Só os tiras não dizem adeus…

Por Ivan Pinheiro Machado*

Quero relembrar um livro extraordinário, “O longo adeus” de Raymond Chandler, um clássico da chamada “literatura noir”, um gênero tradicionalmente americano e concebido por escritores admiráveis que acabaram colocando o romance policial – outrora considerado um subgênero – dentro da grande literatura. Philip Marlowe, o fascinante detetive de Chandler, figurou em oito romances como protagonista de tramas complicadas, numa época difícil, nos Estados Unidos em pleno período pós-recessão. Um país marcado por incertezas e por uma legião de losers andando pelas ruas em busca de um meio para sobreviver. Philip Marlowe, como o detetive Sam Spade, de Dashiell Hammett, é fruto desse país em crise, onde a construção da futura maior nação capitalista do mundo convivia com hordas de desempregados e aventureiros lutando pela vida. São homens da cidade, habituados a tensões e violência. Seus clientes seguidamente frequentam o mesmo círculo social, e sua atuação nada tem de “genial” no que diz respeito à sagacidade e à técnica investigativa. Marlowe é um cara durão. Aliás, essa tradução de tough guy é um achado dos primeiros tradutores de Chandler, Hammett e seus companheiros da literatura noir. E tornou-se comum a todos os romances, sendo quase uma marca registrada do gênero. Os “durões” aguentavam porrada, metiam-se em toda a sorte de confusões, mas, no fundo, eram uns sentimentais. O belo “O longo adeus” é um clássico sobre a amizade. A curiosa relação entre Marlowe e Terry Lennox, um homem enigmático, sempre envolvido em enrascadas. É um livro que trata também da solidão. Os personagens se aproximam, mas sempre se separam, se afastam. A imagem que fica é como um quadro de Edward Hopper; angústia, imobilidade e solidão. Philip Marlowe é um homem duro, mas sensível. Ele sabe que vai terminar sozinho. É dura a vida de detetive particular. É complicada a vida com as mulheres e os improváveis amigos sempre vão embora. Como está dito no final de “O longo adeus”, – sem dúvida a obra-prima de Chandlder – “só os tiras não dizem adeus”. Eles estão sempre no seu pé. Tiras não gostam de detetives particulares.

"Nighhawks" (Falcões da noite), de Edward Hopper

* Toda semana, a Série “Relembrando um grande livro” traz um texto assinado em que grandes livros são (re)lembrados. Livros imperdíveis e inesquecíveis.

Documentário de Flávio Tavares teve estreia no Festival do Rio

“O Dia que Durou 21 Anos” é o documentário escrito e dirigido pelo jornalista Flávio Tavares junto com seu filho, Camilo Tavares. Produzido em 2011, o trabalho foi realizado pela TV Brasil e aborda o papel dos Estados Unidos no golpe de 1964. Durante o processo de filmagem do documentário, Flávio precisou se distanciar de suas questões pessoais ao entrevistar ex-militares que participaram do golpe. No Cine Odeon, onde ocorreu a estreia, vaias foram direcionadas ao general Newton Cruz, ex-militar que compareceu ao evento. Veja o trailer de “O Dia que Durou 21 Anos”:

Flávio Tavares é autor do livro Memórias do esquecimento: os segredos dos porões da ditadura que, breve, será lançado na Coleção L&PM Pocket. Flávio Tavares também é autor de 1961: o golpe derrotado sobre o Movimento da Legalidade.

Nelson Rodrigues: Christian Grey “avant la lettre”

Por Ivan Pinheiro Machado

Segundo a revista Veja, 99,9% dos leitores de “Cinquenta tons de cinza” são mulheres. Portanto, estou entre os 0,1% dos homens que leram o livro. Porque eu li? Primeiro por dever profissional – meu trabalho é editar livros; segundo, por curiosidade. Desta esmagadora estatística que aponta quase 100% de leitura feminina, pode-se concluir que os homens não estão muito interessados em saber no que as mulheres estão pensando. E isto pode ser um problema… Nota-se que a mulherada está ávida por este livro, a ponto de estabelecer um recorde histórico no mercado editorial: “Cinquenta tons…” vendeu em seis semanas o que o mega bestseller “O Código da Vinci” vendeu em dois anos. Ou seja, nunca na história um livro vendeu tanto em tão pouco tempo. Não vou falar sobre os méritos literários, ou a falta deles. Longe de mim falar mal de uma obra que as mulheres – segundo todos os veículos de comunicação da terra – têm devorado ansiosamente em todos os quadrantes. Não sei o que a turma da burka acha disso, mas o fenômeno de vendas é planetário. Em poucas palavras, este mega bestseller consagra as frases célebres de Nelson Rodrigues escritas há mais de 50 anos: “Mulher gosta de apanhar” e “Dinheiro compra até amor verdadeiro”. Grosso modo (!), e vendo tudo com muito bom humor, esta é a síntese perfeita do livro “Cinquenta tons de cinza”. Christian Grey, o milionário pervertido e Anastassia, a virgem submissa, protagonizam a comprovação das teses rodriguianas, meio século depois. Eu acho que nós definitivamente não sabemos nada sobre o universo feminino. Somos seres anacrônicos que mandamos flores, dizemos gracinhas, fazemos galanteios… Christian Grey, o bilionário estúpido, tornou-se, com uma torrente de grosserias e muita palmada na bunda, o herói de (quase) todas as mulheres…

Duas grandes perdas no mundo das letras

O romancista mineiro Autran Dourado faleceu na manhã deste domingo, 30 de setembro, aos 86 anos. Autor, entre outros, de “Ópera dos Mortos”, “A Barca dos Homens”, “O Risco do Bordado” e “Uma Vida em Segredo”, teve uma literatura marcada por personagens angustiados. No ano 2000, Autran Dourado recebeu o Prêmio Camões, mais importante da literatura em língua portuguesa. Foi em 2000 também que o escritor lançou “Gaiola Aberta”, onde relatou suas memórias dos anos 50, época em que trabalhou como secretário de imprensa de Juscelino Kubitschek.

O mineiro Autran Dourado

Outra grande perda do mundo das letras é a morte do historiador britânico Eric Hobsbawm que faleceu de pneumonia nesta segunda-feira, 1º de outubro, aos 95 anos. Considerado um dos maiores historiadores do século XX, escreveu “A era das revoluções”, “A era do capital”, “A era dos impérios”, “Era dos extremos”, entre outras obras. Filiado ao Partido Comunista da Inglaterra desde 1936, continuou membro da legenda mesmo após o ataque das forças soviéticas à Hungria em 1956 e das reformas liberais de Praga em 1968, embora tenha criticado os dois eventos. O ex-líder do Partido Neil Kinnock chegou a chamar Hobsbawm de “meu marxista predileto”. Em 2003, o historiador esteve no Brasil participando da Flip, Festa Literária Internacional de Paraty.

O britânico Eric Hobsbawm

Luiz Cláudio Cunha fala sobre Operação Condor e a Comissão da Verdade

Do blog de Roldão Arruda, no Estadão.

Brasil entrou de cabeça na Operação Condor, diz jornalista

Com João Domingos/BRASÍLIA

Luiz Cláudio Cunha e o fotógrafo J.B. Scalco, na época da reportagem que revelou ações da Operação Condor (Foto Ricardo Chaves)

O repórter João Domingos, da sucursal do Estado em Brasília, conversou com o jornalista Luiz Cláudio Cunha sobre suas novas atividades na Comissão Nacional da Verdade. Ele vai participar de um grupo voltado exclusivamente para a investigação das ações do Brasil na Operação Condor – uma espécie de consórcio formado entre os governos militares do Cone Sul para perseguir opositores políticos. Cunha é o autor da reportagem publicada em novembro de 1978 pela revista VEJA que revelou o sequestro dos uruguaios Universindo Diaz e Lilian Celiberti, numa ação conjunta de policiais do Brasil e do Uruguai. Com a reportagem, Cunha venceu os prêmios Esso, Vladimir Herzog, Abril e Embratel e acabou com o segredo das ações conjuntas dos governos militares de seis países do Cone Sul no Brasil.

Por causa da reportagem, as vidas de Diaz e de Lilian foram poupadas. São os dois únicos casos conhecidos de pessoas sequestradas na Operação Condor que ficaram vivas. Diaz morreu no início deste mês de câncer.

Em 2008, quando o sequestro completou 30 anos, Luiz Cláudio Cunha lançou pela Editora L&PM o livro Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios. Segundo suas informações, o governo militar brasileiro foi um dos organizadores da Operação Condor e participou ativamente de suas operações, embora tenha negado sempre. “O Brasil sempre foi cínico quando se tratou dessa questão”, diz ele.

A seguir, os principais trechos da conversa, que já teve trechos publicados na edição impressa do Estado.

Como será sua atuação na Comissão da Verdade?
Fui convidado para ser consultor sobre as questões que envolvem a Operação Condor. Serei apenas uma peça a mais, uma espécie de porta de entrada para a comissão, pelo conhecimento que tenho, pelas pessoas que conheço. Posso agregar informações e trazer para a comissão, que tem um poder de fogo muito forte.

Qual é o poder de fogo da comissão?
Ela tem poderes legais de abrir todos os arquivos, sejam públicos ou secretos. Ninguém pode negar a ela nenhuma informação. Se algo é secreto, pode ser secreto para outros, não para a Comissão da Verdade.

Como será o exame desses arquivos?
Nós vamos fazer um roteiro de trabalho, ver as conexões do Brasil com os países do Cone Sul no caso da Operação Condor, verificar documentos do Arquivo Nacional, do Centro de Informações do Exército (CIE), do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), pedir informações a embaixadas. O fundamental é achar um foco.

Como foi a participação do Brasil na Operação Condor?
O Brasil sempre foi cínico quando se tratou dessa questão. Sempre procurou dizer que era um problema dos vizinhos Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai. Pelo que já se sabe, o Brasil entrou de cabeça na Operação Condor. Essa operação foi uma conexão transnacional, da qual o Brasil foi sócio fundador e militante. O Brasil tem que apurar essa coisa vergonhosa, relatar os nomes dos envolvidos.

Além do caso dos uruguaios Universindo Dias e Lilian Celiberti, que o senhor desvendou numa reportagem da revista VEJA, conhece mais algum caso?
Tem outro que deixa tudo muito claro. É o Caso Campiglia/Galeão. No dia 12 de março de 1980, os argentinos Horácio Campiglia e Mônica de Binstock foram presos ilegalmente no Aeroporto do Galeão. Eles eram militantes do grupo esquerdista Motoneros. O governo argentino mandou um Hércules C-130 pegá-los. Imagine se um avião desse porte desceria na Base Aérea do Galeão sem que as autoridades soubessem. Os dois foram levados para a Argentina, torturados e até hoje estão desaparecidos, conforme constatado por documentos da Embaixada dos Estados Unidos em Buenos Aires, revelados durante o governo de Bill Clinton.

Uma homenagem da L&PM no Dia do Tradutor

30 de setembro é o Dia do Tradutor e a L&PM não poderia deixar esta data passar em branco. Afinal, se não fossem eles, pouca gente teria lido Kerouac, Bukowski, Balzac, Dostoiévski, Tolstói, Galeano, Agatha Christie… já pensou? Ufa, ainda bem que existem os tradutores.

Assista à homenagem que preparamos para eles:

“Os Miseráveis”: um grande romance adaptado para os quadrinhos

Acaba de ser lançado Os Miseráveis de Victor Hugo, décimo volume da coleção “Clássicos da Literatura em Quadrinhos”, uma série inteiramente apoiada pela UNESCO, o que por si só já garante a excelência do projeto. A exemplo dos outros títulos da coleção, “Os miseráveis” é um magnífico volume a cores, com 114 páginas, capa dura, com a adaptação da história por Daniel Bardet, e magnificamente desenhado por Bernard Capo. No final do volume há um “dossier” com detalhes da biografia de Victor Hugo, sua época e um detalhado estudo sobre este que é um dos romances mais célebres da literatura universal.

Os Miseráveis é um romance grandioso. Narrando fatos que se estendem da derrota francesa em Waterloo, em 1815, aos levantes antimonarquistas de junho de 1832 em Paris, Victor Hugo ultrapassou as barreiras da ficção para criar uma obra que é, ao mesmo tempo, um drama romântico, uma epopéia, um documento histórico, um ensaio filosófico, um tratado de ética e um estudo sobre literatura e linguagem. Nada disso seria possível sem o fascínio exercido pelas reviravoltas de seu enredo e pelo carisma dos seus personagens. Como o protagonista Jean Valgean, um criminoso em busca da redenção. Ou a explorada e prostituída Fantine e sua filha Cosette. Ou ainda o pequeno Gavroche, filho de um lar desajustado que foge de casa para viver nas ruas. Unidos pelo idealismo e pelo gênio narrativo de Victor Hugo, esses excluídos e heróis improváveis fazem de Os Miseráveis um grito de liberdade que continua a ecoar até os dias de hoje.

Conheça os outros títulos da coleção “Clássicos da Literatura em Quadrinhos”:

A ilha do tesouro – R. L. Stevenson

A volta ao mundo em 80 dias – Julio Verne

Odisseia – Homero

Viagem ao centro da terra – Julio Verne

Guerra e Paz – Leon Tolstói

As mil e uma noites – anônimo

Robinson Crusoé – Daniel Defoe

Um conto de Natal – Charles Dickens

Dom Quixote – Cervantes

Leitura no metrô

Já parou pra pensar em quanto tempo você gasta por dia se locomovendo? Mas há quem aproveite esse tempo pra botar a leitura em dia: no metrô ou no ônibus, um livro pode ser uma ótima cia de viagem. Foi observando isso nos metrôs de Nova York que Ourit Ben-Haïm, uma jovem “contadora de histórias”, como ela mesma se define, resolveu compartilhar com o mundo os livros que as pessoas lêem no metrô, como uma espécie de “catálogo prático” de uma biblioteca, em que não aparecem só os livros, mas sim pessoas lendo.

No melhor estilo flaneur, ela observa a cena, tira uma foto e publica na página “Underground NY Public Library” criada no Facebook especialmente para isso. Na legenda das fotos, o título e o autor do livro que aparece nas mãos de um ou mais leitores anônimos. Kafka, Kerouac, Proust e Breat Easton Ellis são só alguns dos autores que apareceram pelos metrôs de Nova York nos últimos tempos:

"O processo", de Franz Kafka

"On the road" de Jack Kerouac

"No caminho de Swan" de Marcel Proust

"Psicopata americano" de Breat Easton Ellis

Visite a página para ver outras fotos -> https://www.facebook.com/UndergroundNYPL

Andy Warhol e a nobreza

Certa vez, Andy Warhol disse: “Quero ser tão famoso quanto a Rainha da Inglaterra”. E não deu outra: hoje ele é um dos artistas mais conhecidos do mundo e seus quadros são peças nobres em qualquer acervo de arte. Prova disso é que uma série de quatro retratos da Rainha Elizabeth criados por Warhol acabam de ser comprados pela coroa britânica e passarão a fazer parte da Royal Collection.

A técnica de serigrafia utilizada na criação dos quadros é a mesma que imortalizou o rosto colorido de Marilyn Monroe e Mao Tsé Tung, por exemplo, mas com um toque a mais: os retratos da Rainha Elizabeth foram polvilhados com finas partículas de vidro moído que brilham na luz como diamantes, digno da nobreza. A série “Reigning Queen”, da qual fazem parte os quatro retratos da Rainha Elizabeth, foi criada por Warhol em 1985 e inclui também serigrafias das rainhas Beatriz da Holanda, Margrethe da Dinamarca e Ntombi da Suazilândia (!).

As obras ficarão expostas ao público a partir de 23 de novembro, no Castelo de Windsor, juntamente com outros retratos da monarca produzidos por grandes artistas de todo o mundo.

“Dobradinha russa” no teatro em São Paulo

Depois de passar pelo festival Porto Alegre em Cena, um dos maiores do país, a peça “Eclipse” do Grupo Galpão chega a São Paulo no melhor estilo “dobradinha russa”, no mesmo fim de semana em que estreia o espetáculo “Pais e filhos”, uma adaptação da Mundana Companhia do livro homônimo de Ivan Turguêniev.

O mais curioso é que os dois espetáculos brasileiros têm na direção encenadores russos: “Eclipse” é baseada na obra de Anton Tchékhov e acontece sob a batuta de Jurij Alschitz e “Pais e filhos” tem direção de Adolf Shapiro – tanto Alschitz quanto Shapiro foram alunos do mestre Constantin Stanislávski, um dos maiores nomes da história do teatro mundial.

A atriz Inês Peixoto, do Grupo Galpão, em cena da peça "Eclipse"

Para os amantes da literatura russa, uma bela sugestão de programa para os próximos fins de semana 😉

“Eclipse” (baseado na obra de Tchékhov)
de 27/9 a 14/10 (de quinta a sábado, às 21h, e domingo, às 18h)
no Sesc Vila Mariana (r. Pelotas, 141; tel. 0/xx/11/5080-3000)
R$ 24
Classificaçao 12 anos

“Pais e Filhos” (uma adaptação do livro homônimo de Ivan Turguêniev)
de 29/9 a 11/11 (sextas e sábado, às 21h, e domingo às 19h)
no Sesc Pompeia (r. Clélia 93; tel. 0/xx/11/3871-7700)
R$ 20
Classificação 16 anos