Arquivo mensais:dezembro 2011

Oh yes

por Rafael Raffa*

Eu estava morando em outro país. Sozinho. Trabalhava 12 horas por dia, seis dias por semana. Acordava e ia para o trabalho. Voltava de madrugada para lavar roupas, louça, limpar o banheiro. E toda madrugada, eu aleatoriamente abria o livro The Pleasures of the Damned, de Charles Bukowski, e lia alguns poemas. A naturalidade deles me fazia bem. Havia alguém por trás das palavras, realmente. Não havia mentira. Apenas alguns exageros, claro. E o segredo estava nesses exageros. Toda a miséria cotidiana traduzida num simples amarrar de cadarço. A vida simplificada em arte. Como se tudo aquilo pudesse acontecer. O jeito que as palavras rolavam página abaixo, encaixando-se perfeitamente em sua confusão. Humor nos momentos certos. O triunfo sobre a dor. Assim, não me sentia tão sozinho.

Numa dessas madrugadas, pensava em desistir de tudo. Ir embora. Sentia que podia morrer e não haveria ninguém para fechar meus olhos, como fazem nos filmes. Sozinho, no quarto, sem motivo para seguir. Uma pequena tragédia. Ao mesmo tempo, desistir de lá, era desistir de mim. Do que eu pretendia ver e sentir. Estava tão confuso, que folhava o livro sem ler, somente olhando as palavras. Até que parei num poema curto que me chamou a atenção. Oh yes, o título:

há coisas piores na vida do que
ficar sozinho
mas frequentemente leva décadas
para entender isso
e mais frequentemente
quando você entende
é tarde demais
e não há nada pior do que
tarde
demais

Levantei e fui preparar algo para comer. Pensando em ir embora. Pensando em ficar. O mundo pressionando suas paredes contra mim. Coloquei uma pizza congelada no forno. Abri uma garrafa de vinho. Tomei um longo gole no bico. Algo em torno de 20 segundos, o vinho escorrendo pela minha boca. Sentindo-me muito bem com isso. Sentindo um sopro de esperança no estômago.

Comi, como se aquilo fosse um verdadeiro banquete. Como se fizesse sentido. O vinho descendo leve pela garganta. A rua Finchley, laranja, do lado de fora. A melhor pizza do mundo. Tudo tão simples, como nos poemas. Servi outro copo e estiquei minhas pernas. Algo dentro de mim havia esquecido de se preocupar.

Escutei o colombiano com quem eu dividia o apartamento chegando. Subindo as escadas sem vontade. Os pés pesados nas escadas.  Escutei a porta abrindo e batendo forte ao fechar . Deve estar voltando da casa da namorada gaúcha, pensei.

– Meus Deus, as mulheres brasileiras são malucas. Ele disse, entrando na sala e sentando-se ao meu lado.
– Conta alguma coisa que eu não saiba.

Abri o livro na mesa; página 188.  Oh yes, apontei, e fui buscar outro copo para ele. Servi um dos grandes. A gente precisava. Perguntei o que havia achado do poema. Legal, respondeu. Perguntei como estava o namoro. Não podia estar melhor, disse. Nós dois rimos. E continuamos. Rindo da sorte e do azar. Rindo do laranja da rua Finchley. Rindo dos pequenos traumas da vida. Rindo do vinho. E, principalmente, rindo de nós mesmos.

Eu consigo entender quando gritam que Charles Bukowski só escreve sobre miséria, bebedeiras, sexo, escatologias. Que é muito sádico, ocasionalmente fascista e discriminatório contra determinados grupos. Que não presta. Que não tem pretensão artística. Que não é literatura. Eu entendo, mas não consigo deixar de pensar que deixaram escapar alguma coisa. Nunca os vejo falando sobre a esperança, a beleza das pequenas coisas, o apoio no simples. A forma, escondida pela naturalidade. Quase um acidente. A forma através da confusão.

Talvez, quando o leram, fizeram a pergunta errada. Com Bukowski, está tudo ali, exposto. Não há intenções por de trás das palavras. As intenções estão nos detalhes, nos acontecimentos, no humor, na realidade. Perguntaram-se o que ele quis dizer, quando o que mais importa, é o que ele fez eles entenderem. O filho da puta mais durão que você já viu, sem máscara alguma. Assim como eu. Como você. Como qualquer um de nós.

Espero que numa próxima vez, deixem a naturalidade das palavras simples entrarem em seus pulmões. Sem as muletas literárias. Sem as muletas do bom senso. Apenas o galope selvagem das frases que entram cortes e saem cicatrizes.

Sirvo mais um copo de vinho agora. Levanto para o alto. Faço um brinde para o colombiano e outro pra você, Hank.

* Rafael Raffa é estudante de jornalismo e, depois de morar em Londres, voltou à sua cidade natal: Porto Alegre. Ele é tão fã de Bukowski que tatuou em sua perna esquerda um desenho feito por “Hank”, de quem a L&PM publica todos os romances, mais contos e poemas.

É dia de Florbela Espanca

Considerada a figura feminina mais importante da Literatura Portuguesa, Florbela Espanca continua inspirando não apenas versos, como músicas. Para deixar o seu dia mais alegre, por exemplo, vale escutar “Florbela Espanca-me”, do grupo de rock português Ena Pá 2000. Apesar do trocadilho infame, é diversão garantida.

Florbela Espanca nasceu, casou e morreu no dia 8 de dezembro (clique aqui e leia post já publicado neste blog). Em 1930, no dia de seu aniversário de 36 anos, “Bela” foi encontrada morta. Mas apesar dos dois frascos vazios de Veronal que estavam em seu quarto, o suicídio nunca foi totalmente confirmado.

A L&PM publica, na Coleção L&PM POCKET, todos os seus poemas em dois volumes.

Encontro marcado com a teoria quântica

Foi há um século que o maior encontro de gênios da física começou. O Congresso de Solvay é uma série de conferências científicas que acontece em Bruxelas desde 1911. Já no começo do século XX, estas conferências reuniam os mais consagrados cientistas, responsáveis por proporcionar os avanços fundamentais da Física Quântica. Realizado no Instituto Internacional de Solvay de Física e Química, o congresso foi uma ideia do químico industrial belga Ernest Solvay e acontece de três em três anos.

Em 1927, a 5ª edição deste encontro foi um tanto quanto especial. Com o tema “Elétrons e Fótons”, ela reuniu um time de cientistas que pode ser chamado de “Dream Team of Science”. Dos 29 participantes, 17 já tinham recebido ou viriam a receber o Prêmio Nobel. Entre eles, estavam Einstein, Schrödinger, Heisenberg, Dirac, De Broglie, Bohr, Planck e Madame Curie.

O time dos sonhos da física no Congresso de Solvay de 1927 - Clique para ampliar

Neste que foi provavelmente o mais famoso dos Congressos de Solvay, a teoria quântica foi discutida por Albert Einstein e Niels Bohr em um debate que, para os que puderam assistir, foi inesquecível.

A teoria quântica também foi o ponto principal da 23ª edição do Solvay, em 2005, com o tema “A estrutura quântica do espaço e do tempo”. Em 2008, foi a vez de “Teoria quântica da matéria condensada” e, em outubro deste ano, quando o encontro científico completou 100 anos, os gênios da física moderna discutiram “O mundo da teoria quântica”.

A teoria quântica é a bola da vez na física. Sorte é que nós, os leigos, vamos poder entender um pouco mais sobre ela em breve, assim que o novo volume da Série Encyclopaedia chegar.

Bukowski e o pássaro azul

there’s a bluebird in my heart that
wants to get out
but I’m too tough for him,
I say, stay in there, I’m not going
to let anybody see
you.
there’s a bluebird in my heart that
wants to get out
but I pour whiskey on him and inhale
cigarette smoke
and the whores and the bartenders
and the grocery clerks
never know that
he’s
in there.

Considerado pelo grande Jean-Paul Sartre como “o melhor poeta da América”, Charles Bukowski deixou para a posteridade verdadeiras maravilhas em forma de verso. Sem dúvidas, o poema “Bluebird” (de onde retiramos a estrofe acima) faz a gente concordar com Sartre.

“Bluebird” inspirou a designer Monica Umba a fazer uma releitura do poema em forma de animação gráfica. Detalhe: sem usar uma só palavra!

Quem quiser conhecer melhor o lado poeta do velho Buk, vale muito a pena ler a antologia O amor é um cão dos diabos da Coleção L&PM Pocket.

do blog do Almir de Freitas

57. Quando resolvemos dar um “plus a mais”

Por Ivan Pinheiro Machado*

Em 1997, nasceu aquela que colocaria a L&PM no mapa das editoras mais conhecidas do Brasil: a Coleção L&PM Pocket. Em 2006, pouco antes dela completar uma década, pensamos que não seria nada mal que a coleção ganhasse uma série especial, comemorativa, que soasse como um presente para os leitores.

Foi assim que, no final de 2006, lançamos a L&PM Pocket Plus, uma série que foi considerada um dos maiores acontecimentos editoriais do ano. Com um preço de lançamento único de R$ 8,00, a Pocket Plus nasceu trazendo grandes autores modernos e clássicos cujos doze primeiros títulos foram Juventude, de Joseph Conrad; Esboço para uma teoria das emoções, de Jean-Paul Sartre; O diamante do tamanho do Ritz e outros contos, de F. Scott Fitzgerald; Liberdade, liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel; Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke; Tristessa, de Jack Kerouac; O teatro do bem e do mal, de Eduardo Galeano; Trabalhos de amor perdidos, de William Shakespeare; As melhores histórias de Sherlock Holmes, de Sir Arthur Conan Doyle; Uma temporada no inferno, de Arthur Rimbaud; O gato por dentro, de William Burroughs e Sobre a brevidade da vida, de Sêneca.

Hoje, cinco anos depois, a Série L&PM Pocket Plus já soma 34 títulos. São textos integrais de alguns dos maiores autores clássicos e contemporâneos que continuam com preço único de R$ 8,00. Autores como Kant, Melville, Emily Dickinson, Mariana Alcofarado, Balzac William Blake que custam metade de um ingresso de cinema.

E como a meta da L&PM é seguir fazendo os melhores e os mais baratos livros do país, acabamos de ter uma nova ideia de série para 2012: 64 páginas. Serão contos, poemas e novelas curtas, de autores nacionais e internacionais, lançados simultaneamente em papel e e-book, sempre com exatas 64 páginas. Em formato pocket, eles custarão R$ 5,00. Em versão virtual, R$ 3,00. Livros que economizam no preço e no número de folhas, mas que serão um “plus” ainda maior para quem quer um livro bom e baratíssimo.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quinquagésimo sétimo post da Série “Era uma vez… uma editora“.

Dorothy Parker e “The Ginger Man”

Quatro vivas entusiasmados*

Por Dorothy Parker

J. P. Donleavy, autor do impressionante romance The Ginger Man, nasceu no Brooklyn, cresceu no Bronx, então foi para Dublin e estudou no Trinity College. Ele provavelmente voltou ao seu solo nativo por algum tempo, pois a contracapa de seu romance [McDowell, Obolensky, edição expurgada, 1958] diz que grande parte dele foi escrito no Bronx e em Boston, mas seja lá onde tenha sido, ele o fez com o amor por Dublin no coração e a batida de Dublin na cabeça. Apesar de ter uma lista completa de preferências menos perfeitas do que esse livro – eu penso que muitos dias vão se passar antes de me deparar com algo que chegue perto de brilhar tanto quanto The Ginger Man. Acredito que, quando isso acontecer, terá sido escrito pelo Sr. Donleavy.

A palavra “picaresco” de alguma forma me soa sonolenta, mas acredito que seja necessária agora – todos temos de fazer sacrifícios de vez em quando. Então vamos lá: The Ginger Man é o romance picaresco que faz todos pararem. Vigoroso, violento, loucamente divertido, ele é a malemolência da malandragem, uma clamorosa canção cômica sobre sexo. Um crítico na Inglaterra – onde o livro teve um sucesso surpreendente – o chamou de “uma contribuição inequívoca para o tema dos ‘jovens homens furiosos’”, mas uma nota biográfica explica que o Sr. Donleavy não gosta disso, nem deveria.

Seu livro não é furioso, a menos, é claro, que você queira deslocar seu alcance para o postulado de que comportamentos ultrajantes sejam uma forma de protesto furioso. (Eu entendo, aliás, que todos os chamados jovens homens furiosos se sintam insultados pelo título dado ao grupo. Eu não vejo porque se ressentem disso – certamente se há qualquer geração que tenha o direito de sentir raiva é a deles.) Mas com certeza não há nenhuma indignação na boa e honesta obscenidade; e é inegável que The Ginger Man é o mais obsceno possível. Se há os que se chocam com ele, fico tentada a dizer, “Tudo bem, vá em frente e fique chocado.” Eu acredito, de fato, que eu poderia ceder à tentação e gritar essas devastadoras palavras a qualquer minuto.

Outro crítico inglês diz que o estilo do Sr. Donleavy é uma mistura de Henry Miller e James Joyce –a influência de Joyce eu até posso ver, claro, mas a conexão com Henry Miller é um enigma para mim. (É justo admitir que por muito tempo qualquer coisa relacionada a Henry Miller era um enigma para mim. Mas então um enorme cão, em uma ovação de boas-vindas depois que ficamos separados por apenas um quarto de hora, pulou sobre mim e me jogou pra trás, causando uma concussão. E talvez seja desse choque não premeditado que tenha se originado minha atual cativante inabilidade de lembrar um número de telefone durante o tempo que se passa entre a lista telefônica e o aparelho, efeito que me concedeu visão dupla por alguns dias. E que empreguei para tentar ler novamente as obras do Sr. Miller, prosseguindo sem dificuldades.) Para mim The Ginger Man traz em seu humor absurdo uma leve sugestão de como o Murphy de Samuel Beckett teria sido se o Sr. Beckett não tivesse se enrolado em uma escrita elaborada, ou talvez traga de forma nebulosa à memória o ótimo romance de Joyce Cary, The Horse’s Mouth, apesar do Sabastian Dangerfield do Sr. Donleavy fazer o patife de Joyce Cary ficar parecendo o queridinho do professor. Mas isso é exagero da minha parte. No que se refere ao estilo e ao tema do livro do Sr. Donleavy, temos que tirar o chapéu para ninguém menos do que o Sr. Donleavy.

*Dorothy Parker escreveu esta resenha, entitulada “Four rousing cheers” em julho de 1958 para a Revista Esquire. Tentamos traduzí-lo mantendo a sonoridade, mas, para quem lê em inglês, vale clicar aqui e dar uma olhada no original, repleto de jogos de palavras e aliterações. The Ginger Man acaba de chegar à Coleção L&PM POCKET com o título de Um safado em Dublin.

A biografia de Cartier-Bresson em pocket

No inverno de 2009, a L&PM publicou o livro “Cartier-Bresson: o olhar do século” de Pierre Assouline. Uma bela obra que teve uma excelente carreira nas livrarias. Esgotadas duas edições, lançaremos no próximo mês de janeiro a versão “pocket”.

Ou seja. Você, leitor, terá o mesmo conteúdo fascinante que conta a história do maior fotógrafo de todos os tempos em outro belo livro. Em formato menor, é verdade, mas com um preço muuuito menor – e incluindo caderno de fotos.

E sem esquecer: os livros da Coleção L&PM POCKET são costurados e feitos em papel de primeira qualidade. Isso quer dizer que não há perigo dos livros desfolharem nas suas mãos. (IPM)

Mais um filho de Galeano

Ele chegou há poucos dias, por email. E causou furor. Os originais de “Los hijos de los días”, o novo livro de Eduardo Galeano, já estão aqui. Emocionante, lindo e intenso, ele traz uma pequena história para cada dia do ano, sempre centrada em um fato real que aconteceu naquela data. Pode ser o nascimento de alguém, o pronunciamento de um presidente, a morte de um mártir. Ou o que mais Galeano possa ter descoberto de interessante naquele dia e em diferentes épocas. “Los hijos de los días” é mais uma forma que o escritor encontrou para resgatar a história e a transformar em poesia. Como só mesmo Eduardo Galeano sabe fazer.

Diciembre
5

La voluntad de belleza

El presidente de la Sociedad Española de Historia Natural dictaminó, en 1886, que las pinturas de la caverna de Altamira no tenían miles de años de edad:

– Son obra de algún mediano discípulo de la escuela moderna actual – afirmó, confirmando las sospechas de casi todos los expertos.

Veinte años después, los tales expertos tuvieron que reconocer que estaban equivocados. Y así se demostró que la voluntad de belleza, como el hambre, como el deseo, había acompañado desde siempre la aventura humana en el mundo.

Mucho antes de eso que llamamos Civilización,  habíamos convertido en flautas los huesos de las aves, habíamos perforado los caracoles para hacer collares y habíamos creado colores, mezclando tierra, sangre, polvo de piedras y jugos de plantas, para alindar nuestras cavernas y para que cada cuerpo fuera un cuadro caminante.

Cuando los conquistadores españoles llegaron a Veracruz, encontraron   que los indios huastecos andaban completamente desnudos, ellas y ellos, con los cuerpos pintados para gustar y gustarse:

– Estos son los peores – sentenció el conquistador Bernal Díaz del Castillo.

“Los hijos de los días” traz 366 pequenas histórias como esta que você leu acima, a do dia de hoje. O livro terá cerca de 400 páginas, sairá em formato convencional e será traduzido por Eric Nepomuceno. A previsão de lançamento é o primeiro semestre de 2012. (Paula Taitelbaum)