Rudyard Kipling, o verdadeiro pai de Mogli

Eram sete horas de uma noite muito quente nas montanhas Seeonee quando Pai Lobo acordou de sua sesta, passou as unhas pelo corpo, bocejou e esticou as patas, uma depois da outra, para tirar a sensação de sonolência. Mãe Lobo estava deitada com seu enorme focinho cinza bem perto dos seus quatro agitados e barulhentos filhotes e a lua, brilhando, entrava na caverna onde viviam. (…) Os arbustos se mexeram na mata e Pai Lobo levantou as patas, preparando-se para saltar. E se você estivesse lá teria visto uma coisa incrível: o lobo interrompendo o salto no meio do caminho. Ele fez um movimento antes de ver sobre o que estava saltando e quando viu tentou interromper o salto. O resultado foi que ele se lançou no ar a um metro e meio do chão e voltou quase exatamente ao mesmo lugar de onde havia saltado. – Um homem – disse Pai Lobo espantado. – Um filhote de homem, olhe!

Assim começa “Os irmãos Mogli”, a primeira história de O Livro da Selva, escrito em 1895 por Rudyard Kipling. Mogli é ele mesmo, o menino lobo que, nos anos 60, virou personagem de um dos desenhos animados mais famosos da Disney, o 19º clássico animado feito pelo estúdio e o último supervisionado por Walt Disney, que faleceria dez meses antes da estreia do filme em setembro de 1967.

Walt Disney manteve o nome original da obra de Kipling na sua adaptação: “The Jungle Book”, enquanto no Brasil ele ganhou o nome de “Mogli, o menino lobo”. O filme quebrou todos os recordes de bilheteria da época e um dos motivos do sucesso foram as canções super produzidas. E há uma curiosidade em relação a uma das músicas: a ideia do pessoal do estúdio era que a canção “That´s What Friends are For”, cantada pelos abutres, fosse num estilo “Beatles”, mas Walt Disney achou que logo a moda dos garotos de Liverpool iria passar e a canção ficaria demodê. Mal sabia ele…

Mas a nossa canção preferida do filme não é esta, e sim a do urso Baloo, personagem que, como todos os outros, é uma criação original de Rudyard Kipling.

 O Livro da Selva acaba de ser reeditado pela Coleção L&PM POCKET e tem tradução da saudosa Vera Karam, escritora, dramaturga e tradutora falecida em 2003.

Amares

Nos amávamos rodando pelo espaço e éramos uma bolinha de carne saborosa e suculenta, uma única bolinha quente que resplandescia e jorrava aromas e vapores enquanto dava voltas e voltas pelo sonho de Helena e pelo espaço infinito e rodando caía, suavemente caía, até parar no fundo de uma grande salada. E lá ficava, aquela bolinha que éramos ela e eu; e lá no fundo da salada víamos o céu. Surgíamos a duras penas através da folhagem cerrada das alfaces, dos ramos do aipo e do bosque de salsa, e conseguíamos ver algumas estrelas que andavam navegando no mais distante da noite.

Eduardo Galeano em O livro dos abraços

Sugestão: no Dia dos Namorados, ler em voz alta para quem você ama ao som de “Milonga de Amor” do grupo Bajo Fondo Tango Club:

A verdadeira “história de fantasma” de Charles Dickens

Quando Charles Dickens morreu,  em 9 de junho de 1870, tinha 58 anos e um livro inacabado: The Mystery of Edwin Drood (O mistério de Edwin Drood). Como um livro de Dickens seria sucesso de vendas na certa, não tardaram a aparecer candidatos a terminar a obra deixada por ele. A primeira tentativa veio naquele mesmo ano de 1870, feita pelo americano Robert Henry Newell, que publicou sob o pseudônico de Orfeu C. Kerr. O segundo final foi escrito por Henry Morford, um jornalista de Nova York. A terceira versão, no entanto, não apenas foi a mais inusitada, como considerada por alguns como sendo uma obra póstuma do próprio Dickens. Entre o Natal de 1872 e julho de 1873, um mecânico americano de nome Thomas James, de parca formação cultural, escreveu mais uma conclusão da novela inacabada. Segundo ele, durante este período, o espírito de Charles Dickens teria sido o autor do texto. Além de ser muito mais longa do que as outras versões, o texto de James foi considerado por alguns (inclusive por Sir Arthur Conan Doyle) como aquele que apresentava surpreendente continuidade “na maneira de pensar, no estilo e nas peculiaridades ortográficas de Dickens”. Para os espiritualistas mais afoitos este final do livro foi visto, inclusive, como “a mais convincente prova da sobrevivência do espírito”. Ou seja: um mistério ainda maior do que o do próprio Edwin Drood…

A primeira versão de “O mistério de Edwin Drood” foi publicada poucos meses depois da morte de Dickens

De Charles Dickens, a L&PM publica Histórias de Fantasmas e Um conto de Natal.

Sobre “Millôr Definitivo”

Mais de 600 páginas de Millôr em estado puro

Este livro espetacular é o resultado de uma verdadeira operação “pente-fino” na obra de Millôr Fernandes. Muitas foram as pessoas que colaboraram no “rastreamento” das frases deste grande intelectual brasileiro, dentro e fora da L&PM. Mas foi aqui na editora que executamos a monumental tarefa de selecionar, reunir, “xerocar” e assinalar quase 10.000 frases. Esta equipe foi capitaneada por Jó Saldanha, Fernanda Veríssimo e por mim. Consultamos as coleções de “O Cruzeiro”, “Veja”, “Isto É”, “O Pasquim”, “Pif-Paf”, “Jornal do Brasil” e todos os livros publicados por Millôr como “30 anos de mim mesmo”, “A história é uma história”, “A verdadeira história do Paraíso”, “O livro vermelho dos pensamentos de Millôr”, “Fábulas fabulosas”, “Hai-kais”, “Poemas” entre muitos outros, além das 21 peças de teatro originais, criadas por ele (para quem não sabe, Millôr também traduziu mais de 100 peças de teatro, entre elas “Hamlet”, “Rei Lear” e “A megera domada” de Shakespeare, “Pigmaleão” de Bernard Shaw e “Gata em telhado de zinco quente” de Tennessee Williams. O material original, com as páginas de livros, jornais e cópias de revistas formariam uma pilha de mais ou menos três metros de altura, caso fossem empilhadas, é óbvio… Millôr analisou as 10 mil frases e cortou mais de 4 mil. Foram aprovadas 5.142 frases. O trabalho começou em 1988 e o livro saiu finalmente em 1994 com um mega lançamento na churrascaria Marius em Ipanema, Rio de Janeiro. Um mês depois, faríamos outro grande lançamento na pizzaria “Birra e Pasta” em Porto Alegre, numa grande festa comemorando os 20 anos da L&PM Editores. De lá para cá, este livro já vendeu bem mais de 50 mil exemplares.

São mais de 600 páginas de Millôr Fernandes em estado puro. Há no mercado uma edição de luxo em capa dura, no valor de R$ 74,00 e  a versão em bolso, com texto integral por R$ 29,00. É um fantástico conjunto de preciosidades intelectuais. Uma síntese do pensamento de Millôr Fernandes. Frases que marcaram nossa história recente e traduzem de maneira genial o que se viu, sonhou, sofreu e vibrou nestas últimasd décadas. (Ivan Pinheiro Machado)

 

Algumas verdades sobre a morte de Ofélia

Segundo historiadores da Universidade de Oxford, a morte de uma menina perto de Stratfort-upon-Avon, cidade natal de William Shakespeare, em 1569, teria inspirado a famosa morte de Ofélia, uma das cenas finais da peça Hamlet. Shakespeare tinha apenas 5 anos de idade quando correu pela cidade a notícia de que a pequena Jane Shaxspere morreu afogada após cair num rio enquanto apanhava flores. O fato parece ter impressionado tanto o pequeno William, que cerca de 40 anos depois, ele descreveu assim o fim de sua Ofélia (aqui, com tradução de Millôr Fernandes):

(Entra a Rainha)
REI: Que foi, meiga Gertrudes?

 RAINHA: Uma desgraça marcha no calcanhar da outra,
Tão rápidas se seguem. Tua irmã se afogou, Laertes.

 LAERTES: Afogada! Oh, onde?

 RAINHA: Há um salgueiro que cresce inclinado no riacho
Refletindo suas folhas de prata no espelho das águas
Ela foi até lá com estranhas grinaldas
De botões-de-ouro, urtigas, margaridas
E compridas orquídeas encarnadas
Que nossas castas donzelas chamam dedos de defuntos
E que os pastores, vulgares, dão nome mais grosseiro.
Quando ela tentava subir nos galhos inclinados,
Para aí pendurar as coroas de flores,
Um ramo invejoso se quebrou;
Ela e seus troféus floridos, ambos,
Despencaram juntos no arroio soluçante
Suas roupas inflaram e, como sereia,
A mantiveram boiando um certo tempo;
Enquanto isso ela cantava fragmentos de velhas canções,
Inconsciente da própria desgraça
Como criatura nativa desse meio,
Criada para viver nesse elemento.
Mas não demoraria para que suas roupas,
Pesadas pela água que a encharcava
Arrastassem a infortunada do seu canto suave
À morte lamacenta.

A cena da morte de Ofélia foi imortalizada por diversos artistas, entre eles John Everett Millais, que quase matou sua modelo Lizzie Siddall ao deixá-la tempo demais deitada numa banheira de água fria! Pelo menos o resultado valeu a pena:

A morte de Ofélia, de John Everett Millais

"A morte de Ofélia", de John Everett Millais

As namoradas de Jack Kerouac

Aproveitando que o Dia dos Namorados está chegando, separamos aqui algumas namoradas de Jack Kerouac. Mulheres que o acolheram e o inspiraram a criar algumas de suas personagens.

bea_francoBea Franco – Foi a “Mexican Girl” de Jack Kerouac. A personagem Terry, de On the Road, foi inspirada nela. Os dois se conheceram no outono de 1947 na Califórnia e tiveram um affair. Mas o suficiente para ela ir parar no livro e apaixonar-se por Kerouac. Em uma das cartas que enviou a ele, diz que, se não fosse seu filho, “teria ido com ele mesmo que fosse de carona”. No filme On the Road, de Walter Salles, a Mexican Girl foi interpretada por Alice Braga.

Alene Lee – Afro-americana com ares de cantora de jazz, Alene fazia parte do círculo beat e foi namorada de Kerouac em 1953. Mardou Fox, personagem de Os Subterrâneos, na verdade é ela, assim como Leo Percepeid é o alterego de Kerouac. Outra personagem dele, Irene May, do Livro dos Sonhos, também teria sido inspirada em Alene. Essa ex-namorada de Jack preferiu ser discreta e não contou muito sobre a relação entre os dois.

 

Helen Weaver – Trabalhava em uma editora e conheceu Jack Kerouac em 1956, quando ele e Allen Ginsberg bateram na porta de sua casa. Apaixonou-se por Kerouac à primeira vista. Em 2009, publicou um livro contando suas memórias com Kerouac, que tem o título de “The Awakener (O despertador). “Eu soube que ia escrever este livro desde aquele dia, em novembro de 1956, quando ele entrou na minha sala, meu quarto, e minha vida” escreveu ela no prólogo.

Joyce Glassman (Joyce Johnson) – Começou a namorar Jack Kerouac quando tinha 21 anos e pouco antes do lançamento de On the road. Foi ela que acompanhou o escritor até a banca de jornal, na madrugada de 5 de setembro de 1957, para que comprassem a edição do New York Times e lessem a crítica do livro. Publicou, em 2000, Door Wide Open: A Beat Love Affair In Letters, 1957-1958, com as cartas trocadas entre ela e Kerouac ao longo de um ano.

E estas não foram as únicas mulheres na vida de Jack Kerouac. Edie Parker, a namorada que virou a primeira esposa (apesar de terem ficado casados por apenas dois meses), também escreveu um livro contando sua vida ao lado de Jack. Esperanza Villanueva o encantou e o inspirou a escrever Tristessa. Carolyn Cassady, esposa de Neal Cassady, foi sua amante. E Stella Sampas, uma namorada da adolescência, acabou se casando com ele nos anos 1960.

Múltiplos olhares sobre Allen Ginsberg

Pelo jeito, o Howl Festival 2011 realizado de 3 a 5 de junho em Nova York para comemorar o aniversário de Allen Ginsberg foi um sucesso! Basta dar uma olhada nas notícias e fotos da festa que circularam na internet desde o primeiro dia. Como de costume, o festival abriu com uma leitura em grupo de Howl (Uivo), o longo e célebre poema de Ginsberg que dá nome ao evento. Ainda na programação, vários shows de música, apresentações de dança, performances, poesia e até um carnaval infantil.

Ao longo do Tompkins Square Park, que fica no East Village, bairro em que Allen Ginsberg morou até o fim da vida, diversos artistas gráficos também prestaram sua homenagem ao poeta. Fazendo uma busca simples por “Howl Festival 2011” no Flickr, você encontra uma verdadeira cobertura fotográfica colaborativa do evento:

(passe o mouse sobre as fotos para ver os créditos ou clique para ir direto ao perfil do fotógrafo no Flickr)

howl festival 2011

Art Around the Park, Howl Festival 2011, East Village, New York City - 3

ginsburg, allen at Howl

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Quer ver mais fotos? No Flickr há centenas delas! Clique aqui e sinta o clima do que foi o Howl Festival 2011.

Bertrand Russell e seu cachimbo

Bertrand Russell é considerado o filósofio mais expressivo e engajado do século XX, ao lado de Sartre. Fumante incansável, sempre segurando seu cachimbo, Russell estava em um avião que, em 1948 caiu sobre o mar da Noruega. Em sua autobiografia, ele descreveu o acidente: “Quando nosso avião pousou sobre a água, tornou-se óbvio que algo estava errado. Nós estávamos sentados no avião enquanto ele lentamente afundava. Vi botes reunidos em volta dele e logo fomos informados que devíamos pular no mar e nadar até um destes barco – o que todas as pessoas perto de mim fizeram. Soubemos posteriormente que os dezenove passageiros da área de não-fumantes tinham morrido quando o avião atingiu a água. Eu havia dito a um amigo em Oslo, que foi quem reservou meu lugar no avião, que ele devia escolher uma poltrona onde eu pudesse fumar e comentei jocosamente: “Se eu não puder fumar, vou morrer”. Inesperadamente, esta acabou sendo uma verdade.”

Bertrand Arthur Wiliam Russell, terceiro conde de Russell, nasceu no País de Gales, em uma família tradicional. Tornou-se filósofo, lógico, matemático, além de inveterado humanista. Foi pacifista, posicionou-se a favor da emancipação feminina e do controle da natalidade, combateu o imperialismo e foi um dos primeiros defensores do desarmamento nuclear. Agnóstico declarado, criticava qualquer forma de autoridade que tolhesse a liberdade de pensamento e de expressão e acusava instituições religiosas e seus fieis por dificultarem a vida do ser humano. Seus leitores e admiradores viam nele um profeta da vida criativa, moderna e racional. Em 1950, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Na década de 1960, denunciou os Estados Unidos pela invasão do Vietnã. Foi casado quatro vezes e, apesar de nunca ter largado seu cachimbo, morreu com quase cem anos.

De Bertrand Russel, a L&PM publica Por que não sou cristão; Ensaios céticos e No que acredito, livro da Série Pocket Plus em que o filósofo começa dizendo que “O homem é uma parte da natureza, não algo que contraste com ela. Seus pensamentos e movimentos corporais seguem as mesmas leis que descrevem os deslocamentos de estrelas e átomos…”

31. O homem que sabia dar títulos

Por Ivan Pinheiro Machado*

Editor, até pouco tempo atrás, era considerado apenas um leitor de luxo. Uma espécie de diletante privilegiado, quase como um diretor de uma fundação. Poucos imaginavam que uma editora pudesse ser uma empresa, ter obrigações prosaicas como pagar salários, direitos autorais, aluguéis etc. As pessoas se sentiam no direito de interromper o nosso jantar num restaurante para dizer que tinham uns poemas ou um romance “e você vai ter que ler e publicá-los!”. Este detalhe insalubre da profissão de editor é pouco conhecido. Vez por outra, numa festa ou num lugar público, você se torna refém dos chatos…  Hoje, o mercado se profissionalizou e estas abordagens já não são tão frequentes como antes. Ainda acontece, mas o “público em geral” já tem ideia de que editor é um profissional como qualquer outro. Uma editora, ao contrário de uma fundação, é um negócio sujeito às leis do mercado.

Com os escritores acontecia praticamente o mesmo. Eram (e são) atormentados pelos mesmos chatos e amigos para lerem originais e darem uma opinião ou uma ajudinha para encontrar um editor. O José Onofre Krob Jardim, escritor e um dos melhores textos da imprensa brasileira, falecido recentemente, contava uma história muito boa sobre esta relação entre o “chato” e o escritor.

William Faulkner, prêmio Nobel de 1949, autor de “O som e a fúria”, “Enquanto agonizo”, “Luzes de agosto”, entre outras obras-primas, era famoso por criar ótimos títulos para os seus livros. Um dia, um amigo ligou e disse que seu filho havia escrito um romance muito bom, mas que estava com dificuldades para escolher o título. Ele pedia que Faulkner lesse o livro e desse um nome a ele. Educadamente, o grande escritor concedeu que o filho do amigo fosse a sua casa com seus originais.

Poucos dias depois, o rapaz cumpriu a promessa do pai e chegou na casa do escritor com um enorme calhamaço, um romance com quase 800 páginas datilografadas.

– Aqui está o livro para o senhor ler, Mestre.

Faulkner olhou apavorado para aquela montanha de papel e disse:

– Olha, meu filho, eu acho que já tenho um título para o seu livro…

– Mas o senhor não quer ler?

– Diga-me uma coisa. Por acaso a sua história se refere a tambores? Há alguma passagem em que os personagens toquem tambores?

– Não… com certeza não.

– Diga-me também o seguinte; em algum momento do livro existe uma cena em que há o som de clarins como fundo?

– Não. Respondeu o jovem, cada vez mais intrigado.

– Então está aí… Disse Faulkner com um sorriso sábio. Já temos o título: “Nem tambores, nem clarins”!!

O escritor William Faulkner em seu escritório

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo primeiro post da Série “Era uma vez… uma editora“.

Fernando Pessoa e o Tejo

O rio Tejo, que corta Portugal de oeste a leste, é personagem típico na literatura feita no país. Nos versos de Fernando Pessoa, um de seus poetas mais ilustres, não seria diferente. Ouça a seguir o poema O rio da minha aldeia, do livro Poesias (Coleção L&PM Pocket), interpretado por Tom Jobim no CD Música em Pessoa, lançado em 1985, por ocasião dos 50 anos da morte do poeta português.

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que veem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal
Toda a gente sabe disso
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Conheça os livros de Fernando Pessoa e seus heterônimos na Coleção L&PM Pocket.