Arquivo mensais:fevereiro 2014

Moacyr Scliar na avenida

A escola de samba Bambas da Orgia, de Porto Alegre, vai homenagear Moacyr Scliar no Carnaval 2014. Com o tema “Moacyr Scliar, o menino do Bom Fim” e um samba-enredo cheio de orgulho, a escola exalta o legado literário do escritor nascido no Bom Fim, o bairro mais judeu de Porto Alegre que serviu de cenário e inspiração para várias de suas obras. Os grandes mestres da literatura que o influenciaram, como Monteiro Lobato, Franz Kafka e Machado de Assis, também vão para a avenida, junto com a representação de vários dos personagens criados por Scliar em seus livros.

Ouça o samba-enredo:

A homenagem vem em momento oportuno, no ano em que a L&PM reedita parte da obra de Moacyr Scliar em novo formato e com capa dura: Max e os felinos e A guerra do Bom Fim, (que já estão nas livrarias), O ciclo das águasOs deuses de RaquelA festa no castelo. Além disso, estes títulos serão publicados juntos numa edição especial de luxo na Série Ouro.

O poeta que comeu Allen Ginsberg

O poeta paulista Fernando Calixto – fã confesso de Allen Ginsberg desde que leu A queda da América (que chega em breve à Coleção L&PM Pocket) e Uivo – traduziu e publicou na revista Modo De Usar & Co. alguns dos poemas do escritor beat. Uma tradução nada ortodoxa, mas a seu modo, como que se apropriando das palavras de Ginsberg para tornar líricas as suas próprias vivências e, para isso, adaptando nomes, lugares e referências.

De Beijing para São Paulo, de Walt Whitman e Ezra Pound para Sousândrade e Haroldo de Campos. De Frank O’Hara para Cazuza. Total antropofagia.

O poema “Improvisation in Beijing” de Allen Ginsberg…

I write poetry because the English word Inspiration comes from Latin Spiritus, breath, I want to breathe freely.
I write poetry because Walt Whitman gave world permission to speak with candor.
I write poetry because Walt Whitman opened up poetry’s verse-line for unobstructed breath.
I write poetry because Ezra Pound saw an ivory tower, bet on one wrong horse, gave poets permission to write spoken vernacular idiom.
I write poetry because Pound pointed young Western poets to look at Chinese writing word pictures.
I write poetry because W. C. Williams living in Rutherford wrote New Jerseyesque “I kick yuh eye,” asking, how measure that in iambic pentameter?
I write poetry because my father was poet my mother from Russia spoke Communist, died in a mad house.
I write poetry because young friend Gary Snyder sat to look at his thoughts as part of external phenomenal world just like a 1984 conference table.
I write poetry because I suffer, born to die, kidneystones and high blood pressure, everybody suffers.
I write poetry because I suffer confusion not knowing what other people think.
I write because poetry can reveal my thoughts, cure my paranoia also other people’s paranoia.
I write poetry because my mind wanders subject to sex politics Budhadharma meditation.
I write poetry to make accurate picture my own mind.
I write poetry because I took Bodhisattva’s Four Vows: Sentient creatures to liberate are numberless in the universe, my own greed ignorance to cut thru’s infinite, situations I
find myself in are countless as the sky okay, while awakened mind path’s endless.
I write poetry because this morning I woke trembling with fear what could I say in China?
I write poetry because Russian poets Mayakovsky and Yesenin committed suicide, somebody else has to talk.
I write poetry because my father reciting Shelley English poet & Vachel Lindsay American poet out loud gave example–big wind inspiration breath.
I write poetry because writing sexual matters was censored in United States.
I write poetry because millionaires East and West ride Rolls-Royce limousines, poor people don’t have enough money to fix their teeth.
I write poetry because my genes and chromosomes fall in love with young men not young women.
I write poetry because I have no dogmatic responsibility one day to the next.
I write poetry because I want to be alone and want to talk to people.
I write poetry to talk back to Whitman, young people in ten years, talk to old aunts and uncles still living near Newark, New Jersey.
I write poetry because I listened to black Blues on 1939 radio, Leadbelly and Ma Rainey.
I write poetry inspired by youthful cheerful Beatles’ songs grown old.
I write poetry because Chuang-tzu couldn’t tell whether he was butterfly or man, Lao-tzu said water flows downhill, Confucius said honor elders, I wanted to honor Whitman.
I write poetry because overgrazing sheep and cattle Mongolia to U.S. Wild West destroys new grass & erosion creates deserts.
I write poetry wearing animal shoes.
I write poetry “First thought, best thought” always.
I write poetry because no ideas are comprehensible except as manifested in minute particulars: “No ideas but in things.”
I write poetry because the Tibetan Lama guru says, “Things are symbols of themselves.”
I write poetry because newspapers headline a black hole at our galaxy-center, we’re free to notice it.
I write poetry because World War I, World War II, nuclear bomb, and World War III if we want it, I don’t need it.
I write poetry because first poem Howl not meant to be published was prosecuted by the police.
I write poetry because my second long poem Kaddish honored my mother’s parinirvana in a mental hospital.
I write poetry because Hitler killed six million Jews, I’m Jewish.
I write poetry because Moscow said Stalin exiled 20 million Jews and intellectuals to Siberia, 15 million never came back to the Stray Dog Café, St. Petersburg.
I write poetry because I sing when I’m lonesome.
I write poetry because Walt Whitman said, “Do I contradict myself? Very well then I contradict myself (I am large, I contain multitudes.)”
I write poetry because my mind contradicts itself, one minute in New York, next minute the Dinaric Alps.
I write poetry because my head contains 10,000 thoughts.
I write poetry because no reason no because.
I write poetry because it’s the best way to say everything in mind within 6 minutes or a lifetime.

… virou “Improviso em São Paulo”:

Eu escrevo poesia porque a palavra portuguesa inspiração vem do latim inspiratio, sopro, e eu quero respirar livremente.
Escrevo poesia porque Sousândrade deu ao mundo a permissão de falar com ternura.
Escrevo poesia porque Sousândrade deu ao verso a regência da respiração.
Escrevo poesia porque Haroldo de Campos mirou uma torre de marfim e apostou no cavalo errado e deu aos poetas a autorização de escrever a língua lácio-falada.
Escrevo poesia porque Haroldo indicou aos jovens poetas sul- americanos que observassem os chineses desenhando a
semântica.
Escrevo poesia porque Mário de Andrade, da Lopes Chaves, escreveu semanadeartemodernamente “Bofetadas líricas no Trianon… Algodoal!…”, para logo se perguntar: como posso medi-
lo em alexandrino?
Escrevo poesia porque meu pai era poeta e minha mãe, anarquista, vive no mundo da lua.
Escrevo poesia porque meu jovem amigo Ricardo Domeneck sentou-se para examinar seus pensamentos como parte de um fenômeno ético/estético/histórico – numa leitura de 2006.
Escrevo poesia porque eu sofro pra caralho: natimorto, pedras nos rins, spleen, pressão alta, amor em falta – todo mundo se fode.
Escrevo poesia porque, não sabendo o plano alheio, eu me despenteio.
Escrevo poesia porque ela pode revelar meus pensamentos e curar minha neurose – assim como a dos outros.
Escrevo poesia porque minha mente vadia à toa meditando sobre sexo, estética e São Francisco de Assis.
Escrevo poesia para juntar, com toda precisão, os cacos da minha cuca.
Escrevo poesia porque entendi as parábolas de Cristo: chegará o filho de seu par e ele colherá tudo que seja escândalo e sândalo, e lançará à cama de ouro, e ali haverá lágrima e ternura; então haverá um humano. Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça: a luz da mente é infinita.
Escrevo poesia porque nesta manhã acordei tremendo de pavor. Que mais eu poderia sentir em São Paulo?
Escrevo poesia porque os poetas Torquato Neto e Ana Cristina Cesar se mataram e alguém tem que falar.
Escrevo poesia porque meu pai um dia recitou uma coleção de poemas populares e deu um caminho – do vento só herdamos o carinho.
Escrevo poesia porque putaria é prato do dia nos Estados Unidos do Brasil.
Escrevo poesia porque os milionários cruzam o país em seus Hyundai, e os fodidos deixam seus dentes nas sopas filantrópicas.
Escrevo poesia porque meus genes e cromossomos só sentem tesão por ninfas e dríades.
Escrevo poesia porque hoje, graças ao acaso, não tenho mais nada a ver com isso.
Escrevo poesia porque sou habitante da solidão e, de repente, falar com as pessoas pode ser divertido.
Escrevo poesia para papear com Bolaño; para que pobres-diabos,
daqui a cem anos, fofoquem com suas velhas tias e patéticos tios que ainda vivam em São Paulo.
Escrevo poesia porque em 1979 escutava Luiz Gonzaga e Roberto Carlos nas rádios de São Paulo.
Escrevo poesia porque ouvi The Long and Winding Road dos Beatles – os que nunca acabam, pois estão longe. E longe é uma geografia
repleta de saudades intransponíveis.
Escrevo poesia porque uma noite, em meu sonho, Chuang-tzu não sabia se havia sonhado que era uma borboleta ou se era uma borboleta que havia sonhado que era Chuang-tzu. Outro chinês, o tal Lao-tzu, disse que a água flui como uma estrutura que rui; e Confúcio disse honre os mestres. E eu desejo honrar a Sousândrade.
Escrevo poesia porque o excesso de tirania, coronelismo e dinheirolatria
consome o mundo e cria desertos na carne e na mente.
Escrevo poesia usando um Mad Rats vermelho.
Escrevo poesia porque “o simples é o certo”, sempre.
Escrevo poesia porque as idéias não são compreensíveis a não ser quando expressas com as mínimas minúcias: “Isto não é um cachimbo”.
Escrevo poesia porque um fauno de calça Lee escreveu: “A vida é curta pra ser pequena.”
Escrevo poesia porque os jornais dizem que um buraco negro nos engolirá – e somos livres para não estar nem aí.
Escrevo poesia porque as duas Grandes Guerras não nos ensinaram nada, nem uma linha sequer, e a Terceira, que tanto almejamos, que venha fatal e corrija o erro da Criação.
Escrevo poesia porque meu poema, “A falta que ela me faz” foi apreendido e torturado pela polícia-piada-pronta das letras nacionais.
Escrevo poesia porque meu primeiro poema extenso, At Infernum – Livro de Gravuras, honra minha sobrevivência, da minha Garota e da minha Velha, neste mundo babaca.
Escrevo poesia porque os EUA patrocinaram todas as ditaduras na América Latina, assassinando milhares de sul-americanos. E eu sou sul-americano!
Escrevo poesia porque, de Moscou, sabemos que Stálin mandou 20 milhões de judeus e intelectuais para a Sibéria. 15 milhões jamais tiveram a oportunidade de tomar um café no inverno de São Petersburgo.
Escrevo poesia porque canto quando estou sozinho.
Escrevo poesia porque Sousândrade disse:
“– O Lord! God! Almighty Policeman!
O mundo é ladrão, beberrão,
Burglar e o vil vândalo
Escândalo
Freelove… e ‘í vem tudo ao sermão!”
Escrevo poesia porque sou contraditório; agora estou em São
Paulo e daqui a pouco em Guadalajara.
Escrevo poesia porque em meu pensamento habitam infinitos perfumes.
Escrevo poesia sem razão nem por quê.
Escrevo poesia porque é a melhor maneira de dizer tudo em seis minutos.
Ou numa vida.

Neste post tem mais poemas e suas respectivas “traduções”. E em breve, mais um livro de poemas de Allen Ginsberg na Coleção L&PM Pocket: A queda da América.

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O pássaro Pablo

O estúdio de design e animação gráfica 18bis fez uma bela homenagem a Pablo Neruda transformando em vídeo/animação a história do poema “El pájaro yo”, que versa sobre liberdade. Cada sentimento do poema foi “traduzido” conceitualmente por meio das técnicas utilizadas no vídeo. Por exemplo: a inspiração na técnica “strata stencil” ajuda a conceituar a repetição de camadas como o passado de nossos movimentos e ações. As molduras como jaula e o passado como fardo servem de pano de fundo para a história de uma bailarina em sua jornada rumo à liberdade. Através de uma variada experimentação artística, recria-se a tormenta que conecta pássaro e dançarina:

Além do resultado do trabalho é possível conferir os bastidores da animação:

Leia o poema original que inspirou o vídeo:

El pájaro yo

Me llamo pájaro Pablo,
ave de una sola pluma,
volador de sombra clara
y de claridad confusa,
las alas no se me ven,
los oídos me retumban
cuando paso entre los árboles
o debajo de las tumbas
cual un funesto paraguas
o como una espada desnuda,
estirado como un arco
o redondo como una uva,
vuelo y vuelo sin saber,
herido en la noche oscura,
quiénes me van a esperar,
quiénes no quieren mi canto,
quiénes me quieren morir,
quiénes no saben que llego
y no vendran a vencerme,
a sangrarme, a retorcerme
o a besar mi traje roto
por el silbido del viento.
Por eso vuelvo y me voy,
vuelo y no vuelo pero canto:
soy el pájaro furioso
de la tempestad tranquila.

(ou ouça o poema lido pelo próprio Neruda)

Uma visita a Finsland, cenário de “Antes que eu queime”

Texto e fotos:  Guilherme da Silva Braga*

Em agosto de 2012, enquanto eu dava os toques finais na tradução de Antes que eu queime, o romance de Gaute Heivoll recém-publicado pela L&PM, tive a oportunidade de viajar à Noruega e conhecer os lugares que aparecem no livro graças a uma bolsa para tradutores oferecida pela NORLA – a fundação norueguesa responsável por divulgar a cultura do país no estrangeiro.

Na década de 70, o pequeno vilarejo de Finsland, no Sul da Noruega, foi assolado por uma série de incêndios criminosos. Foi também nesse mesmo vilarejo e nessa mesma época que Gaute Heivoll nasceu – e a história de Antes que eu queime gira em torno das simetrias entre a trajetória pessoal do autor, a história do incendiário e o turbulento período atravessado pelos moradores do pacato vilarejo, numa obra em que as descrições das estradas, dos lagos, das planícies e de outros cenários característicos de Finsland são uma parte importante da ambientação.

Meu plano inicial era passar uns dias em Kristiansand (a capital da província de Vest-Agder, onde parte da história também se passa) e de lá tomar um ônibus para Finsland, sozinho. Mas, já na Noruega, resolvi escrever para o autor – e para minha grata surpresa o autor se dispôs a me buscar em Kristiansand e me levar a dar um passeio de carro em Finsland pelos lugares mais importantes da história.

No dia marcado, Heivoll manobrou no estacionamento do Budget Hotel Kristiansand e me cumprimentou de trás do volante com um aceno de mão. Depois de me apresentar, ocupei o banco do carona e, enquanto percorríamos os quarenta quilômetros de estrada que nos separavam de nosso destino, fomos conversando a agradável conversa de dois estranhos que se encontram por conta de um motivo caro a ambos.

Gaute ao volante / Foto Guilherme da Silva Braga

Gaute Heivoll dirigindo pelas estradas de Finsland / Foto Guilherme da Silva Braga

Quando chegamos, o panorama que se descortinou ante os meus olhos confirmou muitas das impressões que tive durante as minhas leituras de Antes que eu queime. Mesmo assim, foi bom poder ver – com a perspectiva cênica do livro – as águas plácidas do Livannet, a pequenina estação de incêndio comandada por Ingemann e a casa do incendiário. Enquanto me apontava lugares e falava sobre a escritura do romance, Heivoll também me perguntou se eu tinha conseguido visualizar aquele cenário. Explicou que, como autor, estava curioso para saber como as descrições soavam para alguém menos familiarizado com os cenários do norte da Europa – pois, conforme se justificou com os rr guturais típicos do sotaque da região, Du kommer fra en annen verden – “Você vem de outro mundo”.  Satisfeito, expliquei que tudo era bastante parecido com o que eu tinha imaginado.

A estação de incêndios que está presente no livro "Antes que eu queime" / Foto: Guilherme da Silva Braga

A pequena estação de bombeiros comandada por Ingemann / Foto: Guilherme da Silva Braga

Mesmo assim, a visão daqueles lugares e a conversa com Heivoll deixaram-me pensando sobre as estranhas relações entre a realidade e a ficção. Afinal de contas, Antes que eu queime é um romance documental – ou seja, uma obra de ficção baseada em fatos reais. Este método de escrita já tinha sido usado pelo autor em Himmelarkivet (2008) e, depois de Antes que eu queime (2010), foi mais uma vez empregado no romance Kongens Hjerte (2011), onde Gaute Heivoll escreveu:

[Este livro] é baseado no que aconteceu, mas ao mesmo tempo foi escrito no espaço livre entre a realidade e o sonho.

Esta abordagem gera uma grande incerteza em relação aos “fatos” apresentados numa obra deste tipo: mesmo sabendo que os incêndios em Finsland foram uma ocorrência real, como interpretar o que Gaute Heivoll disse quando parou o carro junto a uma pequena igreja e falou, referindo-se a uma cena de Antes que eu queime, “Foi dentro desta igreja que Kåre andou de moped”? Será que existiu um menino chamado Kåre? Caso tenha existido, será que perdeu mesmo uma das pernas em consequência de um acidente de esqui, como acontece no romance? Por fim, será que teria de fato andado de moped no interior da igreja?

A igreja de Finsland, onde Kåre andou de moped

A igreja de Finsland, onde Kåre andou de moped

Apesar do meu inevitável sentimento de perplexidade, não fiz nenhuma dessas perguntas ao meu companheiro de viagem. E isto por um motivo simples: a resposta não vinha ao caso. A literatura consiste justamente de incertezas e dúvidas organizadas numa estrutura rigorosa – e foram justamente esse aspectos que tanto me cativaram enquanto eu lia e traduzia Antes que eu queime.

O livro de Gaute Heivoll com tradução de Guilherme da Silva Braga

O livro de Gaute Heivoll publicado no Brasil pela L&PM com tradução de Guilherme da Silva Braga

 * Guilherme da Silva Braga é Licenciado em Letras (português-inglês), mestre em Literatura Comparada e doutorando em Literaturas de Língua Inglesa pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Desde 2005 dedica-se à tradução literária, e durante esses anos traduziu dezenas de obras clássicas e modernas a partir do inglês. Em 2010 começou a traduzir a partir de línguas escandinavas como o sueco e o norueguês.

Michelangelo se prepara para desaparecer

Michelangelo Buonaroti morreu em 18 de fevereiro de 1564, aos 89 anos, deixando para sempre sua marca na história da arte. No epílogo do livro Falem de batalhas, de reis e de elefantes, o escritor Mathias Énard resume a história de vida do artista em poucas palavras:

“em fevereiro de 1564, é a vez de Michelangelo, que se prepara para desaparecer.

Dezessete grandes estátuas de mármore, centenas de metros quadrados de afrescos, uma capela, uma igreja, uma biblioteca, o domo do mais célebre templo do mundo católico, vários palácios, uma praça em Roma, fortificações em Florença, trezentos poemas, sonetos e madrigais, outros tantos desenhos e estudos, um nome associado para sempre à Arte, à Beleza e ao Gênio: eis aí, entre outras coisas, aquilo que Michelangelo se prepara para deixar para trás de si, alguns dias antes de completar oitenta e nove anos, sessenta anos depois de sua viagem a Constantinopla. Morre rico, com um sonho realizado: devolveu à sua família a glória e as possessões passadas. Tem a esperança de ver Deus, e o verá decerto, pois crê nisso.”

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“A criação de Adão”, de Michelangelo, na Capela Sistina em Roma

 

Filme estrelado por Matthew McConaughey foi inspirado em livro de Mark Twain

O ator Matthew McConaughey está em alta. De uma carinha bonita com uma barriga de tanquinho exibidas em filmes na Sessão da Tarde, ele passou a um dos atores mais festejados da atualidade. Favorito à estatueta de melhor ator no Oscar deste ano por sua atuação em “Clube de Compras Dallas”, ele também rouba a cena quando aparece em “O lobo de Wall Street” como aquele que ensina os primeiros truques ao personagem de Leonardo di Caprio. E ainda é um dos personagens principais da ótima série “True Detectives” que está passando no HBO. Essa nova fase de McConaughey começou quando ele estrelou filmes como “Killer Joe”, de 2011 e “Mud”, de 2012.

“Mud”, que no Brasil recebeu o infeliz título de “Amor Bandido” (e que talvez por isso não tenha ganhado muita repercussão), é um filme escrito e dirigido por Jeff Nichols e que, segundo admitiu o diretor, presta uma homenagem a Huckleberry Finn e Tom Sawyer, personagens de livros homônimos do escritor Mark Twain.

“Assim que li o roteiro de ‘Mud’ eu disse a Jeff: ‘Você roubou várias ideias de Mark Twain, não?’ E ele respondeu que Twain foi sua grande inspiração”. Contou a produtora Sarah Green. Prova disso é que o personagem vivido por Sam Shepard chama-se Tom Blankenship, o nome da pessoa real em que Tom Sawyer foi baseado.

O filme de Nichols se passa em uma pequena ilha do Rio Mississipi, onde dois garotos conhecem “Mud”, o misterioso e solitário homem interpretado por McConaughey e que, assim como o escravo Jim, de Huckleberry Finn, está fugindo de algo. Nichols começou a trabalhar nessa história nos anos 1990 e o resultado e um filme centrado em amizades fortes, tema recorrente nas histórias de Twain.

Assista ao trailer, procure na locadora mais próxima e depois vá correndo ler Huckleberry Finn e As aventuras de Tom Sayer, ambos publicados na Coleção L&PM Pocket:

O “imoral” Huckleberry Finn

capa_huckleberry_finn.indd“Quando Mark Twain era vivo, o livro [As aventuras de Huckleberry Finn] foi criticado e censurado por ser considerado imoral, em parte por causa de várias mentiras que Huck se esmera em contar para se safar de apuros. Em sua Autobiography of Mark Twain (o primeiro de três volumes foi publicado pela University of California Press em novembro de 2010 no centenário da morte do autor), essas críticas são respondidas com a verve característica do escritor: num diálogo com o funcionário de uma biblioteca da qual As aventuras de Huckleberry Finn havia sido retirado das estantes, ele desconcerta o sujeito ao afirmar que a Bíblia também deveria ser proibida por ser muito imoral e fala das passagens bíblicas que os meninos leem às escondidas, o que o próprio funcionário decerto fizera quando criança. Diante da negativa veemente de seu interlocutor, Mark Twain replica que ele está mentindo e que, portanto, deve estar lendo Huckleberry Finn e seguindo seu péssimo exemplo.”

(trecho da nota da tradutora Rosaura Eichenberg na abertura do livro As aventuras de Huckleberry Finn da Coleção L&PM Pocket)

Você precisa conhecer Hélio Silva

Hélio Silva foi um homem singular. Nasceu em 1904 e morreu em 1995. Médico de formação, jornalista de profissão e historiador de vocação passou a dedicar-se exclusivamente ao jornalismo na década de 30 e rapidamente tornou-se um colunista influente. Sua carreira foi interrompida devido ao movimento revolucionário de 1930 que o proibiu de exercer a profissão. Mas logo voltou à ativa para ser o chefe da sucursal no Rio da recém-fundada Folha da noite, de São Paulo. Colaborou durante muitos anos no Jornal do Brasil. Em 1949, a convite de Carlos Lacerda, assumiu o cargo de redator-chefe da Tribuna da Imprensa. E foi justamente no jornal de Lacerda, em 1959, que ele começou a publicar suas pesquisas de história contemporânea.

Meticuloso, Hélio teve o privilégio de viver a história do século e registrá-la com maestria. Percebeu desde cedo que poderia ter o depoimento “ao vivo” dos atores desta história. E com isso reuniu um imenso arquivo sobre a história republicana brasileira. Um conjunto de documentos e depoimentos sem igual que deu origem ao seu monumental “Ciclo de Vargas”. Uma série escrita em colaboração com a historiadora Maria Cecília Ribas Carneiro que inicia com a história da Proclamação da República, em 1889 e atravessa os séculos no Brasil.

1964 – Golpe ou contragolpe é um complemento a “Ciclo de Vargas” e foi publicado pela primeira vez pela L&PM Editores em novembro de 1978, em plena ditadura militar. Agora, no ano em que completa 50 anos do golpe, o livro de Hélio Silva volta repaginado. Esta obra apresenta fatos que se interpenetram com os volumes da série, personagens comuns, novos e antigos protagonistas, herdeiros de velhas tradições, sempre tendo como foco o golpe de 1964. Hélio Silva foi narrador, personagem e testemunha dessa história, com a autoridade de um intelectual que, no dizer de Antônio Houaiss, foi “dos mais destacados entre os estudiosos brasileiros (do que quer que seja) e merece a consagração de todos os seus compatriotas”.

No início dos anos 90, Hélio Silva fez voto de pobreza e recolheu-se ao Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro, onde morreu em 21 de fevereiro de 1995. Mas ainda é tempo de conhecê-lo através de livros como 1964 – Golpe ou Contragolpe. Uma obra que segue tão atual quanto antes.

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“Março de 1964 é um episódio da Guerra Fria. Já é possível analisá-lo no confronto das correntes históricas antagônicas, nas marchas e contramarchas do processo renovatório. Esse choque se reflete nas Formas Armadas, mais nitidamente a partir da Segunda Guerra Mundial. A FEB traz, em seus heróis, os líderes dos grupos que se defrontarão em 1945, 1950, 1955, 1961 e 1964.”

Andy Warhol, o rei dos leilões

Andy Warhol bateu o recorde de vendas de obras em leilões em 2013, segundo a empresa especializada Artprice. As obras de Warhol vendidas no ano passado somam US$ 367,4 milhões, deixando em segundo outro recordista dos leilões, Pablo Picasso, que arrecadou US$ 361,3 milhões. Em terceiro lugar no ranking vem o chinês Daqian Zhang, cuja comercialização das obras totalizou US$ 291,6 milhões. O contemporâneo e amigo de Warhol, Jean-Michel Basquiat, que liderou os dois anos anteriores, aparece em quarto lugar.

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Obra de Warhol em leilão na Christie’s em 2013

Ainda segundo a Artprice, houve um aumento de 13,16% no volume de negócios no ano passado em relação a 2012: foram US$ 12.051 milhões contra US$ 10.649 milhões. A China ratificou sua liderança como o país que mais comprou, com US$ 4.078 milhões, o que representa 34,92% do mercado global – houve um crescimento de 21,31% nos negócios realizados pelos chineses em relação a 2012. Em segundo lugar, aparecem os EUA.

Sobre a vida e a obra de Andy Warhol, a L&PM publica America (livro de fotos), Diários de Andy Warhol e a biografia do rei da pop art.

via estadao

Van Gogh e o mistério do cádmio

Ao terminar a tela “Flores em azul”, Vincent Van Gogh – como de costume – não protegeu a superfície da pintura com verniz. Isso só foi feito muitos anos depois de sua morte por um colecionador, na intenção de conservar melhor a obra. No entanto, o pequeno “desleixo” de Van Gogh somado à boa intenção do colecionador viraram um problema cheio de mistério…

Em 2009, notou-se que algumas das flores estavam ficando vermelho-acinzentadas. Sabia-se que o amarelo das flores vinha de um pigmento baseado em compostos químicos com o metal cádmio – só que o amarelo à base de cádmio pode até desbotar com o tempo, mas não mudaria de cor. Foi preciso submeter uma amostra diminuta da tinta afetada a potentes raios X gerados por aceleradores de partículas para desvendar o mistério: a culpa era do verniz.

Descobriu-se que reações químicas na camada de contato com o pigmento produziram oxalato de cádmio, o responsável pelos tons de vermelho e cinza. A saber: oxalatos são substâncias que se formam em outros pigmentos, mas nunca antes haviam sido detectados no material de cádmio.

O diagnóstico, porém, não prevê uma forma de reparo na obra, pois os átomos de cádmio no oxalato, vindos da tinta, estão entranhados no verniz, o que impede que este seja removido da tela. O processo implicaria alterar a camada original de pintura, o que ninguém se dispõe a fazer.

Só restou aos cientistas mapear a distribuição de cádmio na tela e ressuscitar de forma digital as flores flamejantes de Van Gogh. Eis o resultado:

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Para entender melhor a vida e a obra de Vincent Van Gogh, vem aí uma edição especial de Cartas a Théo seguido de Biografia de Vincent Van Gogh por sua cunhada, Cartas de Théo a Vincent e de Vincent a Émile Bernard, com lançamento previsto para o primeiro semestre de 2014.

via Folha