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43. Duas décadas com a Turma da Mônica

Por Ivan Pinheiro Machado*

Paulo Lima, o “L” da L&PM, foi o primeiro de nós dois a ter filho. E vendo o fascínio que Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali, Bidu e o resto da turma exerciam sobre Marcello (que na época devia ter uns 8 anos), ele botou na cabeça que iria editar Mauricio de Sousa, o criador da Turma da Mônica.

Era final do ano de 1987. Depois de vários contatos paralelos com amigos comuns, secretárias e assessores, finalmente o Lima conseguiu um encontro com o Mauricio. Consagrado como a tira de maior circulação entre os jornais brasileiros, e também como o campeão de vendas de revistas do país, Mauricio havia mudado de editora, passara da Abril para a Globo, e com isso conseguiu flexibilizar uma relação que era muito rígida nos tempos da editora Abril. No novo contrato, ele poderia administrar a sua obra em livro. Portanto, surgia a possibilidade de uma colaboração entre L&PM e os estúdios Mauricio de Sousa, um enorme complexo de produção editorial que envolve cerca de 300 pessoas entre roteiristas, desenhistas e administradores. Propusemos ao Maurico a edição de uma coleção de luxo, em capa dura, colorida com as principais aventuras da turma. Seriam 8 volumes com as melhores histórias da Mônica, Magali, Cebolinha, Cascão, Chico Bento, Bidu, Tina e Penadinho, com caixa especial que abrigaria a coleção e um display exclusivo para a venda nas livrarias. E mais, o livro seria comercializado também em Portugal.

Acertados os detalhes, assinamos os contratos e começamos a executar este grande projeto. Não foi fácil. Na era pré-digital, uma produção a cores, além de caríssima, exigia um enorme trabalho, principalmente nos fotolitos. A técnica de preparação dos filmes escolhida foi a de “separação de cores”. Em poucas palavras, esta técnica funciona assim: quando da confecção dos fotolitos (que já não existem mais, hoje é tudo digital) é feita a indicação de cada cor sobre a arte que é desenhada em branco & preto. A cor só aparecia na impressão. Imaginem o trabalhão…

As edições em luxo editadas em 1991

Enquanto eram aprontadas as artes, negociávamos com Portugal, onde Mauricio já era muito conhecido. Mandamos uma cópia das artes para o importador e recebemos uma carta muito curta que dizia mais ou menos o seguinte: “Está tudo muito bem, mas para vender cá em Portugal é preciso que estas bandas desenhadas sejam traduzidas para o Português…” Com isso tivemos que fazer modificações importantes nos textos, do tipo, eliminar todos os gerúndios ou, onde estava escrito “fazendo”, alterar para “está a fazer”. Trem virou  “comboio”, ônibus se transformou em “autocarro”, camiseta mudou para “camisola” e assim por diante. Feito isso, foram exportadas para Portugal 5 mil coleções que venderam rapidamente. Ao mesmo tempo, em março de 1991, também com enorme sucesso, lançamos em todas as livrarias do Brasil a coleção “As melhores histórias da Turma da Mônica.

No começo dos anos 2000 voltamos a editar a Turma da Mônica. Agora na coleção L&PM Pocket. Já fizemos dez volumes e vamos fazer mais dez. Também com enorme sucesso. No final do mês de agosto deste ano de 2011 o Lima e eu fomos a cidade Passo Fundo, no planalto médio do Rio Grande do Sul, para a inauguração da famosa Jornada Literária em na sua 14ª edição. Fazia um frio de rachar e ao chegarmos na cidade encontramos um dos participantes mais célebres da Jornada: justamente Mauricio de Sousa.

Vendo a verdadeira comoção que Mauricio causava por onde passava, a correria de crianças e adultos em busca de um autógrafo ou de uma foto, eu refleti sobre o extraordinário trabalho deste grande desenhista brasileiro. Há 20 anos quando fizemos nossos belos álbuns a cores ele já era uma celebridade. O tempo melhorou o desenho, as histórias e seu prestígio continua intocado. Este homem modesto e gentil, sempre atencioso com os seus milhares de admiradores tem verdadeira obsessão pela novidade. Ele, que já viu gerações se sucedendo num ritual de amor com a Turma da Mônica, hoje é uma unanimidade. Mauricio de Sousa é um dos maiores fenômenos culturais brasileiros dos últimos 40 anos.

Encontro na Jornada Literária de Passo Fundo deste ano: Ivan Pinheiro Machado, Mauricio de Sousa, Paulo Lima e Edgar Vasques

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo terceiro post da Série “Era uma vez… uma editora“.

“Rango” na Revista de História da Biblioteca Nacional

Rango foi o primeiro livro publicado pela L&PM, lá nos idos de 1974. O personagem título, criado por Edgar Vasques, ficou tão famoso que acabou virando o mais vendido da Feira do Livro de Porto Alegre daquele ano.

Rango segue sendo publicado na Coleção L&PM POCKET e, apesar de retratar uma época muito específica do país, continua sendo atual, como bem mostra a matéria escrita por Henrique Magalhães e publicada na Revista de História da Biblioteca Nacional do mês de agosto, que acaba de chegar às bancas (clique para aumentar e ler o texto na íntegra): 

35. O Humor nos tempos de chumbo: uma historinha da “Antologia Brasileira de Humor”

Por Ivan Pinheiro Machado*

O segundo lançamento da L&PM Editores foi a “Antologia Brasileira de Humor” em dois volumes. Era 1976. Hoje, passadas mais de três décadas, este livro, que reúne os 82 dos mais importantes humoristas brasileiros da época, é um documento único, histórico e precioso. O humor estava – paradoxalmente – em alta. Vivíamos sob dura censura e eram o cartum, a tira, ou mesmo o texto de humor, os únicos veículos onde, por ignorância e descuido dos censores, ainda se podia “vazar” algum “contrabando” contra a ditadura. A “Antologia Brasileira de Humor” retrata de maneira extraordinária este momento da história cultural e política de nosso país. A prova da popularidade dos livros de humor são as listas de bestsellers da época. Entre os livros mais vendidos, a maioria eram livros do gênero. Títulos de Ziraldo, Millôr Fernandes, antologias de piadas e outros livros editados principalmente pela editora Codecri, de propriedade de “O Pasquim”, dominavam as listas. E toda a atividade humorístico/contestadora do país, na época, emanava de uma velha casa no alto da ladeira da rua Saint Roman, no final de Copacabana, no Rio de Janeiro. Lá era a a sede do “templo” da resistência cultural brasileira, “ O Pasquim”.

Os volumes 1 e 2 da "Antologia Brasileira de Humor"

Havíamos estreado como editora em agosto de 1974 com o Rango 1, do Edgar Vasques (leia o post que conta esta história). O Lima, o Edgar Vasques, o Fraga (humorista e colaborador da Folha da Manhã de Porto Alegre) e eu formávamos a equipe que editaria a primeira grande antologia organizada naqueles tempos sombrios.

Para que o nosso projeto se concretizasse precisávamos “vender” a ideia para a turma do Pasquim. Millôr, Ziraldo, Caulos, Ivan Lessa, Jaguar, Fortuna, Henfil e o resto da “patota” (como eles se auto-intitulavam) tinha que endossar a empreitada. Além é claro, da turma de São Paulo, com Laerte, Angeli, Luiz Gê, Chico e Paulo Caruso entre muitos outros. Se o pessoal do “Pasquim” aderisse, certamente todo mundo seguiria.

O Edgar Vasques era um cara conhecido pelo seu original e brilhante personagem Rango (que mais tarde seria publicado também pelo “Pasquim”). Tendo ele como referência, marcamos – via caríssimos telefonemas interurbanos –, encontros com Millôr Fernandes e Ziraldo no Rio de Janeiro. Éramos meninos de pouco mais de 20 anos e Millôr e Ziraldo já eram monstros sagrados da cultura brasileira. O encontro com Millôr foi inesquecível. Ele se mostrou gentilíssimo, recebeu-nos em sua cobertura/estúdio na praça Gen. Osório e, depois do encontro, nos convidou para almoçar na sua casa, na Vieira Souto esquina com Aníbal de Mendonça. Neste prestigiado endereço tivemos a oportunidade de comer um verdadeiro banquete de comida brasileira promovido por Dona Vanda, esposa do Millôr. De lá, fomos até a sede do “Pasquim”, onde Ziraldo nos aguardava precedido por um telefonema do Millôr. Subimos a íngreme ladeira da rua Saint Roman e lá apresentamos ao Ziraldo o projeto da “Antologia” pedindo que ele fizesse um “meio-campo” entre nós e o pessoal que colaborava no “Pasquim”. Ele achou ótimo e se comprometeu a cobrar dos parceiros o material para inclusão na antologia. Henfil, Caulos, grandes figuras, testemunharam o encontro e imediatamente se solidarizaram conosco prometendo também nos ajudar a “cooptar” o resto do pessoal. Até que, no meio da nossa conversa, Ivan Lessa entrou na sala. Eu, que achava o Ivan Lessa e o Millôr os caras mais inteligentes do Brasil, preparei-me para me curvar diante do gênio. Ele estava sério, olhou para nós irritado e perguntou:

– Quem são estes caras? (Bem assim).

O tom era de poucos amigos. Ziraldo ficou meio constrangido, mas falou:

– Eles são gaúchos lá de Porto Alegre, estão organizando uma Antologia Brasileira de Humor e querem a nossa colaboração.

Ivan Lessa passou da irritação à indignação:

– Pôrra Ziraldo! Você adora dar força para a concorrência! Não vê que estes caras são nossos concorrentes, pô! Porque a Codecri não faz esta porra desta antologia? Desta aí eu estou fora!

Ficamos paralisados. O Ziraldo, o Caulos e o Henfil, chateadíssimos, esperaram o Ivan Lessa sair da sala batendo a porta para se desculparem. Nós estávamos chocados. O Ziraldo procurou contemporizar:

– Não levem a mal, porque o Ivan é assim mesmo…deixa comigo, eu convenço ele a participar.

Seis meses depois, ia para as livrarias a “ Antologia Brasileira de Humor” em dois volumes,  com capa do grande cartunista paranaense Miran, 10 mil exemplares de tiragem (cada volume) e com a participação de 82 humoristas, entre eles… Ivan Lessa.

Abaixo, separamos alguns dos cartuns que foram publicados nos dois volumes da antológica antologia. Clique e folheie à vontade:

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo cinco post da Série “Era uma vez… uma editora“.

Os registros “esgotados” da ditadura

Há exatos 47 anos, tropas de Minas Gerais e de São Paulo saíram às ruas. Era 31 de março de 1964. Dias antes, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada pelos setores conservadores da sociedade, pedia o afastamento do então presidente João Goulart, que sucumbiu à pressão política e social e refugiou-se no Uruguai. No mesmo dia os militares tomaram o poder, e a ditadura brasileira que duraria 20 anos dava o primeiro passo.

A L&PM Editores foi criada neste período, em 1974. E vamos combinar: fazer livros não era uma atividade bem vista pelo regime… Apesar disso, a produção intelectual era intensa e diversas obras célebres foram publicadas nesta época, como o livro 1964: Golpe ou Contragolpe, de Hélio Silva, que narra em detalhes os acontecimentos políticos e sociais do dia 31 de março de 1964. Um registro precioso em páginas já amareladas, que já não se encontra nas livrarias. Recuperamos este trecho do nosso arquivo e compartilhamos aqui:

Outra saída encontrada para resistir ao regime foi o humor. E nisso, Millôr Fernandes foi mestre e o é até hoje. A peça Bons tempos, hein?! (cujo livro também está fora de circulação há algum tempo), publicada pela L&PM em 1979, faz um resumo dos últimos 15 anos, começando pelo fatídico 1964:

As tirinhas antológicas do Rango, personagem criado pelo cartunista Edgar Vasques em 1970, foram publicadas pela L&PM em sete volumes, entre 1974 e 1981 (todos esgotados). Recuperamos algumas páginas do volume 1 para compartilhar aqui com vocês:

Em 2005, quando completou 35 anos, Rango ganhou uma edição comemorativa em versão pocket. Esta sim pode ser encontrada nas livrarias 🙂

2. O Rango marrom: vanguarda por acaso

Por Ivan Pinheiro Machado*

Convidado por um velho amigo, o professor Wladimir Ungaretti, fui à Faculdade de Comunicação da UFRGS para falar sobre livros & editoras a uma platéia de estudantes do primeiro e segundo ano. Foi muito legal. Eu falava para meninos e meninas de, no máximo, 19 anos, muito interessados nas histórias sobre a ditadura, sobre cultura brasileira, etc. Quando eu falo sobre os tempos da repressão para os jovens, eu me cuido. Lembro do meu pai falando pra mim e pro meu irmão sobre o Estado Novo, sobre o Getúlio. Para nós, aquilo (que havia ocorrido meia dúzia de anos antes de nascermos) parecia que tinha acontecido há milhares de anos, no período paleolítico. Já para meu pai parecia que tinha acontecido ontem, pois ele havia vivido aquilo tudo. Portanto, eu tive o cuidado de falar brevemente sobre os “anos de chumbo” para um plateia até, aparentemente, bem interessada. Foi quando uma estudante fez uma pergunta surpreendente, desviando (sabiamente) o assunto da política: “Nota-se o caráter inovador da L&PM desde o primeiro lançamento” disse ela. “Pois ao contrário de todos os livros do mercado, o Rango 1, primeiro livro da editora, foi impresso em tinta marrom. Fale sobre isso”. Aí eu entendi como se criam muitas lendas que circulam  no nosso imaginário. Se a história real não fosse tão engraçada, eu até manteria esta versão vanguardista… Iniciei minha resposta pedindo desculpas, pois iria desapontá-la. E contei a verdade: quando fizemos a L&PM e, consequentemente o Rango 1, tínhamos muitas ideias e nenhum centavo. Nenhum centavo mes-mo!

Este livro de estreia foi impresso em agosto de 1974, numa pequena gráfica que pertencia ao Alfredo Oliveira, amigo nosso, popularmente conhecido em Porto Alegre como “Carioca”. E, naturalmente, de graça. O Carioca exigiu apenas que pagássemos o papel, o que esperávamos fazer com os lucros do Rango. Combinamos que a impressão se daria fora de expediente, num sábado à tarde. Ele escalou dois funcionários e lá fomos para a gráfica com os fotolitos embaixo do braço. Chegamos lá às duas da tarde e estava tudo preparado. Quando entramos no galpão, o impressor nos disse: “Só tem um probleminha, o “seu” Carioca pediu pra não usar a tinta preta, pois ele só tem duas latas e vai precisar na segunda-feira cedo”. Ficamos nos olhando. Aí o rapaz falou: “o ‘seu’ Carioca sugeriu que se misture os restos de tinta pra ver no que dá”. Havia umas 10 latas que ainda tinham um pouco de tinta. Tudo misturado, daria o suficiente para imprimir os 5 mil exemplares de 80 páginas do Rango. Pegamos uma lata grande e colocamos todos os restos lá dentro. Amarelo, vermelho, azul, um pouquinho de preto que tinha numa lata velha e misturamos bem. O resultado foi… marrom. E assim foi impresso. A famosa teoria circunstancial da história, de que fala Millôr Fernandes. O difícil foi conseguir esta cor quando fizemos a segunda edição depois que o Rango foi o mais vendido na Feira do Livro de Porto Alegre em Outubro de 1974. Não preciso dizer que a rapaziada morreu de rir.

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