Arquivo da tag: Claudio Willer

Pessoa, Ginsberg e Dalí no mesmo palco

Imagine Fernando Pessoa, Salvador Dalí, Allen Ginsberg e até Roberto Piva reunidos sobre o mesmo palco. Pois é exatamente isso o que a Cia. Teatro do Incêndio apresenta no segundo musical “São Paulo Surrealista”, que agora ganhou o nome de “Poesia Feita de Espuma”. A peça, escrita e dirigida por Marcelo Marcus Fonseca aborda o submundo paulista com um imaginário que começa com a chegada de Fernando Pessoa (o ator João Sant’Ana) à capital, onde é recebido por Beatriz (Giulia Lancelloni), musa de Dante. Mais tarde, ambos encontram o poeta beat Allen Ginsberg (Diego Freire), o poeta paulistano Piva (vivido pelo próprio diretor) e o pintor Dalí (Sonia Molfi) que está na cidade para dirigir uma peça surrealista. A curadoria poética da peça é de Claudio Willer, escritor e tradutor especialista nos beats.

O espetáculo é uma ótima dica para este final de semana. E para o próximo também.

 

SERVIÇO:

São Paulo Surrealista 2: A Poesia Feita de Espuma
Data: Até 15 de dezembro de 2012.
Horário: Quintas, sextas e sábados, às 21h.
Local: Madame – Rua Conselheiro Ramalho, 873 – Bela Vista.
Preço: R$ 15 (entrada) ou R$ 30 (consumíveis) – estudantes pagam meia-entrada.
Tel.: (11) 2592-4474.
www.teatrodoincendio.com.br

Haicais de Jack Kerouac por Claudio Willer

Um presente da L&PM para os fãs de literatura beat: quatro Haicais inéditos de Jack Kerouac em tradução de Claudio Willer (autor de Geração Beat). O livro com estes pequenos poemas, escritos pelo autor de On the Road, chega no início de 2013.

A árvore parece
um cão
Latindo ao Céu

Nenhum telegrama hoje
– Nada a não ser
Mais folhas caídas

Os moinhos de vento de
Oklahoma olham
em todas as direções

Agachada na
nevasca, a antiga
Miséria do gato

Tem Curso Geração Beat e contracultura em novembro

Claudio Willer, tradutor de Uivo de Allen Ginsberg e autor do livro Geração beat, ministrará novo curso no Espaço Revista Cult. “Poesia e política: Geração Beat e contracultura” é o tema do evento que o Espaço Revista Cult sediará de 8 de novembro a 6 de dezembro.

NÚCLEO: Altos Estudos
MINISTRADO POR: Claudio Willer
DATA: de 08/11/2012 até 06/12/2012
HORÁRIO: Quintas-feiras, das 20h às 22h
CARGA HORÁRIA: 8h
NÚMERO DE VAGAS: 40
PÚBLICO ALVO: Estudantes, jornalistas e demais interessados no assunto.
VALOR: R$ 320.00

O valor pode ser parcelado em até 6 vezes no cartão de crédito (sem juros) no Espaço Revista CULT.

Programa: 
1 – Poesia e política, do Romantismo até hoje: William Blake, Walt Whitman e Arthur Rimbaud, inspiradores da Geração Beat
2 – A “revolução de mochilas às costas” e os “ideais essenciais do movimento Beat”: liberação, tolerância, “antifascismo cósmico”
3 – O pluralismo Beat; a contribuição de seus integrantes: ambientalismo, militância, anarquismo místico.
4 – Debate: contemporaneidade ou extemporaneidade; contracultura e Geração Beat foram assimilados ou são irreversíveis? Contribuições ao pensamento

Os haicais de Kerouac estão mais perto de nós

Prepare-se para ler os haicais de Jack Kerouac em português a partir de 2013. Quinta-feira, 27 de setembro, Claudio Willer anunciou em seu blog que entregou à L&PM Editores parte da tradução do livro que traz os pequenos poemas de Kerouac. “Não resisti a postar o final do Livro de haicais de Kerouac (acabo de enviar ao editor o copião da tradução, sem revisão). Achei comovente. Ele escreveu até o fim, até seus últimos dias, até morrer. Acima de tudo, foi um poeta.”

Encolhido, arreganhando os dentes
para a nevasca,
Meu gato me encara

Encolhida na
nevasca, a antiga
Miséria do gato

Surpreendente briga de gatos
na sala em uma
Rancorosa noite de setembro

Chuva-na-Cara
olha desde a colina:
Custer lá embaixo

Touro Sentado ajusta
sua cinta: o cheiro
de peixe defumado

A mosca, tão
solitária como eu
Nesta casa vazia

O outro homem, tão
solitário como eu
Neste universo vazio

Willer, que também é o tradutor de Uivo, de Allen Ginsberg, é um verdadeiro expert em literatura beat. Autor do livro Geração beat, ele realiza uma palestra sobre hoje, 02 de outubro, às 18:30 na Livraria Sebinho em Brasília.

O fax que recebemos de Allen Ginsberg

No dia 27 de janeiro de 1984, um facsimile (o antes popular “fax”, uma espécie de e-mail do tempo das cavernas) adentrou a L&PM trazendo algumas páginas escritas em uma caligrafia apressada. Endereçado para o tradutor Claudio Willer, o fax trazia comentários e apontamentos sobre a tradução de “Howl” (Uivo). Adivinha quem assinava aquelas páginas? Ele mesmo: o próprio Allen Ginsberg.

Guardado em uma caixa de lembranças, o fax foi resgatado de uma gaveta, já meio apagado. Escaneado, trabalhado no photoshop para ganhar mais contraste, ele agora está aqui, para você ler. Basta clicar em cima para ampliar e… fazer força para tentar entender, já que a letra de Ginsberg não é exatamente uma letra de professora primária.

No prefácio de Uivo em formato convencional, Claudio Willer diz que “foi decisiva a correspondência que mantive, na época, com o próprio Ginsberg, mais a nota autobiográfica (Autobiographic Precis) enviada por ele.  A seleção dos poemas e o plano editorial lhe foram apresentados. Ele os aprovou, comentou, deu sugestões e esclareceu dúvidas de interpretação do texto. Depois de publicado Uivo, Kaddish e outros poemas, passou a enviar-me as novas edições de sua obra, com bilhetes para o dear translator friend. Deu notícias até pouco antes do final, da sua morte na madrugada de 5 de abril de 1997.”

A primeira página, endereçada a Claudio Willer

Ginsberg fez comentários sobre a tradução

O poeta beat não tinha propriamente uma letra “fácil”

Repare no P.S. no canto da página

O aniversário da primeira leitura de “Uivo”

No início de outubro de 1955, um convite simples, datilografado à máquina, chamava para um encontro que aconteceria no dia 13 daquele mês, na Six Gallery, galeria de arte que antes havia abrigado uma oficina mecânica. O convite trazia uma promessa bastante tentadora: “Seis poemas na Six Gallery. Notável coleção de anjos, todos reunidos ao mesmo tempo, no mesmo lugar. Vinho, música, garotas dançando, poesia séria, satori grátis. Pequena coleta para vinho e folhetos. Evento charmoso. Kenneth Rexroth, M.C. (mestre de cerimônias).

Quando o dia chegou, lá estavam a nata da cultura alternativa novayorquina reunida para uma noite memorável. Kerouac não quis declamar, alegando timidez. Ferlinghetti, que já havia decidido publicar Uivo por sua editora, a City Lights, estava na plateia. A sessão começou com Philip Lamantia apresentando poemas de John Hoffman, prosseguiu com Michael McClure e seu poema de protesto contra o morticínio de baleias e, animada pelo vinho distribuído por Kerouac e por seus gritos, atingiu o clímax com a leitura, por um jovem e embriagado Allen Ginsberg, da primeira parte de Uivo.

A partir da leitura do pulsante poema de Ginsberg, em 13 de outubro de 1955, o movimento beat ganharia voz, força e fãs. Não havia dúvida de que os presentes se encontravam diante de uma manifestação notável: “…quando Allen leu Howl (Uivo), foi como se o céu caísse sobre nossas cabeças. Um efeito inimaginável. Pois, seguramente, ele dizia tudo o que aquele público desejaria ouvir, e dizia isso na linguagem deles, rompendo radicalmente com o estilo estabelecido.” disse o mestre de cerimônias Kenneth Rexroth. 

O impacto provocado pela leitura transformou Allen Ginsberg em celebridade local. Para sentir o clima, veja o vídeo legendado em que James Franco interpreta Ginsberg no filme Howl. Os trechos do poema são da tradução que Claudio Willer fez para a edição de Uivo da L&PM:

48. Com os beats na alma


Alma Beat foi o trabalho mais completo editado sobre a Geração Beat no Brasil. Um painel apaixonado e preciso sobre o que eram e o que fizeram os beats. Em suas páginas, eram oferecidos textos escritos por poetas, jornalistas e escritores brasileiros que, de uma forma ou de outra, tiveram suas vidas e suas obras influenciadas pelo movimento. Além de textos inéditos dos próprios beats – como um poema de Kerouac sobre Rimbaud, um texto de Gary Snyder sobre o Brasil e um poema de Ginsberg para Che Guevara! –, Alma Beat trazia artigos de Eduardo Bueno, Antonio Bivar, Roberto Muggiati, Cláudio Willer, Leonardo Fróes, Pepe Escobar e Reinaldo Moraes sobre a ligação dos beats com o jazz, com as drogas, com o zen, com a estrada, com os autores malditos e com a tradição romântica. O livro era ainda complementado pelas autobiografias de Allen Ginsberg, Jack Kerouac, William Burroughs, Gregory Corso, Neal Cassady, Gary Snyder, Peter Orlovsky e Lawrence Ferlinghetti. E tinha também trechos de cartas e entrevistas, além de fotos que naquela época nunca haviam sido vistas no Brasil (lembre-se que em 1984 não dava para pesquisar imagens no Google).

Para completar, Alma Beat mexia com temas considerados explosivos como punk, revolução, sexo, dinheiro e drogas, além de oferecer uma ampla bibliografia. Ou seja, era uma fonte primordial para entender a história e a obra deste grupo de escritores que, mais do que qualquer outro, provocou as maiores e mais significativas mudanças no comportamento dos jovens do mundo inteiro.

Vale dizer que Alma Beat não foi apenas o nome de um livro, mas de uma Coleção criada por Eduardo Bueno que, em 1984, já oferecia Uivo, de Allen Ginsberg, Cartas do Yage, de William Burroughs e Ginsberg, Uma Coney Island da Mente, de Lawrence Ferlinghetti, O livro dos sonhos, de Jack Kerouac, Gasolina e a Lady Virgem, de Gregory Corso, Como nos velhos tempos, De Gary Snyder, O primeiro terço, de Neal Cassady e Crônicas de Motel, de Sam Shepard. Depois, claro, vieram muitos outros. Alguns dos títulos da saudosa “Coleção Alma Beat” estão na Série Beat da Coleção L&PM POCKET. É realmente um mergulho no espírito de Kerouac e sua turma. Vale a pena!

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo oitavo post da Série “Era uma vez… uma editora“.

Digressões de uma amante de livrarias físicas ou Uma nova forma de vender livros

Por Caroline Chang*

Começou mal a minha última viagem a San Francisco, uns dez dias atrás: nosso hotel ficava perto da Union Square e, a fim de reconhecer o terreno, para lá nos tocamos. Grandes butiques de marcas caras espalhadas ao redor da praça e, numa das esquinas, uma grande loja da Borders, em cujas vitrines faixas e cartazes anunciavam: “Closing sale”, “Everything must go”. A gigantesca rede de livrarias americanas, que já teve 1.329 estabelecimentos no país, há algumas semanas pediu falência e mesmo antes disso já vinha fechando filiais. Eu e meu marido, que trabalhou décadas no mercado editorial e teve sua própria editora, resolvemos entrar e pagar nossos respeitosos tributos à moribunda livraria. Por “everything” era isso mesmo o que eles queriam dizer: até mesmo apetrechos de cozinha outrora usados na cafeteria estavam à venda (pratos, canecas, medidores, etc). O desconto para alguns livros chegava a 60% sobre o preço normal. Um sentimento meio irracional tomou conta de mim e saí à cata de algum título que me interessasse, como que a transmitir meus pêsames ao familiar enlutado de alguém há pouco falecido. Percorri duas, três vezes as prateleiras de ficção, e a verdade é que havia muito pouca coisa sendo oferecida. Alguns livros do Dickens (que eu já tinha) e Jane Austen (idem) misturados com mancheias de romances comerciais de gosto duvidoso. Quando me dei conta de que o setor de FICÇÃO não contava sequer com uma subdivisão do tipo “Literatura de língua inglesa” e “Literatura estrangeira”, me ocorreu: talvez aquela livraria merecesse fechar, mesmo.

Para não dizer que não comprei nada, adquiri uma edição de bolso de Winesburg, Ohio, do Sherwood Anderson, por US$ 3,57.

A Border e suas ofertas / Foto: Sérgio Ludke

Dois ou três dias depois estávamos nós em North Beach, que vem a ser o bairro de imigração italiana de Frisco cujo ponto alto, para mim, foi a City Lights, livraria e sede da editora de mesmo nome de Lawrence Ferlinghetti (empresário, poeta e remanescente da geração beat que há pouco completou 92 anos e mora em cima do estabelecimento – que não tem filiais). Foi lá que Ginsberg fez a leitura do seu poema “Uivo”, publicado em 1956 pela City Lights no volume Howl and Other Poems (cuja edição brasileira, em tradução do Cláudio Willer, a L&PM Editores tem a honra de publicar). Eu achava que conhecia a City Lights da outra vez em que estivera na cidade, mas me enganara: eu jamais teria esquecido se tivesse ido àquela livraria.

Os cartazes escritos à mão são outro diferencial da City Lights / Foto: Caroline Chang

O lugar, por si só, já é fascinante e aconchegante: três andares de corredores estreitos, pé-direito alto e simpáticos cartazes humanistas ao estilo contra-tudo-isso-que-está-aí, como “People are not corporations”. Mas a cereja no sundae é a seleção de livros. Havia uma subdivisão de literatura européia! E parecia que de fato alguém havia… lido os livros e os estava recomendando para nós, leitores! Nada de rebotalho, apenas ótimos nomes e livros de autores desconhecidos porém provocadores. Num espaço várias vezes menor do que qualquer livraria de rede americana, Seu Ferlinghetti e equipe conseguem oferecer uma quantidade muitas vezes maior de boas e instigantes opções de leitura. Na City Lights, é claro, o exercício foi o contrário: tive que me segurar para não sair de lá com duas sacolas cheias. Comprei só dois livros: Merchants of Culture: The Publishing Business in the Twenty-First Century, de John B. Thompson (Polity Press, 2010) e The New York Stories of Henry James, com seleção e introdução de Colm Tóibín. E um bumper sticker da City Lights, pois já estou na idade em que a pessoa se torna carente de heróis.

Tudo convida à leitura na City Lights / Foto: Caroline Chang

Breve, a L&PM começará a vender seus e-books (e-Pub) por meio da Distribuidora de Livros Digitais. E-books de títulos clássicos e contemporâneos, como romances da Agatha Christie, Jack Kerouac e livros de crônicas da Martha Medeiros serão oferecidos ao leitor primeiramente no site das livrarias Saraiva, posteriormente em sites de outras lojas.

É só um primeiro passo, claro, que apenas pode ser dado após muitos meses de trabalho. Será que no futuro difuso as livrarias “em papel” vão acabar? Espero que não, pois sou do tipo que gosta de sobrecarregar sua mala com brochuras. Mas sei que o que eu, individualmente, gosto ou deixo de gostar não vai ter peso no desenrolar das coisas, no grande esquema da história. Ecoando o Hobsbawm, serão tempos interessantes para os leitores. Que venham.

PS – Enquanto o difuso futuro ainda não tomou inteiramente parte do presente, aproveitemos as nossas boas livrarias. Blog imperdível para quem gosta de conhecer os melhores estabelecimentos do tipo em todo o mundo: http://www.bookstoreguide.org/

PS2 – A quem interessar possa, a L&PM Editores também tem a honra de publicar Um parque de diversões da cabeça, do Ferlinghetti (long live!), em tradução de Eduardo Bueno e Leonardo Fróes.

*Jornalista e Editora da L&PM 

Adiós, Piva

Ivan Pinheiro Machado

Em 1984,o Eduardo Bueno, vulgo Peninha, veio trabalhar na L&PM. Naquela época, ele era mais ou menos o que é hoje, só que sem a fortuna que acumulou nestes últimos anos, graças ao seu talento e sua incrível capacidade de trabalho (não é ironia). Era o tradutor do On the road, de Jack Kerouac, e trouxe para a L&PM a cultura beat. Nós, na época, editávamos uma coleção anarquista e já publicávamos Bukowski. Foi atraído por este clima transgressor que Peninha foi parar lá na rua Nova York, 306, sede da L&PM. Fizemos coisas maravilhosas com pouquíssimo dinheiro e muitas ideias. No começo dos anos 80, conhecemos Claudio Willer (autor da antológica tradução de Uivo de Allen Ginsberg) que nos apresentou o poeta Roberto Piva, um estranho maluco genial, cultuado nas rodas radicais de São Paulo.  Nesta época mesmo, criamos uma coleção chamada “Olho da Rua”, com projeto gráfico do grande pintor Caulos. Publicamos Reinaldo de Moraes, Pepe Escobar, Jorge Mautner, Antonio Bivar, Sergio Faraco, os beats Gregory Corso, Allen Ginsberg, Neal Cassady, Carl Solomon, Lawrence Ferlinghetti. Lançamos também no Brasil Sam Shepard, Isadora Duncan e o clássico Luna Caliente de Mempo Giardinelli. A coleção tinha grande prestígio nos meios alternativos e Roberto Piva submeteu, para nosso exame, a sua Antologia Poética que então saiu nesta coleção com capa desenhada por mim. Ele adorava a capa, porque era a representação de uma montanha de lixo com um latinha de Coca-Cola que – segundo ele – ordenava a desordem… Na verdade, encontramos poucas vezes Roberto Piva, pois ele era paulista e nossa sede era –  e é –  em Porto Alegre.

Pois o Piva morreu sábado, dia 3 de julho, aos 72 anos. Ele era a representação física dos seus poemas. Trepidante, delirante e brilhante. Encerro com um trecho da apresentação da nossa edição de 1985 de Antologia Poética escrita pelo Peninha: “A vida de Piva – poética, maldita, conturbada – fornece o material bruto que ele lapida e transpõe para seus poemas. (…) Ele é o mais indômito, o mais rebelde e um dos mais inspirados poetas brasileiros das últimas décadas”.

Claudio Willer homenageia o amigo Roberto Piva

Por Claudio Willer

Desde sábado passado, dia 3 de julho, quando Roberto Piva faleceu (este depoimento é escrito 48 horas depois), já recebi bons poemas dedicados a ele, além de algumas belas crônicas. Mesmo antes, teria sido possível preparar uma edição de poemas nos quais ele está presente em títulos, citações, epígrafes, alusões e homenagens. Também importante, penso, é uma ensaística recente, incluindo teses e dissertações, lançando novas luzes sobre sua contribuição. Acabei de receber o convite para a defesa da dissertação de mestrado de Danilo Monteiro, na USP, Teatralidade da palavra poética em Paranoia de Roberto Piva, nesta terça-feira, dia 6 de julho. Em breve, será apresentada, também na USP, outra dissertação sobre ele, do talentoso poeta Fabrício Clemente. Ano passado, fui banca da tese de doutorado de Gláucia Pimentel, Ataques e utopias: Espaço e Corpo na obra de Roberto Piva, na UFSC; e de outra dissertação de mestrado, Roberto Piva, Panfletário do Caos de Bruno Eduardo da Rocha Brito, na UFP.
Tudo isso mostra que Piva, hoje, é um poeta não apenas lido, porém estudado e escrito; um intertexto. Assim são recuperadas as quase quatro décadas de atraso na boa recepção de seu livro de estréia, Paranóia. Como já observei ao dizer, por sugestão dos demais amigos presentes, algumas palavras na breve cerimônia de sua cremação, deixa um legado enorme. Dele fazem parte a renovação da poesia brasileira; e uma ética particular, que ele seguiu rigorosamente, pela conduta sempre coerente com sua rebelião. Permanece, igualmente, a contribuição como fonte de informações e indicações de leitura. Já escrevi a respeito no posfácio do volume 1 de sua Obra Reunida (Globo, 2005) e no capítulo final do meu recente Geração Beat (L&PM, 2005), registrando a ocasião em que ele apareceu em minha casa em 1961, com a pilha de edições beat da City Lights, de Ginsberg, Ferlinghetti, Corso, Lamantia etc, que nos pusemos imediatamente a traduzir. E pretendo voltar ao assunto: há inúmeros outros episódios como esse, de indicações de leitura, sempre em tom entusiástico e com uma precisão certeira, pois acabariam sendo decisivas  para mim e para outros de seus amigos (e para seus leitores atentos: não economizou citações e indicações de autores no aparente delírio de seus poemas).
E permanecem as amizades. Piva era seletivo, reservado, até idiossincrático em seus relacionamentos; ao mesmo tempo, foi um agregador e catalisador. Gostava de apresentar pessoas nas quais via qualidades. Do meu círculo de amizades, quantas não se formaram, direta ou indiretamente, através dele. Seu último livro de poesia, Estranhos Sinais de Saturno, é, entre outras coisas, um hino à amizade. Todas aquelas dedicatórias aos amigos, àqueles a quem apreciava, formam um mapa, desenham uma constelação afetiva.
Piva se foi. Mas, por todas essas razões, estará cada vez mais presente.

Veja no site uma nota sobre o falecimento de Piva e a transcrição de uma de suas poesias.