Roberto Freire foi psicanalista, escritor, jornalista, dramaturgo e, como ele mesmo gostava de dizer, um anarquista. Autor de vários bestsellers, faleceu em 23 de maio de 2008, aos 81 anos. Entre seus legados, está o livro Cleo e Daniel, escrito na década de 1960 e relançado pela Coleção L&PM Pocket há poucos dias atrás, depois de ficar mais de uma década fora do mercado. Cleo e Daniel agora tem introdução do escritor Ignacio de Loyola Brandão que era amigo de Freire: “Foi um impacto, Cleo e Daniel estourou em vendas, estava nas mãos de todos os jovens. Falava-se de Cleo, de Daniel e de Roberto. Tenho uma curiosidade imensa de saber como se comportará este romance quase cinquenta anos depois. Verdade que grandes livros nunca envelhecem. Como será visto hoje pela geração facebook, linkedin, iPhone, iPad, internet, twitter, rede social. Pensar que Roberto escrevia a lápis.”
On the road é exibido em Cannes
Exibido hoje cedo em Cannes, Na Estrada (On the Road), deu um banho de “sensualidade e sensorialidade”. Pelo menos é o que conta a matéria publicada no Blog do Bonequinho, do Jornal O Globo que reproduzimos aqui:
Enviado por Rodrigo Fonseca / 23.5.2012 – 6h24mCANNES: UMA JORNADA DE MATURIDADE E SENSUALIDADE
Walter Salles deu à Cannes algo que o festival de cinema mais disputado do mundo ainda não havia experimentado em sua 65ª edição: sensualidade, sensorialidade, ou em bom português, tesão. “Na estrada” (“On the road”) é disparado o filme mais maduro de Salles como realizador, preciso em sua composição de planos, exigente na direção de atores e ousado no retrato da juventude. Com base no romance beat de Jack Kerouac, que o cinema sonhou ver na tela durante anos, o novo longa-metragem do cineasta carioca de 56 anos é uma espécie de súmula da questões buscadas pelo cineasta ao longo de 21 anos de carreira. Seu tema central, a construção de uma relação amorosa (seja ela fraternal, maternal ou ideológica), no decorrer de uma jornada, encontra na prosa de Kerouac matéria-prima para construir uma radiografia geracional.
De olhos voltados para a América do fim dos anos 40 e do início dos anos 50, Salles narra a construção da amizade entre o aspirante a escritor Sal Paradise (Sam Rilley) e o ex-presidiário chave de cadeia Dean, representado por um Garrett Hedlund devastador. Embora as opiniões acerca do filme não sejam consensuais, divididas entre paixões e recepções frias, existe um ponto em comum. A Croisette em peso agora acha que Garrett pode dar uma rasteira em Jean-Louis Trintignant (o favorito por “Amour”) na briga pelo prêmio de melhor ator. Outra surpresa é Kristen Stewart, a mocinha da série “Crepúsculo”. Descabelada, suada, safada e pelada, ela disparou uma bomba hormonal na sessão do filme esta manhã para a imprensa. Na sessão estavam membros do júri, como o diretor americano Alexander Payne e o estilista Jean Paul Gaultier. Kristen ajuda o filme a quebrar a caretice habitual com que o cinema americano – esta é uma co-produção entre França e EUA – trata o sexo. Francis Ford Coppola, que sonhou durante quase 30 anos levar o livro de Kerouac às telas, deve estar bem feliz. Embora o favoritismo na briga pela Palma, ficar com o romeno “Beyond the hills” e o austríaco “Amour”, “Na estrada” deve sair daqui com troféus na mala. Merece. O bonequinho aplaude Salles de pé.
A L&PM acaba de lançar uma edição de On the Road comemorativa ao filme, com a capa do poster.
O mapa astral de Sir Arthur Conan Doyle
Conan Doyle acreditava em fadas, em espíritos e no sobrenatural em geral. Nada mais lógico, portanto, do que pensar que ele também levava fé no poder dos astros. Nascido em 22 de maio de 1859 em Edimburgo, Escócia (segundo consta, às 4:55 da manhã), o criador de Sherlock Holmes tinha sol em Gêmeos, ascendente também em Gêmeos e lua em Aquário. Será que isso explicaria sua genialidade em criar o mais famoso detetive da literatura? Segue abaixo, o seu mapa astral para quem quiser se aventurar a interpretá-lo:
Dalton Trevisan recebe o Prêmio Camões deste ano
Acaba de ser divulgado, em Lisboa, que o grande vencedor do Prêmio Camões deste ano é Dalton Trevisan. Este é o maior prêmio literário em língua portuguesa e Trevisan receberá por ele o valor de cem mil euros. O júri da 24ª edição do Prêmio Camões foi constituído por Rosa Martelo, professora associada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto; Abel Barros Baptista, professor associado da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; a poeta angolana Ana Paula Tavares; o historiador e escritor moçambicano João Paulo Borges Coelho; Alcir Pécora, professor da Universidade de Campinas e o crítico, ensaísta e escritor brasileiro Silviano Santiago.
O Prêmio Camões foi instituído por Portugal e Brasil em 1989 e a escolha recai sobre a obra que contribui para a projeção e reconhecimento da língua portuguesa. “A escolha de Dalton Trevisan foi unânime. Houve uma discussão maravilhosa entre os membros do júri de cerca de duas horas e depois chegamos a essa decisão consensual”, afirmou Santiago em nota divulgada pela Fundação Biblioteca Nacional, responsável pelo prêmio no Brasil. “Primeiramente, pela contribuição extraordinária de Dalton Trevisan para a arte do conto, em particular para o enriquecimento de uma tradição que vem de Machado de Assis, no Brasil, de Edgar Allan Poe, nos EUA, e de Borges, na Argentina.”
Nascido em Curitiba em 14 de junho de 1925, Dalton Trevisan é autor de uma extensa obra em que destacam-se Cemitério de Elefantes (Civilização Brasileira, 1964), Vampiro de Curitiba (Civilização Brasileira, 1965), A Trombeta do Anjo Vingador (Record, 1977) e A faca no coração (Record, 1975). Pela L&PM, publicou os livros 111 Ais, 99 corruíras, Continhos galantes, Duzentos Ladrões, A gorda do Tiki Bar, Mirinha e Nem te conto, João.
Recluso, o escritor não se deixa fotografar há anos e só fala com poucos amigos. Fato que é conhecido não apenas no Brasil, mas também em Portugal como bem mostra a matéria divulgada hoje em terras lusitanas:
“A Dinastia Rothschild”: um livro fascinante
Herbert Lottman nasceu em Nova York, tem 85 anos, dos quais 52 passados em Paris. Foi correspondente de importantes jornais americanos na Europa e passou a ser respeitado internacionalmente pelo magnífico texto, a intensa pesquisa que fez sobre a Europa entre as duas grande guerras e as importantes biografias de Flaubert, Camus, Collette e Julio Verne. Seu trabalho mais conhecido, Rive Gauche: escritores, artistas e políticos em Paris, 1934-1953, foi best seller internacional nos anos 1980 e trata de um tema delicado: as relações promíscuas entre muitos respeitados intelectuais franceses e os alemães durante a ocupação nazista na segunda grande guerra (1940- 1945).
Seu mais recente trabalho, também um best seller internacional, chegou ao Brasil e rapidamente alcançou a terceira reimpressão em poucos meses. Trata-se da história, ou melhor, da saga dos Rothschild, família de banqueiros judeus que foi por vezes protagonista, por vezes coadjuvante, mas sempre esteve na história da política e economia ocidental nos últimos 300 anos.
O nome Rothschild – “escudo vermelho” em alemão – remonta a um período negro da história europeia: no século XVIII os judeus eram confinados a guetos, não tinham direito a propriedades, nem mesmo a um sobrenome. Podiam apenas improvisar um nome de família ou colocar uma placa simbólica acima da porta do seu estabelecimento comercial. Pois foi numa loja de produtos variados na Judengasse, o gueto judeu da cidade alemã de Frankfurt, que nasceu Mayer Amschel, aficionado conhecedor de moedas e cérebro do império que viria a se formar. Jacob, o filho mais novo, se instalaria em Paris, passando a usar o nome de James e construindo o braço francês dos negócios da família. Seus irmãos se espalhariam por outros centros financeiros do continente: Londres, Viena e Nápoles.
Os êxitos e as desventuras dos Rothschild estiveram intimamente ligados aos acontecimentos históricos, financeiros e políticos, sobretudo no século XX: foi assim por ocasião do caso Dreyfus, ainda no final do século XIX, da crise de 1929, das espoliações ocorridas sob o governo colaboracionista de Vichy durante a ocupação nazista da França e, na década de 80, durante o governo do socialista François Mitterrand.
Composta de banqueiros, viticultores (Château Mouton Rothschild), industriais, financistas, agricultores, pecuaristas, colecionadores, mecenas, atores e escritores, a dinastia dos Rothschild estendeu sua influência econômica e política de Londres a Israel, da Espanha à Rússia.
Para retraçar esta história notável, Herbert R. Lottman teve acesso a arquivos inéditos e a correspondências privadas. A edição publicada pela L&PM conta também com um posfácio do autor escrito especialmente para a edição brasileira. (Ivan Pinheiro Machado)
O dia em que Verlaine atirou em Rimbaud
Cheguei a Bruxelas há quatro dias, infeliz e desesperado. Conheci Rimbaud há mais de um ano. Vivi com ele em Londres, cidade que deixei há quatro dias para vir viver em Bruxelas, a fim de estar mais perto dos meus negócios, já que estou me separando de minha esposa, residente em Paris, a qual alega que eu mantenho relações imorais com Rimbaud. Escrevi a minha esposa dizendo que caso ela não viesse ter comigo em três dias, eu daria um tiro na minha cabeça, e foi com essa finalidade que comprei um revólver esta manhã na passagem das Galeries Saint-Hubert, com o estojo e uma caixa de balas, pela soma de 23 francos. Depois de minha chegada a Bruxelas, recebi uma carta de Rimbaud que me perguntava se podia vir se encontrar comigo. Enviei-lhe um telegrama dizendo que o aguardava, ele chegou há dois dias. Hoje, ao ver-me infeliz, quis me abandonar. Perdi o controle em um instante de loucura e atirei nele. Ele não deu queixa naquele momento. Fui com ele e minha mãe ao hospital Saint-Jean para que ele recebesse cuidados e voltamos juntos. Rimbaud queria partir de qualquer jeito. Minha mãe deu-lhe vinte francos para sua viagem; e foi no caminho para a estação que ele alegou que eu queria matá-lo.
(Depoimento de Paul Verlaine que está no livro Rimbaud, Série Biografias L&PM)
Cleo e Daniel na era das redes sociais
Cleo e Daniel é um livro que Roberto Freire lançou em 1965 e que, além de ter se transformado em bestseller, virou filme dirigido pelo próprio autor. Mais de 40 anos depois, Cleo e Daniel volta ao mercado pela Coleção L&PM Pocket. A seguir, o texto que o escritor e jornalista Ignacio de Loyola Brandão escreveu especialmente para esta edição que acaba de sair do forno. E que explica um pouco porque a obra de Freire segue sendo atual.
Conheci Roberto Freire e dele fiquei amigo nos anos 60 quando trabalhamos juntos em Última Hora, jornal que já desapareceu. Fiquei abismado ao saber que ele escrevia à mão. Sempre escreveu. Depois que já era psicanalista, ou seja lá o que for. Falávamos de cinema, de São Paulo, de putas, de sexo, de homossexuais, de drogas. Ele tinha um jeito meio louco e eu ficava fascinado com sua maneira de ver as coisas e o mundo. Um dia, ele me trouxe um calhamaço: Quer dar uma olhada nisso? Tem saco? É um romance. Li em dois dias. Maravilhado, porque ali estava uma visão nova da juventude naqueles confusos anos 60. Confusos porque tínhamos batalhado por liberdade, sexo, tudo, e tínhamos levado a porrada da ditadura na cabeça. Enfim surgia um livro diferente, claro, aberto. Mudava a literatura, a visão das coisas, nesta história de um amor tresloucado, puro. O mundo estava mudando, o Brasil também. Roberto surgiu com uma linguagem solta, descolada, atraente, poética e sensual. Foi um impacto, Cleo e Daniel estourou em vendas, estava nas mãos de todos os jovens. Falava-se de Cleo, de Daniel e de Roberto. Tenho uma curiosidade imensa de saber como se comportará este romance quase cinquenta anos depois. Verdade que grandes livros nunca envelhecem. Como será visto hoje pela geração facebook, linkedin, iPhone, iPad, internet, twitter, rede social. Pensar que Roberto escrevia a lápis.
Juan Gabriel Vásquez na Flip!
Só hoje a gente pode contar a novidade, pois precisávamos esperar a coletiva de imprensa oficial da Flip – Festa Literária Internacional de Paraty. A programação do evento, que este ano completa uma década, foi divulgada esta manhã. E a novidade é que, em 2012, um autor aqui da casa estará participando da Flip. O escritor colombiano Juan Gabriel Vásquez, autor de História Secreta da Constaguana (que chegará da gráfica no início da semana que vem e breve estará nas livrarias) participa de uma mesa sobre “Ficção e História” no dia 5 de julho às 17h15min. Ele estará ao lado de Javier Cercas e a conversa será mediada por Ángel Gurría-Quintana. Veja aqui a programação completa.
De Vásquez, a L&PM lançou em 2010 o excelente Os informantes e agora traz para o Brasil História Secreta da Costaguana, um romance se passa em um país que não pode ser encontrado no mapa, Costaguana, localidade que pertence à literatura, à imaginação do escritor Joseph Conrad. A partir do encontro entre dois viajantes, José Altamirano e Joseph Conrad, Vásquez narra a história do que seria um dos grandes roubos da literatura: a apropriação indevida de Conrad da vida de Altamirano – e como o grande romancista transformou a história pessoal desse ambíguo personagem. O romance tem como pano de fundo a heróica saga da construção do Canal do Panamá.
Na trilha (sonora) de “On the road”
On the Road é um livro sonoro. Do motor do carro no qual Sal Paradise e Dean Moriarty empreenderam sua jornada aos inferninhos em que ambos “viajaram” entre metais e bongôs, Jack Kerouac faz as palavras dançarem pelos pensamentos. Sua obra, que agora virou filme e concorre a Palma de Ouro em Cannes pelas mãos de Walter Salles, embalou, embala e continuará embalando os sonhos de liberdade de quem sabe que há um mundo lá fora, além da fronteira.
O filme, que estreia em junho no Brasil, já tem trilha sonora lançada em CD na França. O responsável por ela é Gustavo Santaolalla, músico argentino que já trabalhou com Walter Salles em Diários de Motocicleta e também assina músicas dos filmes Brokeback Mountain, Babel e 21 Gramas. Na lista de canções de On the Road (Na Estrada) estão composições próprias de Santaolalla e também Ella Fitzgerald, Coati Mundi, Son House e, claro, Slim Gaillard. “Ela chora e tem chiliques, não quer me deixar sair para ver Slim Gaillard, fica furiosa cada vez que me atraso e então, quando resolvo ficar em casa, ela simplesmente não fala comigo, diz que sou um idiota completo” diz Dean a Sal, citando Slim Gaillard e se referindo a Camille em uma das páginas do livro de Kerouac.
Dodô Azevedo, editor de conteúdo do site de Na Estrada está em Cannes e de lá postou no Facebook oficial do filme uma foto do CD e imagens da gravação da trilha que aconteceu em Los Angeles. No estúdio, Santaolalla recebeu as lendas do Jazz Charles Haden e Brian Blade. O diretor Walter Salles também estava lá, acompanhando as gravações e com cara de quem estava feliz com o resultado.
Se você não puder ir até a França buscar o resultado de tudo isso, o pessoal de Na Estrada avisa que será sorteado um CD assinado por Walter Salles entre os que curtem a página do Facebook e os que seguem @naestradafilme no twitter. Dá uma olhada na soundtrack list que inclui ainda uma leitura de Kerouac:
1. Sweet Sixteen – Greg Kramer
2. Roman Candles
3. Yep Roc Heresy – Coati Mundi
4. Reminiscence
5. Lovin’ It
6. The Open Road
7. Memories / Up to Speed
8. I’ve Got the World on a String – Ella Fitzgerald
9. That’s It
10. Keep it Rollin’
11. Hit That Jive Jack – Slim Gaillard
12. God Is Pooh Bear
13. Death Letter Blues – Son House
14. I Think of Dean
15. Jack Kerouac Reads ‘On the Road’ – Jack Kerouac
Carlos Fuentes: escrever para ser
Por Eric Nepomuceno*

O escritor mexicano Carlos Fuentes, no centro da imagem, junto ao peruano Mario Vargas Llosa e ao colombiano Gabriel García Márzquez (El País)
Vejo algumas fotos em preto e branco. E me detenho em uma, feita em algum dia incerto da Barcelona daqueles anos 70, mostrando um Vargas Llosa alto e sorridente, um Carlos Fuentes um tanto formal, e um Gabriel García Márquez cabeludo e com bigodes que parecem desenhados a carvão. Fuentes ainda fumava: na mão esquerda, posta fraternalmente sobre o ombro de García Márquez, aparece o cigarro. Ali estão eles: Vargas Llosa aparece à esquerda, Fuentes está no centro, García Márquez à direita. Exatamente o avesso do que a vida reservaria aos três, ou do que os três fariam de suas vidas.
Na foto, os três são jovens, e parecem confiantes, e ocupam o inverso do espaço que o tempo e a realidade se encarregariam de colocar em seus devidos lugares: quem à direita, ao centro, à esquerda. Volta e meia imagino como será ter sido ser jovem, ou melhor, ser um jovem Fuentes, um jovem Mario Vargas, um jovem García Márquez naqueles anos de turbilhão. Uma vez perguntei isso a Fuentes. Estávamos em São Paulo, caminhávamos ao léu com Silvia Lemus, sua mulher, para cima e para baixo por aquelas paralelas da rua Augusta, e ele me contava coisas. Dizia assim: ‘É que a gente era muito jovem, e acreditávamos nas mesmas coisas, e tínhamos uma confiança enorme no futuro’. Insistia: sua amizade com García Márquez, que vinha de 1961, era a qualquer prova. E acabei sendo testemunha disso, dessa verdade.
E lembro que algum tempo depois, coisa de ano ou ano e meio, ao entrar num restaurante italiano em Buenos Aires, topei com ele e com Silvia. E ele, como sempre de uma elegância sem fim – e, atenção: estou me referindo à elegância como postura diante da vida –, quis continuar uma conversa que eu nem lembrava qual era. Era a conversa sobre nossos respectivos anos jovens. Disse ele, lembrando de Vargas Llosa, de García Márquez, de Cortázar: ‘A vida segue, e às vezes, nos separa. Bom mesmo é quando você consegue discordar de tudo e fazer com que nada separe os afetos, a amizade’. Tentou isso a vida inteira. Às vezes – com Cortázar, com García Márquez –, conseguiu. Aliás, sem maiores esforços.
Quando me refiro a ele como um homem elegante, me refiro a um pensamento que conseguia ser ao mesmo tempo ágil e contido, que não se limitava às barreiras que muitas vezes nos impomos a nós mesmos. Acreditava no que acreditava. Acreditava no futuro. No futuro da América Latina, no futuro no ser humano. Acreditava que, em algum momento desse nosso eterno recomeçar, nós, da América Latina, deixaríamos de recomeçar e começaríamos de verdade. E escrevia assim: acreditando. Não há dois livros dele que sejam iguais. Porque, em seu ofício, Carlos Fuentes era como na vida: sempre disposto a recomeçar, a reinventar. Sua obra é desigual, porque ao longo da vida somos desiguais. Escrevia cada livro como se fosse o primeiro. E por isso mesmo ele foi tantos, como tantos somos nós em nosso dia-a-dia.
A única coisa que se manteve sempre em cada palavra, cada frase que desenhou, foi a fé no futuro. Jamais acreditou em limites e fronteiras, quando escrevia. E nem quando vivia. Qualquer um que tenha a palavra escrita como matéria prima, e a memória como guia dos tempos, saberá descobrir no autor de ‘A região mais transparente’, ou ‘A morte de Artemio Cruz’, ou de ‘Terra Nostra’, de ‘Gringo Viejo’, um eterno contemporâneo, um companheiro de viagem, um parceiro de sonhos e ousadias. E uma testemunha de desesperanças e esperanças, de tudo aquilo que poderíamos ter sido e que não fomos.
Fuentes dizia que, mais do que pela obra dos grandes historiadores, dos grandes sociólogos, dos grandes antropólogos – e ele foi amigo de vários dos grandes –, a verdadeira história nossa era escrita por escritores. Lembro bem da vez em que ele disse que escrever literatura não era um ato natural: era como dizer que a realidade, não é suficiente. Que precisa de outra realidade, a da imaginação. E que isso era perigoso. Assim viveu, assim escreveu.
Muito mais que um grande escritor, a América perdeu um homem de seu tempo – de seus tempos. Que soube defender suas idéias com tamanha inteireza, com tamanha elegância, com tamanha firmeza, que mesmo os que tantas vezes discordaram dele poucas vezes deixaram de respeitá-lo. Eu perdi um amigo distante. Que teve uma vida coalhada de dramas tenebrosos – a ele e a Silvia foi reservada a pior das dores de um ser humano, a de enterrar seus filhos – e conseguiu continuar caminhando. E sorrindo.
Lembro de Carlos Fuentes como alguém que não se deixou abater. Que não deixou de sorrir e de acreditar.
Certa vez, ele me disse que escrevia para continuar sendo. E, assim, foi.
* Eric Nepomuceno é escritor, jornalista e tradutor e acaba de entregar a tradução do novo livro de Eduardo Galeano, “Os filhos dos dias” que será lançado em breve. Este texto foi publicado originalmente no site Cartamaior.









