Manuel Bandeira no Dia do Índio

Manuel Bandeira por Cândido Portinari

Manuel Bandeira veio ao mundo em 19 de abril. Nascido em 1886, o grande poeta, um dos ícones do modernismo, só viu o seu aniversário virar Dia do Índio em 1943, quando Getúlio Vargas colocou a data no calendário oficial do país. Mas ao contrário dos poetas românticos que ovacionaram os indígenas em verso, Bandeira foi pelo caminho da descontrução, oferecendo aos leitores uma poesia sonora, mas ao mesmo tempo irônica, densa e… sem igual. Aqui, um poema em que ele cita Peri, personagem de José de Alencar:

Sextilhas Românticas

Paisagens da minha terra,
Onde o rouxinol não canta
– Mas que importa o rouxinol?
Frio, nevoeiros da serra
Quando a manhã se levanta
Toda banhada de sol!

Sou romântico? Concedo.
Exibo, sem evasiva,
A alma ruim que Deus me deu.
Decorei “Amor e medo”,
“No lar”, “Meus oito anos”… Viva
José Casimiro Abreu!

Sou assim, por vício inato.
Ainda hoje gosto de *Diva*,
Nem não posso renegar
Peri, tão pouco índio, é fato,
Mas tão brasileiro… Viva,
Viva José de Alencar!

Paisagens da minha terra,
Onde o rouxinol não canta
– Pinhões para o rouxinol!
Frio, nevoeiros da serra
Quando a manhã se levanta
Toda banhada de sol!

Ai tantas lembranças boas!
Massangana de Nabuco!
Muribara de meus pais!
Lagoas das Alagoas,
Rios do meu Pernambuco,
Campos de Minas Gerais!

De Bandeira de Bolso, uma antologia de Manuel Bandeira (Coleção L&PM Pocket)

Os cartazes mais esperados de “On the road”

A espera pela estreia do filme “On the road”, que por aqui terá o título de “Na estrada”, tem ficado cada vez mais emocionante. Depois do cartaz oficial e do trailer divulgados em março, a produtora francesa mk2 compartilhou até agora OITO cartazes extras na página oficial do filme no Facebook. A cada cartaz publicado, aumenta a vontade de conferir o resultado do trabalho de Walter Salles na adaptação da história mais famosa de Jack Kerouac para o cinema.

Pra quem não viu lá no Facebook, aí vão os últimos quatro cartazes (os cinco primeiros a gente publicou aqui e aqui).

Kristen Stewart como Marylou

O bonitão Garret Hedlund como Dean Moriarty (aka Neal Cassady)

Sam Riley como Sal Paradise (aka Jack Kerouac)

Kirsten Dunst é Camille (aka Carolyn Cassady)

Ah, e tem mais uma novidade! Saiu hoje a lista de filmes selecionados para concorrer à Palma de Ouro em Cannes e lá está o “On the road” de Walter Salles. O cartaz oficial do filme já ganhou até o charmoso selo que diz “Official Selection – Festival de Cannes”, ali no canto esquerdo:

Uma biografia de Cristo

Por Juremir Machado da Silva*

Não tem história mais extraordinária que a de Jesus Cristo. Ela está na Bíblia. Mas está também nos livros que buscam resgatar o chamado Jesus histórico. Na Semana Santa, li “Jesus” (L&PM), de Christiane Rancé. Fascinante. Tudo é mistério, enigma, deslumbramento. A começar pela data de nascimento do filho de Deus, que teria acontecido de quatro a seis anos antes daquele que marca o começo consagrado da nossa era. Em tom respeitoso, aparecem todas as dúvidas tradicionais e abordadas por especialistas ao longo dos séculos: Jesus teve irmãos biológicos? Os reis magos renderam homenagem ao menino Deus uma semana, um mês ou cerca dois anos depois do seu nascimento? Como foi a infância de Jesus? José e Maria moravam em Nazaré ou em Belém? Segundo Mateus, eles residiam em Belém e foram para Nazaré depois da fuga ao Egito. Conforme Lucas, eles viviam em Nazaré e só teriam ido a Belém por causa de um recenseamento, o qual, historicamente, só teria acontecido mais tarde.

Um aspecto que sempre desperta curiosidade diz respeito às características físicas de Jesus. Como Ele era? A famosa “Carta de Lêntulo”, considerada falsa, apresenta-o com olhos verdes, cabelos com a “cor de uma avelã amadurecida precocemente” e, a partir das orelhas, “cachos crespos”, um “homem de estatura média e bonito de se ver, com uma expressão digna de veneração”. Outra versão, tentando explicar o fato de Jesus ter permanecido solteiro, o que era incomum entre judeus na época, afirma que ele era muito feio. Rancé explica que essa ideia vinha de uma profecia de Isaías (53, 2-3): “Ele cresceu diante dele como renovo, como raiz em terra árida. Não tinha beleza nem esplendor que pudesse atrair o nosso olhar, nem formosura capaz de nos deleitar. Era desprezado e abandonado pelos homens”. Pode-se dizer, pouco importa, mas Cristo também foi homem de um tempo e todos temos curiosidade sobre essa sua condição humana.

Quem era Maria? Permaneceu virgem para sempre? Três teorias opõem-se: Helvídio afirma que José e Maria tiveram filhos depois de Jesus. Epifânio assegura que os irmãos de Jesus eram fruto do primeiro casamento de José. São Jerônimo sustenta que os “irmãos de Jesus” eram, na verdade, seus primos, filhos de um irmão de José. A mensagem de Jesus transcende esses detalhes biográficos e terrenos. Mesmo assim, os estudiosos embrenham-se no passado em busca de respostas. Uma pergunta recorrente é esta: por que Jesus demorou tanto a começar a pregar? Queria antes experimentar profundamente a condição de homem? Precisou trabalhar para ajudar a sustentar a família depois da morte do pai? João Batista, aquele que o batizou nas águas do Jordão, chegou a reconhecê-lo inequivocamente como Messias? Eles eram mesmo primos?

Como saber? Há perguntas que a gente nem sempre imagina: Jesus sabia escrever? Há, porém, uma certeza: ninguém levou seu verbo mais longe do que Ele. Ler uma biografia daquele que está acima de qualquer biografia é sempre estonteante. Como escrever a história daquele que encarna e transcende a própria História? Um desafio.

* Juremir Machado da Silva é escritor, jornalista, tradutor e professor universitário. Esta crônica foi publicada originalmente em sua coluna diária do Jornal Correio do Povo no dia 15 de abril de 2012.

Simon’s Cat e a professora de inglês

A Elisa é calma e séria. Seus suaves olhos verde/acinzentados quebram um pouco a dura severidade de uma professora de inglês. Ela possui vários interesses profissionais, culturais e artísticos, mas somente uma coisa faz Elisa sair do sério: os gatos. Ela ama gatos. E todos sabemos que, se por um lado o amor compromete os julgamentos, paradoxalmente – por outro lado –  o amor é exato nas avaliações. Por isso Elisa conhece profundamente a alma dos bichanos. Digo tudo isso para comunicar ao público leitor que “Simon’s Cat” fez Elisa sorrir de aprovação. Ela analisou o grosso volume judiciosamente e seu apurado senso crítico desfez-se nos mais melosos elogios. “Sim, – disse Elisa – assim são os gatos!” Irônicos, oportunistas, esfomeados, egocêntricos e egoístas, amáveis, detestáveis e apaixonantes. Tudo isto está nas páginas de “Simon’s Cat”. Portanto, não é em vão que suas pequenas e geniais animações tenham tido 200 milhões de acessos no YouTube.

Pois agora o gato do Simon chegou ao Brasil. Suas hilariantes peripécias são contadas de forma brilhante, sem nenhuma palavra escrita. Primeiro, estamos publicando o álbum e, daqui há três meses, sairão as versões em pocket deste mesmo álbum. No segundo semestre, lançaremos outro livro inédito. Enfim, corra até a sua livraria, você que adora gatos! “Simon’s Cat” finalmente chegou ao Brasil. É refinado, engraçado, magnificamente desenhado, criativo e – segundo a professora Elisa – reflete com perfeição a refinada alma dos gatos. (Ivan Pinheiro Machado)

Assista na L&PM WebTV, uma entrevista legendada com o criador de Simon´s Cat.

Três dias de pura literatura em Londres

Começou ontem, 16 de abril, na capital britânica, a London Book Fair, um encontro de editores de todo o mundo que lá se reúnem para negociar direitos de venda e distribuição não apenas para impressão , como também para e-books, áudio, cinema, TV e canais digitais. Há mais de 40 anos, durante três dias da primavera londrina, o evento acontece em uma atmosfera vibrante, permeado também por encontros com autores e a apresentação das inovações que moldam o mundo editorial.

A editora da L&PM, Janine Mogendorff, está por lá e, breve, voltará com muitas novidades pra contar e fotos para mostrar. Aguardemos.

Os “Dublinenses” estão entre nós

Em 1903, um jovem irlandês chamado James Joyce começou a escrever as primeiras histórias que dariam origem ao livro Dublinenses. Dois anos depois, já casado e morando em Trieste, ele somava uma dúzia de contos que foram mostrados à editora londrina de Grant Richards. Richards gostou do que leu, mas achou que o livro não faria sucesso por ser centrado na Irlanda. Joyce não desistiu e, em fevereiro de 1906, apresentou um décimo terceiro conto a Richards: Dois galanteadores. Considerado demasiado obsceno, o editor pediu que ele fizesse algumas alterações na história e, se possível, suprimisse o conto Um encontro. Joyce não concordou, defendeu sua criação e o livro acabou não saindo.

Nos anos que se seguiram, Joyce seguiu tentando publicar Dublinenses. Depois de procurar outras editoras – e ser negado por elas – acabou retomando as negociações com Grant Richards, em 1914, e aceitou alterar o conteúdo de alguns contos, ao mesmo tempo em que acrescentou mais dois novos textos à coletânea. E assim, dez anos depois de ter começado a escrever Dublinenses, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, a primeira obra de ficção deste que seria considerado um dos maiores escritores do Século XX, finalmente foi colocada à venda. Recebido com silêncio total por parte da crítica e do público, o livro se revelaria, ao longo do tempo, o espelho do homem no alvorecer de um novo século. Nas suas narrativas curtas, Joyce descreveu pessoas que estão em Dublin, mas que poderiam estar em qualquer lugar do mundo, fechadas em suas pensões, escritórios, pubs.

Dublinenses, que acaba de chegar à Coleção L&PM Pocket em nova tradução de Guilherme da Silva Braga, é uma excelente introdução à obra de James Joyce. Uma viagem à Irlanda, mas, acima de tudo, um mergulho na experiência humana de existir.   

Arsène Lupin seduziu até os japoneses

O charme, elegância e bom-humor de Arsène Lupin, o célebre personagem criado por Maurice Leblanc, há mais de 100 anos vem seduzindo não apenas leitores como cinéfilos do mundo inteiro. A primeira película que se tem notícia com o “ladrão de casaca” foi feita em 1908. A partir de então, ele foi filmado, legendado e dublado nos mais diferentes idiomas. E um dos países que se mostrou apaixonadíssimo pelo personagem foi o Japão. Desde 1923, com o filme “813 – Rupimono”, os japoneses investem em produções próprias que contam as aventuras de Arsène Lupin. A mais recente delas foi lançada no ano passado e chama-se “Lupin no Kiganjo”.

O primeiro Arsène Lupin japonês, de 1923, foi dirigido por Kenji Mizoguchi

Não basta ser japones, tem que ser psicodélico: cartaz do filme "Lupin the third: strange psychokinetic Strategy" de 1974

"Lupin no Kiganjo", de 2011, é o mais recente filme japonês com o personagem de Maurice Leblanc

Agora só falta você se deixar seduzir por ele. Depois de 30 anos fora do Brasil, Arsène Lupin acaba de voltar à ativa (e às livrarias) em Ladrão de casaca (Coleção L&PM Pocket).

Verbete de hoje: José Luis Salinas

Com o lançamento da nova Enciclopédia dos Quadrinhos“, de Goida e André Kleinert, este Blog publicará, nos domingos, um verbete deste livro. O de hoje é  o argentino José Luis Salinas (1908 – 1985).

Salinas é não só um dos maiores nomes dos quadrinhos argentinos, mas um mestre mundial nessa arte. Foi o primeiro artista platense da especialidade a ter seus trabalhos publicados em muitas partes do mundo, firmando ainda mais o seu conceito quando passou a colaborar para o King Features Syndicate. Mas vamos mais devagar. É relevante contar toda a história desse buenairense do Bairro de Flores, autodidata completo, que costumava afirmar: “O desenho não se aprende, apenas aperfeiçoamos aquilo que já nasce com a gente”. Começou sua carreira como ilustrador e publicitário. Embora estivesse esporadicamente nas páginas pioneiras da revista de Ramon Columba, El Tony, foi em 1936 que ele realmente marcou sua presença nos quadrinhos. Sua primeira história em série, “Hérnan El Corsário” (publicada por Patozuzú, de Dante Quinterno), marcou o início da moderna tradição de aventuras nas historietas argentinas. Desde o primeiro quadrinho, essa narrativa de oitenta páginas saiu redonda, perfeita, uma beleza em detalhes, anatomia e expressividade dramática. A América do Sul já tinha o seu Harold Foster, que provou talento ainda maior ao adaptar, também em série, para a revista El Hogar, clássicos da literatura internacional. Para essas adaptações, Salinas não utilizou os balloons, tornando as imagens mais limpas, criando verdadeiras obras de arte em cada página. E foram várias as versões que desenhou: Miguel StrogoffO Capitão TormentaA Costa de MarfimEllaa feiticeiraAs minas do Rei SalomãoPimpinela EscarlateOs três mosqueteirosO último dos moicanos O livro da Jangal. Em 1949, a convite do King Features Syndicate, que queria transpor para os quadrinhos um personagem criado originalmente por O. Henry – Cisco Kid –, ele viajou aos Estados Unidos. Fechou contrato com uma curiosa cláusula: continuaria morando no seu país e remeteria o trabalho para os Estados Unidos, a partir dos roteiros que lhe mandava Rod Reed. Assim, entre 1950 e 1968, Salinas desenhou Cisco Kid (imagem) para a meca dos comics norte-americanos, sentado no seu estúdio em Buenos Aires. Clássico dos westerns, Cisco Kid constantemente ganha reedições no mundo inteiro (aqui no Brasil através da revista Eureka e em álbum na coleção “Quadrinhos L&PM”). Em 1973, depois de um período trabalhando em ilustração e criação de livros sobre a História dos trajes e uniformes no século XIX, Salinas voltou ao King. Com roteiros do seu compatriota Alfredo Grassi, desenhou, entre 1973/75, Dick the Gunner (Dicoo artilheiro, no Brasil, em revista própria editada pela RGE). A história, quando Salinas a deixou, ainda teve continuidade, algum tempo, por Lucho Olivera (veja em O). Terminam por aqui as experiências de Salinas nos quadrinhos. Ganhador de todos os prêmios possíveis na Argentina, ele também foi galardoado, em 1976, em Lucca, com o troféu Yellow Kid, o máximo em distinção mundial. Deixou principalmente uma obra a ser admirada através dos anos pelo invariável traço limpo, sereno, expressivo em cada quadrinho, em cada detalhe que ele nunca cansou de desenhar.

Enquanto isso, há 100 anos no Titanic…

15 de Abril
Segunda-feira

2h20h

Com um rugido monstruoso, a popa começa a mergulhar. As ondas sacodem os botes mais próximos. Aquele prodígio sobre as águas, insígnia da opulência eduardiana, não existe mais, e a deformada carcaça de uma era de esplendor viaja para seu túmulo, num ângulo de 30º e à espantosa velocidade de 75km horários, a 1.600 km da cidade em que Ismay queria aportar na terça-feira.

Trecho de O Crepúsculo da Arrogância – RMS Titanic Minuto a Minuto, de Sergio Faraco.

Enquanto isso, há 100 anos no Titanic…

15 de Abril
Segunda-feira

2h05h

O naufrágio pode ocorrer a qualquer momento. Toda sorte de objetos desliza na direção da proa. Dos salões, das cabines, das cozinhas, sobem aos conveses superiores o estalejar da louça, vidros, metais, e as detonações do mobiliário ao chocar-se contra as paredes de vante, atribuindo uma cadência apocalíptica ao estridor das válvulas de segurança.

Trecho de O Crepúsculo da Arrogância – RMS Titanic Minuto a Minuto, de Sergio Faraco.