SÉRIE OURO da L&PM Editores: uma grande coleção para todos os leitores

A “Série Ouro” é uma grande coleção de livros em formato 23 x 16 cm, papel pólen e acabamento especial de luxo, cujos volumes têm entre 600 e 1.000 páginas. O objetivo desta série é reunir várias obras de grandes autores com amplo material de referência, como texto biográfico, bibliografia do autor e comentários críticos e históricos dos textos publicados.

Com esta coleção, a L&PM Editores disponibiliza para o público leitor as principais obras de grandes autores clássicos, modernos e também grandes autores de quadrinhos, através de edições cuidadosamente planejadas, totalmente referenciadas e com traduções de reconhecida excelência, no caso de autores estrangeiros.

Já foram lançados os seguintes livros:

WILLIAM SHAKESPEARE – OBRAS ESCOLHIDAS – “Hamlet”, “Macbeth”, “Romeu e Julieta”, “Otelo”, “A megera domada” e outros textos num total de 12 comédias, tragédias e dramas históricos. As traduções são de Millôr Fernandes e Beatriz Viégas-Faria.

LIVRO DOS POEMAS – Mais de 400 poemas de autores brasileiros e portugueses do século XIV ao século XX, organizados de forma temática pelo escritor Sergio Faraco.

MACHADO DE ASSIS – “Memórias póstumas de Brás Cubas”, Quincas Borba” e “Dom Casmurro”. Os três principais romances de Machado em edição inteiramente revista e anotada, partindo dos textos estabelecidos pela edição crítica do Instituto do Livro, estabelecida pela comissão Machado de Assis. Inclui resumo biográfico, cronologia, ensaios críticos, mapas e panorama cultural do Rio de Janeiro na época do autor.

CLÁSSICOS DO HORROR – Os mais célebres romances do gênero: “Drácula”, de Bram Stoker, “Frankenstein”, de Mary Shelley, “O médico e monstro”, de Robert Louis Stevenson.

GARFIELD – de Jim Davis. “2.582 tiras”. 624 páginas de pura diversão com um texto crítico de Hiron Goidanich (Goida), especialista em quadrinhos e fã de gatos.

PRÓXIMOS LANÇAMENTOS:

FREUD – “A interpretação dos sonhos”. Edição integral e anotada. Pela primeira vez no Brasil em tradução direta do alemão, traz notas e comentários que Freud adicionou ao longo de sua vida. A edição é coordenada por renomados psicanalistas e professores.

FREUD – “Textos sociais” – “Totem e tabu”, “Psicologia das massa e análise do eu”, “O futuro de um ilusão”, “ O mal-estar na cultura” e “O homem Moisés e a religião monoteísta”.

BALZAC – “O Pai Goriot”, “Ilusões perdidas” e “Esplendores e misérias das cortesãs”. Excelentes e modernas traduções. Edição inédita que apresenta em sequência os três romances que Balzac considerava um livro só.

MOACYR SCLIAR“O Exército de um homem só”, “A guerra no Bom Fim”, “Os deuses de Raquel”, “O ciclo das águas”, “A festa no castelo”, “Max e os felinos” e “Os Voluntários”.  Todos os romances são precedidos de ensaio crítico de Regina Zilbermann e de introdução biobibliográfica.

FERNANDO PESSOA“Cancioneiro”, “Mensagem”, Odes de Ricardo Reis”, “Poemas de Alberto Caieiro”, “Poemas de Álvaro de Campos”, “Quadras ao gosto popular”, “Poemas dramáticos”. Introduções, organização e notas de Jane Tutikian.

SHERLOCK HOLMES (CONAN DOYLE) “O vale do terror”, “O cão dos Baskerville”, “Um estudo em vermelho”, “O signo dos quatro”, “Memórias de Sherlock Holmes” e “O último adeus”. Todos os romances e os principais contos protagonizados pelo célebre Sherlock Holmes.

A primeira vez de Dom Quixote

A primeira edição de Dom Quixote, datada de 1605

Foi em 16 de janeiro de 1605 que os espanhóis puderam ler, pela primeira vez, a primeira parte das aventuras de El Ingenioso Hidalgo Don Quixote de La Mancha. Lançado inicialmente em Madrid, o grande romance de Miguel de Cervantes somaria 126 capítulos, divididos em duas partes – sendo que a segunda só seria lançada dez anos depois, em 1615.

Dom Quixote é considerado o primeiro romance moderno da história. Em 2002, o livro foi eleito a melhor obra de ficção de todos os tempos pelo Clube do Livro da Noruega em uma pesquisa realizada com 100 renomados escritores de 54 países.

Terceiro livro mais traduzido no mundo, Dom Quixote só perde para a Bíblia e as obras completas de Lênin. Há, inclusive, versões em javanês e tibetano.

Muitos foram os pintores que retrataram Dom Quixote e seu fiel Sancho Pança, incluindo Picasso e Dalí. A partir de 1956, o pintor brasileiro Cândido Portinari começou a produziu uma série de desenhos em lápis de cor inspirada nos personagens de Cervantes.

Dom Quixote por Cândido Portinari

Dom Quixote surrealista por Salvador Dalí

O inconfundível Dom Quixote de Picasso

A Coleção L&PM Pocket publica Dom Quixote em dois volumes com tradução de Viscondes de Castilho e Azevedo. E também na Coleção Clássicos da Literatura em Quadrinhos.

Do primeiro encontro com Claudia Tajes à peça “Dez (quase) amores”

Por Paula Taitelbaum* 

Lembro da primeira vez que a Claudia Tajes veio falar comigo. O ano era 2000 e o mês era agosto. Eu já conhecia ela de nome e de vista, mas nunca tínhamos nos falado até aquele momento. O cenário era esse: Bar Ocidente lotado, música muito alta, luz difusa e um certo nível de álcool no sangue. Foi quando uma bela mulher de cabelos ondulantes aproximou-se de mim e falou que adorava os meus poemas. Acho que eu não contei isso pra Claudinha até hoje, mas levei uns bons minutos pra reconhecer que aquela era ela. Claudia me disse que ía lançar um livro também pela L&PM que, nessa época, já era a minha editora. Não lembro o que mais conversamos, mas tenho certeza de que ela me fez rir  (ela sempre me faz rir) e, quando chegou outubro, fui direto pra fila de lançamento do Dez (quase) amores na Feira do Livro de Porto Alegre. Eu e a minha barriga, pois nessa festa que nos falamos pela primeira vez eu já estava grávida e nem sabia. 

Na Feira, comprei o livro e ganhei um autógrafo adorável. Naquele mesmo dia, comecei a ler e não parei mais até terminar. E pensei “Nossa, essa Claudia Tajes é o máximo”. Dez (quase) amores traz dez histórias de amor que começam no colégio e vão seguindo uma ordem cronológica. Dez encontros que viraram desencontros. Dez desventuras em série que nos fazem rir pra não chorar. 

A partir daí, ficamos muito amigas e a Claudia lançou vários outros livros. Li todos eles. Mas continuei tendo Dez (quase) amores como o meu preferido. Talvez porque ele tenha sido o ponto de partida do meu primeiro encontro com a Claudia escritora. Talvez porque foi esse livro que nos aproximou. 

E agora, mais de uma década depois, eis que virei uma das atrizes da peça baseada em Dez (quase) amores. Meu papel é o de Gláucia, a melhor amiga da personagem principal. A adaptação para o teatro, dirigida por Bob Bahlis, estreou nos palcos em 2008 e Gláucia era interpretada por Claudia Meneghetti, atriz que faleceu no ano passado. Antes do Natal, Bob me ligou perguntando se eu aceitaria fazer a Gláucia em três apresentações especiais dentro da programação do Porto Verão Alegre. Aceitei, claro. Como não iria aceitar? 

*Paula Taitelbaum é escritora, coordenadora do Núcleo de Comunicação L&PM, atriz e amiga de Claudia Tajes. 

Eu e Carla Gasperin em foto de divulgação da peça

SERVIÇO 

O que: Dez (Quase) Amores – direção de Bob Bahlis
Quando: de 15 a 17/01, às 21h.
Onde: Sala Álvaro Moreyra
End.: Avenida Érico Veríssimo, 302 – Menino Deus
Quanto: R$ 25,00 Inteira
R$ 20,00 Clube ZH
R$ 12,50 Maiores de 60 anos
* Estudante (venda somente no teatro, duas horas antes do espetáculo):
Ter a qui: R$ 12,50
Sex a dom: R$ 20,00 

Maiores informações no site: http://www.portoveraoalegre.com.br/portal/php/detalhes.php?idp=1

Clássicos da literatura na Série Mangás

A Coleção L&PM Pocket está preparando, para  2013, os novos volumes da Série Mangás. Dessa vez, os títulos são clássicos da literatura adaptados e desenhados para agradar os fãs do estilo japonês. O primeiro volume será Hamlet, de Shakespeare. A tradução já foi feita por Alexandre Boide e agora o livro está em fase de paginação, com os ballons estão sendo preenchidos com a história em português. A previsão de chegada deste primeiro volume é março.

Aqui você pode ver os originais da clássica história shakespeariana em japonês:

Além de Hamlet, virão A arte da guerra, de Sun Tzu; O grande Gatsby, A metamorfose, O contrato social, Assim falou Zaratustra, Manifesto do partido comunista, Em busca do tempo perdido, Os irmãos Karamazov e Ulisses.

Por que não publiquei Glauber

Por Ivan Pinheiro Machado*

No inverno de 1977, bem no começo da editora L&PM, recebemos uma correspondência que não trazia o nome do remetente. Eu tinha 24 anos e, editor principiante, havia mandado cartas pedindo livros para mais ou menos 20 intelectuais brasileiros “de peso”. Passados dois meses, ninguém havia respondido. O carteiro só trazia contas a pagar. Mas recebemos uma, aparentemente o primeiro retorno. Muito curioso, abri o envelope e fui direto à assinatura. Ilegível. Li o texto datilografado em duas páginas de papel A4 e, nas primeiras linhas, identifiquei um dos destinatários da nossa busca por livros novos.

A assinatura era de Glauber Rocha. Ele queria publicar a sua obra e mencionava “vários livros” e especialmente uma história do cinema.

Na carta de junho de 1977, Glauber escrevia: “minha ‘História do Cinema’ tem mil páginas [“¦], é um livro original porque eu revelo entrevistas inéditas com cineastas do mundo todo e conto a História do ponto de vista de um cineasta que viveu por dentro da cozinha. […] Conto a verdadeira história do Cinema Novo, 15 anos de política e cultura. Não existe bibliografia de cinema que preste no Brasil”. E encerrava assim: “Não quero enviar originais pelo Correio. Mandem alguém ou venham aqui”. Através de amigos no Rio consegui o telefone dele. Liguei, ele mesmo atendeu e combinamos uma reunião dois dias depois no Rio.

Saí de Porto Alegre com chuva e frio e cheguei ao Rio sob um sol feérico que brilhava num céu sem nuvens. Deixei minha pequena bagagem no hotel e fui direto ao edifício na Lagoa. Ao sair do elevador, senti um cheiro forte de maconha. Segui o rastro que estava no ar e cheguei ao apê 201, emprestado por um amigo psiquiatra a Glauber Rocha e a sua namorada, uma deslumbrante loura colombiana.

Ao entrar no apartamento com vista para a lagoa Rodrigo de Freitas, Glauber ofereceu-me uma poltrona, uma cerveja e começou um longo, brilhante e exaltado monólogo sobre sua obra como escritor e sobre o potencial cinematográfico que a história do Rio Grande do Sul possuía. Ele sugeria uma filmagem da Guerra dos Farrapos com Marlon Brando no papel do líder da revolução, Bento Gonçalves. “Eu ligo pra ele e faço o convite. Ele me conhece. Vou propor uma participação na bilheteria.” E sugeria ainda que Sônia Braga fosse Anita Garibaldi. “Ela nasceu para ser a Anita”, disse. Por fim, mostrou-me dois calhamaços datilografados com cerca de 500 páginas cada um.

O primeiro era uma coletânea de “ensaios e observações filosóficas”, e o segundo era um “romance épico” que se chamaria “Django”, baseado na vida de João Goulart, o Jango. “Depois eu mostro a História do Cinema.” Eu observava perplexo aquela explosão verborrágica. Ele tinha uma fluência impressionante. Falava sobre o momento de abrandamento da ditadura, da genialidade de Golbery do Couto e Silva, o chefe do Gabinete Civil, que seria o “grande artífice do desmonte do regime”, era “o gênio da raça”, expressão que ele repetia sempre quando se referia ao Golbery e que acabou ficando célebre.

Depois de quatro horas ouvindo discursos, fui embora. Combinamos que eu retornaria no outro dia. Foi o que fiz. Lá chegando, tudo aconteceu como no dia anterior; mais uma sessão de discursos brilhantes. Ele falava, falava e, de tempos em tempos, fazia uma longa pausa arfando, exausto. Descansava um pouco e voltava a falar, falar.

A conversa (monólogo) acabou no começo da noite porque sua mulher lembrou que os dois tinham uma exibição especial de “Dona Flor e seus Dois Maridos”, o filme de Bruno Barreto. Combinei de voltar no dia seguinte para acertar os detalhes do contrato e pegar os originais dos livros. Foi o que fiz.

Cheguei às 15h e toquei a campainha. A loura atendeu a porta e, sem me convidar para entrar, disse constrangida: “o Glauber não pode atender, mas manda dizer que desistiu de publicar os seus livros”. E encerrou o assunto, fechando a porta na minha cara.

Fiquei ali parado por uns dois minutos tentando absorver aquele desfecho surreal. À noite voltei para Porto Alegre. Sem livro nenhum, mas pelo menos com esta curiosa história para contar.

Para ler toda a carta clique aqui

* Ivan Pinheiro Machado é editor da L&PM. Este texto foi publicado originalmente na coluna “Arquivo Aberto” do Caderno Ilustríssima da Folha de S. Paulo em 13 de janeiro de 2012.

Um lindo poema de Liu Xiaobo

UMA MANHÃ
para Xia, que viaja sozinha para o Tibete

Uma manhã
uma manhã com bocejos e cansaço
eu imagino
entre você e as terras altas
o céu é impensável
profundo
sem vento, sem nuvens, sem névoa
translúcido o azul evanescente como em nenhum outro lugar

Quando você foi
fiquei muito calmo
quando seu contorno desapareceu
cresceu um desejo de distância
como nas linhas das mãos pequenas
de crianças outro segue
por nossos corpos sinuosos
na busca pela palavra única

Seu círculo não precisa de asas
como um perfume, guiando a alma
os raios da manhã tremeluzem
um sentimento algo estranho
como um novo par de sapatos
pronto para a viagem

O tempo oscilante
engravida meus sonhos
as montanhas nevadas no ar rarefeito
colhem ansiosas
a fumaça de seu suspiro

Este poema é dos que está no livro Não tenho inimigos, desconheço o ódio – Escritos e poemas escolhidos, de Liu Xiaobo. Pela primeira vez é publicado em português, Liu Xiaobo é escritor, professor e ativista pelos direitos humanos e cumpre pena de 11 anos de prisão na China. Em 2010, ele foi o vencedor do Nobel da Paz, mas como ele  e seus familiares não têm permissão para sair da China, a medalha e o certificado do prêmio permaneceram sobre uma cadeira vazia durante toda a cerimônia.

A mulher que amava Dashiell Hammett

Dashiell Hammet foi uma lenda literária. Autor de O falcão maltês, editor da legendária revista Black Mask, detetive da Agência Pinkerton, o homem que foi destruído fisicamente pela perseguição política no período do macarthismo, foi um dos maiores escritores americanos de todos os tempos e, junto com Raymond Chandler, fundou o gênero noir, elevando as histórias policiais à categoria de grande literatura. Quando tinha 36 anos, Hammet conheceu a jovem Lillian Hellman, então com 24 anos, em um restaurante de Hollywood. Lillian se tornaria também uma grande escritora e dramaturga e, entre idas e vindas, os dois foram companheiros por 30 anos. O livro de contos O grande golpe, de Hammett, publicado pela Coleção L&PM Pocket, traz um prefácio de Lillian. É um emocionante relato escrito após a morte de Hammett. Leia aqui alguns trechos:

A morte dele chegou há quase cinco anos, em 10 de janeiro de 1961. (…) Quando conheci Dash, ele havia escrito quatro de seus cinco romances e era o escritor mais quente em Hollywood e Nova York. Não é extraordinário ser o mais quente em nenhuma das duas cidades – o novato mais quente muda a cada estação -, mas, no caso dele, era um interesse extra para os colecionadores de gente o fato de que o ex-detetive, que tinha cicatrizes nas pernas e uma reentrância na cabeça por brigar com bandidos, era um homem de boas maneiras, bem-educado, com visual elegante, descendente dos primeiros colonizadores, excêntrico, espirituoso e gastava tanto dinheiro com as mulheres que elas teriam gostado dele mesmo sem nenhuma dessas qualidades.

O sempre alinhado Dashiel Hammett

Na Primeira Guerra Mundial, no campo de batalha, a gripe o levou à tuberculose, e Hammet teve de passar anos em hospitais militares. Saiu da Segunda Guerra Mundial com efisema, mas como foi que ele chegou a entrar na Segunda Guerra Mundial, aos 48 anos de idade, é algo que ainda me desconcerta. Ele me ligou no dia em que o exército o aceitou para dizer que era o dia mais feliz de sua vida e, antes que eu pudesse dizer que não era o dia mais feliz da minha vida e perguntar sobre as velhas cicatrizes de seu pulmão, ele riu e desligou. Sua morte foi causada por um câncer de pulmão descoberto apenas dois meses antes de ele morrer. Como não era possível operar – duvido que ele tivesse concordado em fazer a cirurgia mesmo que fosse – resolvi não lhe contar sobre o câncer. O médico disse que quando começasse a dor, seria no braço direito e no lado direito do peito, mas disse também que ela podia nem começar. O médico estava errado: bastaram algumas horas para que a dor começasse. Hammett havia autodiagnosticado reumatismo no braço direito e sempre dizia que por causa dele havia desistido das caçadas. No dia em que fiquei sabendo do câncer, ele disse que o seu ombro da arma estava doendo de novo e pediu que eu lhe fizesse uma massagem. Lembro de me sentar atrás dele e massageá-lo torcendo para que ele sempre pensasse que era reumatismo e lembrasse das caçadas de outono. Mas a dor nunca mais voltou ou, se voltou, ele nunca mais disse nada. Ou talvez a morte estivesse tão próxima que a dor  no ombro se fundiu com outras dores.

Lillian Hellman e Dashiell Hammett em uma rara foto em que aparecem juntos, publicada na Revista LIFE em 1941

Ele não queria morrer, e gosto de pensar que ele não sabia que estava morrendo. Mas até hoje afasto de mim mesma o possível significado de uma noite, muito tarde, pouco antes de sua morte. Entrei no quarto dele e, pela única vez em todos os anos em que convivemos, havia lágrimas em seus olhos, e o livro estava fechado. Sentei-me ao seu lado e esperei um bom tempo antes de conseguir dizer:
– Você quer conversar?
Ele respondeu quase com raiva:
– Não. A minha única chance é não falar.
E ele nunca falou. Sua paciência, sua coragem e sua dignidade naqueles meses de sofrimento foram muito grandes. Foi como se tudo o que faz a vida de um homem tivesse se reunido para passar no teste: sofrer era uma questão particular. Que não devia ser invadida. Era raro até mesmo que ele pedisse alguma coisa.

Em 1999 foi feito um filme para a TV chamado "Dash and Lilly" que conta a relação entre o casal de escritores e tem Sam Shepard no papel de Dashiell Hammett

Na véspera do ano-novo, em 1960, deixei Hammett aos cuidados de uma simpática enfermeira e fui passar algumas horas com amigos. Fui embora da casa deles às onze e meia, sem saber que a enfermeira começou a me ligar alguns minutos depois. Quando entrei no quarto de Hammett, ele estava sentado à escrivaninha, com o rosto tão entusiasmado e excitado como nos tempos em que bebia. No colo, um pesado livro de gravuras japonesas que havia comprado muitos anos antes e de que gostava muito.
– Olhe para isso, querida. É maravilhoso.
Quando me aproximei, a enfermeira se afastou, mas ele pegou a mão dela e a beijou, com o mesmo jeito charmoso e sedutor dos bons tempos, erguendo o olhar para piscar para mim. O livro estava de cabeça para baixo, de modo que a enfermeira nem precisou resmungar a palavra “irracional”. Dali em diante – nós o levamos para o hospital no dia seguinte – nunca soube nem jamais saberei o que o irracional quer dizer. Hammet recusava qualquer medicação, qualquer ajuda de enfermeiras e médicos, numa espécie de determinada e misteriosa desconfiança. Antes da noite do livro de cabeça para baixo, nosso plano era nos mudarmos para Cambridge, porque eu havia sido contratada para lecionar em Harvard. Um livro de cabeça para baixo deve ter me dito que o fim havia chegado, mas eu não queria pensar dessa maneira, de modo que fui para Cambridge, encontrei uma casa de saúde para Dash e voltei naquela noite para lhe contar a respeito. Ele perguntou:
– Mas como vamos para Boston?
Respondi que contrataríamos uma ambulância e acho que pela primeira vez na vida ele disse:
– Vai ser muito caro.
Respondi:
– Se for, iremos de carroça coberta.
Ele sorriu e disse:
– Talvez fosse assim que devêssemos ter viajado, afinal.
Então me senti melhor naquela noite, segura de uma prorrogação. Eu estava errada. Antes das seis da manhã do dia seguinte, ligaram do hospital. Hammett havia entrado em coma. Quando atravessei o quarto até a sua cama, houve um último sinal de vida: seus olhos se abriram, surpresos, e ele tentou levantar a cabeça. Mas ele nunca mais recuperou a consciência. Morreu dois dias depois.

De Dashiell Hammett, a Coleção L&PM Pocket publica, além de O grande golpe, Mulher no escuro, Tiros na noite: a mulher do bandido e Tiros na noite: medo de tiro. Leia o prefácio de O grande golpe na íntegra aqui.