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Pessoa, Ginsberg e Dalí no mesmo palco

Imagine Fernando Pessoa, Salvador Dalí, Allen Ginsberg e até Roberto Piva reunidos sobre o mesmo palco. Pois é exatamente isso o que a Cia. Teatro do Incêndio apresenta no segundo musical “São Paulo Surrealista”, que agora ganhou o nome de “Poesia Feita de Espuma”. A peça, escrita e dirigida por Marcelo Marcus Fonseca aborda o submundo paulista com um imaginário que começa com a chegada de Fernando Pessoa (o ator João Sant’Ana) à capital, onde é recebido por Beatriz (Giulia Lancelloni), musa de Dante. Mais tarde, ambos encontram o poeta beat Allen Ginsberg (Diego Freire), o poeta paulistano Piva (vivido pelo próprio diretor) e o pintor Dalí (Sonia Molfi) que está na cidade para dirigir uma peça surrealista. A curadoria poética da peça é de Claudio Willer, escritor e tradutor especialista nos beats.

O espetáculo é uma ótima dica para este final de semana. E para o próximo também.

 

SERVIÇO:

São Paulo Surrealista 2: A Poesia Feita de Espuma
Data: Até 15 de dezembro de 2012.
Horário: Quintas, sextas e sábados, às 21h.
Local: Madame – Rua Conselheiro Ramalho, 873 – Bela Vista.
Preço: R$ 15 (entrada) ou R$ 30 (consumíveis) – estudantes pagam meia-entrada.
Tel.: (11) 2592-4474.
www.teatrodoincendio.com.br

Lisboa de Pessoa

Por Paula Taitelbaum

Semana passada estive em Lisboa. Lisboa que emana poesia: “Ó mar salgado, quanto do teu sal, são lágrimas de Portugal…”. Fernando Pessoa, aliás, é onipresente nesta cidade que se esparrama a partir das margens do Tejo. Valorizado por tudo e por todos, o poeta está não apenas nas vitrines das livrarias, mas também nas paredes dos restaurantes, no souvenir oferecido ao turista, nos desenhos do artista anônimo da esquina, nos grafites dos prédios. Imaginar que ele andou pelas mesmas ruas por onde passei, que viu a mesma paisagem, já seria bom demais. Mas entrar na livraria Betrand do bairro do Chiado – aliás, bem pertinho da casa onde nasceu Pessoa – e pensar que ele muitas vezes esteve ali, levou-me para uma viagem além do Tejo… Quase pude vê-lo “a folhear” alguma obra, quem sabe autografando um livro (pra mim!). Fundada em 1732, a Bertrand é considerada a mais antiga do mundo pelo Guiness Book e você pode imaginar quanta gente letrada já passou por lá nesses mais de dois séculos e meio.

A fachada da Bertrand do Chiado, a mais antiga livraria do mundo

O anúncio da vitrine revela que a Bertrand foi testemunha até do grande terremoto que destruiu Lisboa em 1755 (clique para ampliar)

O ano do Brasil em Portugal começou no dia 21 de setembro e vai até junho de 2013. Quem sabe você não aproveita e vai conhecer o país de Fernando Pessoa, Eça de Queiroz, Florbela Espanca e Luís de Camões. Pra facilitar, a TAP (Transporte Aéreos Portugueses) tem vôos que partem direto de dez capitais do Brasil. Pois, pois…

Novos selos poéticos

Os Correios acabam de colocar em circulação dois novos selos que homenageiam os poetas Fernando Pessoa e Cruz e Sousa, um português e outro brasileiro. O lançamento marcou o início do Ano de Portugal no Brasil e do Brasil em Portugal que ocorreu em um evento na sexta-feira, 7 de setembro, em Brasília e que contou com autoridades e representantes dos correios dos dois países. A emissão conjunta, com o tema “A Força da Língua Portuguesa”, é composta por se-tenant (conjunto de selos no qual o desenho transcende o picote dando continuidade à imagem) de dois selos, que apresentam as imagens em aquarela dos poetas, em arte de Luiz Duran, acompanhadas por versos dos poemas “Mar Português”, do livro Mensagem e “Ser Pássaro”, do Livro derradeiro. Os selos tem valor facial de R$ 2,00 cada e podem ser comprados na loja virtual ou nas agências dos Correios.

Bienal do Livro e a tentação do leitor

 Por Amanda Zulke*

Observadores inveterados, como eu, temos um banquete e tanto em eventos como a Bienal do Livro de São Paulo. Desfrutamos de momentos prazerosos com tanta gente reunida num só lugar. Hoje, por exemplo, no estande da L&PM na Bienal, presenciei duas meninas deparando-se com a mais recente edição do livro On the Road, de Jack Kerouac. Desse encontro entre a dupla e o livro, saíram gritinhos, sorrisos, beliscões de incredulidade. Era muita felicidade ver o livro desejado. Percebi que elas haviam encontrado o que vieram buscar na Bienal, e dali partiram saciadas com a compra em mãos.

Depois disso, me peguei pensando na tentação que é circular pelos pavilhões dessa enorme feira literária. Enxergamos quase toda nossa lista dos próximos livros a ler ali, lado a lado. E aí, escolher qual obra levar torna-se tarefa complicada. Outro rapaz fez a festa agarrando os pockets de Fernando Pessoa, Manuel Bandeira e Pablo Neruda. Não preciso nem dizer que estava estampada nos olhos a angústia de escolher quais levar dentre tantas opções. Ao menos o preço justo da Coleção L&PM Pocket democratiza mais ainda o acesso aos livros do catálogo da editora.

Mas enfim, a Bienal Internacional do Livro de São Paulo segue a pleno nos pavilhões do Anhembi, assim como o estande da L&PM Editores. Passeando pelos corredores, o leitor é tentado a levar para casa pelo menos um livro. Mas, além disso, quem visitar a Bienal vai ver muito mais do que livros. Verá arte na homenagem aos 90 anos da Semana de Arte Moderna estampada nos livros gigantes, nos brinquedos antigos resgatados em um espaço lindíssimo chamado “Deu a louca nos livros” e nas atividades envolvendo as milhares de crianças que se aventuram nessa festa da literatura. Ah, como é bom ver quando a arte sai das páginas dos livros pra entrar na imaginação… 

*Amanda Zulke é assessora de imprensa da L&PM Editores e está na Bienal Internacional do Livro de São Paulo.

O espaço infantil da Bienal do Livro de São Paulo deste ano

Criança faz arte na Bienal

Mario de Andrade está lá, comemorando os 90 anos da Semana de Arte Moderna

"On the Road" e muito mais no estande da L&PM

O “vinho” antes do vinho

No princípio era o verbo. E o nome do vinho precedeu a cultura da vinha. A pré-história do vinho remonta a vários milênios antes do início da era cristã, com o Soma, bebida sacrificial fermentada da Índia védica, que além de uma mistura mágica era um deus poderoso. Essa “poção da imortalidade” não era um vinho de uvas, mas o suco de uma planta sacrificial (ao que tudo indica, a Asclepias acida) que provavelmente tinha propriedades psicotrópicas ou psicodélicas. E o licor do Soma tinha o nome de Vena. Do Vena (amado, em sânscrito) se originaram  os nomes que designam o vinho em quase todas as línguas e povos da Europa: é o caso do russo (vino), do grego (woinos, depois oinos), do latim (vinum), do italiano e do espanhol (vino), do português (vinho), do alemão (wein), do inglês (wine) e do francês (vin). De origem mítica, de essência mística, de natureza santificada, de consumo francês, europeu e mundial, o vinho sempre foi uma bebida civilizatória. O vinho é muito mais do que “vinho”: é um patrimônio da humanidade. (Introdução do livro Vinho, de Jean-François Gautier, Série Encyclopaedia)

Vinho combina com um bom livro. E, como mostram as fotos abaixo, também com bons escritores:

O poeta português Fernando Pessoa em uma adega

Pablo Neruda e Vinicius de Moraes entre garrafas de vinho

Charles Bukowski bem agarrado em uma garrafa de vinho

Maria Bethânia, Fernando Pessoa e a delicadeza

Por Nanni Rios*

Quem assistiu ao show Bethânia e as palavras, que fez turnê pelo Brasil em 2011, pode confirmar esta minha impressão: ficou difícil pensar em Maria Bethânia sem se lembrar de Fernando Pessoa. Ela recita os versos do poeta português como ninguém – talvez nem o próprio, que era tímido e não tinha a eloquência como dom – e com uma naturalidade impressionante, como só quem tem uma intimidade quase carnal com cada um daqueles versos conseguiria fazer. E é assim que ela faz. Cantou, encantou e se fez inesquecível. Me emocionei, aplaudi de pé e corri para a porta do camarim e de lá não saí até vencer o segurança – muito simpático, diga-se de passagem – pelo cansaço. Tiete assumida, consegui um abraço de Maria Bethânia, que me recebeu com um sorriso largo no rosto, ainda cheia de poesia e delicadeza.

“Bethânia e as palavras” em Porto Alegre (2011)

É por isso que hoje, no dia de seu aniversário, quero falar de Fernando Pessoa. O Poema do Menino Jesus reúne, na minha opinião, alguns dos mais belos versos escritos sob o pseudônimo de Alberto Caeiro e fica ainda mais bonito na voz dela. Vê-la ao vivo recitando este poema foi pura catarse e, desde então, não há mais como separá-los.

Ouça o trecho do show em que ela declama o poema:

Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.

Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
(…)
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
(…)
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios
(…)
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar.
(…)
*Nanni Rios é editora de mídias sociais da L&PM Editores, fã de Maria Bethânia e leitora de Fernando Pessoa.

Fernando Pessoa por Almada Negreiros

Em 15 de junho de 1970, morria no Hospital de São Luís dos Franceses, em Lisboa, no mesmo quarto onde morrera Fernando Pessoa 35 anos antes, o pintor e poeta Almada Negreiros, autor de alguns dos retratos mais famosos do poeta português e que estampam as capas de Antologia poética (Coleção 64 páginas) e Poesias (Coleção L&PM Pocket).

Eles se conheceram em 1913, quando Almada Negreiros realizava sua primeira exposição individual na Escola Internacional de Lisboa. A simpatia foi imediata e, em 1915, eles fundaram junto com o poeta Mario de Sá Carneiro a célebre Revista Orpheu.

E por falar em silêncio…

Abaixe o som, não grite, tire a mão da buzina, evite até mesmo ler em voz alta. Hoje, 7 de maio, é Dia do Silêncio no Brasil. Não conseguimos descobrir quando e como ele começou a ser comemorado, mas para marcar esta data separamos alguns trechos de livros que homenageiam a ausência de som:

Você já amou uma mulher silenciosa / Que não levanta a voz por raiva / Nem má educação / Que anda com seus pés de seda / Num mundo de algodão / Que não bate / fecha a porta / Como quem fecha o casaco de um filho / Ou abre um coração? (De Poemas, Millôr Fernandes)

O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas… / Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso… / E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas / Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso… (De Poesias, Fernando Pessoa)

Pior do que uma voz que cala é um silêncio que fala. (De Ménage à Trois, Paula Taitelbaum)

O resto é silêncio. (De Hamlet, Shakespeare)

E de repente o silêncio, / Com os passos da ilusão / perseguem a criança-sonho / Pelas terras da invenção, / Falando a seres bizarros… / Uma verdade, outra não. (De Alice no País das Maravilhas, Lewis Carroll

Há um doido na nossa voz
Ao falarmos, que prendemos:
É o mal-estar entre nós
Que vem de nos percebermos.

* * *

Teu vestido, porque é teu,
Não é de cetim nem de chita,
E de sermos tu e eu
E de tu seres bonita.

* * *

O rosário da vontade,
Rezei-o trocado e a esmo.
Se vens dizer-me a verdade,
Vê lá bem se é isso mesmo.

Fernando Pessoa, Quadras ao gosto popular

A arca de Fernando Pessoa

Precavido e organizado, o poeta português Fernando Pessoa “salvou” boa parte de sua intensa produção literária numa arca. Os poemas que ainda não tinham sido publicados foram organizados e etiquetados pelo próprio Pessoa para garantir que a posteridade não profanasse sua obra.

A arca onde Fernando Pessoa guardava seus manuscritos foi a leilão em 2008 junto com fotos e outros pertences do escritor

Nesta arca, havia um envelope verde com o rótulo “quadras”, cujo conteúdo revela um outro Fernando Pessoa – que também não está em nenhum de seus heterônimos. Eram 60 folhas com 365 quadras até então desconhecidas pelo grande público, que revelam um poeta simples que fazia registros do cotidiano e da vida na aldeia. Este material foi reunido no livro Quadras ao gosto popular (Coleção L&PM Pocket), que conserva desde a ordem dos papéis organizados por Pessoa até a ortografia da época.

Mas, afinal, o que é uma “quadra”?

Na introdução do livro Quadras ao gosto popular, assinada pela escritora Jane Tutikian, há uma explicação:

Vale dizer que este [a quadra] é o mais elementar e popular dos gêneros poéticos, cuja  principal característica é a simplicidade do tema e do esquema métrico, composto por redondilhas maiores (versos de sete sílabas), também conhecidas como “medida velha” – esquema de composição muito utilizado pelos poetas medievais.

Mas a definição do próprio Fernando Pessoa, extraída do livro Missal das trovas e citado na mesma introdução, é muito mais poética:

A quadra é um vaso de flores que o povo põe à janela  da sua alma. Da órbita triste do vaso escuro a graça exilada das flores atreve o seu olhar de alegria. Quem faz quadras portuguesas comunga a alma do povo, humildemente de todos nós e errante dentro de si próprio (…)

Aí vai um pouco da simplicidade e da leveza desta outra face de Fernando Pessoa:

8
Entreguei-te o coração
E que tratos tu lhe deste!

É talvez por ‘star estragado
Que ainda não mo devolveste…

11
Duas horas te esperarei
Dois anos te esperaria
Dize: devo esperar mais?
Ou não vens porque inda é dia?

117
O cravo que tu me deste
Era de papel rosado
Mas mais bonito era inda
O amor que me foi negado