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Uma luz sobre Goethe

Johann Wolfgang von Goethe foi o mais notável poeta da Alemanha e um dos maiores gênios de toda a literatura. Juntamos aqui algumas curiosidades sobre sua vida.

Goethe teve vida longa?
Longuíssima para os padrões da época. Goethe faleceu aos 82 anos em 22 de março de 1832 na cidade de Weimar. Ele estava sentado na poltrona, ao lado de sua cama e, respirando com dificuldade, fez um sinal para que seu criado se aproximasse e então falou: “Abra a janela do quarto, para que entre mais luz.” Foram as últimas palavras de Goethe.  

Goethe in the Roman Campagna, Johann Heinrich Tischbein, 1787

Goethe in the Roman Campagna, Johann Heinrich Tischbein, 1787

Goethe foi uma celebridade?
Praticamente um pop star. Dizem que Napoleão leu seu livro, Os sofrimentos do jovem Werther, sete vezes e o carregava consigo em sua Biblioteca de Campanha. Quando o escritor e o imperador se encontraram, em 2 de outubro de 1808, Napoleão o louvou, afirmando “Eis um homem”, ao que Goethe, descontente pela invasão francesa na Alemanha teria respondido laconicamente. Ao final do encontro, Napoleão convidou-o para visitá-lo em Paris, mas o encontro jamais aconteceu.

 O encontro de Goethe e Napoleão - Desenho de 1828, feito por Jahrgang Angsburg, "Goethe e Napoleão I", gravura feita a partir do desenho de Eugène Ernest Hillemacher


O encontro de Goethe e Napoleão – Desenho de 1828, feito por Jahrgang Angsburg, “Goethe e Napoleão I”, gravura feita a partir do desenho de Eugène Ernest Hillemacher

Goethe escrevia em pé?
É o que dizem. O escritor acreditava que a posição vertical favorecia o processo de escrita, canalizando a energia criativa, de modo que ela fluísse sem obstáculos do corpo para o papel. Mas para facilitar as coisas, ele possuía uma escrivaninha alta e devia apoiar-se ali de vez em quando.

Goethe influenciou jovens suicidas?
Talvez, mas não dá pra colocar a culpa disso no coitado. Como no final de Os sofrimentos do jovem Werther, o personagem principal suicida-se e torna-se o protótipo do herói romântico, há rumores de que essa obrade sucesso tenha sido responsável pelo suicídio de diversas jovens que o leram.

Goethe era um mulherengo?
Talvez até sofresse do mal de Douglas, vai saber… Fato é que se apaixonou por muitas durante a vida. Entre as mulheres que amou estão Anna Katharina (a filha de um comerciante), Frederica (filha de um pastor), Charlotte (a noiva de um colega que foi a inspiração para Os sofrimentos do jovem Werther), Lili (viúva de um banqueiro), Clarinde (a amante que acabou suicidando-se), Christiane Vulpius (de origem humilde, a única com quem se casou e mãe de seu filho August), Mariana (a mulher de um amigo) e Ulrique (uma jovem de 18 anos). Goethe declarou que as mulheres eram indispensáveis, energizadoras do corpo, e civilizadoras do espírito do homem, e fonte de sua vida criativa.

"Goethe e Charlotte", pintura do século XVIII, autor desconhecido

“Goethe e Charlotte”, pintura do século XVIII, autor desconhecido

Goethe frequentava a casa da mãe Joana?
Na verdade, de Johanna, mãe de Arthur Schopenhauer. Como Goethe viveu durante anos com Christiane Vulpius sem casar-se com ela (o escritor a apresentava como sua governanta), uma das poucas casas que aceitavam receber o casal de amancebados em Weimar era a de frau Schopenhauer, uma romancista bem sucedida que, depois de se tornar viúva, adotou o amor livre e criou um salão para a boemia da cidade. Seu filho não aprovava a vida da mãe, mas nas poucas vezes em que visitou o local, conheceu e ficou amigo de Goethe.

Goethe era a fim de um ménage à trois?
Olha… Em 1775, ele escreveu Stella, a história de um homem, Fernando, que encontra um modo de conciliação entre sua mulher Cecília e sua amante Stella: viverem juntos, num casamento a três. A peça provocou protestos e Goethe acabou sendo obrigado a mudar seu roteiro, promovendo o suicídio de dois personagens da trama. Ainda bem que os tempos mudaram…

Goethe seguia alguma seita?
Não era bem uma seita. Ele foi membro da sociedade secreta Illuminati, a qual, a partir de 1780, ficou conhecida como “Maçonaria Iluminada”. Essa sociedade alcançou grande prestígio em meio às elites europeias, mas foi extinta pelo governo da Bavária que, em 1787, instituiu pena de morte para os membros que desobedecessem.

O efeito Werther

Livro que marcou toda uma geração em 1770, é considerado o precursor do estilo epistolar na literatura e do movimento romântico na Europa

Por Mellissa R. Pitta (publicado originalmente no jornal Cândido da Biblioteca Pública do Paraná)

A relação de forças entre vida e arte certamente é tão antiga quanto as primeiras manifestações artísticas. Uma grande obra é capaz de criar o imaginário coletivo de uma sociedade ou é apenas a representação de fatos imateriais do cotidiano? A medição é, nesse caso, complicada, mas certamente trata-se de uma via de mão dupla. O artista recebe influência de seu meio, mas também o influencia.

Retrato de Johann Wolfgang v. Goethe – Georg Melchior Kraus c.1775O romance epistolar Os sofrimentos do jovem Werther, nesse sentido, é um marco. Lançado em 1774, o romance escritor por Johann Wolfgang Von Goethe causou grande furor ao trabalhar em uma linha tênue entre ficção e autobiografia. O livro reúne cartas do protagonista Werther para o amigo Wilhelm, que retratam uma sensibilidade romântica e o sofrimento da alma diante de sua paixão obsessiva e impossível por Charlotte, ou Lotte, mulher culta da alta sociedade alemã, pronta para se casar com Albert. O protagonista, sem livrar-se da paixão arrebatadora pela moça, dá cabo da própria vida com um tiro acima do olho direito.

O livro, dividido em duas partes,inicia com um narrador onisciente e onipresente, o editor fictício que reúne as cartas do jovem Werther enviadas à Wilhelm, e aparece somente no início e no fim do livro. Apesar das presenças do editor e do amigo, as cartas redigidas resumem-se a um grande monólogo de Werther, nas quais narra todo o desenrolar de sua paixão impossível e todo o sofrimento vivido até chegar ao seu grande ápice: o suicídio.

Percebe-se, na construção da obra, que o autor tratou de atrelar o destino de seu personagem principal à força do ambiente, qual vive sua paixão no mesmo ritmo (e densidade) das estações do ano. Ao conhecer e se apaixonar por Lotte, passava-se pela primavera, a beleza das flores, das paisagens; no verão, época em que a natureza já não possuía todo seu frescor primaveril, entra o personagem de Albert, noivo de sua dama; o casamento entre Charlotte e Albert acontece no outono, época em que as folhas secam e caem; por fim, no inverno, a alusão ao possível suicídio perpetua, servindo de base a época de tempestades e degelo, onde as paisagens já estão destruídas por completo.

Segundo o diretor do departamento de letras da PUC-Rio Karl Erik Schollhammer, “Goethe criou uma figura poética cuja relação emocional com a natureza foi emblemática, com uma compreensão das possibilidades do sentir subjetivo. O artista era visto como aquele sujeito particularmente receptivo desse impacto e cuja paixão se expressava igualmente no amor e na criação.”

Na época de sua publicação, a comoção foi tão grande que os jovens se reuniam em grupos para fazer a leitura dramática da obra e discutir sua força poética. Alguns desses jovens, que se identificaram fortemente com as características e o romantismo exacerbado de Werther, chegaram a aderir à vestimenta do protagonista: casaca azul, colete e calções amarelos. A indumentária tornou-se referência e identificação de uma alma inquieta romântica, como o personagem que dá nome ao livro.

Porém, a vestimenta não foi a única influência que o livro teve na sociedade. Em diversas regiões, a obra, que daria a Goethe reconhecimento literário em âmbito mundial, chegou a ser censurada por conta da onda de suicídios que gerou entre jovens leitores. Esse fato gerou a expressão Wertherfieber, ou Efeito Werther, utilizado na literatura técnica para designar os suicídios que seguem um modelo, isto é, são imitativos. No caso claro de Werther, os jovens de sua época que viveram uma paixão arrebatadora com a qual não sabiam lidar, que vivenciavam conflitos existenciais, preferiram ter o mesmo fim do protagonista, seguindo seus passos de fuga e escapismo.

De acordo com a professora da UFRJ, especialista em literatura alemã, Magali Moura, Werther foi uma verdadeira febre. Em um artigo publicado na Revista Cult, Moura conta que a presença sombria do protagonista era notada nas pessoas encontradas mortas abraçadas com exemplares do livro.

PRODUÇÃO

sofrimento do jovem wertherOs sofrimentos do jovem Werther foi escrito em apenas quatro semanas, durante um período de reclusão de seu autor. Jovem, ainda com 24 anos, Goethe se inspirou na própria história para escrever o livro. A malfadada história de amor vivida pelo colega Karl Wilhelm Jerusalém também foi determinante para que Goethe escrevesse seu primeiro sucesso.Em Poesia e verdade, o escritor alemão deixa claro a estreita relação entre a narrativa de Os sofrimentos do jovem Werther e sua própria biografia.

Conta, por exemplo, que na primavera de 1772, conheceu em um baile Charlotte Buff, moça da elite alemã já comprometida com Christian Kestner. A paixão arrebatadora pela moça foi instantânea, mas não correspondida. Goethe, enclausurado pelo amor à jovem, muda-se abruptamente para Frankfurt, período em que se torna amigo do casal, trocando correspondências diárias. Em uma delas, é informado que o amigo, também jurista, sensível e dotado de talento artístico, Karl Wilhelm Jerusalém, pôs fim à própria vida, tomando emprestado um par de pistolas de Kestner. O motivo: também estava perdidamente apaixonado por uma mulher casada.

A aproximação da história de Goethe e Jerusalém com Werther é assombrosa, tanto que o autor toma emprestado o nome do amigo para ser o correspondente do protagonista, o destinatário dos lamentos e dramas vividos ao longo da narrativa. A dama dos olhos de Goethe também não foi perdoada. No livro, a paixão de Werther tem o mesmo nome da mulher por quem o autor foi apaixonado.

CLÁSSICO

O lançamento de Os sofrimentos do jovem Werther se deu na Feira do Livro de Leipzig, dando início ao movimento conhecido como Stum und Drang (tempestade e ímpeto), caracterizado principalmente pela exaltação sentimental das emoções subjetivas, que serviria de indicação para o início do romantismo oitocentista.

1ª edição
Primeira edição do livro, lançado durante a Feira de Leipzig

O romance foi um divisor de águas na literatura germânica e também mundial. Críticos e estudiosos da obra afirmam que a literatura na Alemanha setecentista ainda não contava com nenhum romance marcante antes do surgimento de Werther, livro que deu início à prosa moderna e antecipou a entrada da Europa no romance burguês. Vários elementos que viriam a fazer deslanchar o sucesso do movimento romântico na Europa, um século depois, podem ser encontrados na obra-prima de Goethe, tais como a figura idealizada da mulher culta e erudita, o indivíduo sendo limitado pela sociedade, a mistura de gênerosliterários e a exaltação da natureza.

As características de Werther possibilitaram o nascimento de uma nova literatura, cuja principal característica é a estreita ligação entre autor e obra. “De certa maneira, inventou-se na obra a figura do poeta, característica do romantismo e da compreensão moderna de alguém que vive a literatura e sofre seu impacto, às vezes arriscando a própria vida”, comenta Schollhammer.

A obra foi, sem dúvida, um dos maiores acontecimentos literários do século XVIII, sendo considerada o primeiro best-seller da literatura europeia, e traduzida e publicada em diversos países. Devido a sua influência, Napoleão Bonaparte chegou a confessar a Goethe, em 1808, que havia lido o livro sete vezes.

180 anos depois de sua morte, Goethe continua sendo… Goethe

Como Goethe, só Goethe. Tanto que a literatura alemã divide-se em antes e depois de Os sofrimentos do jovem Werther, livro escrito por ele em 1774. 

Goethe era uma celebridade, um pop star da sua época. Escreveu Os sofrimentos do jovem Werther em apenas quatro semanas e sempre se gabou de que Napoleão havia lido o livro sete vezes e o carregava consigo em sua Biblioteca de Campanha. Quando o escritor e o imperador se encontraram, aliás, em 2 de outubro de 1808, Napoleão o louvou, afirmando “Eis um homem”, ao que Goethe, descontente pela invasão francesa na Alemanha teria respondido laconicamente. Ao final do encontro, Napoleão convidou-o para visitá-lo em Paris, mas o encontro jamais aconteceu.

Em 1831, já com mais de 80 anos, Goethe terminou sua obra-prima, aquela que ocupou por muito tempo: Fausto. O manuscrito da parte final foi então selado e guardado para ser publicado apenas depois de sua morte, o que viria a acontecer cerca de um ano mais tarde, em  22 de março de 1832, há exatos 180 anos.

"Goethe e Napoleão I", gravura feita a partir do desenho de Eugène Ernest Hillemacher

O encontro de Goethe e Napoleão - Desenho de 1828, feito por Jahrgang Angsburg, "Goethe e Napoleão I", gravura feita a partir do desenho de Eugène Ernest Hillemacher