Nos anos 80, a L&PM editava uma revista chamada… Oitenta. O volume 7, publicado na primavera de 1982, trazia um texto de Gore Vidal chamado “O último crítico literário legível”, onde o escritor discorria sobre recordações de Edmund Wilson, autor de “Rumo à estação Finlândia” e considerado “o último representante de uma geração educada no ócio.” Clique sobre a imagem para ler o artigo.
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Revista especial sobre o filme “Na Estrada” chegou ao Brasil
Já falamos algumas vezes aqui no blog sobre a bela edição que a Revista francesa Trois Couleurs fez do filme “Na Estrada / On the Road” (baseado no livro de Kerouac) que foi lançada durante o festival de Cannes. Pois eis que encontramos a versão brasileira em uma banca do Rio de Janeiro! E pela bagatela de 10 reais. Não conseguimos descobrir se ela já chegou a outros estados do Brasil, mas se você conseguir encontrá-la, não deixe de levar para casa. A edição é um luxo só e por aqui a ela foi feita pela revista seLecT em parceria com a Trois. São 196 páginas com artigos, entrevistas e imagens exclusivas sobre o set de filmagens do longa metragem de Walter Salles, incluindo páginas do roteiro, croquis e muito mais. Imperdível!
É agosto: mês de cães danados
Há exatos 35 anos a L&PM editava o romance “Mês de cães danados” de Moacyr Scliar (1937-2011), então um jovem médico de 39 anos. Scliar já era conhecido nacionalmente por ser o escritor brasileiro que se destacava por abordar a chamada “temática judaica”. Sua literatura tratava do périplo dos judeus que fugiam das perseguições na Europa até a nova vida no Brasil. Scliar nasceu e cresceu no Bom Fim, o bairro judeu de Porto Alegre, filho de imigrantes russos. Até lançar “Mês de cães danados” ele era conhecido como autor de três clássicos da ficção judaico-brasileira; “A guerra no Bom Fim”, “O exército de um homem só” e “Os deuses de Raquel”.
Neste romance ele foge da sua temática para abordar o episódio da “Legalidade” no mês de agosto de 1961. Toda sua narrativa é construída em torno dos últimos dias de agosto – mês tido popularmente como “o mês dos cães danados” – daquele agitado ano de 1961, imediatamente à renúncia do então presidente Jânio Quadros. Os militares tentavam impedir que João Goulart, o vice-presidente, assumisse a presidência da República.
Através de uma narrativa nervosa – que se passa durante a crise da “legalidade” – este livro cativa o leitor até as suas últimas linhas. A trajetória de um homem, de tradicional família da fronteira do Rio Grande do Sul até a sarjeta de uma rua no centro de Porto Alegre. De rico filho de fazendeiro à mendigo e morador de rua. A história conta esta vida atribulada, os anos agitados, as aventuras, os amores e o heroísmo. “Mês de cães danados” é um livro especial dentro da extensa bibliografia de Scliar e uma das raras obras de ficção dentro da literatura brasileira a abordar ficcionalmente este que foi um mais críticos e importantes momentos da nossa história recente.
“Eu não faço entrevistas, eu dou entrevistas” (Gore Vidal)
Gore Vidal faleceu nesta terça-feira (madrugada de quarta no Brasil), aos 86 anos, em sua casa em Los Angeles. Considerado um dos intelectuais mais importantes dos Estados Unidos, escreveu romances, ensaios e roteiros de filmes. Era um crítico implacável do estilo de vida americano e da religiosidade que domina o sistema educacional. Segundo ele, os EUA vivem um sistema político de um só partido com duas alas direitistas. Candidato eterno ao Nobel da Literatura, era primo do ex-vice-presidente dos EUA Al Gore e meio-irmão da ex-primeira dama Jacqueline Kennedy. Gore Vidal andava de cadeira de rodas desde 2008, quando fraturou a coluna ao cair em um restaurante em Los Angeles. Morreu de complicações pulmonares.
Em Diários de Andy Warhol, Gore Vidal é citado algumas vezes, como no dia 15 de dezembro de 1981:
Tomei um Vibromycin e depois na minha aula de beleza fiquei com náuseas, então comi uma bolacha e tomei água. Estava chovendo, realmente sujo e úmido. Encontrei John Reinhold e fomos para nosso lugar de costume, que se chama Think Thin. Conversamos sobre desenho de joias. E Bob está tentando resolver quem devemos mandar entrevistar Farrah Fawcett. Gore Vidal se recusou, disse, “Não faço entrevistas – eu DOU entrevistas”. (Andy Warhol em Diários de Andy Warhol – vol. 1)
A busca de uma jovem mulher pelo orgasmo
A jornalista norteamericana Mara Altman perdeu a virgindade aos 17 e, depois de dois namoros sérios e outras transas esporádicas, aos 26 anos percebeu que nunca tinha chegado lá. Para descobrir – e experimentar – o tão famoso orgasmo, ela foi atrás de profissionais que pudessem ajudá-la. Psiquiatras, sexólogos, gurus e por aí vai atravessaram seu caminho. As aventuras e descobertas dessa espécie de périplo em torno do orgasmo virou um livro que, breve, será lançado pela L&PM. “Thanks for Coming: One Young Woman’s Quest for an Orgasm” ganhou o título de “O prazer é meu: a busca de uma jovem mulher pelo orgasmo” com tradução de Ana Luiza Lopes. Leia aqui, com exclusividade, um trecho deste livro cheio de humor e verdades.
Meu projeto não teve um início promissor. Há algumas semanas, marquei consulta com uma sexóloga chamada Melinda. Ao entrar no seu consultório, estava extremamente ansiosa. Suava como se tivesse atravessado uma floresta – poças d’água se formavam sob meus braços, assim como pequenos redemoinhos sobre meu lábio superior.
Melinda me disse que ficasse à vontade no seu sofá florido, que era totalmente inadequado. Caso me sentasse na borda, meus pés balançavam; se me apoiasse no encosto, minhas pernas ficavam esticadas como as de uma criancinha numa camionete. Melinda não podia falar sobre sexo comigo enquanto estivesse sentada daquele jeito. A sensação seria de algo quase pedófilo. Decidi pelas pernas cruzadas em posição de ioga e tentei ficar zen.
Ela lembrava a Bette Midler, porém mais inchada. Imagine a Bette Midler com cabelos mais compridos e metida num uniforme de futebol americano. Agora, imagine que, em vez de deslizar num palco cantando sobre amor, ela está à sua frente incitando você a cantar sobre seus entraves sexuais. “Nunca tive um orgasmo”, desabafei.
Comecei a detalhar minhas teorias – talvez estivesse me rebelando contra meus pais, um casal de hippies que ama o sexo; talvez estivesse me definindo por comparação com a minha melhor amiga, que respira orgasmos; talvez meu problema fosse causado pelo muçulmano que namorei na Índia, um cara que não sabia nem o que era punheta –, mas ela me cortou e começou a discorrer sobre o que acontece com o corpo quando nos excitamos.
“A genitália se enche de sangue… lateja.”
“Espere aí”, exclamei. “Dá para voltar um pouquinho?” Senti como se estivesse no nível três e ela tivesse pulado direto para o dez.
“Vá pra casa e estimule o seu clitóris”, continuou.
CLI-tóris? É assim que se fala? Eu tenho dito cli-Taurus, como se fosse um modelo de Ford sedan que precisa ser acionado por uma chave especial antes que eu possa levá-lo para dar uma volta pela cidade.
Racionalmente, eu sabia que bastava enfiar nas minhas partes baixas um desses vibradores em formato de coelho de que todo mundo fala e acabar logo com aquilo. Mas eu não via a questão como um problema meramente físico. Queria entender por que, apesar dos inúmeros vibradores que ganhara ao longo da vida, eu ainda não havia tentado usá-los.
Para mudar de assunto, disse a ela que estava pensando em escrever um livro sobre o processo. Até aquele momento, estivera tão envolvida com o trabalho, tão obcecada em fazer algo importante na vida, que era totalmente possível minha vagina ter sumido sem que eu notasse. A única maneira de levar aquilo a sério seria fazer do orgasmo o foco do meu trabalho, tornar aquela odisseia parte do meu cotidiano de escritora e jornalista.
“Péssima ideia”, declarou a sexóloga.
Segundo ela, escrever sobre o orgasmo seria a pior atividade para alguém que desejasse experimentá-lo.
“Você não pode pensar sobre o orgasmo”, afirmou. “Quanto mais ponderar sobre o orgasmo, mais improvável se tornará. É preciso relaxar.”
Em outras palavras, ela continuava a cantar seu mantra: Deixe de drama e estimule o seu clitóris!
(Trecho de O prazer é meu: a busca de uma jovem mulher pelo orgasmo, de Mara Altman, com previsão de lançamento no Brasil em novembro de 2012)
Em 2009, quando seu livro foi lançado nos EUA, a Revista Marie Claire conversou com Mara Altman. Clique aqui para ler a entrevista.
É Dia do Orgasmo!
31 de julho é o Dia Mundial do Orgasmo. A data foi criada em 1999 por diversas redes de sex shops britânicas para aquecer as vendas de produtos eróticos e incentivar debates sobre o prazer sexual feminino. Mas é sempre bom lembrar que livros podem ser tão estimulantes quanto produtos de sex shops. A L&PM tem uma série que inclui o Kama Sutra mais poemas, contos, romances e até quadrinhos. Tudo para você comemorar que a leitura da noite combine com o dia de hoje. Clique aqui e conheça os títulos desta série.
O que vale mais, o escritor ou o livro?
Por José Roberto Torero*
O que é mais importante, o criador ou a criatura?
Eu prefiro a criatura. Não me importa muito se um autor tem 18, 68 ou 118 anos, se é um office-boy, um acadêmico ou uma striper, se nasceu na Mooca, em Londres ou em Pokhara, a cidade-lago do Nepal.
O que me importa é o livro. Mas muitos preferem o escritor.
É claro que tem o seu sabor saber quem escreve uma obra. Eu mesmo, quando pego um livro na livraria, dou aquela olhada na orelha para ver a foto do autor e ler sua biografia. Mas isso deve ser apenas a cereja do bolo, não seu recheio; deve ser apenas uma nota de rodapé, não a cabeça da reportagem.
O culto à personalidade tem crescido tanto que em várias resenhas você fica sabendo onde nasceu o escritor, com quem ele é casado e o escândalo que deu em sua adolescência, mas quase nada sobre a obra.
A orelha está sendo mais valorizada do que as páginas do livro.
O cartunista Laerte, por exemplo, é brilhante desde os tempos da editora Oboré, quando fazia ilustrações para sindicatos, mas nunca ganhou tanto destaque quanto depois de praticar o crossdressing.
João Ubaldo é provavelmente nosso melhor romancista vivo, mas nos últimos anos lembro mais de reportagens sobre seu problema com álcool do que críticas a seus livros. Uma imensa injustiça.
Dalton Trevisan e Rubem Fonseca são escritores excelentes, dois dos nossos melhores contistas. Mas sempre são lembrados pelo fato de não darem entrevistas, de serem um tanto reclusos. Ou seja, não quererem ser notícia os transforma em notícia.
É como se a crítica estivesse mais para revista Caras do que para Jornal de Resenhas.
Este culto à personalidade do autor não é exclusividade do Brasil. Lá fora acontece o mesmo. Talvez até mais. Um bom exemplo é JT LeRoy. Ou Jeremiah “Terminator” LeRoy.
A história é a seguinte: Laura Albert, uma ex-punk, já passada dos trinta anos, queria ser escritora. Mas percebeu que sua persona era pouco interessante. Então inventou JT LeRoy para assinar seus livros. Ele seria um jovem de quinze anos, ex-viciado em heroína, que teria sofrido abuso sexual na infância e se prostituído para sobreviver.
Os dois primeiros livros de JT fizeram bastante sucesso. No começo, ele (ou melhor, Laura) só dava entrevistas por telefone. Mas logo ela arranjou uma modelo (sua cunhada Savannah Knoop) para se passar por JT. Assim a personagem passou a aparecer em público, a falar com celebridades e a ir em festas, muitas festas. Até para a Flip JT foi convidado.
Dez anos depois, quando a farsa foi descoberta, um diretor de cinema que tinha comprado os direitos para filmar um de seus livros quis desfazer o negócio. Seu argumento foi de que, mais importante que a história, era a persona de seu autor que traria sucesso à produção. E ele ganhou a causa.
Claro que se trata de um caso extremo. Mas os casos extremos servem para evidenciar o que é um tanto sutil, um tanto subterrâneo.
Creio que muito deste culto ao autor é culpa dos autores românticos, que buscavam o mito de escritor maldito, de serem bafejados pelos deuses (ou pelos demônios). Eles devem ter conquistado muitas senhoritas assim. Mas, de quebra, deram ao escritor uma aura que o deixa diferente dos outros mortais. Uma bobagem.
Não se quer saber a biografia do médico que nos opera, do marceneiro que fez nossa mesa, nem do professor que ensina nossos filhos (o que seria bem mais importante). Mas do escritor, sim. E ela não tem a menor importância. Pelo menos, não literariamente.
De qualquer forma, se você está escrevendo seu primeiro livro, aconselho a gastar menos tempo com o texto e mais com sua autobiografia. Invente algo bem criativo. Diga que tem dois sexos, que é especialista em magia negra, que sua mãe assassinou seu pai e que foi amamentado por lobos.
E, se der uma entrevista, não esqueça de uivar no final.
*José Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em 1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho de Barrabás. É colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998. Escreveu também para o Jornal da Tarde e para a revista Placar. Dirigiu alguns curtas-metragens e o longa Como fazer um filme de amor. É roteirista de cinema e tevê, onde por oito anos escreveu o Retrato Falado.
O texto acima foi publicado originalmente em sua coluna da agência Carta Maior em 17 de julho de 2012.
Simon’s Cat: amor à primeira vista
Em menos de três meses do seu lançamento, o primeiro álbum do Simon’s Cat já teve três reimpressões. Devido ao sucesso, foi antecipada a edição em livro de bolso e ele acaba de sair na Coleção L&PM POCKET em dois volumes que conviverão nas livrarias com o álbum de luxo recém lançado. Nos próximos seis meses serão lançados dois álbuns inéditos com mais de 200 histórias do “Simon’s Cat” em cada um. O sucesso é total e o Brasil aos poucos vai entendendo porque as animações do gato de Simon Tofield tem mais de 220 milhões de fãs no Youtube.
Nova Casa de Cultura Stefan Zweig abre suas portas para o público
Stefan Zweig não é um nome muito popular no Brasil. Mas merecia ser. Famoso escritor austríaco que visitou o Brasil em 1936, Zweig era romancista, contista, ensaísta e biógrafo de personalidades como Maria Antonieta, Montaigne, Américo Vespúcio e Balzac. Ligou-se eternamente ao Brasil quando, em 1941, já morando em Petrópolis no Rio de Janeiro, lançou o clássico ufanista Brasil, um país do futuro, livro que fez grande sucesso na época. Sensível e emotivo, ficou tão deprimido pela guerra, pelo avanço do nazismo e da intolerância contra os judeus, principalmente na Áustria que, em 1942, suicidou-se junto com sua mulher na casa de Petrópolis.
Agora, finalmente, o imóvel onde Zweig passou seus últimos tempos reabriu neste domingo, 29 de julho, como um moderno centro cultural. A inauguração da Casa Stefan Zweig é o principal evento comemorativo de uma série de efemérides que se sucedem desde o ano passado: o lançamento de Brasil, um país do futuro, os 130 anos do nascimento de Zweig (que aconteceu em novembro de 1881) e os 70 anos de sua morte.
O projeto, orçado em R$ 1,2 milhão, foi financiada por amigos e admiradores do escritor. “Um bando de loucos”, segundo declarou à Folha de S. Paulo o diretor do Centro Cultural Stefan Zweig, Alberto Dines. Mais do que um museu, as pessoas encontrarão um moderno centro de memória interativo. O quarto em que o escritor se envenenou ao lado da mulher está lá e as pessoas poderão ler, em alemão, o texto de despedida de Zweig em que ele agradece a “este maravilhoso país, o Brasil”. O presidente da casa destaca como peça mais importante a máscara mortuária de Zweig, feita por um escultor amador de Petrópolis e doada pelos herdeiros.
Se você estiver passando pela cidade, não deixe de visitar.
SERVIÇO
O que: Exposição Stefan Zweig e Memorial do Exílio
Quando: A partir do dia 29 de julho, sexta a domingo das 11h às 17h
Onde: Casa Stefan Zweig – Rua Gonçalo Dias, 34, Petrópolis, RJ – Fone: 24-2245-4316
De Stefan Zweig, a Coleção L&PM Pocket publica Brasil, um país do futuro, 24 horas na vida de uma mulher e Medo e outras histórias.
A longa estrada de Jack Kerouac
Por André Bernardo*
Jack Kerouac foi o primeiro a reconhecer que seu livro, o semiautobiográfico On the Road, daria um ótimo filme. Tanto que, em 1957, escreveu uma carta para Marlon Brando, propondo a ele que comprasse os direitos de adaptação para o cinema. E mais: sugeria também que Brando interpretasse Dean Moriarty e ele, Sal Paradise. “Vamos lá, Marlon, arregace as mangas e responda”, instigava. Em vão. Kerouac morreu em 1969, sem ter recebido uma resposta sequer do ator. Dez anos depois, em 1979, Francis Ford Coppola comprou os direitos da obra. De lá para cá, vários cineastas, como Jean-Luc Godard, Joel Schumacher e Gus Van Sant, se revezaram na direção, mas o projeto nunca vingou. Tudo começou a mudar em 2004, quando Coppola assistiu a Diários de Motocicleta no Festival de Sundance e resolveu convidar Walter Salles para adaptar a obra-prima de Kerouac. “Li On the Road pela primeira vez quando tinha 18 anos e lembro que ele me marcou profundamente. É um livro que fala da necessidade de explorar o mundo e viver a vida à flor da pele. Quando rodei Diários de Motocicleta, tornei a lê-lo porque queria estar impregnado daquela ânsia por liberdade. A cada nova leitura, eu tinha uma reação diferente”, descreve Walter Salles, que levou seis anos para pesquisar o filme e 69 dias para rodá-lo.
Walter Salles durante as filmagens de Na Estrada
“On the Road narra a busca por liberdade e a quebra de tabus. Embora tudo parecesse bem, nada estava realmente bem nos EUA do pós-guerra”, sintetiza o cineasta, que convidou os ainda pouco conhecidos atores Sam Riley e Garrett Hedlund para interpretarem os papéis de Sal Paradise e Dean Moriarty, os dois jovens amigos que, movidos a sexo, drogas e jazz, resolvem desbravar os EUA, de Costa a Costa.
MITO LITERÁRIO OU IMPULSO CRIATIVO?
Nos seis anos que levou para pesquisar sobre o filme, Walter Salles refez – “umas cinco vezes”, calcula o diretor – o trajeto que Sal e Dean percorrem no livro; conheceu pessoalmente contemporâneos de Kerouac, como o escritor Lawrence Ferlinghetti, hoje com 93 anos; e viu de perto o manuscrito de On the Road, um “pergaminho” de 37 metros de comprimento e cerca de 175 mil palavras.
Biógrafo de Jack Kerouac – King of the Beats, o inglês Barry Miles confirma a lenda de que a primeira versão de On the Road teria sido escrita em inacreditáveis 20 dias: de 2 a 22 de abril de 1951. “Para realizar essa façanha, Kerouac contou com a ajuda extra de algumas doses de benzedrina e café. Para não perder tempo colocando folhas de papel na máquina de escrever, redigiu o livro num enorme pergaminho feito de papel de teletipo”, afirma Miles.
Sim, a primeira versão de On the Road levou apenas três semanas para ser escrita. Mas, até a obra ser publicada, em 5 de setembro de 1957, Kerouac teve que reescrevê-lo algumas vezes. O livro é quase que um diário de bordo dos sete anos em que Kerouac e Neal Cassady passaram na estrada, vivendo de carona e sem destino certo. Em On the Road, Kerouac e Cassady foram rebatizados de Sal e Dean. Outras figuras importantes do movimento beat, como o poeta Allen Ginsberg e o romancista William Burroughs, ganharam os nomes de Carlo Marx e Old Bull Lee. Em Na Estrada, de Walter Salles, o autor de Uivo foi interpretado por Tom Sturridge e o de Almoço Nu, por Viggo Mortensen. Já LuAnne Henderson, mulher de Neal Cassidy, foi vivida pela atriz Kristen Stewart, mais famosa pelo papel de Bella na saga Crepúsculo.
CLÁSSICOS DA GERAÇÃO BEATNIK
No Brasil, On the Road foi publicado, pela primeira vez, ainda na década de 80, com tradução de Eduardo Bueno. E logo cativou uma legião de admiradores, como o músico Jorge Mautner, o poeta Paulo Leminski, entre outros intelectuais de vanguarda.
Atualmente, a L&PM publica 18 títulos de Kerouac, como Cidade Pequena, Cidade Grande, Os Subterrâneos, Os Vagabundos Iluminados, Viajante Solitário, entre outros. Além de outros clássicos da geração beat, como Uivo, de Ginsberg, e Um Parque de Diversões da Cabeça, de Ferlinghetti.
Só On the Road, calcula Ivan Pinheiro Machado, editor da L&PM, já vendeu mais de 100 mil exemplares. “Kerouac passou uns 20 anos no limbo, sem procura e sem repercussão. Foi revivido pela coleção L&PM Pocket em 2004 e, aos poucos, tornou-se um dos livros mais lidos entre os 1.100 títulos da coleção”, orgulha-se Ivan.
Por aqui, um dos maiores “beatnólogos” que existem é o jornalista Roberto Muggiati. Autor de Blues – Da Lama à Fama, Improvisando Soluções e New Jazz – De Volta para o Futuro, ele leu On the Road em 1958, um ano depois de sua publicação.
No dia 5 de dezembro de 1959, Muggiati publicou um artigo intitulado Jack Kerouac e as Crianças do Bop no suplemento dominical do Jornal do Brasil e enviou uma cópia para o então agente de Kerouac, Sterling Lord. Três semanas depois, Muggiati recebeu um postal datilografado e assinado à mão pelo próprio Kerouac. Nele, o autor de On the Road dizia: “Eu lhe asseguro que a geração beat é um movimento honesto e, se a crítica é ‘Para onde vocês estão indo?’, a resposta é ‘Chegaremos lá’”. “Neal Cassady morreu em 1968, aos 42 anos, e Kerouac em 1969, aos 47. No caso deles, o que contou foi a intensidade, não a longevidade”, sublinha Muggiati.
Para o editor da L&PM, Ivan Pinheiro Manchado, não é difícil explicar o motivo do sucesso editorial de On the Road. “O livro de Kerouac reflete uma realidade que é o contraponto ao ‘american way of life’. Foi o primeiro de uma série de grandes livros que contestaram a sociedade americana pós-guerra e iniciaram uma nova estética transgressora. Transgressão, aliás, é uma boa palavra para definir o que foi o movimento beat”, opina Ivan. Walter Salles concorda. “De vez em quando, algumas pessoas me perguntam: mas, por que o movimento beat acabou? Nessas horas, só tenho a responder que o movimento beat não acabou; ele apenas se transformou em outra coisa. Não teria existido Bob Dylan se ele não tivesse lido On the Road, colocado a mochila nas costas e ido até Nova Iorque. Até hoje, ele seria apenas o Robert Allen Zimmerman”, reflete.
UMA VIAGEM QUE RESISTE AO TEMPO
Bob Dylan não foi o único. Johnny Depp é outro notório admirador de Kerouac. Em 1991, o astro desembolsou US$ 50 mil para comprar alguns itens do espólio do escritor, como uma capa de chuva, uma mala de viagem e um cheque sem fundos, entre outros itens. Dez anos depois, o famoso manuscrito de On the Road foi arrematado, em um leilão na Christie’s de Nova Iorque, por US$ 2,4 milhões. Curiosamente, quando morreu, em 21 de outubro de 1969, vítima de cirrose hepática, Kerouac tinha apenas US$ 19 em sua conta bancária. Mas o autor estava longe de ser uma unanimidade. Dos que atacavam seu estilo verborrágico de escrever, Truman Capote, de A Sangue Frio, foi um dos mais ácidos: “Isso não é literatura, é datilografia!”. Mas, e se Kerouac não tivesse sucumbido à bebida? Como estaria hoje, aos 90 anos, o ídolo da geração beat? Bem, para começo de conversa, Kerouac, provavelmente, detestaria a alcunha de “o ídolo da geração beat”. “O que sabemos é que ele não aceitava, no fim da vida, o rótulo de grande revolucionário”, pondera Ivan. Barry Miles confessa que se surpreendeu com o que descobriu sobre seu biografado. Ao longo dos anos, Kerouac criticou o movimento hippie, apoiou a Guerra do Vietnã e só votou em candidatos republicanos. “Acho que Kerouac odiaria o mundo de hoje”, opina Miles. Já Walter Salles pensa diferente. Ele pode até não saber ao certo como estaria hoje Kerouac, mas, a exemplo de alguns de seus contemporâneos, como Ferlinghetti e Gary Snyder, desconfia que o escritor continuaria “jovem de espírito”. “A coisa mais bacana de fazer o filme foi conhecer as pessoas de 80 anos mais jovens que já conheci na vida”, explica o cineasta.
*Matéria publicada no portal Saraiva Conteúdo em 15 de julho de 2012.










