Woody Allen habla español

Por Janine Mogendorff*

A 19ª edição do Porto Alegre Em Cena está a todo vapor. Diferentemente das outras vezes, não madruguei na fila para comprar os melhores ingressos, o que deve ser um indício de alguma coisa, mas isso não vem ao caso. O fato é que mesmo assim consegui comprar uma boa seleção de espetáculos, incluindo montagens uruguaias e argentinas, as minhas preferidas (talvez em função das minhas raízes, diretamente da terra do dulce de leche).

Uma das que destaco é Humores que matan (Central Park West), texto de Woody Allen adaptado por Fernando Masllorens e Federico González del Pino. O diretor, o uruguaio Mario Morgan, que já trabalhou com Ricardo Darín e Norma Aleandro, havia dirigido uma montagem da peça nos anos 90, com o mesmo casal de protagonistas, formado por Laura Sánchez (Phyllis, a psiquiatra) e Franklin Rodríguez (Sam, o advogado).

Woody Allen escreveu o texto durante a turbulenta separação da atriz Mia Farrow, e é possível sentir essa turbulência em cada linha do texto. Ambientado num belo apartamento em Manhattan (mais uma ponte com a realidade), Central Park West é a história da dolorosa separação de um casal bem-sucedido profissionalmente. Phyllis, a psiquiatra, acaba de ser abandonada pelo marido. Para dividir as dores, liga para a melhor amiga, Carol. Logo o jogo de aparências é revelado, e valores como fidelidade e amizade escorrem pelo ralo. A chegada dos respectivos maridos apimenta ainda mais a situação, que – típico Woody Allen – beira a tragédia, mas sempre arrancando aquele riso nervoso.

Já tinha assistido Laura Sánchez num famoso programa humorístico que passava na televisão uruguaia (Plop!) e pude comprovar aqui sua versatilidade como atriz. Também já tinha lido o texto de Woody Allen, que é delicioso. Mas a experiência do teatro é incomparável. Em um cenário enxuto, esses quatro personagens se digladiam como ferozes leões. Verdades são atiradas como balas. Apesar de vivos, ninguém sai inteiro do palco. A chegada de um quinto elemento leva a situação ao limite e aí sim é disparado um tiro, que explode de vez a situação. Woody Allen expia suas culpas, ao mesmo tempo que o espectador expia as suas. Um verdadeiro banho de sangue.

Em tempo: o teatro do CIEE, um belo teatro aqui de Porto Alegre, estava – sendo otimista – com a lotação pela metade. Mas, quando fui comprar o par de ingressos, consegui a muito custo dois lugares lado a lado, na plateia. Para quem são vendidos esses ingressos que lotam os assentos de fantasmas? Essa é uma pergunta que já me faço há diversas edições.

O elenco de "Humores que matan"

 * Janine Mogendorff é jornalista, editora da L&PM e uruguaia (mas fala português sem nenhum sotaque). 

Central Park West é uma das peças que está no livro Adultérios, publicado na Coleção L&PM Pocket.

O detetive do coração

Um belo dia, almoçando no Corner House, fiquei encantada com uma conversa sobre estatísticas que ouvi de uma mesa logo atrás da minha. Virei o pescoço e consegui enxergar de relance uma cabeça calva, um par de óculos e um sorriso bem aberto; ou seja, avistei o sr. Parker Pyne. Nunca antes havia dado atenção a estatísticas (e, de fato, ainda hoje raramente lhes dou importância!), mas o entusiasmo com que elas estavam sendo discutidas aguçou meu interesse. Estava recém começando a desenvolver a ideia de uma nova série de histórias curtas e decidi, naquele instante, qual seria a linha geral e a abrangência dos contos e, mais tarde, me diverti ao escrevê-los. Meus favoritos são O caso do marido descontente e O caso da mulher rica; a temática deste último me foi sugerida dez anos antes, quando uma desconhecida me abordou enquanto eu admirava a vitrine de uma loja. Ela falou com extrema virulência: “Gostaria de saber o que fazer com todo o meu dinheiro. Enjoo demais para ter um iate, já possuo alguns automóveis e três casacos de pele e comida pesada demais me revira o estômago”. Pega de surpresa, sugeri: “Que tal os hospitais?” Ela bufou: “Hospitais? Não estava falando em fazer caridade. Quero fazer o meu dinheiro valer a pena”, e partiu enfurecida. Isso, é claro, aconteceu há 25 anos. Hoje, qualquer problema dessa ordem seria resolvido pelo agente fiscal do imposto de renda, e ela provavelmente ficaria ainda mais enraivecida! ( Agatha Christie no prefácio de O detetive Parker Pyne, livro que acaba de chegar à Coleção L&PM Pocket)

Depois de 35 anos compilando estatísticas em uma repartição pública, o detetive Parker Pyne decidiu empregar seu conhecimento de forma inovadora: salvando casamentos, acrescentando aventura ou dando sentido à vida de seus clientes. No lugar de crimes insolúveis, ele se dedica a investigar os recônditos do coração humano. Mas engana-se quem pensa que ele só de conselhos sentimentais vive este personagem de Agatha Christie. O consultor sentimental também enfrenta ladrões e até mesmo desvenda assassinatos.

A primeira edição com as histórias do detetive Parker Pyne, publicada em 1934

A capa do livro que a Coleção L&PM Pocket acaba de lançar

Dia de Caio Fernando Abreu

Sempre é terrível para um escritor revisar seu próprio texto. Escrito às vezes num jorro de emoção, sem interrupções nem autocrítica, muitos anos depois corre-se o risco de rejeitar o filho crescido, independente, talvez feio, deformado. Perdão e amor, então, são os únicos sentimentos capazes de atenuar a crítica que, inevitavelmente impiedosa, não deverá jamais ser estéril ou esterilizante.

Assim Caio Fernando Abreu abre o livro Triângulo das águas que, em 1984, lhe rendeu o prestigiado Prêmio Jabuti.

De todos os meus livros, Triângulo das águas é certamente o mais atípico. Eu simplesmente posso dizer que não o escrevi: fui escrito por ele. Ao contrário de todos os outros, não seguiu nenhum seguro plano prévio. Eu simplesmente não sabia ao certo o que queria dizer ou contar. Para saber, foi preciso aceitar escrevê-lo como pedia, foi preciso abandonar temporariamente São Paulo para viver um ano num quarto de hotel em Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Ele exigia liberdade, solidão, desprendimento, descobri depois.

Caio nasceu em Santiago do Boqueirão, cidade do Rio Grande do Sul quase na fronteira com a Argentina. Chegou na manhã de 12 de setembro de 1948, em casa, pelas mãos de uma parteira, filho mais velho de Zaél Menezes de Abreu e Nair Loureiro de Abreu. Cresceu nessa cidadezinha com ruas de chão batido, pomar no quintal, animais soltos. Ele mesmo contava que havia começado a escrever ficção aos 6 anos, estimulado pela avó que era professora de português. Morreu precocemente em 25 de fevereiro aos 1996 aos 47 anos. Deixou muitas histórias e uma imensa saudade. Feliz Aniversário Caio!

Caio Fernando Abreu (à direita) aos sete anos e seu irmão José. Nessa época, ele já escrevia ficção.

Além de Triângulo das águas, a Coleção L&PM Pocket publica O ovo apunhalado, Ovelhas negras e também Fragmentos, uma coletânea de contos que traz um texto inédito, cedido por seu amigo Luciano Alabarse.

Novos selos poéticos

Os Correios acabam de colocar em circulação dois novos selos que homenageiam os poetas Fernando Pessoa e Cruz e Sousa, um português e outro brasileiro. O lançamento marcou o início do Ano de Portugal no Brasil e do Brasil em Portugal que ocorreu em um evento na sexta-feira, 7 de setembro, em Brasília e que contou com autoridades e representantes dos correios dos dois países. A emissão conjunta, com o tema “A Força da Língua Portuguesa”, é composta por se-tenant (conjunto de selos no qual o desenho transcende o picote dando continuidade à imagem) de dois selos, que apresentam as imagens em aquarela dos poetas, em arte de Luiz Duran, acompanhadas por versos dos poemas “Mar Português”, do livro Mensagem e “Ser Pássaro”, do Livro derradeiro. Os selos tem valor facial de R$ 2,00 cada e podem ser comprados na loja virtual ou nas agências dos Correios.

A maior de todas as revoluções contada como uma grande aventura humana

“A febre revolucionária é uma doença terrível (Nicolas Ruault)

Max Gallo conseguiu uma proeza em 2009. Colocar seu livro Revolução Francesa, divido em dois volumes, “O povo e o rei” e “Às armas, cidadãos”, em primeiro lugar na lista dos bestsellers parisienses, disputando posições com Stephenie Meyer (Eclipse), J. K. Rowling (Harry Potter), William Young (A Cabana) e, ça va sans dire, Amelie Nothomb, Paulo Coelho e outros blockbusters franceses e internacionais.

Foram milhares os livros escritos  sobre a grande revolução que mudou o mundo. Por que, de repente, esta história que foi contada exaustivamente durante mais de 200 anos volta às paradas de sucesso?

Porque Revolução Francesa de Max Gallo é um livro excepcional.

Ele consegue de forma mágica transformar um evento histórico numa grande saga humana. Os personagens têm sangue nas veias. Como num romance ele faz com que o leitor viva o drama das ideias e das paixões em conflito. O heroísmo e a traição. A busca por  liberdade a qualquer preço.

A nobreza e o rei Luis XVI de um lado, e do outro os libertários Robespierre, conhecido como o “Incorruptível”, Marat, Danton e dezenas de deputados radicais que implantam o regime do “Terror”. Primeiro, eles mandam o rei, a rainha Maria Antonieta e milhares de monarquistas para a guilhotina. Um ano depois, são eles que têm suas cabeças cortadas no frenético processo político que culminou no fim da monarquia e na Proclamação da República. Este processo alucinante durou 10 anos e termina seu ciclo com a chegada de Napoleão como protagonista da cena política francesa.

Revolução Francesa de Max Gallo descreve a emoção, o perigo, o tumulto, o choque e o drama que circulavam pelas ruas de Paris a partir da tomada da Bastilha em 1789. É uma versão surpreendente do maior acontecimento da Idade Moderna, definidor do mundo atual. Preciso do ponto de vista histórico, ágil como uma reportagem e emocionante como um romance. (Ivan Pinheiro Machado)

* A Série “Relembrando um grande livro” estreia hoje no Blog L&PM e toda semana trará um texto assinado em que grandes livros são (re)lembrados. Livros imperdíveis e inesquecíveis.

Novidades com a assinatura de Lawrence Ferlinghetti

Lawrence Ferlinghetti é mais do que um poeta e escritor brilhante, mais do que o dono da célebre livraria City Lights de São Francisco, mais do que amigo e editor de Allen Ginsberg, Jack Kerouac, William Burroughs e outros beats. Ferlinghetti é uma lenda viva que, aos 93 anos, segue na ativa, literalmente. “Time of Useful Consciousness” (“Tempo de consciência útil”) é seu mais recente livro que acaba de ser lançado nos Estados Unidos pela New Directions Book. O título é um termo da aeronáutica que define o momento da última consciência de uma pessoa, aquele breve espaço de tempo em que a vida ainda pode ser salva, mas que se está à porta da morte por falta de oxigênio. Pura metáfora…

Lawrence Ferlinghetti em frente a sua livraria, a City Lights, em São Francisco

O livro é um grande poema que, através do fluxo de consciência, mostra um Ferlinghetti cheio de ritmo e musicalidade, no mais puro estilo beat. Entre suas palavras, ele cita Bob Dylan, Johnny Cash e Woody Guthrie, dizendo que estes músicos são os “verdadeiros poetas populares da América”.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo sobre este lançamento, Ferlinghetti respondeu o que acha de e-books, e-commerce e todas essas novidades: “As redes de livrarias vão mal, mas não a City Lights. Nós estamos indo melhor do que nunca. Estamos nos beneficiando do fato de que somos a última livraria onde as pessoas podem ir e achar um livro de verdade. As pessoas vêm de todo lugar do mundo para buscar livros aqui. O que penso é que os e-books e toda a civilização eletrônica, a internet, o YouTube, Skype, tudo isso do mundo eletrônico, pode desaparecer em um segundo. Toda a civilização eletrônica. Pode acontecer a qualquer momento. Muitos cientistas respeitáveis do clima, hoje, advertem para o que chamam de “tipping point”, um mecanismo de esgotamento. Há fenômenos do tipo acontecendo em Miami, na Flórida, neste momento. Enquanto isso acontece, as mudanças climáticas acontecem, estão fazendo uma grande festa. Lord Byron escreveu um poema sobre a batalha de Waterloo. Descreve como, enquanto os canhões soavam a distância, as pessoas faziam uma grande festa na capital, alheias à destruição.”

Ninguém nasce poeta. Você se torna poeta, em geral contra sua vontade. Não se escolhe essa vocação. Quando eu cheguei a São Francisco, queria comprar um pedaço de terra e fundar uma vinícola“, disse ainda Ferlinghetti na matéria do Estadão.

Turma beat: em frente à livraria City Lights, o grupo é formado, entre outros, por Neal Cassady e Allen Ginsberg. Ferlinghetti é o da ponta, à direita.

Ainda este ano, a L&PM lançará o único romance escrito por Ferlinghetti, ainda inédito no Brasil: Amor nos tempos de fúria. Dele, também é publicado na Coleção L&PM Pocket Um parque de diversões na cabeça em edição bilíngue com poemas que têm tradução de Eduardo Bueno e Leonardo Fróes.

O dia em que Eduardo Galeano achou que estava no inferno

A notícia foi divulgada na semana passada em Montevidéu e vale a pena ser contada aqui. Principalmente para os que sabem o que é torcer por um time de futebol. Pouco mais de uma semana atrás, o escritor Eduardo Galeano passou alguns dias internado no Hospital Britânico de Montevidéu para realização de exames. Nesse período, deu entrada no mesmo hospital, com fratura dupla, o volante e ídolo da torcida do Peñarol, Tony Pacheco. O jogador foi alojado em um quarto ao lado de Galeano que, por sua vez, é torcedor fanático do time adversário, o Nacional. Eis que ao acordar de uma anestesia e ao se aproximar de seu quarto, Galeano, ainda meio zonzo, viu os corredores do hospital tomados de fãs do Peñarol com suas camisas e bandeiras. O jornalista uruguaio Darwin Desbocatti, que estava no local, relatou por rádio que, naquele momento, Galeano começou a gritar angustiado: “Estou no inferno! Estou no inferno!”. Passado o pesadelo e recuperado do susto, o escritor e o jogador acabaram trocando livros. Galeano ofereceu Os filhos dos dias e recebeu de Pacheco a sua autobiografia Simplesmente Tony. Digamos que foi praticamente como trocar camisas no final de um jogo.

São histórias como esta que Eduardo Galeano conta em seu livro Futebol ao sol e à sombra, um de seus tantos títulos publicados pela L&PM.

Fundação Andy Warhol vai leiloar seu acervo

A Fundação Andy Warhol para as Artes Visuais, criada em 1987, logo após a morte do artista, anunciou nesta quarta-feira que vai se desfazer de toda a sua coleção: parte do acervo será doado a museus e galerias e outra parte será leiloada pela Christie’s. O primeiro leilão será realizado no dia 12 de novembro e haverá também leilões online e “private sales”. O acervo da fundação é composto por pinturas, gravuras, fotografias e desenhos, alguns deles totalmente inéditos para o grande público.

O preço estimado deste autorretrato é de US$15 a US$20 mil

Esta serigrafia sobre um retrato de Jacqueline Kennedy feita em 1960 deve ser vendida por US$200 mil

Os fãs já podem começar a comemorar, pois uma parte significativa e até então inédita da obra de Andy Warhol finalmente vai vir a público. Mas por outro lado, a notícia divulgada nesta quarta-feira deixou os colecionadores de cabelo em pé, preocupados com uma provável queda no valor de mercado de suas obras, já que agora haverá muito mais peças à venda.

Pode parecer ingênuo da minha parte, mas esta situação me surpreende. Apesar de conhecer a logística dos leilões da Christie’s, uma das mais famosas e respeitadas casas de leilões de obras de arte do mundo, é preciso dizer que Andy Warhol não é Picasso. Ao contrário das obras do pintor espanhol, que são únicas e batem recordes de arrecadação em leilões pelo mundo, a reprodutibilidade é característica fundadora da pop art de Andy Warhol. E é justamente estas várias “cópias” que as tornam tão valiosas para a história da arte do século 20. (Nanni Rios)

A L&PM publica os Diários de Andy Warhol em 2 volumes e a biografia do pai da pop art na Coleção L&PM Pocket e mais o livro de fotos América.

Nova virada impressionista

Logo que inaugurou, a mostra “Paris e a Modernidade: Obras-Primas do Acervo do Museu d’Orsay de Paris, França” já causou impacto em São Paulo. Não apenas pelas obras apresentadas, 85 trabalhos vindos diretamente do acervo do Museu d’Orsay de Paris, mas também pela ideia de abertura: promover uma “virada impressionista” que manteve a exposição aberta durante uma madrugada inteira no CCBB paulista (Centro Cultural Banco do Brasil).

Agora, cerca de um mês após a abertura da mostra, o CCBB divulgou que uma nova virada vai acontecer na madrugada do dia 7 para o dia 8 de setembro. PAra completar, o horário de sexta, sábado e domingo foi estendido para até as 23 horas.

Monet, Renoir, Manet, Pissaro, Degas, Gauguin, Toulouse-Lautrec e Van Gogh são alguns dos artistas que fazem parte dessa exposição que já levou cerca de 100 mil pessoas ao CCBB.

Fila durante a noite, em frente ao CCBB de São Paulo, para ver a mostra dos impressionistas

SERVIÇO

O Que: Paris e a Modernidade: Obras-Primas do Acervo do Museu d’Orsay de Paris, França
Quando: De 4 de agosto a 7 de outubro
Horário: De terça-feira a quinta-feira, das 10h às 22h. De sexta-feira, das 10h às 23h. Sábados e domingos, das 8h às 23h.
Onde: CCBB – Rua Álvares Penteado, 112, Sé – São Paulo
Quanto: Grátis
Telefone: (11) 3113-3651 ou 3113-3652

Para quem quer saber mais sobre o assunto, a Série Encyclopaedia L&PM publica Impressionismo, um livro perfeito pra descobrir como tudo começou e quem eram os envolvidos neste movimento que revolucionou as artes.

Uma calorosa leitura sobre a Guerra Fria

A Guerra Fria durou de 1945 a 1990. Uma vida. Ou melhor, muitas vidas, se pensarmos na quantidade de gente que pereceu em meio ao conflito, vítima da instransigência e da incoerência presente no messianismo político. Como nasci em 1969, o assunto fez parte  dos jornais, das revistas e dos noticiosos televisivos da minha infância. Sempre anunciando nas entrelinhas o perigo de uma guerra nuclear e a ameaça dos comunistas “comedores de criancinha”. Para mim, soava como filme de ficção. Até que, em 1987, eu entrei na faculdade e, como toda universitária que se prezasse, coloquei um poster do Che Guevara na parede para orgulho do meu pai esquerdista. Mas fiz isso muito mais por simpatia do que ideologia, simplesmente porque os comunistas pareciam mais aguerridos e defensores dos fracos e oprimidos. Foi só quando o Muro de Berlim veio abaixo é que as minhas fichas também começaram a cair. E percebi que ninguém era realmente bonzinho nessa história. Como um filme que tivesse chegado ao fim, não pensei mais nesse assunto. Até que agora me vejo diante de Guerra Fria, o mais recente lançamento da Série Encyclopaedia. No livro, Robert J. McMahon explica de forma clara e deliciosamente literária como tudo começou e como se desenrolou o embate que quase culminou na Terceira Guerra Mundial. A tradução de Rosaura Eichenberg também está primorosa, cheia de ritmo e palavras que fluem com sonoridade impecável. Para completar, há fotos, mapas e um índice remissivo. Ainda não cheguei à página final, mas já recomendo como leitura obrigatória a todos aqueles que querem entender esse mundo em que vivemos, onde cada um quer puxar a brasa para o seu assado e impor suas próprias certezas. (Paula Taitelbaum)

Foto que está na pg 106 do livro: Evidência fotográfica de um sítio de lançamento de Mísseis Balísticos de Alcance Médio em San Cristobal, Cuba, outubro de 1962

Foto da pg 189: O Muro de Berlim vem abaixo, novembro de 1989

Um casamento clássico de conveniência, a aliança, estabelecida durante a guerra, entre a principal potência capitalista do globo e o principal advogado da revolução proletária internacional foi desde o início crivada de tensão, desconfiança e suspeita. Além do objetivo comum de derrotar a Alemanha nazista, pouco havia para cimentar uma parceria nascida de uma necessidade crítica, além de onerada por um passado repleto de conflitos. Afinal, os Estados Unidos haviam demonstrado uma hostilidade implacável ao Estado soviético desde a revolução bolchevique que lhe deu origem. Os governantes do Kremlin, por sua parte, viam os Estados Unidos como o cabeça das potências capitalistas que tinham procurado acabar com o regime comunista ainda nos primeiros tempos. (Trecho de Guerra Fria, de Robert J. McMahon)