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Maradona ao sol e à sombra

Ele foi um gênio indomável. Um baixinho gigantesco que correu como ninguém com uma bola. Ele escorregou, caiu, levantou, equilibrou-se na linha tênue dos prazeres da vida. Ele foi o mais “prima-dona” dos jogadores, o mais argentino dos argentinos. Maradona levantou olas e taças. Segurou na mão de Deus e a pegou emprestada. E marcou seu nome na história dos que jamais serão esquecidos.

R.I.P. Diego Maradona.

Para lembrá-lo e homenageá-lo, compartilhamos aqui trechos de Futebol ao sol e à sombra, livro que Eduardo Galeano escreveu sobre os momentos inesquecíveis e emblemáticos do “fútbol”:

Foi em 1973. Jogavam as equipes infantis de Argentinos Juniors e River Plate, em Buenos Aires. O número 10 do Argentinos recebeu a bola de seu goleiro, evitou o beque central do River e começou a corrida. Vários jogadores foram ao seu encontro: passou a bola por fora de um deles, entre as pernas de outro, e enganou mais um de calcanhar. Depois, sem parar, deixou paralisados os zagueiros e botou o goleiro caído no chão, e se meteu caminhando com a bola na meta rival. No campo tinham ficado sete meninos fritos e quatro que não conseguiam fechar a boca. Aquela equipe de garotinhos, os Cebollitas, estava invicta há cem partidas e tinha chamado a atenção dos jornalistas. Um dos jogadores, Veneno, que tinha treze anos, declarou:

– Jogamos para nos divertir. Nunca vamos jogar por dinheiro. Quando entra dinheiro, todos se matam para ser estrelas, e então chega a hora da inveja e do egoísmo.

Falou abraçado ao jogador mais querido de todos, que também era o mais alegre e o mais baixinho: Diego Armando Maradona, que tinha doze anos e acabava de fazer aquele gol incrível. Maradona tinha o costume de pôr a língua de fora quando estava em pleno impulso. Todos os seus gols tinham sido feitos com a língua de fora. De noite dormia abraçado com a bola e de dia fazia prodígios com ela. Vivia numa casa pobre de um bairro pobre e queria ser técnico industrial.

(Texto “Gol de Maradona”)

MARADONA CEBOLLITA

Na Copa de 86, participaram catorze países europeus e seis americanos, além do Marrocos, Coreia do Sul, Iraque e Argélia. (…) . Mas aquele foi o Mundial de Maradona. Contra a Inglaterra, Maradona vingou com dois gols de esquerda o orgulho pátrio ferido nas Malvinas: fez um com a mão esquerda, que ele chamou de mão de Deus, e o outro com a perna esquerda, depois de ter derrubado no chão a defesa inglesa. A Argentina disputou a final contra a Alemanha. Foi de Maradona o passe decisivo, que deixou sozinho Burruchaga para que a Argentina se impusesse por 3 a 2 e ganhasse o campeonato quando o relógio já marcava o fim da partida, mas antes tinha havido outro gol memorável: Valdano arrancou com a bola desde o arco argentino, cruzou toda a cancha e quando Schumacher saiu para cortar, colocou-a rente à trave direita. Valdano vinha falando com a bola, vinha lhe suplicando: – Por favor, entre. A França se classificou em terceiro lugar, seguida pela Bélgica. O inglês Lineker liderou a lista de artilheiros, com seis gols. Maradona fez cinco, como o brasileiro Careca e o espanhol Butragueño.

(Trecho do texto “O Mundial de 86”)

MARADONA 87

Jogou, venceu, mijou, perdeu. A análise acusou a presença de efedrina e Maradona acabou de mau jeito seu Mundial de 94. A efedrina, que não é considerada droga estimulante no esporte profissional dos Estados Unidos e de muitos outros países, é proibida nas competições internacionais. Houve estupor e escândalo. Os trovões da condenação moral ensurdeceram o mundo inteiro, mas mal ou bem se fizeram ouvir algumas vozes de apoio ao ídolo caído. E não só na sua dolorida e atônita Argentina, mas também em lugares tão longínquos como Bangladesh, onde uma manifestação numerosa rugiu nas ruas repudiando a FIFA e exigindo o retorno do expulso. Afinal de contas, julgá-lo era fácil, e era fácil condená-lo, mas não era tão fácil esquecer que Maradona vinha cometendo há anos o pecado de ser o melhor, o delito de denunciar de viva voz as coisas que o poder manda calar e o crime de jogar com a canhota, que segundo o Pequeno Larousse Ilustrado significa “com a esquerda” e também significa “o contrário de como se deve fazer”. Diego Armando Maradona nunca tinha usado estimulantes, nas vésperas das partidas, para multiplicar seu corpo. É verdade que se metera com cocaína, mas se dopava em festas tristes, para esquecer ou ser esquecido, quando já estava encurralado pela glória e não podia viver sem a fama que não o deixava viver. Jogava melhor do que ninguém, apesar da cocaína, e não por causa dela. Estava esgotado pelo peso de sua própria personagem. Tinha problemas na coluna vertebral, desde o longínquo dia em que a multidão havia gritado seu nome pela primeira vez. Maradona carregava uma carga chamada Maradona, que fazia sua coluna estalar. O corpo como metáfora: suas pernas doíam, não podia dormir sem comprimidos. Não tinha demorado a perceber que era insuportável a responsabilidade de trabalhar como deus nos estádios, mas desde o princípio soube que era impossível deixar de fazê-lo. “Necessito que me necessitem”, confessou, quando já tinha há muitos anos o halo na cabeça, submetido à tirania do rendimento sobre-humano, intoxicado de cortisona, analgésicos e ovações, acossado pelas exigências de seus devotos e pelo ódio dos que ofendera. O prazer de derrubar ídolos é diretamente proporcional à necessidade de tê-los. Na Espanha, quando Goicoechea pegou-o por trás e sem a bola e o deixou fora das canchas por vários meses, não faltaram fanáticos 196 que carregaram nos braços o culpado deste homicídio premeditado, e em todo o mundo não faltaram pessoas dispostas a comemorar a queda do arrogante argentininho intruso nos píncaros, o novo-rico que tinha fugido da fome e se dava ao luxo da insolência e da fanfarronice. Depois, em Nápoles, Maradona foi Santa Maradonna e São Gennaro se transformou em São Gennarmando. Nas ruas vendiam-se imagens da divindade de calções, iluminada pela coroa da virgem ou envolta no manto sagrado do santo que sangra a cada seis meses, e também vendiam-se ataúdes dos times do norte da Itália e garrafinhas com lágrimas de Silvio Berlusconi. Os meninos e os cachorros usavam perucas de Maradona. Havia uma bola ao pé da estátua de Dante e o tritão da fonte vestia a camisa azul do Nápoles. Havia mais de meio século que o time da cidade não ganhava um campeonato, cidade condenada às fúrias do Vesúvio e à derrota eterna nos campos de futebol, e graças a Maradona, o sul obscuro tinha conseguido, finalmente, humilhar o norte branco que o desprezava. Campeonato atrás de campeonato, nos estádios italianos e europeus, o Nápoles vencia, e cada gol era uma profanação da ordem estabelecida e uma revanche contra a história. Em Milão odiavam o culpado desta afronta dos pobres que deixaram seu lugar, chamavam-no presunto cacheados. E não só em Milão: no Mundial de 90, a maioria do público castigava Maradona com furiosas vaias toda vez que tocava a bola, e a derrota argentina frente à Alemanha foi comemorada como uma vitória italiana. Quando Maradona disse que queria ir embora de Nápoles, houve os que lhe lançaram pelas janelas bonecos de cera atravessados por alfinetes. Prisioneiro 197 da cidade que o adorava e da camorra, a máfia dona da cidade, ele já estava jogando contra a vontade, no contrapé; e então, explodiu o escândalo da cocaína. Maradona transformou-se subitamente em Maracoca, um delinquente que se tinha feito passar por herói. Mais tarde, em Buenos Aires, a televisão transmitiu o segundo acerto de contas: a detenção, ao vivo, como se fosse uma partida, para deleite dos que desfrutaram o espetáculo do rei nu que a polícia levava preso. “É um doente”, disseram. E disseram: “Está acabado”. O messias convocado para redimir a maldição histórica dos italianos do sul tinha sido, também, o vingador da derrota argentina na guerra das Malvinas, mediante um gol velhaco e outro gol fabuloso, que deixou os ingleses girando como piões durante alguns anos; mas na hora da queda, o Pibe de Ouro não passou de um farsante cheirador e putanheiro. Maradona tinha traído os meninos e desonrado o esporte. Deram-no como morto. Mas o cadáver levantou-se de um salto. Cumprida a penitência da cocaína, Maradona foi o bombeiro da seleção argentina, que estava queimando suas últimas possibilidades de chegar ao Mundial de 94. Graças a Maradona, chegou lá. E no Mundial, Maradona era outra vez, como nos velhos tempos, o melhor de todos, quando estourou o escândalo da efedrina. A máquina do poder o tinha jurado. Ele lhe dizia de tudo, e isso tem seu preço, o preço se paga à vista e sem descontos. E o próprio Maradona ofereceu a justificativa, por sua tendência suicida de servir-se de bandeja na boca de seus muitos inimigos e por essa irresponsabilidade infantil que o impele a precipitar-se em todas as armadilhas que se abrem em seu caminho. Os mesmos jornalistas que o pressionam com os microfones reprovam sua arrogância e suas zangas e o acusam de falar demais. Não lhes falta razão; mas não é isso que não podem perdoar nele: na verdade, não gostam do que às vezes diz. Este garoto respondão e esquentado tem o costume de lançar golpes para cima. Em 86 e em 94, no México e nos Estados Unidos, denunciou a ditadura onipotente da televisão, que obrigava os jogadores a extenuar-se ao meio-dia, esturricando-se ao sol, e em mil e uma ocasiões, ao longo de toda a sua acidentada carreira, Maradona disse coisas que mexeram em casa de marimbondos. Ele não foi o único jogador desobediente, mas foi sua voz que deu ressonância universal às perguntas mais insuportáveis: Por que o futebol não é regido pelas leis universais do direito do trabalho? Se é normal que qualquer artista conheça os lucros do show que oferece, por que os jogadores não podem conhecer as contas secretas da opulenta multinacional do futebol? Havelange se cala, ocupado com outros afazeres, e Joseph Blatter, burocrata da FIFA que nunca chutou uma bola mas anda em limusines de oito metros com motorista negro, limita-se a comentar:

– O último astro argentino foi Di Stéfano.

Quando Maradona foi, finalmente, expulso do Mundial de 94, os campos de futebol perderam seu rebelde mais clamoroso. E perderam também um jogador fantástico. Maradona é incontrolável quando fala, mas muito mais quando joga: não há quem possa prever as diabruras deste criador de surpresas, que jamais se repete e goza desconcertando os computadores. Não é um jogador veloz, tourinho de pernas curtas, mas leva a bola costurada no pé e tem olhos em todo o corpo. Seus malabarismos inflamam o campo. Ele pode resolver uma partida disparando um tiro fulminante de costas para o gol ou servindo um passe impossível, de longe, quando está cercado por milhares de pernas inimigas, e não há quem o pare quando se lança a driblar adversários. No frígido futebol do fim de século, que exige ganhar e proíbe divertir-se, este homem é um dos poucos que demonstra que a fantasia também pode ser eficaz.

(Texto “Maradona”)

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O belo “O caçador de histórias” em O Globo

O Segundo Caderno do jornal O Globo de sábado, 16 de junho, traz uma crítica do livro “O caçador de histórias”, de Eduardo Galeano, assinada por Diogo de Hollanda, jornalista, tradutor e doutor em literaturas hispânicas pela UFRJ. Leia abaixo:

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Clique para ampliar e ler a crítica de Diogo de Hollanda

Galeano, o eterno caçador de histórias

Eduardo Galeano passou a vida caçando histórias que ele colecionava como preciosidades. Histórias nascidas de sonhos, de percepções, de notícias, de observações. Histórias vindas de outras histórias. Ao partir, em 13 de abril de 2015, deixou algumas delas guardadas, inéditas, virgens de olhares. São textos curtos e poéticos, que orbitam entre o ensaio e a ficção, e que no final de maio chegarão aos leitores brasileiros com tradução de Eric Nepomuceno.

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Editado na Argentina pelo selo Siglo Veintiuno Editores, “O Caçador de Histórias” foi um grande sucesso por lá. No site da editora, encontramos um belo BookTrailer sobre o livro com narração do próprio Galeano. Emocionante!

E para matar a saudades de Galeano, também vale dar uma conferida neste outro vídeo legendado (apesar da imagem distorcida, vale a pena escutá-lo lendo o trecho de um de seus livros).

A L&PM Editores publica toda a obra de Eduardo Galeano no Brasil. 

As últimas palavras de Galeano

Vem aí “O caçador de histórias”, livro inédito deixado pelo escritor uruguaio. Leia a seguir a matéria publicada pelo Jornal O Globo no dia 13 de abril, data de um ano da morte de Eduardo Galeano. O jornal publicou ainda trechos do novo livro que tem tradução de Eric Nepomuceno e que será lançado pela L&PM em breve.

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Eric Nepomuceno e Eduardo Galeano

Jornal O Globo – Por Guilherme Freitas

RIO — Morto em 13 de abril de 2015, aos 74 anos, Eduardo Galeano dedicou seus últimos meses ao que mais gostava de fazer: escrever. As palavras finais do autor uruguaio estão reunidas no livro “O caçador de histórias”, que chega este mês às livrarias dos países de língua espanhola. O lançamento no Brasil está previsto para o fim de maio, pela editora L&PM, em tradução de Eric Nepomuceno, amigo do escritor por mais de quatro décadas.

Com textos curtos e poéticos, entre o ensaio e a ficção, “O caçador de histórias” é uma amostra de estilo e temas que marcaram a obra de Galeano. Em um fragmento, o autor de um dos livros de cabeceira da esquerda no continente, “As veias abertas da América Latina” (1971), recorda a ocasião em que ouviu do chileno Salvador Allende, anos antes de sua morte no golpe de Pinochet, uma frase profética: “Vale a pena morrer por tudo isso que, sem existir, não vale a pena viver”. Outros textos evocam mitos e tradições dos povos indígenas da América, matéria-prima de clássicos de Galeano, como a trilogia “Memória do fogo”.

Um tema que atravessa o livro é a celebração da “paixão inútil” pela escrita: “Meus mestres foram os admiráveis mentirosos que nos cafés se reuniam para encontrar o tempo perdido”, diz. Nos últimos textos, escritos quando ele combatia um câncer no pulmão, surgem reflexões pungentes sobre a proximidade do fim: “O sol nos oferece um adeus sempre assombroso, que jamais repete o crepúsculo de ontem nem o de amanhã”.

Tradutor do primeiro texto de Galeano publicado no Brasil, o conto “O monstro meu amigo”, em 1974, Nepomuceno foi responsável desde então por mais de uma dezena de títulos do uruguaio no país. “O caçador de histórias” foi o primeiro em que não revisou cada palavra com o amigo. Nepomuceno selecionou os trechos publicados a seguir como uma homenagem a Galeano no primeiro aniversário de sua morte.

— Se Eduardo era de uma exigência sem tréguas na hora de escrever, mais exigente ainda era na hora de revisar a tradução. Negociávamos cada palavra, cada frase — diz Nepomuceno. — O vazio deixado por ele é imenso. Sou órfão desse meu irmão que a vida me deu. Cada palavra desta tradução foi negociada na sua ausência. Espero ter honrado a nossa parceria de 42 anos.

POR QUE ESCREVO/II

Se não me engano, foi Jean-Paul Sartre quem disse:

Escrever é uma paixão inútil.

A gente escreve sem saber muito bem por que ou para que, mas supõe-se que escrever tem a ver com as coisas nas quais a gente acredita da maneira mais profunda, tem a ver com os temas que nos desvelam.

Escrevemos tendo por base algumas certezas, que tampouco são certezas full-time. Eu, por exemplo, sou otimista segundo a hora do dia.

Normalmente, até o meio-dia sou bastante otimista. Depois, do meio-dia até as quatro, minha alma despenca para o chão. Lá pelo entardecer ela se acomoda de novo no seu devido lugar, e de noite cai e se levanta, várias vezes, até a manhã seguinte, e por aí vamos…

Eu desconfio muito dos otimistas full-time. Acho que eles são um resultado dos erros dos deuses.

Segundo os deuses maias, todos nós fomos feitos de milho, e por isso temos tantas cores diferentes, tantas como tem o milho. No Brasil, talvez nem tantas, mas no resto da América, sim: milho branco, amarelo, avermelhado, marrom, e por aí vamos. Muitas cores. Mas antes houve algumas tentativas muito desleixadas, que deram bem errado. Uma delas teve como resultado o homem e a mulher feitos de madeira.

Os deuses andavam chateados e não tinham com quem conversar, porque aqueles humanos eram iguais a nós mas não tinham o que dizer nem como dizer se tivessem o que dizer, porque não respiravam. Não abriam a boca. E se não respiravam nem abriam a boca, não tinham alento. E eu sempre pensei que se não tinham alento, também não tinham desalento. Portanto, não é tão desastroso que a alma da gente despenque para o chão, porque é só uma prova a mais de que somos humanos, humaninhos e nada mais.

E como humaninho, puxado pelo alento ou pelo desalento, conforme as horas do dia, continuo escrevendo, praticando essa paixão inútil.

***

PEGADAS

O vento apaga as pegadas das gaivotas.

As chuvas apagam as pegadas dos passos humanos.

O sol apaga as pegadas do tempo.

Os contadores de história procuram as pegadas da memória perdida, do amor e da dor, que não são vistas, mas que não se apagam.

***

HOMENAGENS

No morro de Santa Lucía, em pleno centro de Santiago do Chile, foi erguida uma estátua do chefe indígena Caupolicán.

Caupolicán mais parece um índio de Hollywood, e isso tem explicação: a obra foi esculpida, em 1869, para um concurso realizado nos Estados Unidos em homenagem a James Fenimore Cooper, autor do romance “O último dos moicanos”.

A escultura perdeu o concurso, e o moicano não teve outro remédio a não ser mudar de país e mentir que era chileno.

***

ESTRANGEIRO

No jornal do bairro de Raval, em Barcelona, a mão anônima escreveu:

– Teu deus é judeu, tua música é negra, teu carro é japonês, tua pizza é italiana, teu gás é argelino, teu café é brasileiro, tua democracia é grega, teus números são árabes, tuas letras são latinas.

Eu sou teu vizinho. E tu dizes que sou estrangeiro?

***

O VENTO

Espalha as sementes, conduz as nuvens, desafia os navegantes.

Às vezes limpa o ar, e às vezes suja.

Às vezes aproxima o que está distante, e às vezes afasta o que está perto.

É invisível e é intocável.

Acaricia você, golpeia você.

Dizem que ele diz:

— Eu sopro onde quiser.

Sua voz sussurra ou ruge, mas não se entende o que diz.

Anuncia o que virá?

Na China, os que preveem o tempo são chamados de espelhos do vento.

***

ÚLTIMA PORTA

Desde que se deitou pela última vez, Guma Muñoz não quis mais se levantar.

Nem mesmo abria os olhos.

Num de seus raros despertares, Guma reconheceu a filha, que apertava a sua mão para dar serenidade ao seu sono.

Então, falou, ou melhor, murmurou:

— Que esquisito, não é? A morte me dava medo. Não dá mais. Agora, me dá curiosidade. Como será?

E, perguntando como será, se deixou ir, morte adentro.

“O caçador de histórias” está em fase de produção, mas já adiantamos que a capa será igual à capa da editora Siglo Veintiuno.

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Passeie pela Montevidéu de Eduardo Galeano

A capital do Uruguai tem espírito cultural pulsante. E um de seus mais célebres cidadãos deixou sua marca pela cidade. A forte relação de Galeano com sua Montevidéu natal foi retratada em suas obras, textos jornalísticos e na rotina pessoal

As pessoas mais próximas contam que, mesmo em seus últimos anos de vida, ele saía de sua casa em Pocitos para ver a cidade onde as pessoas “amam sem dizer e abraçam sem tocar”.

A seguir, alguns dos lugares preferidos de Galeano em Montevidéu:

CAFÉ BRASILERO

Essa Cafeteria de Montevidéu abriu suas portas em 1877. De tão habitué deste café, Galeano acabou intimamente ligado ao lugar. “Sou filho dos cafés de Montevidéu. Neles aprendi tudo que sei, forma minha única universidade”, dizia.

Todas as manhãs, o escritor ocupava, no Brasilero, uma mesa entre a parede de madeira e a janela envidraçada e ali lia o seu jornal. A leitura era acompanhada por uma taça de vinho, um cortado ou um café especial que é batizado com seu nome (Café + Licor Amaretto + Creme + Doce de leite).

Atualmente, as paredes do café ainda mantêm fotos de Galeano e os garçons, o gerente e o dono do café lembram saudosos da convivência que tinham com o escritor.

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Onde: Calle Ituzaingó, 1447, Ciudad Vieja. www.cafebrasilero.com.uy

LIVRARIA LINARDI Y RISSO

Galeano frequentava esta livraria desde 1960, quando então o lugar ocupava um casarão do outro lado da rua onde está hoje. Especializada em livros antigos e sobre a América Latina, a livraria Linardi y Risso teve papel importante na formação intelectual de Galeano e de outros escritores latinos: por décadas, promoveu em seu café grupos de discussão que reuniam a nata intelectual do continente. Além de Galeano, a livraria recebia Pablo Neruda, Mario Vargas Llosa, Haroldo de Campos, Mario Benedetti e Julio Maria Sanguinetti, entre outros.

Os debates já não acontecem, mas o acervo de 50 mil livros segue em exposição. Nos últimos anos de vida, Galeano encomendava livros raros e ia lá só para buscá-los. A maior parte deles era sobre futebol, mas também obras sobre a história política e social da América Latina.

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Onde: Calle Juan Carlos Gómez, 1435, Ciudad Vieja. www.linardiyrisso.com

ESTÁDIO CENTENÁRIO

“Todos os uruguaios nascem gritando gol. Eu quis ser jogador de futebol, como todos os garotos”. Galeano era realmente apaixonado por futebol e seu time do coração era o Nacional.

O estádio Centenário era adorado pelo escritor, pois foi lá que seu time se tornou campeão da Taça Libertadores três vezes e onde o Uruguai venceu sua primeira Copa do Mundo, em 1930.

“O estádio Centenário suspira de nostalgia pelas glórias do futebol uruguaio”, escreveu ele no livro Futebol ao Sol e a Sombra.

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Onde: Avenida Dr. Américo Ricaldoni, Parque Batlle. www.estadiocentenario.com.uy

RAMBLA

Galeano fez das caminhadas pela rambla de Montevidéu (o calçadão que margeia a costa da capital, alinhado ao mar e ao rio da Prata), uma espécie de compromisso diário.

“Vou caminhando pela costa da cidade onde nasci. Ando nela e ela anda em mim. E, enquanto vou, as palavras caminham dentro de mim e vão formando histórias.”, disse ele certa vez em uma entrevista.

A trajetória de Galeano incluía paradas na Plaza Independência e os arredores do Mercado do Porto e de outras construções de Montevidéu, como o teatro Solís.

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Onde: Rambla Francia, Ciudad Vieja

Via Folha de S. Paulo – Caderno Turismo

A L&PM Editores publica todos os livros de Eduardo Galeano no Brasil.

Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher

Página do livro "Os filhos dos dias" de Eduardo Galeano

Página do livro “Os filhos dos dias” de Eduardo Galeano

cartaz_filme_borboletasO filme No tempo das borboletas que retrata o período de ditadura militar (1930-1961) na República Dominicana, onde por 31 anos o povo esteve refém das atrocidades cometidas pelo general Rafael Leónidas Trujillo. Sob seu lema ou estás comigo ou contra mim, e com o beneplácito da Igreja, Trujillo mandava matar todos os que se opunham ao seu regime. Foi responsável direto pelo assassinato de mais de 30 mil pessoas.

O filme conta a saga das irmãs Mirabal: Minerva, Patria, María Teresa, filhas de um pequeno proprietário de terras que vivia na cidade de Ojo de Agua, don Enrique Mirabal, e da dona de casa Mercedes Mirabal, que desafiaram a sangrenta ditadura do general Trujillo.

Em homenagem à luta das irmãs Mirabal, o 1º Encontro de Mulheres da América Latina e Caribe, realizado em 1981, em Bogotá, decidiu criar o Dia Internacional da Não Violência contra a Mulher na data de 25 de novembro de cada ano.
Com direção de Mariano Barroso e as atrizes Salma Hayek, Mía Maestro, Pilar Padilla, Lumi Cavazos e Ana Martín, o filme é uma contundente denúncia da violência do sistema contra a mulher, e sua exibição nas escolas e bairros possibilita um importante debate sobre a luta da mulher por uma nova sociedade e por sua emancipação.

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As belas irmãs Mirabal

 

Uma janela para Eduardo Galeano e suas Mulheres

Eduardo Galeano era feito de histórias. Na verdade, um passarinho contou a ele que todos somos feitos delas. O escritor uruguaio costumava falar isso em público, com seu jeito carinhoso e poético.

Em abril deste ano, Galeano partiu deixando saudades. Nesta quinta-feira, 3 de setembro, ele estaria completando 75 anos.

Para marcar a data, Eric Nepomuceno, escritor, tradutor, amigo pessoal de Galeano e responsável por trazer suas obras ao Brasil, prestará uma homenagem, às 20h na Casa do Saber. É um encontro que ganhou o nome de “Uma janela para Eduardo Galeano” e que vai celebrar a prosa poética, o olhar apurado e dedicado sobre a América Latina e também a maneira como encarou Galeano mundo (ao mesmo tempo ampla e detalhista).

O encontro tem previsão de durar uma hora e maiores informações pelo telefone 2227-2237.

E é também no aniversário de Eduardo Galeano que a L&PM está lançando oficialmente a nova edição de Mulheres, ampliada e com novo projeto gráfico. Na verdade, um novo livro. 🙂

“Essa mulher é uma casa secreta. Em seus cantos, esconde vozes e guarda fantasmas.”

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Sergio Faraco nos conta sobre seu encontro com Eduardo Galeano em 2008

PAVANA PARA UM SEDUTOR

Sergio Faraco*

A foto de Zero Hora de 17 de abril, na página de Roger Lerina, em que estamos juntos Eduardo Galeano e eu, foi tirada em 2008, durante a 54ª Feira do Livro de Porto Alegre. Para a L&PM, eu já traduzira dois livros dele, e mais tarde traduziria sua obra mais notória, “As veias abertas da América Latina”. Não era nosso primeiro encontro, que tinha sido em 1998, no Hotel Plaza San Rafael. O editor Ivan Pinheiro Machado me encomendara a tradução do livro “Patas arriba: la escuela del mundo al revés” e pediu que eu fosse ao hotel, pois Eduardo queria me conhecer.

Um tanto dispersa é minha memória dessa visita. Falamos de Shakespeare, isto eu lembro, porque justo naqueles dias eu estava terminando de ler as peças do inglês para organizar um volume de suas frases lapidares. Lembro também que falei muito e ele pouco, e tenho absoluta certeza de que não conversamos sobre o livro que eu ia traduzir nem sobre minha experiência de tradutor. Acho que ele só queria ter uma ligeira ideia sobre o fulano que ia reescrever seu livro em português.

Se não pude conservar melhor lembrança foi em virtude da impressão que Eduardo me causou, certa emoção que se antepunha às palavras e como as apagava, tão desnecessárias pareciam. Era inacreditável. Era como se estivesse a conversar com ele desde sempre e desde sempre gostasse dele como se gosta de um irmão ou de um verdadeiro amigo.

Este foi o Eduardo que conheci e que lembro tanto, apesar de termos nos visto apenas três ou quatro vezes. Como se ele estivesse sempre com a mão em meu ombro, como nessa foto de 2008. Ele foi sobremodo admirado por seu fremente humanismo, por seu combate contra todos os matizes da opressão, por sua percepção de grandezas em pequenas coisas da vida social, por escrever tão bem e, igualmente, por suas conferências, em que a política e a história caminhavam de mãos dadas com a poesia. Mas o fato é que ele te cativava até em silêncio.

Sergio Faraco e Eduardo Galeano na Feira do Livro de Porto Alegre 2008 / Arquivo pessoal

Sergio Faraco e Eduardo Galeano na Feira do Livro de Porto Alegre 2008 / Arquivo pessoal

*Escritor e tradutor. É autor, entre outros, de Lágrimas na chuvaDançar tango em Porto Alegre Contos completos.

A magia de Eduardo Galeano

Eduardo Galeano expressou, como nenhum outro escritor latinoamericano, o drama, o lirismo, a magia e o fascínio da América Latina. Dos miseráveis descendentes dos Astecas no México, dos Incas no Peru, aos mineiros do Chile, passando pelos índios bolivianos, os pastores da Terra do Fogo, guerrilheiros da América Central, poetas nicaraguenses, cidadãos portenhos, homens do povo no porto de Montevidéu, nas ruas de Caracas, enfim, onde quer que existam oprimidos, lutadores, inconformados, haverá um silêncio profundo quando a notícia de sua morte varrer os quatro cantos do continente. Engajado, sem ser sectário, escritor que levava às últimas consequências o ofício de escrever, Eduardo Galeano deixou para os seus leitores um patrimônio magnífico. São duas dezenas de livros que encantam e fazem pensar pela generosidade de suas ideias, pelo lirismo de sua prosa e pelo espetacular talento com que concentrou em seus textos curtos os momentos imensos da história da humanidade. Para os que com ele conviveram fica a lembrança do homem amável, cordial, de fala sedutora e pausada, que praticou até a morte o rito da amizade, do amor e da lealdade.

Ivan Pinheiro Machado, editor

 

O último encontro com Eduardo Galeano

galeano1Daqui a dois dias, fará exatamente um ano que Eduardo Galeano falou em público pela última vez no Brasil. Em 15 de abril de 2014, depois de passar pela Bienal de Brasília – onde foi o grande homenageado – o escritor uruguaio palestrou na PUC do Rio de Janeiro. Foi um encontro emocionado em que ele comentou sentir-se sufocado de tanto carinho. Naquela terça-feira, o espaço reservado para o escritor uruguaio mostrou-se pequeno para a multidão que queria vê-lo, ouvi-lo e quem sabe até tocá-lo. O evento aconteceria em um auditório de 150 lugares, mas acabou sendo transferido para o ginásio com capacidade para 3.000 pessoas que ocuparam cadeiras e sentaram-se no chão, enquanto Galeano se acomodou sobre o palco. No encontro, ele leu trechos de seu último livro, Os filhos dos dias, e agradeceu a acolhida. Para os privilegiados que puderam estar lá, fica a lembrança não apenas de um escritor maiúsculo, como também de um homem inteligente, verdadeiro, simples, bem-humorado e simpático. Galeano partiu na manhã de 13 de abril de 2015. Deixa saudades e uma obra eterna.

A última palestra de Eduardo Galeano no Brasil aconteceu em 15 de abril de 2014 na PUC RJ. Foto Ivan Pinheiro Machado

A última palestra de Eduardo Galeano no Brasil aconteceu em 15 de abril de 2014 na PUC RJ. Foto Ivan Pinheiro Machado