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Allen Ginsberg e seu bairro

Allen Ginsberg morreu em 5 de abril de 1997. Dois dias depois, o The New York Times publicou um texto, escrito por Frank Bruni, que mostra a  relação do autor de Uivo com seu bairro. Reproduzimos aqui (em uma livre tradução) alguns trechos desse texto.

A última foto que Ginsberg tirou, de dentro do seu apartamento, no dia 1 de abril de 1997

A última foto que Ginsberg tirou, de dentro do seu apartamento, no dia 1 de abril de 1997

Nos últimos anos, Allen Ginsberg embaralhou-se por restaurantes, livrarias e lavanderias à seco, em torno de seu loft na East 13th Street, próximo à First Avenue. Ele foi em muitos aspectos uma figura normal, um velho e barbudo homem em sua marcha descontraída, de óculos, parecendo tão familiar.

Mas para os que conseguiam colocar um nome naquele rosto, Mr. Ginsberg era maior do que a vida, uma ponte que retrocedia à história ilustre de um lugar que ele, como se fosse uma pessoa qualquer, havia ajudado a colocar no mapa cultural.

Na verdade,  Mr. Ginsberg recebeu atenção do mundo inteiro, mas sempre foi um ícone e uma criatura de “downtown Manhattan”, com sua visão de mundo forjada numa mistura de paixões políticas e sexuais, com suas excentricidades nutridas por aqueles que circulavam num submundo peculiar, sua individualidade confundida entre o mito e o boêmio de East Village, onde ele fez sua casa.   

“Ele encarnava o East Village e o Lower East Side”, disse ontem Bill Morgan, amigo e arquivista de Mr. Ginsberg. “Isso o afetou, assim como ele afetou o lugar. Ele era um pararraios para o ativismo político e para as questões sociais que eram jogadas aqui”.

Mr. Ginsberg morreu de câncer no fígado na madrugada de sábado em seu apartamento, com 70 anos. Ele viveu nesse lugar por cerca de seis meses, mas tinha passado quase duas décadas em um apartamento há menos de um quarteirão de distância, na East 12th Street, também perto da First Avenue. (…)

Downtown Manhattan jamais teria evoluido dessa maneira sem Allen Ginsberg. Entre 1980 e 1990, Mr. Ginsberg permaneceu ativo e altivo em torno do bairro e de outros lugares da cidade, embora menos extravagante. Frequentemente, ele realizava leituras de poesias e no último ano, no Knitting Factory, ele recitou toda a sua obra por mais de 10 noites seguidas. Ele tentou cultivar jovens poetas, deu aulas na faculdade do Brooklyn durante os últimos 10 anos e apoiou ativamente o projeto de poesia da Igreja de St. Mark´s, na East 10th Street. Dois meses atrás, ele participou de um comício em apoio aos ocupantes de um prédio na East 13th Street. Ao longo do tempo, de alguma forma, o bairro passou por Mr. Ginsberg. Apesar de não ter perdido suas preciosas qualidades de poliglota e pansexual, o lugar tornou-se menos anárquico, mais luxuoso, um alvo para a “enobrecimento urbano” e um imã para uma nova geração de “sibaritas”, muitos dos quais não partilham da consciência política radical de Ginsberg e nem ao menos têm consciência de seu trabalho.  

“Os jovens que se mudaram para este bairro há dois anos não sabem o que Ginsberg significou para ele”, disse ontem Peter Orlovsky, companheiro de Mr. Ginsberg por quatro décadas. Isso pode explicar porque não houve nenhuma manifestação de grande dor por sua perda por aqui, apenas emoções esparsas de pessoas que sentiram, por motivos que talvez nem consigam explicar, que deveriam fazer algo para homenagear a passagem desse homem.  Mitch Corber, 47, que foi para os degraus da Igreja St. Mark’s para recitar um poema que ele escreveu em homenagem a Ginsberg, lembrou que ele não era apenas um artista, mas um ativista que lutou pela liberdade e aceitação dos homossexuais. Mas Sonia Allin, 24, que também gravitava em torno da St. Mark´s, foi menos clara sobre o porquê dela estar lá. “Eu o vi algumas vezes pelo bairro”, disse a Srta. Allin sobre Ginsberg. “Ele ficou muito chateado comigo quando eu lhe disse que sua poesia não falava para minha geração porque estava excessivamente enraizada nos anos 60.” Ah Chong Lan, uma garçonete do Noodle Mee´s Shop e Grill, na First Avenue, o restaurante chinês favorito de Mr. Ginsberg, lembrou que ele era bastante simples e falava de forma bem leve. Claro, ela sabia que ele era alguém importante, um artista. Isso ela poderia dizer a partir de conversas que ouviu e de como os outros, às vezes, apontavam para ele quando entrava. Mas a Srta. Chong disse que ele era, principalmente, um homem sem frescuras, que desejava e confiava no linguado feito no vapor com molho de gengibre. “Quando ele entrava”, ela disse, “nós sabíamos o que ele queria.”  

Allen Ginsberg no bairro que escolheu como seu

Allen Ginsberg no bairro que escolheu como seu

A mesa de trabalho do poeta beat como ele a deixou. Entre os objetos e livros, uma coletânea de poemas de seu pai, Louis Ginsberg

A mesa de trabalho do poeta beat como ele a deixou. Entre os objetos e livros, uma coletânea de poemas de seu pai, Louis Ginsberg

Esse elenco é fera

A Disney revelou novas imagens do filme Mogli – O Menino Lobo (cujo título original preserva o nome do livro de Rudyard Kipling no qual é baseado: The Jungle Book). As fotos mostram o elenco de dubladores posando com os animais que eles dublam. Pena que faltou Bill Murray ao lado do urso Baloo.

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Lupita Nyong’o é a doce mãe loba Raksha

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Idris Elba é o temido tigre Shere Khan

Kaa

Scarlett Johansson é a estonteante serpente Kaa

Bagheera

Ben Kingsley é a protetora pantera Bagheera

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Christopher Walken é o Rei Louie

Akela

Giancarlo Esposito é o líder dos lobos, Akela

O novo filme da Disney, que é fielmente baseado no clássico livro de Rudyard Kipling, será uma mistura de animação com live-action. O estreante Neel Sethi viverá Mogli; aliás ele é o único ator de verdade do elenco (imagina tadinho do menino, que solitário no set).

No Brasil, Marcos Palmeira dubla o urso Baloo, Dan Stulbach é Bagheera, Julia Lemertz dá vida à Raksha, a serpente Kaa ganha a voz de Alinne Moraes, Shere Khan é Thiago Lacerda e o Rei Louie é Tiago Abravanel.

A L&PM publica O livro da selva, de Kipling, em dois formatos e com nova capa.

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Nikolai Gogol, o escritor que deu origem à moderna literatura russa

No ministério de… Não, é melhor não dizer seu nome. Ninguém é mais suscetível do que funcionários, empregados de repartições e gente da esfera pública. Nos dias que correm, todo sujeito acredita que, se nós atingimos a sua pessoa, toda a sociedade foi ofendida.

Não, o trecho acima não faz parte de alguma crônica recente publicada no jornal mais próximo. Ele foi escrito em 1842 e dá início a O Capote, conto de Nikolai Gogol. “Todos nós viemos de O Capote” proclamou Dostoiévski referindo-se ao mais célebre texto de Gogol e dando força à teoria de que foi a partir dele que a literatura moderna russa surgiu. A história de Akaki Akakiévitch, personagem de O Capote, seria trágica, não fosse cômica. Sua narrativa traz o burocrata em sua forma mais pura, sendo que a maior ambição de Akaki é comprar um capote novo.

Gogol

Nascido em 01 de abril de 1809 (20 de março pelo calendário Juliano), o ucraniano Nikolai Gogol criou textos que orbitam entre o fantástico e o real e deu vida a personagens que perdem tudo – o nariz, a razão, o sentido, o juízo, a identidade – e que parecem flertar, ao mesmo tempo, com Deus e o diabo. Criado sob forte influência religiosa e muito ligado à mãe, Gogol jamais teve um amor na vida, conforme atestam seus biógrafos.

Mas se Gogol foi incapaz de amar, ele conseguiu despertar em muitos leitores, paixões nunca antes experimentadas. Seu estilo, seu jogo de palavras, seu ritmo e sonoridade, permanecem tão fascinantes e modernos quanto na época em que vieram ao mundo.

“O Capote” está na Coleção L&PM Pocket

Mas assim como outros artistas brilhantes, Gogol foi uma alma perturbada. No início de fevereiro de 1852, num momento de delírio, queimou na lareira de seu quarto todos os seus manuscritos inéditos – incluindo o fim da segunda parte de Almas Mortas, o romance que estava escrevendo. Almas Mortas é uma belíssima e irônica ficção sobre a corrupção de uma classe decadente que domina o povo ignorante e escravo do Estado. Mas essa obra nunca chegou a ser concluída.

Em 4 de março de 1852 (21 de fevereiro pelo calendário Juliano), deprimido e fatigado pelos jejuns, Nikolau Vasilievich Gogol morreu em Moscou. Seu corpo embalsamado seguiu insepulto por mais de um dia, carregado pelos estudantes que lhe ofereceram homenagens acaloradas. Está enterrado no Cemitério Novodevichy.

Os bolos de aniversário de Van Gogh!

Vincent Van Gogh nasceu em 30 de março de 1853. Isso quer dizer que hoje é seu aniversário de 163 anos! Para comemorar, separamos aqui alguns bolos inspirados em sua obra (ou tentativas, vá lá…). O resultado é meio bizarro, já que como Van Gogh, só Van Gogh mesmo.

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Torre Van Gogh

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Noite estrelada de outono?

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Os Girassóis mais para bolo de noiva do que bolo de aniversário

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Mais uma torre querendo chegar no céu de Van Gogh

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Van Gogh Frozen? Como assim???

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Autorretrato na versão bolo caseiro

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Esse cupcake até que parece fofinho

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Hein? Como assim? Van Gogh em bolo de Halloween?

“Café Society”: o novo filme de Woody Allen

Woody Allen vai abrir a 69ª edição do Festival de Cinema de Cannes em 11 de maio. Mas seu novo filme, Café Society, não fará parte da competição principal.

Kristen Stewart (a eterna Bella Swan) e Jesse Eisenberg (o eterno Mark Zuckerberg) estão nos papéis principais. “Café Society” mais uma vez leva os fãs de Allen a viajarem no tempo, dessa vez até a Hollywood dos anos 1930. O personagem de Jesse tenta se inserir na indústria do cinema e acaba mergulhado na efervescência boêmia e cultural do Café Society. Kristen e Eisenberg já haviam dividido os sets em 2009, na comédia “Férias frustradas de verão”, dirigida por Gret Mottola (“Superbad: É hoje”). Também não é a primeira vez em que Eisenberg trabalha com Woody Allen, já que ele participou de “Para Roma, com amor” (2012).

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Woddy Allen dirige Kristen Stewart e Jesse Eisenberg em Café Society

A L&PM publica quatro livros de Woody Allen. 🙂

30 anos de saudades de Josué Guimarães

Em 23 de março de 2016, completaram-se 30 anos da morte de Josué Guimarães.

Seu nome está estreitamente ligado à L&PM, pois foi um dos primeiros grandes autores brasileiros a aderir ao nosso projeto. Isto lá nos idos de 1976, dois anos depois da fundação da editora. Antes de ter sido um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, autor de uma obra sólida, emocionante e de altíssima qualidade literária, Josué foi um homem de bem, um amigo solidário, alguém que dedicou o melhor de si mesmo para um projeto humanista de sociedade. Era generoso e combativo. Sua fé na liberdade e na democracia, valeu-lhe uma dura perseguição por parte da ditadura militar de 1964 e o exílio em Portugal.

Passados três décadas, eu ainda posso vê-lo, bem humorado, com o seu ar maroto e amigo, elegante como sempre, numa gravata preta a olhar-me do retrato pendurado na parede em minha sala. E fico pensando: será que não se fazem mais homens íntegros, coerentes até quase a insanidade, como Josué? Rejeitado por uma elite cultural no seu tempo (que torcia o nariz porque Josué ganhava a vida como jornalista), sua obra sobreviveu intacta, verdadeiros clássicos que são reeditados permanentemente.

Josué Guimarães na sala do editor Ivan Pinheiro Machado

Grande amigo, conselheiro, um ótimo papo. Sempre alegre – ou fingindo estar ok, quando não estava – ele tinha permanentemente na ponta da língua uma palavra de estímulo, de carinho. Deixou-nos precocemente, no auge de sua carreira como escritor, aos 65 anos. Recém publicara a pequeno e emocionante novela “Garibaldi & Manoela – uma história de amor” e tinha mais quatro romances desenhados na sua cabeça. Josué contava as suas obras futuras para os seus amigos até a exaustão. Quando ele achava que a história estava “fechadinha”, como ele dizia, sentava-se na máquina e escrevia de um fôlego só. Sem emendas.

Foram os originais mais limpos que eu conheci em décadas como editor. Deixou “contados” quatro romances, “A morte da primeira dama”, que seria a história de uma telefonista (no tempo das telefonistas) de uma cidade do interior que exercia um enorme poder, pois escutava as conversas, “Uma fresta na janela” que seria a história – também numa cidade do interior – de uma mulher que observava tudo o que se passava na cidade, “A Ferro e Fogo, vol. 3” que se chamaria “Tempo de Angústia” (os volumes anteriores chamaram-se “Tempo de Solidão” e “Tempo de Guerra”) e finalmente “Brava Gente” uma novela-saga atemporal, em que um homem percorreria toda a história do Brasil – um romance entre o histórico e o fantástico. Peço ao leitor o benefício da dúvida na descrição destes livros que jamais sairão, pois afinal se passaram 30 anos… Saudades do Josué Guimarães. (Ivan Pinheiro Machado)

Livros vs Ovos de Páscoa

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Ainda não comprou os ovos de Páscoa? Então pense bem: quem sabe, este ano, pra variar, você não troca o chocolate pelos livros? Não tem certeza? Então dá uma olhada nos doze motivos abaixo. Eles já foram listados aqui no blog uma vez, mas achamos que nunca é demais repetir:

1. Enquanto, ao ser levado na bolsa, o chocolate do ovo de Páscoa tem grande chance de derreter, escapar do papel e melecar tudo, um livro pode ficar ali quanto tempo você quiser. De preferência, até o dia que de você termine de lê-lo, é claro.

2. Um ovo de Páscoa de 300g tem em média 1.600 calorias (alguns até mais)! Em contrapartida, segundo uma pesquisa da cadeia de livrarias britânica Borders, livros de ação fazem a gente gastar duas calorias por minuto, pois suas histórias levam o corpo a produzir mais adrenalina. Agatha Christie e Conan Doyle são, portanto, emagrecedores!

3. O ovo de Páscoa pode durar de alguns minutos a semanas, enquanto o livro vai durar até a próxima Páscoa. Ou melhor: pode ficar com você por toda vida. Quem sabe até passar pra seus filhos, seu netos, bisnetos…

4. Um ovo de Páscoa pode ser dividido (apesar de muita gente preferir comer tudo sozinho), mas compartilhar um livro é espalhar conhecimento e emoção…

5. Livros, apesar de serem feitos de papel, podem ser considerados mais ecológicos, pois não produzem lixo. Já os ovos são embalados em papel alumínio e papel celofane, vem com fita, adesivo, embalagem do recheio…

6. Você já ouviu falar de alguém que tenha alergia ou intolerância a livros?

7. Enquanto os ovos de chocolate têm apenas opções do tipo “ao leite”, “meio amargo”, “amargo”, “branco” e “com flocos”, livros oferecem uma gama enorme de gêneros que vão dos romances aos quadrinhos.

8. Em caso de compras de última hora, ao optar por livros, você não vai precisar entrar em fila, ficar com os “restos” ou brigar com aquela senhora que insiste que o último ovo da Barbie é dela e não seu.

9. Livros vêm com mais surpresas do que um ovo de Páscoa. Pode ter certeza.

10. O livro pode ir junto pra cama e, mesmo no caso do sono se abater sobre você, ele não vai sujar o seu lençol. Ah, você também não precisa escovar os dentes depois.

11. Livros em excesso não fazem mal à saúde. Muito pelo contrário. Já os ovos…

12. Os livros da Coleção L&PM POCKET custam mais barato do que a maioria dos ovos de Páscoa.

Se mesmo com tudo isso, você ainda insistir nos ovos, a gente entende, afinal, eles são o símbolo da Páscoa. Mas quem sabe você também não coloca um livro no ninho?

Uma luz sobre Goethe

Johann Wolfgang von Goethe foi o mais notável poeta da Alemanha e um dos maiores gênios de toda a literatura. Juntamos aqui algumas curiosidades sobre sua vida.

Goethe teve vida longa?
Longuíssima para os padrões da época. Goethe faleceu aos 82 anos em 22 de março de 1832 na cidade de Weimar. Ele estava sentado na poltrona, ao lado de sua cama e, respirando com dificuldade, fez um sinal para que seu criado se aproximasse e então falou: “Abra a janela do quarto, para que entre mais luz.” Foram as últimas palavras de Goethe.  

Goethe in the Roman Campagna, Johann Heinrich Tischbein, 1787

Goethe in the Roman Campagna, Johann Heinrich Tischbein, 1787

Goethe foi uma celebridade?
Praticamente um pop star. Dizem que Napoleão leu seu livro, Os sofrimentos do jovem Werther, sete vezes e o carregava consigo em sua Biblioteca de Campanha. Quando o escritor e o imperador se encontraram, em 2 de outubro de 1808, Napoleão o louvou, afirmando “Eis um homem”, ao que Goethe, descontente pela invasão francesa na Alemanha teria respondido laconicamente. Ao final do encontro, Napoleão convidou-o para visitá-lo em Paris, mas o encontro jamais aconteceu.

 O encontro de Goethe e Napoleão - Desenho de 1828, feito por Jahrgang Angsburg, "Goethe e Napoleão I", gravura feita a partir do desenho de Eugène Ernest Hillemacher


O encontro de Goethe e Napoleão – Desenho de 1828, feito por Jahrgang Angsburg, “Goethe e Napoleão I”, gravura feita a partir do desenho de Eugène Ernest Hillemacher

Goethe escrevia em pé?
É o que dizem. O escritor acreditava que a posição vertical favorecia o processo de escrita, canalizando a energia criativa, de modo que ela fluísse sem obstáculos do corpo para o papel. Mas para facilitar as coisas, ele possuía uma escrivaninha alta e devia apoiar-se ali de vez em quando.

Goethe influenciou jovens suicidas?
Talvez, mas não dá pra colocar a culpa disso no coitado. Como no final de Os sofrimentos do jovem Werther, o personagem principal suicida-se e torna-se o protótipo do herói romântico, há rumores de que essa obrade sucesso tenha sido responsável pelo suicídio de diversas jovens que o leram.

Goethe era um mulherengo?
Talvez até sofresse do mal de Douglas, vai saber… Fato é que se apaixonou por muitas durante a vida. Entre as mulheres que amou estão Anna Katharina (a filha de um comerciante), Frederica (filha de um pastor), Charlotte (a noiva de um colega que foi a inspiração para Os sofrimentos do jovem Werther), Lili (viúva de um banqueiro), Clarinde (a amante que acabou suicidando-se), Christiane Vulpius (de origem humilde, a única com quem se casou e mãe de seu filho August), Mariana (a mulher de um amigo) e Ulrique (uma jovem de 18 anos). Goethe declarou que as mulheres eram indispensáveis, energizadoras do corpo, e civilizadoras do espírito do homem, e fonte de sua vida criativa.

"Goethe e Charlotte", pintura do século XVIII, autor desconhecido

“Goethe e Charlotte”, pintura do século XVIII, autor desconhecido

Goethe frequentava a casa da mãe Joana?
Na verdade, de Johanna, mãe de Arthur Schopenhauer. Como Goethe viveu durante anos com Christiane Vulpius sem casar-se com ela (o escritor a apresentava como sua governanta), uma das poucas casas que aceitavam receber o casal de amancebados em Weimar era a de frau Schopenhauer, uma romancista bem sucedida que, depois de se tornar viúva, adotou o amor livre e criou um salão para a boemia da cidade. Seu filho não aprovava a vida da mãe, mas nas poucas vezes em que visitou o local, conheceu e ficou amigo de Goethe.

Goethe era a fim de um ménage à trois?
Olha… Em 1775, ele escreveu Stella, a história de um homem, Fernando, que encontra um modo de conciliação entre sua mulher Cecília e sua amante Stella: viverem juntos, num casamento a três. A peça provocou protestos e Goethe acabou sendo obrigado a mudar seu roteiro, promovendo o suicídio de dois personagens da trama. Ainda bem que os tempos mudaram…

Goethe seguia alguma seita?
Não era bem uma seita. Ele foi membro da sociedade secreta Illuminati, a qual, a partir de 1780, ficou conhecida como “Maçonaria Iluminada”. Essa sociedade alcançou grande prestígio em meio às elites europeias, mas foi extinta pelo governo da Bavária que, em 1787, instituiu pena de morte para os membros que desobedecessem.

“Os Sertões” para ler e ser visto

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Façamos um exercício imaginativo, antes de iniciar a leitura deste clássico. No ano de 2015, um líder camponês emerge do interior do país, dos sertões (isto é, daquela ampla região do Brasil rural que pode ser definida em oposição ao litoral e longe das grandes cidades), e consegue fundar uma pequena comunidade que se recusa a obedecer às regras da República. Neste pequeno povoado imaginário, não se paga imposto, não há democracia, e todo poder emana da figura desse líder hipotético, que estipula regras moralmente muito rígidas – é proibido consumir bebidas alcoólicas, é proibido faltar aos cultos religiosos, homens e mulheres, para o bem da decência, não frequentam o mesmo espaço etc. – e prega à comunidade todas as noites, fazendo profecias revolucionárias e associando a República aos poderes do diabo. Como você acha que o governo federal reagiria a tal conjunto de dados, mesmo que não fossem estritamente verdadeiros? Agora imagine que um jornalista fervorosamente republicano, culto, com amplo domínio de diversas áreas do conhecimento humano, de um jornal do centro do país, digamos, de São Paulo, seja deslocado para cobrir in loco essa estranha revolta sertaneja…

Se nos acompanhou nessa pequena jogada de imaginação, o leitor conseguiu divisar boa parte dos fatores que envolve a escritura de Os Sertões, este caso raríssimo das letras não só brasileiras, mas americanas, misto de reportagem de guerra, ensaio documental e libelo político lançado em 1902.

O texto acima é o início da Apresentação de Os Sertões, livro de Euclides da Cunha que acaba de ser lançado na Coleção L&PM Pocket. Esta Apresentação, de 15 páginas, foi escrita em conjunto pelos doutores em Literatura Brasileira Luís Augusto Fischer, Guto Leite e Homero Vizeu Araújo e recupera alguns dados que ajudam a aproveitar ainda melhor a leitura deste grande clássico.

Em 1897, Euclides da Cunha foi enviado a Canudos, no interior da Bahia, como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo. Lá, os seguidores de Antônio Conselheiro, o líder religioso que comandava a revolta, já haviam derrotado três expedições militares. Da região de Canudos, onde permaneceu durante dois meses, Euclides da Cunha ficou intensamente impressionado com as cenas de violência e miséria que viu. Foi nessa época que ele deu início ao que viria a ser Os Sertões.

Quando a primeira edição do livro foi lançada, trazia, em suas páginas, três fotografias captadas pelas lentes de Flávio de Barros, fotógrafo contratado pelo Exército.

Autorretrato de Flávio de Barros, em Canudos, no ano de 1897

Autorretrato de Flávio de Barros, em Canudos, no ano de 1897

O fotógrafo foi autor dos únicos registros até hoje conhecidos do dia a dia das tropas, da rendição e da destruição do arraial organizado por Antônio Conselheiro.

As três imagens escolhidas para ilustrar o livro foram rebatizadas por Euclides da Cunha. “Divisão Canet” ganhou o nome de “Monte Santo”. “7° Batalhão de Infantaria nas Trincheiras” virou “Acampamento dentro de Canudos”. E a mais emblemática de todas, “400 jagunços prisioneiros” ganhou o nome de “As prisioneiras”.

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“Divisão Canet” ou “Monte Santo”, de Flávio de Barros

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“7° Batalhão de Infantaria nas Trincheiras” ou “Acampamento dentro de Canudos”

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“400 jagunços prisioneiros” ou “As prisioneiras”

As dezenas de fotografias de Flávio de Barros sobre a Guerra de Canudos são atualmente disponibilizadas na Brasiliana Fotográfica e, em 2002, o Instituto Moreira Salles realizou a recuperação digital dos originais existentes nos acervos do Museu da República, no Rio de Janeiro, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, em Salvador, e da Casa de Cultura Euclides da Cunha, em São José do Rio Pardo. Com a colaboração dessas instituições, a Brasiliana pode constituir um álbum canônico virtual gerado a partir do exemplar em melhor estado de conservação existente em cada uma das apenas setenta imagens conhecidas do evento. Clique aqui para conhecer.

Além de Flávio de Barros, outro fotógrafo foi enviado a Canudos em abril de 1897. Seu nome era Juan Gutierrez de Padilla e ele foi mortalmente ferido em 28 de junho daquele mesmo ano. Até hoje, não se conhece nenhum registro fotográfico que Padilla tenha feito do conflito. Em Os Sertões, Euclides da Cunha referiu-se a ele como um “Oficial honorário, um artista que fora até lá atraído pela estética sombria das batalhas”.

“O caso dos dez negrinhos” por Martha Medeiros

(Crônica publicada no livro Montanha Russa que acaba de chegar em uma nova e linda edição)

Se existe uma culpada pela minha quedinha por romances policiais, acuso: chama-se Agatha Christie. Foi através de seus Assassinato no Expresso OrienteCipreste triste O caso dos dez negrinhos que me rendi ao gênero e que mais tarde aprendi a gostar também de Patricia Highsmith, outra dama da literatura de suspense. Pois um amigo que mora na Alemanha e com quem troco correspondência virtual me informa que a revista Der Spiegel noticiou que os herdeiros da escritora decidiram proibir a utilização do título O caso dos dez negrinhos nas futuras reedições. Esse título é ofensivo, uma vez que negro é uma palavra pejorativa, argumentaram eles. A partir de agora o romance se chamará E não sobrou nenhum.

E não sobrou nenhum livro com o título "O caso dos dez negrinhos"

E não sobrou nenhum livro com o título “O caso dos dez negrinhos”

Com todo respeito: é levar demasiadamente a sério essa febre do politicamente correto. Se a moda pega no Brasil, alguns livros poderão sofrer rebatizados semelhantes. O Navio negreiro, de Castro Alves, e a lenda do nosso Negrinho do pastoreio poderão entrar na mira dos defensores de um vocabulário menos ultrajante e virar Navio com passageiros de cor O afro-americaninho do pastoreio. Clássicos como A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, e O mulato, de Aluísio Azevedo, com sorte, escaparão ilesos.

Esse não precisa mudar... ufa.

Esse vai escapar… ufa.

É bom lembrar que a lista de termos considerados incorretos não se restringe às classificações de raça. Notas de um velho safadode Charles Bukowski, poderá se transformar em Notas de um indivíduo de idade avançada com atenção fortemente voltada para o sexo, e a obra-prima de José Saramago, Ensaio sobre a cegueira, poderá trazer em suas novas edições o título Ensaio sobre o desprovimento de capacidade visual.

Será que o velho safado vai ter que mudar?

Será que o velho safado terá que se comportar melhor?

A gente poderia ficar aqui até amanhã se divertindo com essas traduções. Não nego (do verbo negar) que a expressão negrinho só é simpática para nominar aquele doce também conhecido como brigadeiro, pois ele tem um oponente, o branquinho, e assim ninguém se sente diminuído. Até pode ser que a troca do título de um livro ajude a melhorar as relações entre pessoas de raças diferentes, vá saber. Mas, sinceramente, acho uma forçação de barra, uma patrulha que cada vez mais nos enquadra num comportamento padronizado e  nos impede de ser politicamente alegres e sem ranço.