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Tinha um Shakespeare no meio do caminho…

Imagine chegar no metrô, a caminho do trabalho num dia de semana qualquer, e se deparar com dois sujeitos jogados no chão do vagão, gesticulando e recitando textos em até duas línguas diferentes… até que, de repente, alguém se destaca da plateia e explica o que está acontecendo: são atores, mais precisamente no meio do Ato V, Cena 3 de Romeu e Julieta, de William Shakespeare.

O verdadeiro teatro "underground": cena da peça "Rei Lear", de Shakespeare, encenada no metrô de Nova York

Cenas assim já não são mais novidade para quem usa o metrô em Nova York.  Fred Jones e Paul Marino são os atores de rua que ganham a vida se apresentando no metrô da Big Apple. Em entrevista ao jornal The New York Times, eles contam que, além do sustento, ganham aplausos e vivas da plateia adulta, sorrisos e olhares curiosos dos pequenos, e números de telefone de mulheres jovens e atraentes que desejam conhecê-los fora dali. Paul Marino é quem revela tais “lucros” e Fred Jones, nada modesto, confirma.

Segundo a dupla, o elemento surpresa é fundamental para o sucesso das apresentações: eles entram no metrô como pessoas normais, sem chamar muita atenção, pois todos os objetos de cena ficam guardados na mochila. Até que um deles coloca uma barba falsa, óculos de plástico e uma máscara, caracterizando rapidamente o personagem, e a esquete tem início. De repente, outro ator entra na cena e começa a recitar Hamlet em inglês e espanhol alternadamente, para o caso de haver algum imigrante ou turista recém chegado. Só depois que todo mundo já viu, gostou e aplaudiu é que eles se apresentam como atores e pedem uma contribuição aos passageiros.

Enquanto alguns reclamam da falta de dinheiro ou tempo para ir mais ao teatro, outros como Fred Jones e Paul Marino apresentam soluções: tiram Shakespeare do teatro e colocam no meio do caminho das pessoas. Que podem escolher entre se deixar “tropeçar” ou mudar de vagão. Na nossa opinião, a primeira opção será sempre mais atraente, é claro.

Cara a cara com os maiores escritores do mundo

Por Paula Taitelbaum*

Sou um gênio. Tive uma ideia de roteiro para um filme. Vou vender para Hollywood. Não, pensando bem, vou oferecer a Woody Allen. De graça. O storyline é o seguinte: a moça vai visitar a National Portrait Gallery, em Londres, e, de repente, todos os escritores que estão nas telas, pintados em diferentes épocas, ganham vida e se misturam. Como assim isso não passa de um misto de “Uma noite no museu” com “Meia noite em Paris”? Ok, você venceu, sou um fracasso como roteirista…

Brincadeiras à parte, esta ideia é meio inevitável quando se visita a National Portrait Gallery, um museu único e exclusivamente dedicado a retratos. Lá, estão os originais de muitas das imagens que conhecemos – e outras que não são tão populares assim. Telas com imagens de Shakespeare, das irmãs Brontë, de Robert Louis Stevenson, de Jane Austen, de Charles Dickens, de Lord Byron, de Jonathan Swift. As fotos (e não as reproduções) de Oscar Wilde, Edgar Allan Poe, Virginia Woolf, James Joyce, Beatrix Potter… Imagina se eles se descolassem dali!

Só os escritores entrariam no meu filme, mas claro que não são apenas eles que estão pelas paredes. Há reis, rainhas, nobres, pintores, músicos, políticos, celebridades, cientistas (o portrait de Darwin é impressionante!), inventores, roqueiros e ricos das mais variadas espécies. Há pinceladas de todos os famosos que o Reino Unido já viu e produziu.

Vá a Londres, visite a National Portrait Gallery. E depois me diga se o meu roteiro, mesmo que óbvio, não seria um sucesso…

Eu e Shakespeare, feitos um para o outro

Eduardo Bueno e Robert Louis Stevenson

Eu e as irmãs Brontë, na tela sozinha está Emily Brontë, autora do "O morro dos ventos uivantes"

Jane Austen, desenhada por sua irmã (e eu no reflexo)

Charles Dickens era lindo!

Mas Lord Byron era mais lindo ainda!

 *Paula Taitelbaum e Eduardo Bueno visitaram a National Portrait Gallery no final de junho.

O primeiro manuscrito de Shakespeare

O americano Henry Clay Folger (1857 – 1930) adquiriu seu primeiro original de Shakespeare em 1893. É isso mesmo, você não leu errado: estamos falando dos manuscritos originais das peças de um dos maiores dramaturgos de todos os tempos! Depois de ter em mãos o primeiro, conseguir os outros virou obsessão. Durante 35 anos, Folger conseguiu juntar cerca de 82 originais dos 232 que se tem notícia, e agora eles estão em exposição na Folger Shakespeare Library, espaço fundado por ele em Washington para abrigar suas relíquias.

Sala de leitura da Folger Shakespeare Library

O curador Owen Williams examina os demais manuscritos guardados em um cofre no subsolo da Folger Shakespeare Library

Além dos 82 originais de Folger (entre eles o primeiríssimo fólio de Shakespeare), outras 10 peças originais que pertencem a outro colecionador também fazem parte da exposição Fame, Fortune & Theft: The Shakespeare First Folio, que vai até o dia 3 de setembro.

O primeiro fólio de Shakespeare em exibição

Não fosse por estes colecionadores ávidos como Henry Clay Folger e outros que o antecederam, talvez não conheceríamos hoje obras como A tempestade, Macbeth, Noite de Reis e Júlio César.

Leia mais sobre o acervo e outros detalhes da exposição no jornal The New York Times.

Sobre “Millôr Definitivo”

Mais de 600 páginas de Millôr em estado puro

Este livro espetacular é o resultado de uma verdadeira operação “pente-fino” na obra de Millôr Fernandes. Muitas foram as pessoas que colaboraram no “rastreamento” das frases deste grande intelectual brasileiro, dentro e fora da L&PM. Mas foi aqui na editora que executamos a monumental tarefa de selecionar, reunir, “xerocar” e assinalar quase 10.000 frases. Esta equipe foi capitaneada por Jó Saldanha, Fernanda Veríssimo e por mim. Consultamos as coleções de “O Cruzeiro”, “Veja”, “Isto É”, “O Pasquim”, “Pif-Paf”, “Jornal do Brasil” e todos os livros publicados por Millôr como “30 anos de mim mesmo”, “A história é uma história”, “A verdadeira história do Paraíso”, “O livro vermelho dos pensamentos de Millôr”, “Fábulas fabulosas”, “Hai-kais”, “Poemas” entre muitos outros, além das 21 peças de teatro originais, criadas por ele (para quem não sabe, Millôr também traduziu mais de 100 peças de teatro, entre elas “Hamlet”, “Rei Lear” e “A megera domada” de Shakespeare, “Pigmaleão” de Bernard Shaw e “Gata em telhado de zinco quente” de Tennessee Williams. O material original, com as páginas de livros, jornais e cópias de revistas formariam uma pilha de mais ou menos três metros de altura, caso fossem empilhadas, é óbvio… Millôr analisou as 10 mil frases e cortou mais de 4 mil. Foram aprovadas 5.142 frases. O trabalho começou em 1988 e o livro saiu finalmente em 1994 com um mega lançamento na churrascaria Marius em Ipanema, Rio de Janeiro. Um mês depois, faríamos outro grande lançamento na pizzaria “Birra e Pasta” em Porto Alegre, numa grande festa comemorando os 20 anos da L&PM Editores. De lá para cá, este livro já vendeu bem mais de 50 mil exemplares.

São mais de 600 páginas de Millôr Fernandes em estado puro. Há no mercado uma edição de luxo em capa dura, no valor de R$ 74,00 e  a versão em bolso, com texto integral por R$ 29,00. É um fantástico conjunto de preciosidades intelectuais. Uma síntese do pensamento de Millôr Fernandes. Frases que marcaram nossa história recente e traduzem de maneira genial o que se viu, sonhou, sofreu e vibrou nestas últimasd décadas. (Ivan Pinheiro Machado)

 

Algumas verdades sobre a morte de Ofélia

Segundo historiadores da Universidade de Oxford, a morte de uma menina perto de Stratfort-upon-Avon, cidade natal de William Shakespeare, em 1569, teria inspirado a famosa morte de Ofélia, uma das cenas finais da peça Hamlet. Shakespeare tinha apenas 5 anos de idade quando correu pela cidade a notícia de que a pequena Jane Shaxspere morreu afogada após cair num rio enquanto apanhava flores. O fato parece ter impressionado tanto o pequeno William, que cerca de 40 anos depois, ele descreveu assim o fim de sua Ofélia (aqui, com tradução de Millôr Fernandes):

(Entra a Rainha)
REI: Que foi, meiga Gertrudes?

 RAINHA: Uma desgraça marcha no calcanhar da outra,
Tão rápidas se seguem. Tua irmã se afogou, Laertes.

 LAERTES: Afogada! Oh, onde?

 RAINHA: Há um salgueiro que cresce inclinado no riacho
Refletindo suas folhas de prata no espelho das águas
Ela foi até lá com estranhas grinaldas
De botões-de-ouro, urtigas, margaridas
E compridas orquídeas encarnadas
Que nossas castas donzelas chamam dedos de defuntos
E que os pastores, vulgares, dão nome mais grosseiro.
Quando ela tentava subir nos galhos inclinados,
Para aí pendurar as coroas de flores,
Um ramo invejoso se quebrou;
Ela e seus troféus floridos, ambos,
Despencaram juntos no arroio soluçante
Suas roupas inflaram e, como sereia,
A mantiveram boiando um certo tempo;
Enquanto isso ela cantava fragmentos de velhas canções,
Inconsciente da própria desgraça
Como criatura nativa desse meio,
Criada para viver nesse elemento.
Mas não demoraria para que suas roupas,
Pesadas pela água que a encharcava
Arrastassem a infortunada do seu canto suave
À morte lamacenta.

A cena da morte de Ofélia foi imortalizada por diversos artistas, entre eles John Everett Millais, que quase matou sua modelo Lizzie Siddall ao deixá-la tempo demais deitada numa banheira de água fria! Pelo menos o resultado valeu a pena:

A morte de Ofélia, de John Everett Millais

"A morte de Ofélia", de John Everett Millais

Bob Dylan e sua nova casa

Por Paula Taitelbaum*

Ler ao som de Forever Young

Bob Dylan sete vezes dez. “Like a Rolling Stone Age”. Setenta anos na ativa. Altivo: Forever Young. Bob Dylan que nasceu Robert Allen Zimmerman em 24 de maio de 1941. Mas mudou. Inventou fases e faces. Fez, tez, não perdeu a vez. Bob Dylan nos anos setenta. Oitenta. Noventa. Cem. Sem máscaras, sem mordaças, sem…pre mordaz. Bob Dylan americanamente desamericano. Talvez insensato, mas jamais insano. Bob Dylan declaradamente leitor influenciado por Arthur Rimbaud, ThoreauBaudelaire, Jack Kerouac. Amigo de Allen Ginsberg. E amante de Joseph Conrad, Franz Kafka, Mark Twain, John Steinbeck, Lawrence Ferlinghetti, William Shakespeare e até Sun Tzu. Bob Dylan que é L&PM: Lyric, Poet, Master. E que por isso, com certeza, aqui se sentiria em casa… E não apenas na casa dos setenta – esta na qual ele entra hoje como uma pedra que rola.

Bob Dylan e Allen Ginsberg junto ao túmulo de Jack Kerouac em 1976

* Paula Taitelbaum é escritora, coordenadora do Núcleo de Comunicação da L&PM e fã confessa de Bob Dylan.

“Gnomeo e Julieta” reconta o clássico de Shakespeare em 3D

Já está nas salas de cinemas da França a animação Gnomeu e Julieta, baseada na clássica tragédia de Shakespeare. O filme, produzido pelo cantor Elton John, conta em 3D a história de dois anões de jardins de famílias rivais que se apaixonam e enfrentam todos os obstáculos para ficar juntos. O muro que divide os dois terrenos é apenas o começo!

Além de driblar a presença dos humanos, donos dos jardins onde eles vivem, Gnomeu Monteque e Julieta Capuleto têm que enfrentar a rivalidade de suas famílias. Os Monteque usam chapéu azul e os Capuleto, gorro vermelho. Não há como se misturar sem ser percebido e o segredo é não chamar a atenção. O resto da história você já conhece…

Na versão que estreia no Brasil no dia 4 de março, os atores Daniel de Oliveira e Vanessa Giácomo fazem as vozes dos personagens principais. Veja o trailer dublado:

A peça Romeu e Julieta, de William Shakespeare, faz parte da Coleção L&PM Pocket.

Maratona de Shakespeare nas Olimpíadas

Ainda falta mais de um ano, mas como o tempo passa voando, não custa nada avisar com antecedência. Durante as Olimpíadas de 2012, em Londres, acontecerá uma outra espécie de competição (essa sem direito à medalha). O teatro Shakespeare’s Globe será palco (ou seria melhor dizer pista?) de uma maratona teatral que irá apresentar 38 peças de Shakespeare nos mais variados idiomas. “A megera domada” será encenada em urdu, “O Rei Lear” em língua aborígene, “Trabalhos de amor perdidos” em libras (a linguagem de sinais) e ainda haverá peças em maori, turco, grego, lituano e os mais distantes dialetos que se possa imaginar como o zimbaubuano shona. As apresentações começam em 23 de abril, dia do aniversário de Shakespeare, e entram Olimpíadas a dentro. Mas enquanto 2012 não chega, vá curtindo Shakespeare em português. A L&PM tem praticamente todos os títulos do maior de todos os bardos.

O vídeo abaixo mostra o local onde a maratona de peças vai acontecer, através de uma apresentação bastante didática do Shakespeare´s Globe:

Só para os fortes: La Fura Dels Baus trará Tito Andrônico para o Brasil

Prepare todos os seus sentidos. Em 2011, o grupo performático catalão La Fura Dels Baus, trará ao Brasil o espetáculo “Degustación de Titus Andrónicus”. A peça, cujos ingressos já estão à venda, levará o espectador ao mundo de Tito Andrônico, um poderoso general da Roma Antiga criado por Shakespeare. Com seu estilo performático que mistura cenografias gigantescas, técnicas circenses, teatro digital, pirotecnia e música ao vivo, La Fura… transformou o texto shakespeariano em uma experiência sensorial. Os espetáculos em São Paulo já estão confirmados na temporada brasileira que vai de 11 de agosto a 25 de setembro e os ingressos estão à venda pelo telefone (11)3803-9964 com preço promocional de R$ 200 (mais próximo da data de estreia eles vão custar R$ 300).  

Cena de "Degustação de Tito Andrônico" do grupo catalão La Fura Dels Baus

Tito Andrônico (Coleção L&PM POCKET) é considerada a peça mais cruel e violenta de Shakespeare e, encenada pelo grupo catalão, ganhou contornos ainda mais chocantes. Como o próprio título da adaptação propõe, o público não apenas assiste, como degusta o espetáculo. Em meio à encenação, são servidos pratos elaborados pelos chefs do famoso restaurante espanhol Mugaritz. As iguarias, no entanto, representam “as entranhas dos filhos do imperador romano Tito”. É o La Fura Dels Baus misturando gastronomia e violência com muito impacto. Se você tem estômago forte, reserve já o seu lugar.

Shakespeare em Machado de Assis

Por Luís Augusto Fischer*

Não há ficcionista brasileiro que tenha lido e aproveitado mais a Shakespeare do que Machado de Assis; e não há autor que mais tenha influenciado o brasileiro do que o gênio inglês. Desde a juventude, nosso maior escritor frequentou as páginas teatrais e poéticas do autor do Ham­let, e isso numa época em que o prestígio cultural da língua inglesa no Brasil era pequeno, muito menor do que o do francês. Machado sabia que ali, e não em seus estimados franceses Voltaire, Pascal e Victor Hugo, estava a chave para os maiores segredos da psicologia humana, que sua literatura iria explorar com profundidade inédita em português.

Machado traduziu, parafraseou e citou Shakespeare desde sua juventude. A partir de 1870 essa relação se intensificou, em parte pelo amadurecimento do próprio autor brasileiro (nascido em 1839), em outra parte pela chance que teve de assistir a um conjunto expressivo de interpretações de peças shakesperianas feitas por uma companhia italiana de passagem pelo Brasil; foi a primeira vez que Machado (e talvez todo o país) pôde ver como era uma ótima montagem europeia do grande autor inglês, e registrou suas impressões em crônica da época.

Mas as maiores provas da importância do bardo inglês na obra do brasileiro acontecem em seu apogeu. A primeira vez que saíram publicadas as Memórias Póstumas de Brás Cubas, em folhetim, lá estava uma epígrafe shakesperiana, de As You Like It, em tradução do autor: “Não é meu intento criticar nenhum fôlego vivo, mas a mim somente, em quem descubro muitos senões”. Seu primeiro grande romance, assim, vem precedido de Shakespeare, que funciona aqui como um parachoque autocrítico.

Depois o mesmo dramaturgo apareceu em muitos contos memoráveis (como A Cartomante) e em crônicas, até ganhar sua maior homenagem em terras brasileiras, nada menos que o nervo psicológico do mais importante romance machadiano, Dom Casmurro. Ocorre que Bentinho reencarna o ciumento Otelo – esta peça foi citada 28 vezes por Machado, em narrativas, peças e artigos –, vivendo o sentimento em seu cotidiano e medindo Capitu com Desdêmona, aquela culpada, esta inocente.

Machado sabia que, para ser grande, era preciso conhecer os maiores; Shakespeare foi a melhor referência que nosso grande autor poderia ter escolhido.

*A crônica acima foi originalmente publicada na pg. 6 do Segundo Caderno do Jornal Zero Hora  (link exclusivo para cadastrados) em 4 de janeiro de 2011.