Por Ivan Pinheiro Machado*
A Feira Internacional de Frankfurt faz parte da vida dos editores de todo o mundo. Ela funciona no seu atual formato desde o final da Segunda Guerra e é a maior feira de negócios de direitos autorais do planeta. E tradição é o que não falta ao local: foi há poucos quilômetros de Frankfurt, no século XV, que Johannes Gutenberg inventou os tipos móveis, causando a grande revolução da imprensa. A partir do seu invento, os livros e os jornais poderiam ser impressos aos milhares. Mas voltemos à Feira. São mais de 30 hectares de pavilhões interligados por esteiras rolantes onde se reúnem cerca de 7 mil expositores de 200 países. Apesar destes números impressionantes, mais da metade da Feira de Frankfurt é ocupada por seis países: Grã Bretanha, Estados Unidos, Alemanha, França, Espanha e Itália. E destes seis, EUA, Grã Bretanha e Alemanha comparecem com quase 3 mil expositores. Na pré-história, ou seja, na era pré-fax e pré-internet, era lá que se aceleravam os negócios. Até meados da década de 80, seguindo o time dos correios, para adquirir os direitos autorais de um livro, se levava em média uns quatro, cinco meses. Hoje, numa eficiente troca de e-mails com um agente literário, é feita proposta, contraproposta e pode se fechar um negócio numa manhã. Naqueles tempos bem mais vagarosos, nós chegávamos em Frankfurt com a mala abarrotada de contratos e pendências. Era lá que tudo se resolvia. Minha primeira Feira foi em 1976. Naquela época havia sempre um “tema” que concentrava as atividades culturais (a partir de 1990, devido a confusões políticas e religiosas, foram extintos os “temas”, e o centro cultural do evento passou a girar em torno de um país homenageado). Naquele ano, foi “Literatura latino-americana”. Eu tinha 24 anos. Meu amigo Fernando Gasparian, dono da editora Paz e Terra, falecido no ano passado, me apresentou para um jovem e promissor escritor uruguaio, Eduardo Galeano, seu editado. Trinta e dois anos depois, Galeano é uma celebridade internacional e toda a sua obra é agora publicada pela L&PM. “Veias abertas da América Latina”, seu grande bestseller, foi relançado há pouco em versão convencional e pocket, com nova tradução de Sergio Faraco. Lembro muito bem daquela Feira e do grande debate sobre o “Literatura Latino-americana”. Na platéia do enorme auditório, havia mais de duas mil pessoas. Na mesa estavam Mario Vargas Llosa, Gabriel Garcia Marquez, José Donoso, Jorge Amado, Mario Benedetti, Julio Cortázar, Juan Rulfo, Augusto Roa Bastos, entre outros. Jorge Luis Borges declinara do convite porque havia muito comunista…
Vista de um dos pavilhões da Feira de Frankfurt – Foto: Ivan Pinheiro Machado
Hoje, Frankfurt é uma cidade totalmente diferente, com enormes arranha-céus. Tem muito pouco daquela cidade pós-guerra, sequelada pelos bombardeios aliados. Nestes tempos modernos, a balada pós-feira é no lobby do luxuoso hotel Frankfurter Hoff, onde transitam os agentes, editores, candidatos a autores e autores consagrados. É comum, entre uma taça de champanhe Veuve Clicquot e outra – à bagatela de 20 euros cada taça – , tropeçarmos em algum prêmio Nobel, como a romeno-alemã Herta Muller, Nobel do ano passado que circulava alegremente em todos os lugares de Frankfurt. Depois do advento da internet, a Frankfurter Buchmesse perdeu sua potência, mas não perdeu seu charme e importância. Com a velocidade estonteante das comunicações, os negócios, quando chegamos à Frankfurt, no início do outono europeu, já estão andando ou realizados. Com sorte, descobrimos alguma novidade entre os milhares de livros expostos. Mas é inegável que o contato pessoal ainda é o que nos faz atravessar o oceano e enfrentar os aeroportos insuportáveis. Trocamos e-mails furiosamente durante o ano inteiro com centenas de agentes, editores internacionais e autores. É muito eficiente, mas tudo é muito impessoal. No fundo, nós ainda vamos a Frankfurt para olhar no olho dos agentes e abraçar os velhos amigos, o que (ainda) é impossível fazer pelo Skype…Para ler o próximo post da série “Era uma vez uma editora…” clique aqui.