Basquiat no palco

Está em cartaz no Sesc Consolação, em São Paulo, o espetáculo “In the place – um lugar para estar” sobre a vida e a obra de Jean-Michel Basquiat. É teatro, mas Basquiat não deixa de pintar para contar a sua história no monólogo interpretado pelo ator Alex Mello, sob a direção de Gilberto Gawronski.

bass

O espetáculo começa com um painel em branco, onde o texto escrito pelo próprio Alex Mello ganha cor e forma com tintas e pincéis, recuperando fatos da infância do artista, o início da carreira grafitando muros, a escalada para o sucesso em Nova York, a relação com a heroína e a morte por overdose aos 27 anos. Além de recriar no painel imagens que remetem aos desenhos do pintor, Mello também risca palavras soltas e poemas. Detalhe: cada espetáculo resulta num painel diferente.

Personagens como o grande amigo e incentivador Andy Warhol não podiam ficar de fora do espetáculo. A relação deles era bastante próxima, com direito a dezenas de registros nos Diários de Andy Warhol.

Quarta-feira, 18 de maio, 1983. (…) Paige [a namorada de Basquiat] está chateada – Jean Michel Basquiat está realmente usando heroína – ela ficou chorando, me pedindo para fazer alguma coisa, mas o que eu posso fazer? Ele furou o nariz e não podia mais cheirar coca, e acho que ainda queria estar chapado com alguma coisa. Acho que queria ser o mais jovem artista a desaparecer.

Terça-feira, 13 de setembro de 1983. Jean Michel apareceu, estava drogado e excitado, trouxe uma pintura para me mostrar. Me contou uma história de que queria comprar um maço de cigarro e aí fez um desenho e vendeu por 75 centavos e uma semana depois a galeria dele ligou e disse que tinha um desenho dele lá e se deveriam comprar por $1 mil. Jean Michel achou engraçado. E é. E estava subindo para ver se alguém comprava uma pintura dele por $2. Quer dizer, porque agora as pituras dele saem por $15 mil e aí ele queria ver se alguém daria $2 por uma.

“In the place – um lugar para estar” está em cartaz até 28/2 (sexta) com sessões às 20h e ingressos a R$10.

Bukowski animado

O ilustrador Jonathan Hodgson fez uma uma animação baseada no poema “The Man with Beautifull Eyes” de Charles Bukowski. O curta tem pouco menos de 6 minutos e foi produzido para a rede pública de TV britânica Channel Four e ganhou prêmios em vários festivais internacionais, incluindo o Bafta, o mais importante da Grã-Bretanha. Assista à versão legendada em português pelo blog Velho Bukowski:

A L&PM publica boa parte da obra poética de Charles Bukowski nos livros O amor é um cão dos diabos e Textos autobriográficos, ambos na Coleção L&PM Pocket.

Eis o poema que inspirou a animação, ainda sem tradução oficial para o português:

the man with the beautiful eyes – Charles Bukowski

when we were kids
there was a strange house
all the shades were
always
drawn
and we never heard voices
in there
and the yard was full of
bamboo
and we liked to play in
the bamboo
pretend we were
Tarzan
(although there was no
Jane).
and there was a
fish pond
a large one
full of the
fattest goldfish
you ever saw
and they were
tame.
they came to the
surface of the water
and took pieces of
bread
from our hands.

Our parents had
told us:
“never go near that
house.”
so, of course,
we went.
we wondered if anybody
liveed there.
weeks went by and we
never saw
anybody.

then one day
we heard
a voice
from the house
“YOU GOD DAMNED
WHORE!”

it was a man’s
voice.

then the screen
door
of the house was
flung open
and the man
walked
out.

he was holding a
fifth of whiskey
in his right
hand.
he was about
30.
he had a cigar
in his
mouth,
needed a shave.
his hair was
wild and
and uncombed
and he was
barefoot
in undershirt
and pants.
but his eyes
were
bright.
they blazed
with
brightness
and he said,
“hey, little
gentlemen,
having a good
time, I
hope?”

then he gave a
little laugh
and walked
back into the
house.

we left,
went back to my
parents’ yard
and thought
about it.

our parents,
we decided,
had wanted us
to stay away
from there
because they
never wanted us
to see a man
like
that,
a strong natural
man
with
beautiful
eyes.

our parents
were ashamed
that they were
not
like that
man,
that’s why they
wanted us
to stay
away.

but
we went back
to that house
and the bamboo
and the tame
goldfish.
we went back
many times
for many weeks
but we never
saw
or heard
the man
again.

the shades were
down
as always
and it was
quiet.

then one day
as we came back from
school
we saw the
house.

it had burned
down,
there was nothing
left,
just a smouldering
twisted black
foundation
and we went to
the fish pond
and there was
no water
in it
and the fat
orange goldfish
were dead
there,
drying out.

we went back to
my parents’ yard
and talked about
it
and decided that
our parents had
burned their
house down,
had killed
them
had killed the
goldfish
because it was
all too
beautiful,
even the bamboo
forest had
burned.

they had been
afraid of
the man with the
beautiful
eyes.

and
we were afraid
then
that
all throughout our lives
things like that
would
happen,
that nobody
wanted
anybody
to be
strong and
beautiful
like that,
that
others would never
allow it,
and that
many people
would have to
die.

Wagner na biografia de Nietzsche

Você já deve ter escutado algo como: “Se por acaso você passar pela minha cidade, não deixe de me visitar”. Na maioria das vezes, é preciso concordar, esse convite feito por mera educação. Só que ao escutar isso vindo da boca do grande compositor Richard Wagner, o então jovem professor Friedrich Nietzsche fez questão de honrar o convite. E chegou insesperadamente na mansão de Wagner, na cidade suíça de Tribschen. Mas como o dono da casa estava em plena composição do terceiro ato de Siegfried, sua esposa, Cosima, propôs ao rapaz que ele voltasse outro dia. E ele realmente voltou. Não apenas uma, mas várias vezes, a ponto de se tornar amigo íntimo dos Wagner.

A relação do filósofo com o compositor é contada em Nietzsche, de Dorian Astor, o mais novo volume da Série Biografias L&PM. Abaixo, dois pequenos trechos do livro:

O fascínio de Friedrich por Wagner tem algo de alienante, e serão necessários muito tempo e energia para que possa se libertar dessa atração. Isso porque o artista, confessa ele, tem “um encanto cativante”. Tribschen e Basileia tornam-se antípodas entre as quais Nietzsche leva de certa maneira uma vida dupla: por um lado, na presença dos Wagner, deixa-se levar por arroubos artísticos e ostentações mundanas; por outro, a universidade o reconduz a ascese das bibliotecas e à monotonia do círculo de colegas.

Nietzsche é o mais novo nome da série Biografias L&PM

Nietzsche é o mais novo nome da série Biografias L&PM

Em Tribschen, Nietzsche gostava, não sem certa ingenuidade, de que ouvissem suas próprias composições. Wagner põe um fim nas secretas esperanças musicais do jovem amigo e volta a conduzi-lo para a esfera universitária, embora o encorajando a trilhar um caminho extremamente singular, o de uma filologia “no espírito da música”, e tal será, de fato, a expressão que define O nascimento da tragédia. Encarregado de semelhante missão espiritual, mas restrito por seu mestre aos trabalhos filológicos, Nietzsche pouco a pouco se fecha e trabalha sem descanso.

A casa de Tribschen de três andares ainda está lá e agora é o Richard Wagner Museum, onde o visitante pode conhecer móveis, pinturas e objetos que pertenceram ao compositor. É lá que também que, ao lado do busto de Wagner, está o busto de Nietzsche fortalecendo a relação eterna entre dois grandes alemães.

A casa de Wagner, frequentada por Nietzsche, agora é um museu

A casa de Wagner, frequentada por Nietzsche, agora é um museu

Dentro da casa museu, lado a lado, Wagner e Nietzsche

Dentro da casa museu, lado a lado, Wagner e Nietzsche

Uma história do mundo em sétima edição

Uma história do mundo é um instigante panorama sobre a constituição da humanidade – fruto de quarenta anos de leituras e pesquisas de David Coimbra. Uma obra que acaba de chegar à sua sétima edição, mostrando que quando informação e bom humor se cruzam, o resultado só pode ser um sucessso.

david_setima

Mas como foi que derrotamos os neandertais? Trata-se de um profundo mistério. Eles tinham tudo para nos vencer. Nós, que digo, somos os sapiens sapiens, os “homens duplamente sábios”. Verdade que fomos nós mesmos que nos pespegamos esse nome, mas, enfim, talvez seja merecido. Afinal, só nós sobramos entre todas as espécies de homos: os pitecos, os erectus, os habilis e tantos mais. Logo, se o critério for a evolução dos resultados, somos mesmo duplamente sábios.

Só que bater os pitecos, os habilis e os erectus foi fácil. Alguns deles se erguiam a pouco mais de metro de altura, a maioria possuía cerebrozinhos deste tamanho e, o principal, nenhum deles desenvolveu a mais eficiente de todas as ferramentas humanas, a linguagem.

Mas com os neandertais era diferente.

Com os neandertais, o osso era mais duro e o arroz era mais solto.

(Trecho inicial da crônica “Neandertal, o solteiro feliz” que abre o livro Uma história do mundo, de David Coimbra)

Belle na Colette, em Paris

Você conhece a Belle, irmã do Snoopy? Ela não é tão famosa quanto o irmão, mas é tão fofa quanto ele! E em março, durante o Paris Fashion Week, ela será uma das estrelas da Colette, uma das lojas-conceito mais badaladas da Europa. Até o Water Bar, o famoso coffee shop que fica no interior da loja e tem em seu cardápio mais de 100 tipos de garrafas e marcas de água mineral, vai ganhar nova decoração inspirada na doce Belle.

A Colette vai lançar produtos Belle, como bolsas e capas para iPhone, além da coleção exclusiva de roupas “Belle Goes POP @ colette” desenhada por Philip Colbert, fundador da grife de pop-art The Rodnik Band. A coleção exclusiva da Belle será anunciada em breve no Twitter @BellePRGirl e na fanpage de Peanuts no Facebook.

belle_flyer

Os cantos de Capparelli em destaque

O Menino Levado ao Céu pela Andorinha é um livro que merece destaque. Não apenas por seu conteúdo – recheado de cantos e poemas de diferentes povos indígenas das Américas – como também pela sua belíssima forma com ilustrações de Eduardo Uchôa. O escritor Sérgio Capparelli foi responsável por selecionar e traduzir os cantos tribais. Ele conversou com o repórter Alexandre Lucchese, do Segundo Caderno do Jornal Zero Hora, sobre este trabalho e a matéria, publicada nesta segunda-feira, 24 de fevereiro, pode ser lida abaixo:

Clique sobre a imagem para ler a matéria

Clique sobre a imagem para ler a matéria

 

Alice no país dos bonecos

O grupo Giramundo de teatro de bonecos montou o clássico Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, com técnicas de stop motion e manipulação em tempo real. São 55 bonecos que dividem o palco com o ator Beto Militani, que faz as vezes do escritor no papel de narrador da história. Fiel à tradição de incorporar novas linguagens cênicas, a companhia investiu nas tecnologias que valorizam a presença do marionetista no palco, além de dialogar com as artes plásticas, com o vídeo e com a música.

A trilha sonora com 27 músicas é assinada por John Ulhoa e Fernanda Takai, do Pato Fu – e Takai ainda empresta sua voz para Alice. Outra participação especial no espetáculo é de Arnaldo Baptista, que dubla o chapeleiro maluco.

giramundo01_dest

Neste fim de semana, o espetáculo será apresentado em Sorocaba/SP e nos dias 1, 2, 7, 8 e 9 de março segue para Santana/SP. Em maio, o grupo vem ao Rio Grande do Sul com apresentações em Novo Hamburgo no dia 1º e em Porto Alegre nos dias 2, 3 e 4.

Dois novos retratos de Shakespeare

Shakespeare era um tipo magrinho e gostava de cães. Sabemos disso graças aos novos retratos do autor de Romeu e Julieta descobertos recentemente na Alemanha. Em coletiva de imprensa realizada na Mainz Cathedral esta semana, estudiosos da Universidade de Mainz confirmaram a autenticidade dos retratos.

Um deles mostra um jovem Shakespeare, com cerca de 30 anos de idade (estima-se que tenha sido pintado em 1564), com um sorriso discreto, porém orgulhoso, exalando auto-confiança. O quadro ornava um dos quartos da “Gothic House” do jardim real de Dessau-Wörlitz, na Alemanha, e teria sido presente de Thomas Hart, um parente distante de Shakespeare, a um príncipe que habitava o aposento. O outro retrato mostra o escritor com mais ou menos 50 anos (pouco antes de sua morte) sentado em uma cadeira segurando um livro e acariciando um cachorro. É o único registro que mostra Shakespeare de corpo inteiro.

new-shakespeare-portraits

E por falar em Shakespeare, já conhece a Série Shakespeare L&PM? São mais de 20 peças com traduções de Milôr Fernandes e Beatriz Viegas-Faria.

Moacyr Scliar na avenida

A escola de samba Bambas da Orgia, de Porto Alegre, vai homenagear Moacyr Scliar no Carnaval 2014. Com o tema “Moacyr Scliar, o menino do Bom Fim” e um samba-enredo cheio de orgulho, a escola exalta o legado literário do escritor nascido no Bom Fim, o bairro mais judeu de Porto Alegre que serviu de cenário e inspiração para várias de suas obras. Os grandes mestres da literatura que o influenciaram, como Monteiro Lobato, Franz Kafka e Machado de Assis, também vão para a avenida, junto com a representação de vários dos personagens criados por Scliar em seus livros.

Ouça o samba-enredo:

A homenagem vem em momento oportuno, no ano em que a L&PM reedita parte da obra de Moacyr Scliar em novo formato e com capa dura: Max e os felinos e A guerra do Bom Fim, (que já estão nas livrarias), O ciclo das águasOs deuses de RaquelA festa no castelo. Além disso, estes títulos serão publicados juntos numa edição especial de luxo na Série Ouro.

O poeta que comeu Allen Ginsberg

O poeta paulista Fernando Calixto – fã confesso de Allen Ginsberg desde que leu A queda da América (que chega em breve à Coleção L&PM Pocket) e Uivo – traduziu e publicou na revista Modo De Usar & Co. alguns dos poemas do escritor beat. Uma tradução nada ortodoxa, mas a seu modo, como que se apropriando das palavras de Ginsberg para tornar líricas as suas próprias vivências e, para isso, adaptando nomes, lugares e referências.

De Beijing para São Paulo, de Walt Whitman e Ezra Pound para Sousândrade e Haroldo de Campos. De Frank O’Hara para Cazuza. Total antropofagia.

O poema “Improvisation in Beijing” de Allen Ginsberg…

I write poetry because the English word Inspiration comes from Latin Spiritus, breath, I want to breathe freely.
I write poetry because Walt Whitman gave world permission to speak with candor.
I write poetry because Walt Whitman opened up poetry’s verse-line for unobstructed breath.
I write poetry because Ezra Pound saw an ivory tower, bet on one wrong horse, gave poets permission to write spoken vernacular idiom.
I write poetry because Pound pointed young Western poets to look at Chinese writing word pictures.
I write poetry because W. C. Williams living in Rutherford wrote New Jerseyesque “I kick yuh eye,” asking, how measure that in iambic pentameter?
I write poetry because my father was poet my mother from Russia spoke Communist, died in a mad house.
I write poetry because young friend Gary Snyder sat to look at his thoughts as part of external phenomenal world just like a 1984 conference table.
I write poetry because I suffer, born to die, kidneystones and high blood pressure, everybody suffers.
I write poetry because I suffer confusion not knowing what other people think.
I write because poetry can reveal my thoughts, cure my paranoia also other people’s paranoia.
I write poetry because my mind wanders subject to sex politics Budhadharma meditation.
I write poetry to make accurate picture my own mind.
I write poetry because I took Bodhisattva’s Four Vows: Sentient creatures to liberate are numberless in the universe, my own greed ignorance to cut thru’s infinite, situations I
find myself in are countless as the sky okay, while awakened mind path’s endless.
I write poetry because this morning I woke trembling with fear what could I say in China?
I write poetry because Russian poets Mayakovsky and Yesenin committed suicide, somebody else has to talk.
I write poetry because my father reciting Shelley English poet & Vachel Lindsay American poet out loud gave example–big wind inspiration breath.
I write poetry because writing sexual matters was censored in United States.
I write poetry because millionaires East and West ride Rolls-Royce limousines, poor people don’t have enough money to fix their teeth.
I write poetry because my genes and chromosomes fall in love with young men not young women.
I write poetry because I have no dogmatic responsibility one day to the next.
I write poetry because I want to be alone and want to talk to people.
I write poetry to talk back to Whitman, young people in ten years, talk to old aunts and uncles still living near Newark, New Jersey.
I write poetry because I listened to black Blues on 1939 radio, Leadbelly and Ma Rainey.
I write poetry inspired by youthful cheerful Beatles’ songs grown old.
I write poetry because Chuang-tzu couldn’t tell whether he was butterfly or man, Lao-tzu said water flows downhill, Confucius said honor elders, I wanted to honor Whitman.
I write poetry because overgrazing sheep and cattle Mongolia to U.S. Wild West destroys new grass & erosion creates deserts.
I write poetry wearing animal shoes.
I write poetry “First thought, best thought” always.
I write poetry because no ideas are comprehensible except as manifested in minute particulars: “No ideas but in things.”
I write poetry because the Tibetan Lama guru says, “Things are symbols of themselves.”
I write poetry because newspapers headline a black hole at our galaxy-center, we’re free to notice it.
I write poetry because World War I, World War II, nuclear bomb, and World War III if we want it, I don’t need it.
I write poetry because first poem Howl not meant to be published was prosecuted by the police.
I write poetry because my second long poem Kaddish honored my mother’s parinirvana in a mental hospital.
I write poetry because Hitler killed six million Jews, I’m Jewish.
I write poetry because Moscow said Stalin exiled 20 million Jews and intellectuals to Siberia, 15 million never came back to the Stray Dog Café, St. Petersburg.
I write poetry because I sing when I’m lonesome.
I write poetry because Walt Whitman said, “Do I contradict myself? Very well then I contradict myself (I am large, I contain multitudes.)”
I write poetry because my mind contradicts itself, one minute in New York, next minute the Dinaric Alps.
I write poetry because my head contains 10,000 thoughts.
I write poetry because no reason no because.
I write poetry because it’s the best way to say everything in mind within 6 minutes or a lifetime.

… virou “Improviso em São Paulo”:

Eu escrevo poesia porque a palavra portuguesa inspiração vem do latim inspiratio, sopro, e eu quero respirar livremente.
Escrevo poesia porque Sousândrade deu ao mundo a permissão de falar com ternura.
Escrevo poesia porque Sousândrade deu ao verso a regência da respiração.
Escrevo poesia porque Haroldo de Campos mirou uma torre de marfim e apostou no cavalo errado e deu aos poetas a autorização de escrever a língua lácio-falada.
Escrevo poesia porque Haroldo indicou aos jovens poetas sul- americanos que observassem os chineses desenhando a
semântica.
Escrevo poesia porque Mário de Andrade, da Lopes Chaves, escreveu semanadeartemodernamente “Bofetadas líricas no Trianon… Algodoal!…”, para logo se perguntar: como posso medi-
lo em alexandrino?
Escrevo poesia porque meu pai era poeta e minha mãe, anarquista, vive no mundo da lua.
Escrevo poesia porque meu jovem amigo Ricardo Domeneck sentou-se para examinar seus pensamentos como parte de um fenômeno ético/estético/histórico – numa leitura de 2006.
Escrevo poesia porque eu sofro pra caralho: natimorto, pedras nos rins, spleen, pressão alta, amor em falta – todo mundo se fode.
Escrevo poesia porque, não sabendo o plano alheio, eu me despenteio.
Escrevo poesia porque ela pode revelar meus pensamentos e curar minha neurose – assim como a dos outros.
Escrevo poesia porque minha mente vadia à toa meditando sobre sexo, estética e São Francisco de Assis.
Escrevo poesia para juntar, com toda precisão, os cacos da minha cuca.
Escrevo poesia porque entendi as parábolas de Cristo: chegará o filho de seu par e ele colherá tudo que seja escândalo e sândalo, e lançará à cama de ouro, e ali haverá lágrima e ternura; então haverá um humano. Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça: a luz da mente é infinita.
Escrevo poesia porque nesta manhã acordei tremendo de pavor. Que mais eu poderia sentir em São Paulo?
Escrevo poesia porque os poetas Torquato Neto e Ana Cristina Cesar se mataram e alguém tem que falar.
Escrevo poesia porque meu pai um dia recitou uma coleção de poemas populares e deu um caminho – do vento só herdamos o carinho.
Escrevo poesia porque putaria é prato do dia nos Estados Unidos do Brasil.
Escrevo poesia porque os milionários cruzam o país em seus Hyundai, e os fodidos deixam seus dentes nas sopas filantrópicas.
Escrevo poesia porque meus genes e cromossomos só sentem tesão por ninfas e dríades.
Escrevo poesia porque hoje, graças ao acaso, não tenho mais nada a ver com isso.
Escrevo poesia porque sou habitante da solidão e, de repente, falar com as pessoas pode ser divertido.
Escrevo poesia para papear com Bolaño; para que pobres-diabos,
daqui a cem anos, fofoquem com suas velhas tias e patéticos tios que ainda vivam em São Paulo.
Escrevo poesia porque em 1979 escutava Luiz Gonzaga e Roberto Carlos nas rádios de São Paulo.
Escrevo poesia porque ouvi The Long and Winding Road dos Beatles – os que nunca acabam, pois estão longe. E longe é uma geografia
repleta de saudades intransponíveis.
Escrevo poesia porque uma noite, em meu sonho, Chuang-tzu não sabia se havia sonhado que era uma borboleta ou se era uma borboleta que havia sonhado que era Chuang-tzu. Outro chinês, o tal Lao-tzu, disse que a água flui como uma estrutura que rui; e Confúcio disse honre os mestres. E eu desejo honrar a Sousândrade.
Escrevo poesia porque o excesso de tirania, coronelismo e dinheirolatria
consome o mundo e cria desertos na carne e na mente.
Escrevo poesia usando um Mad Rats vermelho.
Escrevo poesia porque “o simples é o certo”, sempre.
Escrevo poesia porque as idéias não são compreensíveis a não ser quando expressas com as mínimas minúcias: “Isto não é um cachimbo”.
Escrevo poesia porque um fauno de calça Lee escreveu: “A vida é curta pra ser pequena.”
Escrevo poesia porque os jornais dizem que um buraco negro nos engolirá – e somos livres para não estar nem aí.
Escrevo poesia porque as duas Grandes Guerras não nos ensinaram nada, nem uma linha sequer, e a Terceira, que tanto almejamos, que venha fatal e corrija o erro da Criação.
Escrevo poesia porque meu poema, “A falta que ela me faz” foi apreendido e torturado pela polícia-piada-pronta das letras nacionais.
Escrevo poesia porque meu primeiro poema extenso, At Infernum – Livro de Gravuras, honra minha sobrevivência, da minha Garota e da minha Velha, neste mundo babaca.
Escrevo poesia porque os EUA patrocinaram todas as ditaduras na América Latina, assassinando milhares de sul-americanos. E eu sou sul-americano!
Escrevo poesia porque, de Moscou, sabemos que Stálin mandou 20 milhões de judeus e intelectuais para a Sibéria. 15 milhões jamais tiveram a oportunidade de tomar um café no inverno de São Petersburgo.
Escrevo poesia porque canto quando estou sozinho.
Escrevo poesia porque Sousândrade disse:
“– O Lord! God! Almighty Policeman!
O mundo é ladrão, beberrão,
Burglar e o vil vândalo
Escândalo
Freelove… e ‘í vem tudo ao sermão!”
Escrevo poesia porque sou contraditório; agora estou em São
Paulo e daqui a pouco em Guadalajara.
Escrevo poesia porque em meu pensamento habitam infinitos perfumes.
Escrevo poesia sem razão nem por quê.
Escrevo poesia porque é a melhor maneira de dizer tudo em seis minutos.
Ou numa vida.

Neste post tem mais poemas e suas respectivas “traduções”. E em breve, mais um livro de poemas de Allen Ginsberg na Coleção L&PM Pocket: A queda da América.

cap_queda_america.indd