Balzac e as balzaquianas

Balzac prestou às mulheres um serviço imenso, pois duplicou para elas idade do amor. Curou o amor do preconceito da mocidade…”. Georges Viacaire, crítico francês, referia-se a enorme repercussão que A mulher de 30 anos teve quando foi lançado. Duzentos anos depois, em dezenas de línguas, “balzaquiana” é o adjetivo que designa, como diz o respeitável dicionário Houaiss da língua portuguesa, “aquela que tem mais de 30 anos”. A maioria esmagadora das milhões de pessoas que empregam a expressão nem sonham que ela vem de um livro escrito por um certo Honoré de Balzac há 180 anos atrás. Existe maior glória para um escritor?

A mulher de 30 anos não está entre os melhores livros de Balzac. É irregular, foi escrito num período muito longo, entre dezenas de outros romances e concluído às pressas, numa verdadeira colagem de trechos esparsos. Mas mesmo assim possui grandes momentos que, por si só, justificam a fama de mais famoso de todos os cem livros escritos por Balzac.

A belíssima marquesa Julia d’Aiglemont é a famosa mulher de 30 anos. Infeliz no casamento, renasce numa paixão extraconjugal pelo jovem Carlos Vandenesse que… bem… leia o livro. Como degustação, para ilustrar este post, colocamos abaixo um fragmento deste romance que glorificou e eternizou as balzaquianas:
“A jovem conta apenas com sua coqueteria, e acredita ter dito tudo quando tirou o vestido(…) A mulher de trinta anos pode fazer-se jovem, representar todos os papéis, até tornar-se mais bela com uma infelicidade. A jovem sabe apenas gemer. Entre as duas há a incomensurável diferença entre o previsto e o imprevisto, a força e a fraqueza. Armada de um saber obtido quase sempre ao preço de infelicidades, a mulher de trinta anos ao entregar-se, parece dar mais do que ela mesma; ao passo que a jovem, ignorante e crédula, nada sabendo, nada pode comparar nem apreciar (…).” (Tradução de Paulo Neves)

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A escrita chinesa e a arte de desenhar ideias


Para nós, meros ocidentais prisioneiros da lógica, é quase impossível entender como os chineses conseguem escrever do jeito que escrevem. No lugar de letras, eles desenham símbolos. E o fazem com uma destreza impressionante que desafia a compreensão de quem aprendeu a ler a partir de “vovô viu a uva” como eu. A escrita chinesa não parte de um princípio sonoro, mas de traçados que contém em si a representação de um objeto ou de uma ação. Para escrever a palavra “casa”, por exemplo, basta um único ideograma (que lembra uma casinha, com telhado e tudo). Aliás, ideograma quer dizer exatamente isso: representação das ideias por meio de sinais. O que faz com que a leitura se torne dinâmica, muito mais rápida, pois o cérebro não precisa identificar as letras sonoramente para chegar a um significado. Sem contar a caligrafia chinesa, essa arte milenar que atravessou as gerações e permanece sendo louvada na atualidade. Prova disso são as inúmeras lojas que vendem pincéis especiais para calígrafos e oferecem quadros com grandes ideogramas para serem colocados na parede. Você consegue imaginar coisa igual com as nossas insossas letras?

Mas as letras romanas não são totalmente rejeitadas na China e, além de estarem presentes em muitas placas chinesas, elas causam fascínio nas crianças orientais. Tanto é assim que, num dos dias em que estive circulando pela Expo Shanghai, vários chinesinhos vieram correndo com cadernos abertos, pedindo para que eu – e os demais que estavam comigo – escrevêssemos nossos nomes neles. Na hora não tive a ideia (meu cérebro não funciona com a rapidez de um ideograma), de também pedir que elas escrevessem, ou melhor, desenhassem no meu caderninho. Seria uma lembrança e tanto…

No próximo post: livrarias de Shangai.

Leia os posts anteriores:
Enquanto isso, na China milenar, a Expo continua a mil
A Expo é um parque de diversões na cabeça
A Expo Shanghai, os chineses e o Brasil
Xangai é um barato

Esperando para colocar o pé na estrada

Se você acha que está demorando para sair do papel o projeto do Walter Salles para On the Road, saiba que o próprio Kerouac esperou por anos que seu principal livro fosse parar nas telas do cinema. E já tinha até eleito o seu diretor: Marlon Brando.

Começou a circular agora há pouco na internet a carta que a gente reproduz mais abaixo, que teria sido escrita pelo próprio Kerouac. No texto, ele diz que espera que Marlon Brando compre os direitos da história e que entenderia as adaptações necessárias para que o filme pudesse ser realizado.

Abaixo está a transcrição do texto, que tiramos daqui. (via @marcelo_orozco)

Jack Kerouac
14182 Clouser St
Orlando, Fla

Dear Marlon

I’m praying that you’ll buy ON THE ROAD and make a movie of it. Don’t worry about the structure, I know to compress and re-arrange the plot a bit to give perfectly acceptable movie-type structure: making it into one all-inclusive trip instead of the several voyages coast-to-coast in the book, one vast round trip from New York to Denver to Frisco to Mexico to New Orleans to New York again. I visualise the beautiful shots could be made with the camera on the front seat of the car showing the road (day and night) unwinding into the windshield, as Sal and Dean yak. I wanted you to play the part because Dean (as you know) is no dopey hotrodder but a real intelligent (in fact Jesuit) Irishman. You play Dean and I’ll play Sal (Warner Bros. mentioned I play Sal) and I’ll show you how Dean acts in real life, you couldn’t possibly imagine it without seeing a good imitation. Fact, we can go visit him in Frisco, or have him come down to L.A. still a real frantic cat but nowadays settled down with his final wife saying the Lord’s Prayer with his kiddies at night…as you’ll seen when you read the play BEAT GENERATION. All I want out of this is to able to establish myself and my mother a trust fund for life, so I can really go roaming around the world writing about Japan, India, France etc. …I want to be free to write what comes out of my head & free to feed my buddies when they’re hungry & not worry about my mother.

Incidentally, my next novel is THE SUBTERRANEANS coming out in N.Y. next March and is about a love affair between a white guy and a colored girl and very hep story. Some of the characters in it you know in the village (Stanley Gould etc.) It easily could be turned into a play, easier than ON THE ROAD.

What I wanta do is re-do the theater and the cinema in America, give it a spontaneous dash, remove pre-conceptions of “situation” and let people rave on as they do in real life. That’s what the play is: no plot in particular, no “meaning” in particular, just the way people are. Everything I write I do in the spirit where I imagine myself an Angel returned to the earth seeing it with sad eyes as it is. I know you approve of these ideas, & incidentally the new Frank Sinatra show is based on “spontaneous” too, which is the only way to come on anyway, whether in show business or life. The French movies of the 30’s are still far superior to ours because the French really let their actors come on and the writers didn’t quibble with some preconceived notion of how intelligent the movie audience is, the talked soul from soul and everybody understood at once. I want to make great French Movies in America, finally, when I’m rich…American Theater & Cinema at present is an outmoded Dinosaur that ain’t mutated along with the best in American Literature

If you really want to go ahead, make arrangements to see me in New York when you next come, or if you’re going to Florida here I am, but what we should do is talk about this because I prophesy that it’s going to be the beginning of something real great. I’m bored nowadays and I’m looking around for something to do in the void, anyway—writing novels is getting too easy, same with plays, I wrote the play in 24 hours.

Come on now Marlon, put up your dukes and write!

Sincerely, later,
Jack Kerouac

As lições de amor da turma do Charlie Brown

Hoje a dica não é para os casais. Mas sim para você, amiga, que está desesperada para não passar o dia 12 sozinha. A gente sabe, você já fez promessa para todos os santos, já assediou todos os contatos do msn, Facebook, Orkut. Toda a sua timeline no Twitter sabe que você está solteira. E o único cara que ainda não te deu o fora é o Schroeder – ops, aquele menino quieto, quase autista, que era seu colega na terceira série?

Pois é… vale quase tudo para não ficar sozinha. Agora, se fizer como a Lucy, não tem jeito, até sua última esperança se esvairá. Tenha modos e umas aulas com a turma do Charlie Brown (clique nos quadrinhos para aumentar a imagem).

Ajuda de deuses e filósofos para o dia dos namorados

Para quem está sem inspiração para preparar um belo dia dos namorados, a gente dá uma forcinha. Até o dia 12 (mas não necessariamente todos os dias, porque mordomia tem limites) a gente dá dicas para você surpreender o seu/sua amado.

E começamos do princípio: com os gregos. Uma das mais belas metáforas do amor está em O banquete, de Platão. Quando os filósofos se reúnem em uma janta e o debate sobre Eros é imposto, Aristófanes apresenta a origem dos seres humanos:

Para começar, a humanidade compreendia três sexos, não apenas dois, o masculino e o feminino, como agora. O andrógino era então, quanto à forma e quanto à designação, um gênero comum, composto do macho e da fêmea. (…) Terríveis na força e no vigor, extraordinários na arrogância, desafiaram os deuses. Escalar o céu, tentativa que Homero atribui a Efialtes e Oto, era projeto deles, hostis aos celestes. Zeus e os outros deuses, ao deliberarem sobre as medidas a serem tomadas, esbarraram num impasse. Se os extinguissem e fulminados os fizessem desaparecer como os gigantes, sumiriam as homenagens e os templos erigidos pelos homens. De outra parte, inconcebível seria tolerar a insolência. Ao cabo de cansativa deliberação, sentenciou Zeus: “Julgo ter encontrado um recurso para preservar os homens e, enfraquecendo-os, deter a insolência. Seccionarei agora cada um em dois para torná-los mais fracos e mais prestativos a nós, visto que serão mais numerosos. Andarão eretos, sustentados por duas pernas”.

(…)

Eros, que atrai um ao outro, está implantado nos homens desde então para restaurar a antiga natureza, faz de dois um só e alivia as dores da natureza humana. Cada um de nós é, portanto, a metade complementar de outro (um símbolo). Somos como uma das partes de um linguado cortado ao meio, dois formando um. Cada qual anda à procura de seu próprio complemento.

Claro que lá tem muito mais coisas – para todas as orientações sexuais, inclusive –, então, vai se preparando para chamar seu amor de a metade que Zeus separou.

Enquanto isso, na milenar China, a Expo continua a mil

No comunismo capitalista da China é assim: Twitter e Facebook são como pornografia, totalmente bloqueados para consumo do povo. Isso quer dizer que você jamais poderá passear pela Expo Shanghai 2010 tuitando sobre o que está vendo e gostando. Mas antes de contar sobre o mega pavilhão da China na Expo, vamos a um passeio pelos outros espaços. Primeiro, o Canadá. Os canadenses pedalaram tanto que, não resta dúvida, chegaram ao futuro antes de nós. O pavilhão do país começa com várias bicicletas fixas que, com a interação dos visitantes, movimentam enormes animações ao estilo de Moebius (não chequei se são dele). E ainda há um lago sonoro que muda de tom quando tocamos em suas águas. 

Visitantes fotografam pavilhão finlandês / Paula Taitelbaum

Já o pavilhão da Finlândia mais parece uma loja de decoração futurista, pois exala design por todos os poros. Em um vídeo que lembra o mundo de Pandora, de Avatar, robôs interagem com bolas de sabão ao ritmo de uma música hipnótica. Entre as atividades interativas, está o fato das pessoas poderem tirar “uma foto na Finlândia”, bastando para isso escolher um fundo no computador. A minha até agora não chegou… Mas falando em fotos, esse é um dos assuntos em destaque no pavilhão do Japão que, entre alguns robôs que limpam a casa e outros que tocam violino, está um grande merchandising da Canon e da Toyota. Um dos momentos mais impressionantes é quando a super câmera Canon, ao vivo, capta um detalhe do painel de parede e mostra no telão em alta definição, isso a muitos metros de distância. Mas o Japão não acerta todas e tropeça no seu último ato. No final das apresentações, há uma espécie de ópera de Pequim tão sonolenta, repetitiva e enfadonha que cheguei a pegar no sono. 

Cartaz com imagem do pavilhão chinês convida para a Expo / Reprodução

O pavilhão da Alemanha – cujas filas chegam a quatro horas – é um tanto quanto claustrofóbico. Uma verdadeira usina de calor com overdose de informação. Como tem elementos demais, interação demais e gente demais, fica quase insuportável circular pelos espaços. Parece ônibus na hora do rush. Mas no final – quando eu já me encontrava um tanto quanto irritada e louca pra ir embora – há um espetáculo bem impressionante com uma bola gigantesca que pende do teto e projeta luz e imagens mais fortes à medida que o público grita e aplaude. É a salvação da Alemanha no finalzinho do segundo tempo. 

E agora o gran finale: o espetáculo da anfitriã. O pavilhão da China, tão vermelho quanto à estrela de Mao, tem catorze andares, sendo que os dois últimos fechados ao público. Mas ainda sobram doze para o desfrute dos visitantes. A diversão começa nos andares mais altos, com a exibição de um filme que parece ser sobre Genghis Khan, mas que logo evolui para mostrar como a China – em especial Xangai – chegou onde chegou. É claro que, sendo um investimento (e põe investimento nisso) estatal, o “partido” está ali  representado por seus trabalhadores sempre dispostos a pegar junto, unir forças e fazer um “novo país”. Depois dessa exibição, quando não resta nenhuma dúvida de que a China vai mesmo dominar o mundo, começa a caminhada pelo resto do pavilhão.  Há metros e metros de paredes que projetam uma magnífica animação da China antiga. Há relíquias autênticas que exemplificam e contam a história do papel, da porcelana e da seda. Há, ainda, representações do interior das casas dos chineses ao longo das décadas. E há um disputado trenzinho que conduz a uma viagem que mais parece “A Fantástica Fábrica de Chocolate”. Tudo para expor que a China é, de fato, milenarmente moderna. O detalhe é que esqueceram de avisar a maioria dos chineses disso. Talvez quando conseguirem acessar a Internet sem censura eles descubram que podem ser tão modernos quanto as cidade. Por enquanto, ainda acho que o povo é um tanto quanto primitivo. Ou você acha que jogar bichos vivos dentro da sopa é uma evolução? Hoje meu almoço teve esse tipo de espetáculo. E eu ainda não me recuperei… Conto mais nos próximos posts. 

Leia os posts anteriores:
A Expo é um parque de diversões na cabeça
A Expo Shanghai, os chineses e o Brasil
Xangai é um barato

Dennis Hopper: morreu o rebelde sem causa

Diretor e ator, reconhecido por sua rebeldia, Dennis Hopper morreu no último sábado, aos 74 anos, em decorrência de câncer de próstata. Dirigiu oito filmes, dos quais se destacam o marco da contracultura Sem destino (Easy Rider), de 1969, e Colors – as cores da violência, de 1988, estrelado por Sean Penn e Robert Duvall. Contracenou com James Dean, de quem foi grande amigo, nos clássicos Juventude transviada (1955), de Nicholas Ray, e Assim caminha a humanidade (1956), de George Stevens. Dennis Hopper também atuou nos emblemáticos Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola, e Veludo azul (1986), dirigido por David Lynch.

Assista a um trecho do programa “Fishing With John”, onde o ator conversa com o músico John Lurie, e leia aqui o texto de Mario Bortolotto para a Folha (somente para assinantes).

“Eu confesso que fiquei abalado com a morte de Dennis Hopper. Às vezes eu estava vendo um filme aparentemente recente em que ele aparecia na TV e clicava naquele comando que mostra a sinopse do filme para ver em que ano rodou. No último que vi – nem lembro o nome – achei que ele estava OK. O Mario Bortolotto, em seu texto na Folha e S. Paulo, conclui que “nossos heróis estão morrendo…”. É verdade, os heróis também morrem. Aquela turma toda anda morrendo. Os caras que nos fascinam desde a nossa juventude. Eu lembro perfeitamente, nos meus vinte anos, do domingo ensolarado em que foi anunciada a morte de Picasso. Ele tinha 93 anos. Mas eu fiquei chocado. Que sacanagem é esta? Ele não era mágico? Ele não era super-homem? Ele não pintava três quadros por dia? Ele não era Picasso? Como Picasso podia morrer?
Este é o grande enigma da existência. Nossos heróis morrem. O velho e maravilhoso maluco Dennis Hopper morreu. Todo mundo morre. Até o Picasso morre.”  (Ivan Pinheiro Machado)

David Goodis: tão bom quanto Chandler e Hammett

Eddie experimentou os tapete macios do legendário Carneggie Hall. Seus dedos deslizaram sob as alvas teclas de um piano Steinway de 200 mil dólares. E após o último acorde da “Polonaise em lá bemol maior Opus 53”, ele foi aplaudido de pé.
Muita coisa aconteceu até ele chegar àquela espelunca onde tocava praticamente em troca de comida, num piano vagabundo, para gente pior ainda. A história de Eddie e seu irmão está contada no maravilhoso livro Atire no pianista (L&PM POCKET) de David Goodis.

Menos conhecido e incensado que Raymond Chandler e Dashiell Hammett, Goodis foi tão bom quanto eles no gênero que ficou consagrado como “policial noir”. Na verdade, o complemento “noir” foi criado para diferenciar do policial tradicional. Eram obras que iam além da trama policial, do “quem matou quem”. Livros com notável reflexão psicológica e estereótipos clássicos, como o “cara durão”, as mulheres fatais e cínicas , o detetive sentimental e cético que ganhava a vida por 25 dólares por dia, mais despesas. E sempre enfrentando problemas com os tiras. Quase que invariavelmente as tramas se passam nos anos 30, 40 e 50 na Califórnia, ou na Filadélfia, no caso de Goodis. Seja na época da Grande Depressão ou já no pós-guerra, os heróis (ou anti-heróis) dos escritores “noir” estavam sempre na contramão do “sonho americano”.

Os franceses adoram este gênero, tanto é que “noir” vem do francês “negro”. E François Truffaut filmou Atire no pianista, estrelado por Charles Aznavour (trailer abaixo). Tal foi o sucesso do filme que o livro mudou de nome; era Down There e tornou-se Shoot the piano player. Os outros livros do autor, A lua na sarjeta, A garota de Cassidy (que vendeu um milhão de cópias nos Estados Unidos) e Sexta-feira negra, todos publicados pela coleção POCKET, são verdadeiras obras-primas.

Goodis foi também roteirista em Hollywood, onde adaptou A Dama do Lago, de Raymond Chandler (trecho abaixo), entre muitos outros.

Além de Atire no pianista, outros de seus livros tiveram grande sucesso no cinema, como Lua na Sarjeta (La lune dans le caniveau) de Jean-Jacques Beinex, com Gerard Depardieu e Nastassja Kinski, e Dark Passage com Humphrey Bogart e Lauren Bacall. Dark Passage, por sinal, foi objeto de uma disputa judicial que se arrastou até após a morte de Goodis. Ele denunciou a United Artists e a rede de TV ABC por terem se apropriado da ideia do livro para criar o célebre seriado e o filme O Fugitivo (trecho abaixo). Em decisão histórica para o direito à propriedade intelectual, a Suprema Corte dos Estados Unidos deu ganho de causa a Goodis.

Depois de sua morte em 1957 num acidente mal explicado, sua obra caiu no esquecimento nos Estados Unidos. Só na década de 70 seus livros voltaram a fazer sucesso, mas na França, onde todos foram traduzidos e são reeditados até hoje. Para tentar recuperar o prestígio de Goodis junto aos americanos , em fevereiro desse ano foi lançado o documentário David Goodis… To a pulp (trailer abaixo) produzido e dirigido por Larry Withers, enteado do escritor.

A Expo é um parque de diversões da cabeça

Antes de discorrer novamente sobre a Expo Shangai 2010, uma descoberta: os chineses não são tão desrespeitosos no trânsito quanto eu achava que fossem. É que mesmo com o sinal verde aceso para pedestres, você pode ser atropelado por um veículo que vem dobrando a esquina, já que aqui na China o vermelho só vale para fazer parar os carros que seguem reto ou fazem conversão à esquerda. Os que dobram à direita tem sempre passe livre e não querem nem saber se tem faixa de segurança. Ou seja, o que eu achei que era uma infração, é apenas um perigo iminente. E agora as considerações sobre a Expo. Essas bem mais positivas e animadoras do que as do post passado. Acho que não cheguei a dizer o quão impressionante é a feira e tudo o que é possível ver por lá. Então digo agora. A Expo Shanghai 2010 é, como diria Ferlinghetti na tradução de um livro publicado pela L&PM há anos atrás: um parque de diversões da cabeça.

Tirando a decepção que tive com o pavilhão brasileiro, os outros me impressionaram bastante. O da Colômbia também era bem modesto, mas pelo menos tinha colombianos simpáticos e café de alta qualidade. O do México (foto ao lado) era um lindo museu interativo, com obras verdadeiras que vão de esculturas pré-colombianas a instalações que sobem pelas paredes, passando por uma pintura de Frida Khalo. Pra completar, uma loja maravilhosa com belíssimas peças de artesanato e um restaurante mexicano com taco, burritos e guaca mole. No pavilhão dos Estados Unidos, confesso, chorei vendo o vídeo de abertura. A ideia norte-americana era muito simples: três filmes em espaços diferentes, exibidos em supertelões. Todos mega produzidos, claro. O primeiro era uma espécie de making off em que diferentes americanos tentavam dizer “Nihao” – que em Chinês significa algo como “Olá, tudo bem?” – e mais outras coisas amigáveis. Depois, as portas se abriam e começava outro filme com crianças falando sobre suas soluções e invenções para um futuro melhor – e que terminava com o presidente Obama em big close dizendo “We are waiting for you in America”. Vamos combinar que ele não quer de verdade receber um bilhão e quatrocentos milhões de chineses em casa, mas ok. Por último, um vídeo que era super piegas e com o roteiro bem fraquinho, mas que teve o mérito de, literalmente, fazer chover: quando a chuva começa a cair no filme, um chuvisco acompanhado de raios, trovões e vento forte atinge a platéia. Hollywood pouca é bobagem…

O pavilhão da Itália, com vários andares, tem projeto de design de Peter Greenaway (não me perguntem porque eles chamaram um inglês, mas ele arrasou) e é o mundo maravilhoso das formas. Um espaço estupendo, exageradamente delicioso de se ver. Todas as épocas, todas as cores, todas as áreas do design estão lá em um prédio que sozinho já é um espanto de tão envolvente. No post anterior já mostrei algumas fotos do local e nesse há uma silhueta minha posando de Monalisa. Ou quase…

No próximo post falo um pouco mais sobre a Expo. E depois juro que encerro o assunto e começo a contar outras coisas. Ainda vou falar das livrarias de Xangai, de templos budistas, de feiras de quinquilharias e até do Carrefour daqui que, urgh, vende sapos e tartarugas vivas pras pessoas cozinharem em casa.

Ouro e prazer

Por Ivan Pinheiro Machado

Balzac tinha a pretensão de ir muito além da literatura com a sua “Comédia Humana”.
Segundo ele, seus livros na realidade eram “tratados de costumes” que facilitariam a vida dos historiadores do futuro na “compreensão do século XIX”. E ele retratou com a precisão de um sociólogo a Paris dos tempos da Restauração. E com isso realizou um verdadeiro mergulho na alma humana. Dizia que, no fundo, Paris se movia por uma busca desenfreada por “ouro e prazer”; “a luta de todos contra todos sob a amável hipocrisia dos salões, o choque feroz de instintos insaciáveis”.

Era uma sociedade transformada inexoravelmente pela revolução de 1789. Em 30 anos vivera uma revolução sangrenta, uma república, um império e a restauração de uma monarquia saudosista e ineficiente. Era um novo mundo. Uma classe média ascendente e uma burguesia definitivamente influente transitavam entre velhos aristocratas falidos e novos-ricos em busca de nobreza. Esta tensão se transportava para o Bois de Bologna, as Tulherias, o hipódromo, a ópera, os salões majestosos dos palacetes de Saint-Germain de Près. Uma Paris deslumbrante, onde “dândis” impecavelmente cafajestes contracenavam com condessas de pele alva e olhos mediterrâneos.

Balzac foi o cronista desta sociedade em transe. Descreveu as paixões desenfreadas, os brutais jogos de interesses e “a busca de ouro e prazer”. Ilusões que nasciam e se perdiam num mundo contraditório, que redundava em fortuna para poucos e sofrimento e frustrações para quase todos. Assim pensava Honoré de Balzac.

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