Arquivo mensais:julho 2012

Contardo Calligaris assitiu ao filme “Na estrada”

“Na estrada”

Por Contardo Calligaris*

Assisti a “Na Estrada”, de Walter Salles, na sexta passada, no Rio. E passei o fim de semana pensando na minha vida.

Li “Na Estrada”, de Jack Kerouac, no fim dos anos 1960, provavelmente em Nova York -mas talvez em Houston. O texto que eu li era uma versão expurgada; isso, na época, eu não sabia. Não voltei ao texto em 2007, quando a Viking publicou o manuscrito original (em português pela L&PM). Mas o texto voltou em mim com força, na sexta-feira, quando assisti ao filme.

Nos anos 1960, eu era um hippie lendo um “beat”. Na mesma época, “Almoço Nu”, de William Burroughs, me seduzia, mas me assustava -longe demais de minha experiência (das drogas, do sexo e da vida). Também lia Allen Ginsberg e Gregory Corso, mas, aos dois, preferia Lawrence Ferlinghetti -outra escolha “bem comportada”, dirá alguém.

O fato é que “Na Estrada” foi a parte da herança “beat” da qual eu me apropriei imediatamente. Por quê? As drogas, o álcool ou o sexo “livre” me pareciam secundários -apenas um jeito de dizer: “Não esperem que a gente viva como manda o figurino”.

O essencial, para mim, era a junção da fome de aventura com uma raivosa vontade de escrever. A vida se confundia com um projeto literário que exigia os excessos: era preciso viver intensa e loucamente, de peito aberto, para que valesse a pena contar a história. Por isso, eu e outros podíamos, ao mesmo tempo, venerar Kerouac e Hemingway -os quais, álcool à parte, provavelmente, não se dariam.

Pensando bem, eu fui mais um “beat” atrasado do que um hippie. A procura por iluminações interiores e comunhões cósmicas da idade de Aquário, tudo isso me parecia pacotilha para “Hair”, coisa da Broadway. Fiz minha peregrinação à Índia e ao Nepal, mas considerava com desconfiança o orientalismo que estava na moda: o budismo dos anos finais de Kerouac e Ginsberg não me parecia mais sério do que o hinduísmo dos Beatles.

O problema é que eu era um espécimen bastardo: “mezzo” hippie e “mezzo” maio-68 francês, “mezzo” descendente dos “beats” e “mezzo” filho marxista do pós-guerra europeu.

Kerouac não tinha simpatia pelo marxismo. Ele preferia o individualismo dos que procuram uma fronteira para desbravar -pouco a ver com um projeto de reforma social ou de revolução. Para os “beats”, aliás, transformar a sociedade seria um problema. Certo, Neal Cassady e Gregory Corso passaram tempo na cadeia; e Burroughs, Kerouac e Ginsberg foram censurados. Mas, justamente, num mundo que não lhes resistisse, a vida dos “beats” perderia sua dimensão épica.

Ao longo dos anos 1970 e 1980, fazendo um balanço, eu teria dito que, em mim, a herança marxista europeia prevalecera sobre a herança “beat”. Hoje, penso o contrário -não sei se por decepção política ou por maturidade. Mas não tenho muitas certezas: por exemplo, minha errância pelo mundo foi uma experiência da estrada ou uma versão “chique” do cosmopolitismo forçado dos trabalhadores modernos?

E será que vivi como um fogo de artifício? Ou então durar e continuar vivo se tornou, para mim, mais importante do que me arriscar na intensidade das experiências?

O filme de Salles está sendo a ocasião imperdível de um balanço -ainda não decidi se festivo ou melancólico. Cuidado, o balanço não interessa só minha geração. Cada um de nós pode se perguntar, um dia, como resolveu a eterna e impossível contradição entre segurança e aventura: quanta aventura ele sacrificou à sua segurança?

Essa conta deveria ser feita sem esquecer que 1) a segurança é sempre ilusória (todos acabamos morrendo) e 2) qualquer aventura não passa de uma ficção, um sonho suspenso entre a expectativa e a lembrança.

Que você tenha lido ou não o livro de Kerouac, e seja qual for sua geração, assista ao filme e se interrogue: se uma noite, inesperadamente, Neal Cassady tocar a campainha de sua casa, louco de aventuras para serem vividas e com o olhar fundo de quem dirige há horas e ainda quer se jogar na estrada, você saberia e poderia, sem fazer mala alguma, simplesmente ir embora com ele?

*Este texto foi publicado originalmente na coluna de Contardo Calligaris no caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo no dia 19 de julho de 2012.

Peanuts para organizar o dia-a-dia

Nada como Peanuts para dar um toque filosófico e bem humorado aos nossos dias. E um jeito bem prático de levar a sabedoria de Charlie Brown e sua turma sempre na bolsa são esses moleskines incríveis que acabaram de ser lançados em dois tamanhos, para se adequar a todo tipo de rotina. Assim você dá conta de organizar a correria diária, anotações, insights e compromissos e “tempera” tudo com a ironia e o traço inconfundível de Charles Schulz.

Mas se você quer Peanuts “na veia”, vale conhecer a Série Peanuts Completo L&PM. São 10 anos das tirinhas dominicais de Charles Schulz reunidas em 5 volumes 😉

Por que Nietzsche dá tanto Ibope?

O que tanto fascina em Friedrich Nietzsche? Não é exagero dizer que ele é o filósofo da moda. “Quando Nietzsche chorou”, “Nietzsche para estressados” são apenas alguns livros que usam o nome do filósofo para chegar ao topo das listas de bestsellers. Há muitas teorias para esta popularização de Nietzsche entre letrados e iletrados. A dominante, é que sua filosofia é radical quando ele enfatiza que as emoções e as forças irracionais exercem um papel importante na construção dos valores humanos. E isto inclui seu combate ao cristianismo, não aceitando o preceito básico da moral cristã de que todos os homens têm o mesmo valor. Para Nietzsche isso era uma balela. Shakespeare e Beethoven, entre tantos gênios, provaram sua tese de que existem pessoas melhores do que as outras. Em “Assim falou Zaratustra”, seu livro mais popular, ele inventou o Übermensch ou o “super-homem”. Uma teoria complexa que acabou sendo exaltada por Hitler meio século depois. Numa temível simplificação, ele via nela uma comprovação para o seu anseio de, a partir da “raça” ariana, criar um homem superior.  

Afora esta odiosa utilização pelos nazistas (Nietzsche estava morto há 30 anos quando Hitler surgiu como líder na Alemanha) – esta espécie de possível “sustentação filosófica” para teorias racistas -, Nietzsche encanta pela sua permanente transgressão ao pensamento filosófico estabelecido. Por outro lado, é quase certo que tenha influenciado Sigmund Freud, cuja obra explorou a natureza e o poder dos desejos inconscientes. No belíssimo livro Uma breve história da filosofia, de Nigel Warburton, há um capítulo extremamente esclarecedor sobre esta questão da popularidade do filósofo. Veja o trecho em que Warburton inicia seu capítulo sobre Nietzsche:

“Deus está morto.” Essa é a citação mais famosa do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). Mas como Deus poderia morrer? Supostamente, Deus é imortal. E seres imortais não morrem, mas vivem para sempre. De certa forma, porém, a questão é essa. É por isso que a morte de Deus soa tão estranha: não há como ser diferente. Nietzsche estava deliberadamente brincando com a ideia de que Deus não poderia morrer. Ele não estava dizendo literalmente que Deus estivera vivo em algum momento e que agora não estava mais, e sim que a crença em Deus havia deixado de ser razoável. Em seu livro, A gaia ciência (1882), Nietzsche colocou a frase “Deus está morto” na boca de um personagem que segura um lampião e procura por Deus em todos os lugares, mas não consegue encontrá-lo. Os habitantes do vilarejo pensam que ele é louco.

Nietzsche foi um homem memorável. Nomeado professor da Universidade de Basel aos 24 anos, ele parecia decidido a seguir uma distinta carreira acadêmica. Contudo, esse pensador excêntrico e autêntico não se adaptou e parecia gostar de di­fi­cul­­tar a própria vida. Ele acabou deixando a universidade em 1879, em parte devido à sua saúde debilitada, e viajou para a Itália, a França e a Suíça, escrevendo livros que quase ninguém lia na época, mas que hoje são famosos como obras tanto literárias quanto filosóficas. Sua saúde mental piorou, e ele passou grande parte do fim da vida em um manicômio.

Brincando de Jane Austen

Para atestar de vez a popularidade de Jane Austen em todo o mundo, a BBC lançou um jogo para Facebook que convida os usuários da maior rede social do planeta a passear pelos romances de uma das escritoras inglesas mais importantes de todos os tempos. E tudo começa com seu livro mais célebre, Orgulho e preconceito: os jogadores têm que encontrar o casal Elizabeth Bennet e Fitzwilliam Darcy e “persuadi-los” a voltar para o livro de onde saíram. Para isso, há várias tarefas a serem cumpridas, como encontrar objetos escondidos pelo cenário e identificar os erros em cenas que misturam as histórias de seus seis romances.

Para se dar bem no jogo, o ideal é conhecer bem livros de Jane Austen. Quatro deles estão na Coleção L&PM Pocket: Orgulho e preconceito, Persuasão, A abadia de Northanger e Razão e sentimento. Os outros dois, Emma e Mansfield Park, devem chegar nos próximos meses.

Dos croquis aos cenários de “Na Estrada”

Ao longo da viagem de Jack Kerouac pelas páginas de On the Road, há muitos marcos geográficos, lugares que vão e vem, encontrando-se e desencontrando-se pelos parágrafos do livro. No filme Na Estrada, tudo precisou ser construído e reconstituído, da bomba de combustível, ao motel decadente e, claro, chegando à casa de Sal Paradise no andar de cima de uma farmácia. É uma viagem no tempo que começa a partir do momento em que o diretor de arte parte para a realização dos chamados croquis que serão usados como referência para os cenários. A reconstituição de Na estrada / On the Road, impôs à equipe de Walter Salles um quebra-cabeça logístico. Mas o resultado final impressiona. Mérito, além de Walter Salles, do diretor de arte Carlos Conti, do diretor de fotografia Eric Gautier e do responsável pelo figurino Danny Glicker. Veja abaixo dois exemplos de como eram os croquis e de como ficaram as cenas do filme.

O croqui e a cena do hotel em que Dean deixa Sal e Marylou (clique na imagem para ampliá-la)

O croqui e como ficou a casa em que Sal/Jack mora com a mãe e escreve On the road

A mitologia e a vida: Olimpo e Brasília de Cachoeira

A caixa de Pandora é uma das histórias mais célebres da mitologia grega. Ela significa a vingança de Zeus, o deus grego do Olimpo. Prometeu, um dos Titãs, havia desafiado Zeus e ele decide vingar-se enviando uma caixa conduzida pela belíssima Pandora para um dos irmãos titãs. Esta caixa, se aberta, espalharia a maldição dos deuses sobre a humanidade. A partir daí a expressão “Caixa de Pandora” é usada quando, ao revelar-se uma verdade, outras terríveis vêm atrás. A “caixa de Pandora” abriu-se em Brasília com a cassação do senador Demóstenes. Assumiu o seu vice, ex-marido da bela mulher de Cachoeira, o bicheiro que tem a República em suas mãos. Hoje, li nos jornais que está caindo também a máscara do governador de Goiás, aquele que havia se saído muito bem na inquirição da CPI. Já começa a se falar do Senador substituto, outra obra de Cachoeira. E tem a Delta, os outros deputados, etc. etc. Enfim, abriu-se a caixa…

Veja abaixo o “original” do mito “A caixa de Pandora” incluído no livro As grandes histórias da mitologia greco-romana de A. S. Franchini. (Ivan Pinheiro Machado)

A caixa de Pandora

Prometeu, o Titã que roubou o fogo de Zeus para dá-lo aos homens, tinha um irmão chamado Epimeteu. Prometeu não se cansava de alertá-lo de que Zeus poderia voltar a querer se vingar.

– E que tenho eu com as birras de vocês? – disse Epimeteu.
– Idiota! – exclamou Prometeu. – Ele pode querer vingar-se em você, ou na humanidade!

Epimeteu deu de ombros, pois não era à toa que seu nome significava “percepção tardia”.

Enquanto isso, no Olimpo, já estava em marcha uma nova vingança de Zeus. O pai dos deuses mandara Hefestos confeccionar uma mulher biônica para enviar de presente aos irmãos rebeldes. Todos os deuses deram sua contribuição para tornar a criatura irresistível, razão pela qual ela se chamou Pandora, que quer dizer “bem-dotada” em grego. Zeus, na verdade, ficou tão encantado que, não fossem os olhares irados de sua esposa, a teria tomado para si. Depois, deu uma caixa para a jovem, para que ela a levasse de presente a Epimeteu, pois era para o irmão imprevidente que a beldade seria enviada.

Pandora, porém, sentiu-se meio confusa:

– Mas não sou eu o presente? Um presente levando outro?
– Não pense, menina – disse Zeus. – Faça o que eu disser e fará bem.

Zeus proibiu a garota de abrir a caixa com tanta veemência que conseguiu o que queria, que era deixá-la cheia de curiosidade. Ela partiu e, no mesmo dia, chegou à morada de Epimeteu, que delirou com o presente. Depois, ele a instalou no seu quarto, ocasião que ela aproveitou para ir ver o que a caixa continha. Porém, mal a abriu e uma coleção horrenda de criaturas escapou e se espalhou aos guinchos por todo o mundo. Eram elas: a Fome, a Guerra, a Doença, a Morte e um exército tão inumerável de flagelos que Pandora fechou a caixa outra vez, deixando presa no interior apenas a Esperança.

E este foi o último dos males, pois com a Esperança encerrada na caixa se tornaram intoleráveis todos os demais que a cólera de Zeus espalhara sobre a humanidade.

O Outro Van Gogh no teatro

Estreou na semana passada, no Rio, a peça “O Outro Van Gogh”. Nela, o ator Fernando Eiras, no primeiro monólogo de sua carreira, apresenta um espetáculo baseado nas centenas de cartas trocadas entre Vincent Van Gogh e seu irmão Théo entre os anos de 1872 e 1890. Com texto de Mauricio Arruda Mendonça e direção de Paulo de Moraes, a peça é centrada na figura de Théo e no período em que ele esteve internado em um sanatório com transtornos psicológicos causados pela sífilis. No espetáculo, Eiras interpreta Théo em meio a seu colapso psicológico, no qual conversa com o irmão morto, relembrando a forte ligação dos dois, desde a infância até o trágico fim do pintor. Abaixo, um vídeo com trechos do monólogo.

Serviço:

O que: O Outro Van Gogh
Quando: 28 de junho a 26 de agosto
Classificação etária: 14 anos
Ingressos: Quinta e sexta, R$ 40,00/ Sábado e Domingo, R$ 60,00
Onde: Teatro Poeira, Rua São João Batista, 104 – Botafogo, Rio de Janeiro / Fone: (21) 2537.8053

A Coleção L&PM Pocket publica Cartas a Théo em uma edição ampliada, anotada e ilustrada. O livro traz ainda um glossário, identificando os quase 200 nomes citados por Vincent em sua correspondência, várias ilustrações com fac-símiles das cartas e o célebre texto do pintor Paul Gauguin, onde é descrito o episódio em que Van Gogh, num acesso de loucura, corta a orelha.

Jô Soares ganha edição do livro On the Road com a capa do filme

Ontem à noite (na verdade, hoje de madrugada), Jô Soares entrevistou a atriz Alice Braga em seu programa e ganhou dela a nova edição de On the Road com a capa de Na Estrada. No filme, Alice vive Terry, uma catadora de algodão mexicana que se envolve com Sal Paradise. O esperado filme com direção de Walter Salles é baseado na obra de Jack Kerouac e estreia hoje – 13 de julho – no Brasil. Alice é a única brasileira no elenco.

Rolling Stones há 50 anos

Para ler ao som de “Factory girl”, dos Rolling Stones

Foi em 12 de julho de 1962, há exatos 50 anos, no clube Marquee, em Londres, que os Rolling Stones se apresentaram pela primeira vez. Da formação atual, apenas Mick Jagger e Keith Richards estavam lá e Brian Jones, Dick Taylor, Ian Stewart e Tony Chapman completavam o grupo.

Mick, desde aquela época, sempre foi a maior estrela dos Stones e anos depois ele se tornaria um dos queridinhos de Andy Warhol e viraria personagem de vários retratos e quadros do criador da pop art. No livro America, que chega em breve às livrarias pela L&PM recheado com algumas das melhores fotos de Andy Warhol, Mick Jagger ganhou uma página inteira:

Mick Jagger em foto de Andy Warhol que está no livro América

Uma das sessões de fotos que Andy fez com os Rolling Stones aconteceu no dia 29 de setembro de 1977, como está registrado nos Diários de Andy Warhol:

Quinta-feira, 29 de setembro, 1977
(…)
Mick chegou 20 minutos atrasado e realmente de bom humor – eu estava fotografando os Stones. Aí todo mundo começou a chegar – Ron Wood, Earl McGrath e Keith Richards, que eu acho queé apenas a pessoa mas adorável, eu o adoro. Eu disse que fui a primeira pessoa a conhecer a mulher dele, Anita Pallenberg. Nos anos 60.

O dia que Galeano visitou Neruda

Fui a Isla Negra, à casa que foi, que é, de Pablo Neruda.

Era proibido entrar. Uma cerca de madeira rodeava a casa. Lá as pessoas tinham gravado seus recados para o poeta. Não tinham deixado nenhum pedacinho de madeira descoberta. Todos falavam com ele como se  estivesse vivo. Com lápis ou pontas de pregos, cada um tinha encontrado sua maneira de dizer-lhe: obrigado.

Eu também encontrei, sem palavras, a minha maneira. E entrei sem entrar. E em silêncio ficamos conversando vinhos, o poeta e eu, caladamente falando de mares e amares e de alguma poção infalível contra a calvície. Compartilhamos camarões ao pil-pil e uma prodigiosa torta de jaibas e outras dessas maravilhas que alegram a alma e a pança, que são, como ele sabe muito bem, dois nomes para a mesma coisa.

Várias vezes erguemos taças de bom vinho, e um vento salgado golpeava nossas caras, e tudo foi uma cerimônia de maldição da ditadura, aquela lança negra cravada em seu torço, aquela puta dor enorme, e foi também uma cerimônia de celebração da vida, bela e efêmera como os altares de flores e os amores passageiros.

(Trecho de O livro dos abraços, de Eduardo Galeano, que escolhemos para homenagear Pablo Neruda no dia de seu aniversário. O poeta nasceu em 12 de julho de 1904)