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Fundação Biblioteca Nacional homenageia Lygia Fagundes Telles

Em comemoração aos 90 anos de Lygia Fagundes Telles, a Fundação Biblioteca Nacional inaugurou uma exposição sobre a trajetória da escritora com documentos do setor de Obras Gerais da BN, seus livros publicados, além de fotos e reproduções de periódicos referentes a sua carreira.

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A mostra fica no segundo andar do prédio da Biblioteca Nacional no Rio até o dia 10 de junho (segunda à sexta-feira das 9h às 20h, sábados das 9h às 17h e domingos e feriados das 12h às 17h) e a entrada é franca.

A L&PM publica 16 contos de Lygia na coletânea Pomba enamorada da Coleção L&PM Pocket.

via cachimbo de bolso

Os contos de Caio Fernando Abreu, por Lygia Fagundes Telles

O que me inquieta e fascina nos contos de Caio Fernando Abreu é essa loucura lúcida, essa magia de encantador de serpentes que, despojado e limpo, vai tocando sua flauta e as pessoas vão-se aproximando de todo aquele ritual aparentemente simples, mas terrível porque revelador de um denso mundo de sofrimento. De piedade. De amor.

Mundo de uma desesperada busca, onde as palavras se procuram no escuro e no silêncio como mãos que raramente (tão raramente, meu Deus) se encontram e se separam em meio do vazio. Da solidão. “O pensamento verte sangue” diz o poeta. É desse sangue que essas páginas ficam impregnadas – mas tão disfarçadamente, tão ambiguamente: por pudor, talvez, Caio Fernando Abreu disfarça, escamoteia através das personagens (sempre anti-heróis) a “dor que deveras sente” . O medo, a perplexidade, a cólera, a ironia, o fervor – o sentimento do homem caça e caçador é redescoberto neste corpo a corpo de criador e criação. Sim, suas personagens são os antiheróis, mas com eles Caio não constrói o anticonto tão ao gosto de seus companheiros de geração. Revolucionário sempre. Original sempre, mas sem se preocupar com modismos (importados ou não) que tentam impressionar um público que, de resto, já não se impressiona com nada. Ele não escreve o antitexto, mas O TEXTO que reabilita e renova o gênero. Caio Fernando Abreu assume a emoção.

Emoção esta que é vertida para uma linguagem que em alguns momentos atinge a rara plenitude próxima de um estado de graça. Linguagem que o coloca na família dos possessos (que já nos deu um Van Gogh, um Dostoievski, um Orson Welles), cultivadores não só da “paixão da linguagem”, na expressão de Octavio Paz, mas também da “linguagem da paixão”.

Gostaria de destacar aqui os contos que mais amei deste singular livro do moço gaúcho que um dia me escreveu numa carta: “Os crepúsculos têm sido lindos. Passei o melhor verão da minha vida, ganhei um gatinho chamado Saturno (ele é Capricórnio), amei muito, fiz ioga à beira-mar. Enfim, tenho agradecido por estar vivo e ter andado por todos os lugares onde andei e ter vivido tudo o que vivi e ser exatamente como sou”.

Apontar este ou aquele conto? Mas se vejo cada um dos textos que formam O ovo apunhalado como peças de um jogo, destacáveis e curiosamente inseparáveis na sua alquimia mais profunda, cada qual trazendo sua parcela de realidade e sonho, rotina e poética magia – vida e desvida com seu mistério e sua revelação.

Quando nos seminários de literatura os teóricos pedantes acabam por condenar a palavra, minha vontade é simplesmente mostrar-lhes um livro como este. Provar-lhes a atualidade da desacreditada palavra com a própria palavra, quando a serviço de uma técnica rica de recursos. Aliada a uma imaginação cintilante.

Lygia Fagundes Telles – São Paulo, abril de 1975

Texto publicado no Prefácio do livro O ovo apunhalado, de Caio Fernando Abreu – Coleção L&PM POCKET

Caio e Lygia nos anos 1970

Sábado de calor humano na Bienal

Paula Taitelbaum

Antes que a Bienal do Livro de São Paulo acabasse, estive lá neste final de semana. A foto – que vale por mil palavras – já diz como foi andar pelos corredores do pavilhão do Anhembi no sábado à tarde. Sabe ônibus lotado em dia de final de campeonato de futebol? Foi por aí… A temperatura você não pode sentir, mas garanto que o calor humano emanava de cada centímetro quadrado. Sorte que a montanha de livros compensava o esforço e havia certos corredores em que o movimento diminuía, oferecendo um certo alívio aos caminhantes. Pra aliviar ainda mais, havia carrinhos vendendo picolé em todos os corredores.

Sábado foi de corredores lotados na Bienal / Foto: Paula Taitelbaum

Nos espaços de encontros e palestras, como no Salão de Ideias e na Sala das Orquídeas, o clima literalmente mudava graças ao ar condicionado. No espaço mais nobre, o de Ideias, Lygia Fagundes Telles, ao lado de Manuel da Costa Pinto e Ubiratan Brasil, falou sobre “como nasce um conto”. A autora infanto-juvenil contou que certa vez encontrou-se com um jovem leitor chamado Rafael que perguntou se ela tinha alguma história de vampiros. Depois de responder que não, foi procurar entre os seus escritos e encontrou um antigo conto chamado “Potira”, a história de amor entre um velho vampiro e uma índia que nasceu quando ela, menina, brincava no Jardim da Luz. Bem-humorada, perguntava toda hora por Rafael, dizendo que ele tinha que estar ali para saber que ela tinha, sim, uma história com vampiros.
Descendentes do Conde Drácula, aliás, parece que continuam na moda, pois foram tema recorrente por todos os cantos e estandes, mesmo que nas entrelinhas. A historiadora Mary Del Priori, que falou na Sala das Orquídeas (decorada com vasos de orquídeas de verdade), criticou de leve a febre vampiresca, dizendo que “ler sobre História pode ser tão prazeroso quanto ler sobre vampiros”.  No que eu concordo plenamente com ela.

Manuel, Lygia e Ubiratan no Salão de Ideias / Foto: Paula Taitelbaum

 No estande da L&PM, o movimento foi grande e eu fiquei um tempão ao lado do caixa observando o que as pessoas compravam. Vi de quase tudo: um jovem casal que levou todos os livros da Agatha Christie de uma só vez, uma menina com jeito de intelectual que comprou tudo que encontrou do Bukowski, um garoto tatuado que escolheu as Aventuras Inéditas de Sherlock Holmes, um pai que levou um livro do Garfield para os filhos e uma senhora que comprou ao mesmo tempo toda a série do Snoopy e os quatro volumes do Guia prático do português correto. Ou seja, vi os mais diferentes estilos de paulistanos adquirindo os mais diferentes títulos. E os campeões de vendas foram: Alice no País das Maravilhas, seguido pela Arte da guerra, Assassinatos na rua Morgue, A teia de aranha, Quintana de bolso e A bela adormecida e outras histórias dos Irmãos Grimm.

E assim, entre Alices e belas adormecidas, encerrou-se a 21ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo com um público total de 740 mil pessoas. Mas a organização do evento já divulgou que a partir das próximas Bienais, irá procurar um novo espaço que “comporte feiras de caráter internacional no século 21”. Leia-se que não sacrifique tanto os visitantes com temperaturas altas e pouco espaço nos corredores. Mas se o Anhembi, criado em 1970, é ou não é página virada, não importa. Em 2012, a L&PM estará novamente na Bienal do Livro de São Paulo.  

A L&PM bateu todos os recordes de venda na Bienal / Foto: Paula Taitelbaum