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Famosa canção de Bob Dylan foi influenciada pelos beats

Há 50 anos, em janeiro de 1965 (mais precisamente no dia 14), Bob Dylan gravou uma das músicas mais marcantes de sua carreira: “Subterranean Homesick Blues”.

A importância da canção se deve principalmente a um vídeo – considerado o precursor do videoclipe – em que Dylan acompanha a letra da música com palavras escritas em folhas de papel. Ele foi gravado para ser o trailer do documentário “Don’t Look Back”.

Os cartazes foram escritos, entre outras pessoas, por Dylan e por Allen Ginsberg. O poeta beat aparece ao longo do vídeo, no canto esquerdo da tela, segurando um bastão e conversando.

Dylan disse que teve a influência dos escritores beats na composição da música, especialmente Jack Kerouac. Possivelmente, o título da canção é baseado em Os Subterrâneos, de Jack Kerouac.

Todo mundo quer tirar uma casquinha da carta perdida de Neal Cassady a Jack Kerouac

O assunto está rendendo. A carta escrita em 17 de dezembro de 1950 por Neal Cassady e enviada para o amigo Jack Kerouac ficou perdida por mais de 40 anos e acaba de desencadear um conflito entre herdeiros. A carta está com Jean Spinosa que a encontrou entre os pertences de seu falecido pai. Jean havia agendado o leilão para o dia 17 de dezembro deste ano.

Mas eis que os herdeiros de Jack Kerouac conseguiram bloquear o leilão com a alegação de que essa carta não pertence a Spinosa. “A carta pertence ao espólio de Kerouac” disse John Sampas, irmão da terceira mulher de Kerouac, Stella, e executor literário do espólio de Kerouac. O pai de Jean encontrou a carta entre os papéis de uma editora que estava sendo fechada e da qual ele era vizinho.

Pra completar, os herdeiros de Neal Cassady reivindicam os direitos autorais da carta. “Nós nunca chamamos de ‘carta’. É um ‘manuscrito’ passível de publicação”, disse Jami Cassady, filho do meio de Neal e Carolyn Cassady.

Um monte de dinheiro pode estar em jogo, já que essa carta teria inspirado o estilo de escrita do manuscrito original de On the Road que, em 2001, foi vendido por U$ 2,4 milhões.

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Jean Spinosa na segunda-feira, 01 de dezembro, no único dia em que a carta foi exibida aos jornalistas. Foto: Brant Ward / The Chronicle

Que tal ajudar o Beat Museum a comprar a carta perdida de Neal Cassady?

A carta que Neal Cassady enviou para Jack Kerouac e que teria inspirado o estilo de escrita de On the Road ficou perdida durante décadas. Encontrada, ela está prestes a ir à leilão. São 18 páginas e 16 mil palavras em um fluxo de pensamento de Neal Cassady. Conhecida como “Carta de Joan Anderson” – porque fala de uma mulher com este nome com a qual Neal passou um final de semana – suas páginas foram mostradas pela primeira vez aos jornalistas na segunda-feira, 1º de dezembro. O leilão acontecerá no dia 17 de dezembro, exatos 64 anos depois de ter sido escrita por Cassady. O lance inicial será de 300 mil dólares e estima-se que chegue a 500 mil.

As 18 páginas da carta de Neal Cassady que inspirou a escrita de Jack Kerouac foram mostradas aos jornalistas em 1 de dezembro de 2014.  Crédito: Reuters/Deepa Seetharaman

As 18 páginas da carta de Neal Cassady que inspirou a escrita de Jack Kerouac foram mostradas aos jornalistas em 1 de dezembro de 2014.
Crédito: Reuters/Deepa Seetharaman

O Beat Museum, de São Francisco, está tentando arrecadar dinheiro para arrematar a preciosidade. A ideia é que assim ela que possa ser exibida e posteriormente publicada, declarou o fundador do museu Jerry Cimino. Para isso, o museu lançou uma campanha online para arrecadar meio milhão de dólares. “Nós literalmente chamamos essa carta de o Santo Graal da Geração Beat”, declarou Cimino.

A questão é que faltam menos de duas semanas para o leilão e até agora a campanha de arrecadação – que aceita doações a partir de 1 dólar –  não chegou nem a 1% do valor final. Se você estiver a fim de participar, clique aqui e vá lá conferir as contrapartidas.

O diretor do Beat Museum, Jerry Cimino, esta em campanha para arrecadar fundos para a compra da carta que é considerada o "Santo Graal da Geração Beat".

O diretor do Beat Museum, Jerry Cimino, esta em campanha para arrecadar fundos para a compra da carta que é considerada o “Santo Graal da Geração Beat”.

A casa de leilões não pode apresentar o texto integral da carta porque ele possui direitos autorais que pertencem à família Cassady. O porta-voz dos Cassady não foi encontrado para comentar o assunto.

Na carta, Neal Cassady descreve uma série de aventuras vividas em um final de semana, incluindo a escalada do lado de fora de uma janela quando a mãe de Joan inesperadamente voltou para casa. Ele também fez um desenho da janela na carta que foi vista pelos jornalistas.

Leia em um post anterior sobre como a carta foi encontrada.

Encontrada a carta perdida que inspirou o estilo de “On the Road”

Foi a partir de uma carta que recebeu de seu amigo Neal Cassady, em 1957, que Jack Kerouac mudou seu estilo de escrita e produziu On the road em uma espécie de fluxo de consciência. Conhecida como “Carta de Joan Anderson”,  nela Cassady descreveu, em 18 páginas, a mulher com que ele passara um final de semana nos anos 1950.

Considerada perdida pelo próprio Kerouac, que havia contado em uma entrevista ao The Paris Review, em 1968, que a ela havia sido emprestada a Allen Ginsberg que, por sua vez, teria deixado com um amigo que morava em uma casa flutuante no norte da Califórnia. Kerouac disse na entrevista que esse amigo havia caído no mar com a carta e que lamentava muito que isso tivesse acontecido, já que era uma das coisas mais impressionantes que ele já havia lido. O que Kerouac não sabia era que a “Carta de Joan Anderson” tinha sido enviada por Ginsberg a uma editora independente chamada Golden Goose, mas que jamais abriu o envelope e nunca a devolveu. A sorte foi que, quando a editora fechou, um operador de áudio que ocupava o mesmo escritório, guardou alguns papéis, entre eles, a valiosa carta de Cassady.

Foi a filha desse operador que resgatou a preciosidade: “Meu pai não sabia quem era Allen Ginsberg e nem quem era Neal Cassady, nem fazia parte da cena beat, mas ele amava poesia e por isso guardou essa carta” disse em Los Angeles a atriz Jean Spinosa que encontrou a carta ao limpar a casa do pai, após a morte dele há dois anos. “Ele não entendia como alguém poderia querer jogar as palavras de outra pessoa no lixo” por isso a guardou.

Especialistas em cultura beat dizem que essa carta possui um valor inestimável, pois se não fosse ela, Kerouac provavelmente não teria tido o “estalo” de escrever o manuscrito original de On the road.

A carta será leiloada no dia 17 de dezembro.

Os amigos Neal Cassady e Jack Kerouac

Os amigos Neal Cassady e Jack Kerouac

 

Folha de S. Paulo mergulha em “O mar é meu irmão”, o livro perdido de Kerouac

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O Caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo de sábado, 1º de novembro, traz uma resenha sobre O mar é meu irmão & outros escritos, de Jack Kerouac, que acaba de ser lançado pela L&PM Editores. A obra – que demorou mais de 60 anos para ser publicada – foi o primeiro livro escrito por Kerouac. Clique sobre a imagem para ler a matéria:

Flash

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O primeiro e último livro de Jack Kerouac

Em 1942, Jean-Louis Lebris de Kerouac alistou-se na Marinha Mercante dos EUA. O jovem marinheiro Jack foi parar na cozinha do navio SS Dorchester e lá, entre uma batata descascada e outra, ele filosofava com o cozinheiro afro-americano “Old Glory” e registrava em seu diário as impressões da vida no mar. Foram oito dias no navio, até que um telegrama enviado pelo treinador Lou Little solicitou que ele retornasse à Universidade de Columbia para participar do campeonato de futebol.

As lembranças daquela viagem ficaram engavetadas por quase 60 anos e somente em 2011 The sea is my brother: the lost novel foi publicado na íntegra nos EUA. O manuscrito de 158 páginas, que nunca foi editado enquanto Kerouac estava vivo, conta a história de Wesley Martin, um homem que “amava o mar com um amor estranho e solitário… O mar é meu irmão começou a ser escrito logo após a incursão de Kerouac no Dorchester, a partir do seu diário e das cartas trocadas entre ele e seu amigo poeta Sebastian Sampas. Ou seja: este é, oficialmente, o primeiro livro escrito por Jack Kerouac. Mas foi o último a chegar aos leitores.

Lançado no início de outubro de 2014 no Brasil pela L&PM Editores, o livro O mar é meu irmão & outros escritostraz não apenas esta história inédita do autor de On the roadmas também uma seleção de cartas e poemas trocados entre Kerouac e seu grande amigo de adolescência Sebastian Sampas. Há também fotos, manuscritos e desenhos feitos pelo escritor. Uma obra rara, portanto.

"Autoretrato esquisito no mar", dos diários de Jack Kerouac

“Autorretrato esquisito no mar”, dos diários de Jack Kerouac

Jack com uniforme da Marinha Mercante, ao ldo de sua irmã Nin (Carolyn) num uniforme do Corpo de Exército Feminino, 1942

Jack com uniforme da Marinha Mercante, ao lado de sua irmã Nin (Carolyn) num uniforme do Corpo de Exército Feminino, 1942

A Série Kerouac, da L&PM, já tem 26 livros.

Dylan e Ginsberg visitam Kerouac

Foi em 1975, durante uma parada da lendária turnê Rolling Thunder Revue que Bob Dylan visitou a última morada de Jack Kerouac, no Edson Cemetery, em Lowell. Foi acompanhado de Allen Ginsberg. Lá, em frente à sepultura do autor de On the Road, – que morreu em 21 de outubro de 1969 – Ginsberg leu, Dylan tocou, ambos meditaram e um vídeo foi gravado.

Allen (gesticulando em direção ao túmulo): “Então é isso que vai acontecer com você?”
Dylan: “Não, eu quero uma cova sem identificação.”

No prefácio de Pé na estrada (On the Road), o escritor Eduardo Bueno, tradutor da obra, sinaliza a importância de Kerouac para Bob Dylan:

(…) Bob Dylan fugiu de casa depois de ler On the Road. Chrissie Hynde, dos Pretenders, e Hector Babenco, de Pixote, também. Jim Morrison fundou The Doors. No alvorecer dos anos 90, o livro levou o jovem Beck a tornar-se cantor, fundindo rap e poesia beat. Jakob Dylan, filho de Bob, deixou-se fotografar ao lado da tumba de Jack em Lowell, Massachusets, como o próprio pai o fizera, vinte anos antes. Em 1992, Francis Coppola (o produtor), Gus van Sant (o diretor) e Johnny Depp (o ator) envolveram-se numa filmagem nunca concretizada do livro – e, apesar da diferença de idade, os três compartilharam o mesmo fervor reverencial pela obra. Cerca de vinte anos mais tarde, em 2011, Walter Salles e o roteirista Jose Rivera enfim conseguiram, com produção da American Zoetrope de Coppola, levar On the Road para as telas, com Garrett Hedlund, Sam Riley e Kristen Stewart, todos ainda na casa dos vinte anos de idade, nos papéis principais. (…)

Bob Dylan e Allen Ginsberg em frete à sepultura de Kerouac

Bob Dylan e Allen Ginsberg em frete à sepultura de Kerouac – © Ken Regan, 1975

Descobertas cartas inéditas de Kerouac

Folha Online – 19/09/2014 – Por Redação

Cartas inéditas do escritor americano Jack Kerouac (1922-1969) foram descobertas recentemente nos EUA. De acordo com o jornal The Guardian, ao todo 17 cartas, dois cartões postais e sete fragmentos de texto foram encontrados pela filha de um amigo de infância do escritor.

Nos textos, enviados por Kerouac ao amigo George J. Apostolos entre 1940 e 1941, ele se declara completamente apaixonado e fala de outras questões da juventude. Na época, Apostolos vivia em Lowell, Massachusetts, e Kerouac em Nova York, onde cursava uma escola preparatória e, posteriormente, a Universidade da Columbia.

O jovem e apaixonado Jack Kerouac

O jovem e apaixonado Jack Kerouac

Segundo um representante da casa de leilões Skinner, que irá vender o material em novembro, os textos mostram o escritor no “processo de se tornar Kerouac”. “É preciso lembrar que são correspondências particulares trocadas entre dois jovens no final dos anos 1930 e começo de 1940. Kerouac faz menção a velhas aventuras colegiais, a saudades de sua casa em Lowell e descreve suas descobertas sociais, bebedeiras, festas e experiências com garotas”, diz o diretor de livros e manuscritos da Skinner, Devon Gray.

Em um dos textos, Kerouac narra sua paixão e desencanto pela irmã de uma amiga, com que “pretende se casar”.

“Não há dúvidas de que nem eu nem você já vimos uma criatura tão primorosa como Jacqueline Sheresky”, escreve. “O pescoço dela tem aquela marca de sangue azul. Ele faz uma curva delicada, e como marfim, para um queijo amendoado perfeitamente moldado, e dali para lábios escarlates trementes, que cobrem uma fileira de dentes de mármore.”

O escritor continua a carta com seus planos para ganhar a atenção da garota. “O problema é que não tenho coragem para convidá-la ao baile de formatura… Se eu pudesse levar esta deusa ao Waldorf, eu viveria o suficiente por uma noite.”

Uma das cartas descobertas

Uma das cartas descobertas

Kerouac ainda conta para Apóstolos que temia que outro rapaz, chamado Sokolow, já tivesse convidado Sheresky para a festa, e depois narra como a encontrou dançando com Sokolow no baile. “Que maldito sórdido, um esquisito sem esperança, hipócrita, idealista, inseguro e babaca eu sou.” Em cartas seguintes, ele fala de encontros com outra garota.

De acordo com a casa de leilões, a amizade entre Kerouac e Apóstolos nunca foi mencionada por biógrafos, uma vez que os textos nunca estiveram disponíveis para pesquisadores e para o público. A casa espera arrecadar entre US$ 2 mil e US$ 5 mil (entre R$ 4.736 e R$ 11.841) por cada carta.

Segundo Gray, a filha de Apóstolos sabia que o pai tinha algumas cartas do escritor, mas achou que elas haviam sido queimadas, até encontrá-las entre as coisas do pai, após a morte do amigo de Kerouac.

A L&PM publica uma série inteira com livros de Jack Kerouac. Clique aqui e veja lá.

Slim Gaillard, mais do que um personagem de Kerouac

Em seu blog, Claudio Willer escreveu um post onde centrava suas atenções sobre Slim Gaillard, músico que ocupa algumas páginas de On the Road, de Jack Kerouac (219 a 221 na edição da L&PM). No recentemente lançado Os rebeldes: Geração Beat e anarquismo místico, de sua autoria, Willer também dedica alguns parágrafos para o jazzista. E conta que, quando preparou o livro, não achou quase nada sobre Gaillard no meio digital. “Mas, nesse manancial infinito, aparecem agora bons registros; inclusive um documentário extenso da BBC, descoberto pelo músico Pita Araujo, que colaborou em dois dos meus cursos sobre Geração Beat.” escreve ele.  A seguir, dois vídeos com Gaillard.

Um trecho dos comentários de Os rebeldes, incluindo citação de Kerouac.

Um dos trechos exaltados da louvação a jazzistas em On the Road é sobre um dos mais originais dentre aqueles músicos. É quando Kerouac e Cassady se encontram com Slim Gaillard, o excêntrico guitarrista negro que, ao falar, se expressa através de glossolalias, fonemas não-semantizados. Cassady o proclama “Deus”; Kerouac o retrata como iluminado, xamã: “Slim Gaillard é um negro alto e magro com grandes olhos melancólicos que tá sempre dizendo “Legal-oruni” e “que tal um bourbon-oruni?” […] E então [depois de interpretar seu jazz] ele se levanta lentamente, pega o microfone e diz, com muita calma: “Grande-oruni…. belo-ovauti… olá-oruni…. bourbon-oruni… tudo-oruni…. como estão os garotos da primeira fila, fazendo a cabeça com suas garotas-oruni…. oruni…. vauti…. orunirumi….” (Kerouac 2004, pgs. 219-221)

Ele ainda “grita coisas malucas em espanhol, em árabe, em dialetos peruanos e egípcios, e em cada língua que conhece, e ele conhece inúmeras línguas”. Sim, “inúmeras línguas” – mais a língua pessoal, equivalente ao “falar em línguas” pentecostal: às glossolalias, os fonemas não-semantizados dos rituais em doutrinas iniciáticas. Conforme a antropóloga Felicitas Goodman, há padrões em comum nessas manifestações em contextos tão distintos: cultos pentecostais, tribais e outras práticas religiosas nas quais ocorrem transes ou possessões (Goodman, em Eliade 1985, vol. VI, pgs. 563-566). Correspondem à “outra língua” aprendida pelos xamãs em seu trajeto iniciático, segundo Eliade.

Octavio Paz mostrou que a mesma manifestação reaparecia em poetas modernos: Huidobro, Khlébnikov, Artaud, Schwitters. Interpretou-a como tentativa de recuperar a linguagem adâmica ou divina; aquela do tempo que precedeu a Queda (Paz 1991, no ensaio “Leitura e contemplação”). A fala sagrada, mágica, é não-significativa, puramente sonora, como também expõe Gershom Scholem:”O fato de que a atuação da palavra vai muito além de todo “entendimento” é algo que não precisa apoiar-se na especulação religiosa, pois tal é a experiência do poeta, do místico e de todo falante que se delicia com o elemento sensível da palavra.” (Scholem 1999, p. 15)

Slim Gaillard foi, sem dúvida, um personagem sob medida para corresponder à preferência de Kerouac por excêntricos e marginais. Mestiço, teria nascido em Cuba, filho de uma afro-cubana e de um grego. Segundo outra versão, era norte-americano, de Detroit; levou uma vida errante, morou na África e de fato sabia oito línguas, além de haver criado um dicionário para seu vocabulário particular. Como músico, foi ao mesmo tempo um intérprete típico de blues, da mesma estirpe do exuberante Cab Calloway, e um precursor e improvisador. Seu “Tutti Frutti”, dos anos de 1930, antecipou, de modo evidente, o rock que se imporia duas décadas mais tarde. E seu ecletismo o aproxima das modernas correntes ‘fusion’. Por haver misturado repertórios e ter sido provocador e performático (chegou a apresentar-se tocando piano com as palmas para cima e guitarra com a mão esquerda, um comportamento ofensivo para profissionais), foi um marginal até no mundo jazzístico, embora se houvesse apresentado com Parker, Gillespie e outros expoentes.
O trecho sobre Gaillard, em especial, e os relatos de encontros com vagabundos, em geral, permitem uma interpretação da devoção de Kerouac por tais personagens, tanto à luz do misticismo, quanto literária: eles falam. São oraculares, sibilinos: a frase cifrada, enigmática, é, assim como na Antiguidade, uma profecia. Representam a língua falada em sua expressão mais genuína. A intenção de Kerouac – realizada especialmente em Visões de Cody, com suas páginas de transcrição de fita gravada – era trazer tais sons para a escrita.

“Os Rebeldes”, de Claudio Willer, na Folha

CRÍTICA: ESTUDO CONSISTENTE REAFIRMA IMPORTÂNCIA DA GERAÇÃO BEAT 

Por Ciro Pessoa – Caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo – 23/08/2014

Perguntado certa vez sobre o que achava da literatura beat, o escritor americano Truman Capote respondeu com uma frase contundente: Isso não escrita, é datilografia”.

O “Slogan”, uma crítica à prolixidade da prosa beat, tornou-se munição nas hostes daqueles que a detrataram e tentaram minimizar sua importância.

Os_rebeldesEm “Os Rebeldes – Geração Beat e Anarquismo Místico”, o poeta, tradutor e escritor Claudio Willer retoma a polêmica e afirma que a influência beat contribuiu para a abertura em sociedades contemporâneas “vencendo o descrédito promovido por críticos burocráticos e sumidades acadêmicas”.

O livro é um estudo consistente sobre o movimento iniciado nos anos 1940 e definido por um de seus principais mentores, Allen Ginsberg (1926-19997), como “um grupo de amigos que trabalharam juntos em poesia, prosa e consciência cultural”.

E não deixa dúvidas de que seus integrantes tinham um embasamento intelectual bastante apurado e sabiam muito bem o que faziam e onde queriam chegar.

Dentre as diversas abordagens que Willer faz sobre os beats – influências poéticas, origens sociológicas, loucuras, opções políticas – chama atenção aquela que tira o budismo do principal foco de religiosidade do grupo.

Segundo ele, comentaristas tendem a se fixar na relação deles com o budismo e “são deixadas de lado outras correntes, antecedentes e influências do grupo, desde os antigos gnósticos dos primeiros séculos d.C., passando pelos adeptos do Espírito Livre (seita medieval que tinha como um de seus postulados ‘nada é pecado exceto aquilo que é pensado como pecado’) até os contemporâneos”.

E é exatamente essa mescla heterogênea de culturas religiosas que recebe o nome de anarquismo místico.

Os protagonistas da narrativa de Willer são os poetas e escritores Jack Kerouac (1922 – 1969) e Ginsberg. Numa espécie de dupla biografia que corre paralela ao livro, a história da relação entre os dois é contada desde o momento que Ginsberg levou os originais do primeiro livro de Kerouac a editores que conhecia até o fim dos anos 1960.

Em seu último pronunciamento, o artigo “Depois de Mim, o Dilúvio”, de 1969, Kerouac disparou sua metralhadora giratória em direção a Ginsberg e à contracultura e negou ser “o grande pai branco e precursor intelectual que desovou um dilúvio de radicais alienados, manifestantes contra a guerra, vencidos na vida, hippies e até beats”.

É datilografia ou escrita?

Claudio Willer no pátio da PUC-SP, depois de uma palestra

Claudio Willer no pátio da PUC-SP, depois de uma palestra

OS REBELDES – GERAÇÃO BEAT E ANARQUISMO MÍSTICO
AUTOR Claudio Willer
EDITORA L&PM
QUANTO R$ 34.90 (296 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

No blog de Claudio Willer você pode ler mais matérias sobre “Os Rebeldes”.