quando o Mundial começou, pendurei na porta da minha casa um cartaz que dizia: Fechado devido ao futebol.
Quando o retirei, um mês depois, eu já havia jogado sessenta e quatro jogos, de cerveja na mão, sem me mover da minha poltrona preferida.
Essa proeza me deixou moído, com os músculos doloridos e a garganta arrebentada; mas já estou sentindo saudades. Já começo a sentir falta da insuportável ladainha das vuvuzelas, da emoção dos gols não recomendados para cardíacos, da beleza das melhores jogadas repetidas em câmera lenta. E também da festa e do luto, porque às vezes o futebol é uma alegria que dói, e a música que comemora alguma vitória dessas que fazem os mortos dançar soa muito parecida ao clamoroso silêncio do estádio vazio, onde algum vencido, sozinho, incapaz de se mover, espera sentado em meio às imensas arquibancadas sem ninguém.

Walter Ego e outros alteregos da literatura

Foi para homenagear todos os alteregos – na verdade mais os “egos” do que os “alter”, que o cartunista Angeli criou Walter Ego, o mais emblemático de seus personagens e que, como o próprio nome sugere, ama a si mesmo acima de tudo (clique na tirinha para ampliar).

E foi aproveitando o tema e o nome sugerido por Angeli que resolvemos perguntar: você tem um alterego? Tipo um pseudônimo, uma personalidade dupla, um outro você? Não? Pois muitos escritores tem… Parte deles, simplesmente usava outro nome para assinar algumas de suas obras. Fernando Pessoa, por exemplo, era ao mesmo tempo Álvaro de Campos e Bernardo Soares. Agatha Cristhie virou Mary Westmacott na hora de publicar seus romances não policiais. E Nelson Rodrigues não só usou outro nome, como trocou de gênero. Na década de 1940, sem que os leitores soubessem, Nelson assinava Suzana Flag em folhetins que eram publicados nos jornais. O alterego feminino do escritor não só fez o maior sucesso como passou a receber cartas de homens apaixonados. E os alteregos literários não param por aí. Muitas vezes eles se escondem (ou não) nas páginas das próprias obras. O alterego de Franz Kafka seria Gregor Samsa, seu personagem em Metamorfose. Dizem que David Copperfield era o próprio Charles Dickens. E Lima Barreto teria criado Isaías Caminha com sua própria personalidade, enquanto João da Ega seria o alterego de Eça de Queiroz em Os Maias. Ficou inspirado? Então responda mais essa: se você tivesse que criar um outro você, quem ele seria?

O estande da L&PM na Bienal de São Paulo

A Bienal do Livro de São Paulo começa daqui a menos de um mês, e os preparativos para a montagem do estande da L&PM já estão se encaminhando para o final. Então, para quem não é paulista e não estará em São Paulo entre 12 e 22 de agosto, adiantamos como vai ser a estrutura desse ano:

O estande foi projetado pela Design Alternativo.  E aos paulistas, agora que vocês já sabem como será nosso ponto de encontro, nos vemos por lá!

A hora dos assassinos: quando Henry Miller encontra Arthur Rimbaud

Ivan Pinheiro Machado

A visão que o mundo tem de Rimbaud é como um caleidoscópio. Ela muda de cor, de forma, se transforma e nunca é definitiva. Não é concreta, não é real. A lenda tomou conta da biografia e o mito soterrou o homem. Os poemas são poderosos fragmentos biográficos, embora eles não concluam, não desenhem um Rimbaud preciso. Seus delírios, suas alucinações, suas iluminações e temporadas no inferno, às vezes indicam traços do poeta. Mas a poesia acaba quando ele sai da adolescência, aos 19 anos. Aí começa a saga mítica que quase se sobrepõe ao poeta. Porque se tem indícios, mas na verdade, se sabe muito pouco. Seu périplo africano já foi objeto de milhares de livros. Sua fuga para o nada foi cantada e decantada. De quê fugia o poeta? Tudo é mistério, vestígios vagos, traços, aquarelas esmaecidas. Enfim, cada um tem o “seu” Rimbaud. Kerouac, Gide, Alain Borer, Proust, Vitor Hugo, Verlaine, Charles Nichol, Mallarmè, Breton e centenas de outros poetas, romancistas, biógrafos escreveram sobre ele. Dentro do claro-escuro em que sua identidade aparece e se esvai, cada um viu um Rimbaud. Suas numerosas biografias são antologias de dúvidas, tentativas. Seus analistas estudam pegadas, trilhas enganosas. E perdem seus passos em dezembro de 1880 quando ele chega em Harar, na desolada Abissínia. Foi ser comerciante, traficou armas, dizem, traficou escravos, supõem. Ele reaparece em 1891 em Marselha. O trágico retorno para encontrar a morte.

Henry Miller junta-se à esta enorme legião de fascinados pelo mito Rimbaud. Seu livro A hora dos assassinos é um livro sui generis, onde o grande escritor maldito faz uma cartarse onde expõe sua profunda identificação com o poeta. O texto brilhante de Henry Miller analisa a tragédia rimbaldiana, a beleza de seus poemas, a sua revolta. E conclui: “Em Rimbaud, me vejo como em um espelho”.