“Os Sertões” para ler e ser visto

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Façamos um exercício imaginativo, antes de iniciar a leitura deste clássico. No ano de 2015, um líder camponês emerge do interior do país, dos sertões (isto é, daquela ampla região do Brasil rural que pode ser definida em oposição ao litoral e longe das grandes cidades), e consegue fundar uma pequena comunidade que se recusa a obedecer às regras da República. Neste pequeno povoado imaginário, não se paga imposto, não há democracia, e todo poder emana da figura desse líder hipotético, que estipula regras moralmente muito rígidas – é proibido consumir bebidas alcoólicas, é proibido faltar aos cultos religiosos, homens e mulheres, para o bem da decência, não frequentam o mesmo espaço etc. – e prega à comunidade todas as noites, fazendo profecias revolucionárias e associando a República aos poderes do diabo. Como você acha que o governo federal reagiria a tal conjunto de dados, mesmo que não fossem estritamente verdadeiros? Agora imagine que um jornalista fervorosamente republicano, culto, com amplo domínio de diversas áreas do conhecimento humano, de um jornal do centro do país, digamos, de São Paulo, seja deslocado para cobrir in loco essa estranha revolta sertaneja…

Se nos acompanhou nessa pequena jogada de imaginação, o leitor conseguiu divisar boa parte dos fatores que envolve a escritura de Os Sertões, este caso raríssimo das letras não só brasileiras, mas americanas, misto de reportagem de guerra, ensaio documental e libelo político lançado em 1902.

O texto acima é o início da Apresentação de Os Sertões, livro de Euclides da Cunha que acaba de ser lançado na Coleção L&PM Pocket. Esta Apresentação, de 15 páginas, foi escrita em conjunto pelos doutores em Literatura Brasileira Luís Augusto Fischer, Guto Leite e Homero Vizeu Araújo e recupera alguns dados que ajudam a aproveitar ainda melhor a leitura deste grande clássico.

Em 1897, Euclides da Cunha foi enviado a Canudos, no interior da Bahia, como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo. Lá, os seguidores de Antônio Conselheiro, o líder religioso que comandava a revolta, já haviam derrotado três expedições militares. Da região de Canudos, onde permaneceu durante dois meses, Euclides da Cunha ficou intensamente impressionado com as cenas de violência e miséria que viu. Foi nessa época que ele deu início ao que viria a ser Os Sertões.

Quando a primeira edição do livro foi lançada, trazia, em suas páginas, três fotografias captadas pelas lentes de Flávio de Barros, fotógrafo contratado pelo Exército.

Autorretrato de Flávio de Barros, em Canudos, no ano de 1897

Autorretrato de Flávio de Barros, em Canudos, no ano de 1897

O fotógrafo foi autor dos únicos registros até hoje conhecidos do dia a dia das tropas, da rendição e da destruição do arraial organizado por Antônio Conselheiro.

As três imagens escolhidas para ilustrar o livro foram rebatizadas por Euclides da Cunha. “Divisão Canet” ganhou o nome de “Monte Santo”. “7° Batalhão de Infantaria nas Trincheiras” virou “Acampamento dentro de Canudos”. E a mais emblemática de todas, “400 jagunços prisioneiros” ganhou o nome de “As prisioneiras”.

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“Divisão Canet” ou “Monte Santo”, de Flávio de Barros

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“7° Batalhão de Infantaria nas Trincheiras” ou “Acampamento dentro de Canudos”

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“400 jagunços prisioneiros” ou “As prisioneiras”

As dezenas de fotografias de Flávio de Barros sobre a Guerra de Canudos são atualmente disponibilizadas na Brasiliana Fotográfica e, em 2002, o Instituto Moreira Salles realizou a recuperação digital dos originais existentes nos acervos do Museu da República, no Rio de Janeiro, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, em Salvador, e da Casa de Cultura Euclides da Cunha, em São José do Rio Pardo. Com a colaboração dessas instituições, a Brasiliana pode constituir um álbum canônico virtual gerado a partir do exemplar em melhor estado de conservação existente em cada uma das apenas setenta imagens conhecidas do evento. Clique aqui para conhecer.

Além de Flávio de Barros, outro fotógrafo foi enviado a Canudos em abril de 1897. Seu nome era Juan Gutierrez de Padilla e ele foi mortalmente ferido em 28 de junho daquele mesmo ano. Até hoje, não se conhece nenhum registro fotográfico que Padilla tenha feito do conflito. Em Os Sertões, Euclides da Cunha referiu-se a ele como um “Oficial honorário, um artista que fora até lá atraído pela estética sombria das batalhas”.

“O caso dos dez negrinhos” por Martha Medeiros

(Crônica publicada no livro Montanha Russa que acaba de chegar em uma nova e linda edição)

Se existe uma culpada pela minha quedinha por romances policiais, acuso: chama-se Agatha Christie. Foi através de seus Assassinato no Expresso OrienteCipreste triste O caso dos dez negrinhos que me rendi ao gênero e que mais tarde aprendi a gostar também de Patricia Highsmith, outra dama da literatura de suspense. Pois um amigo que mora na Alemanha e com quem troco correspondência virtual me informa que a revista Der Spiegel noticiou que os herdeiros da escritora decidiram proibir a utilização do título O caso dos dez negrinhos nas futuras reedições. Esse título é ofensivo, uma vez que negro é uma palavra pejorativa, argumentaram eles. A partir de agora o romance se chamará E não sobrou nenhum.

E não sobrou nenhum livro com o título "O caso dos dez negrinhos"

E não sobrou nenhum livro com o título “O caso dos dez negrinhos”

Com todo respeito: é levar demasiadamente a sério essa febre do politicamente correto. Se a moda pega no Brasil, alguns livros poderão sofrer rebatizados semelhantes. O Navio negreiro, de Castro Alves, e a lenda do nosso Negrinho do pastoreio poderão entrar na mira dos defensores de um vocabulário menos ultrajante e virar Navio com passageiros de cor O afro-americaninho do pastoreio. Clássicos como A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, e O mulato, de Aluísio Azevedo, com sorte, escaparão ilesos.

Esse não precisa mudar... ufa.

Esse vai escapar… ufa.

É bom lembrar que a lista de termos considerados incorretos não se restringe às classificações de raça. Notas de um velho safadode Charles Bukowski, poderá se transformar em Notas de um indivíduo de idade avançada com atenção fortemente voltada para o sexo, e a obra-prima de José Saramago, Ensaio sobre a cegueira, poderá trazer em suas novas edições o título Ensaio sobre o desprovimento de capacidade visual.

Será que o velho safado vai ter que mudar?

Será que o velho safado terá que se comportar melhor?

A gente poderia ficar aqui até amanhã se divertindo com essas traduções. Não nego (do verbo negar) que a expressão negrinho só é simpática para nominar aquele doce também conhecido como brigadeiro, pois ele tem um oponente, o branquinho, e assim ninguém se sente diminuído. Até pode ser que a troca do título de um livro ajude a melhorar as relações entre pessoas de raças diferentes, vá saber. Mas, sinceramente, acho uma forçação de barra, uma patrulha que cada vez mais nos enquadra num comportamento padronizado e  nos impede de ser politicamente alegres e sem ranço.

Bukowski além da boa e limpa poeira

Apesar do estilo intenso de Bukowski levar a vida – tinha o álcool como fiel companheiro e não raro estava metido com drogas e orgias –  foi a leucemia que, em 9 de março de 1994, deu fim à vida de Henry Charles Bukowski Jr. – ou Hank para os íntimos. “Don’t try” é o recado que ficou na lápide de seu túmulo, em Los Angeles. Parece que nem mesmo ele acreditava que chegaria tão longe, pois sempre que o assunto era morte, o tom beirava a ironia. Abaixo, um poema do livro As pessoas parecem flores finalmente com tradução de Claudio Willer.

encômios

após a morte
exageramos as boas qualidades de alguém,
nós as inflamos.

durante a vida
frequentemente sentimos repulsa pela mesma pessoa
enquanto falamos com ela ao telefone
ou só de estar no mesmo aposento.

e frequentemente criticamos o jeito como
andam, falam, vestem-se
vivem
creem.

mas é só morrerem
então que criaturas elas
se tornam.

se apenas em uma cerimônia fúnebre
alguém dissesse,
“que indivíduo odioso
esse aí foi!”

que em meu funeral
haja só um pouco de verdade,
e depois a boa e limpa
poeira.

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Mas se depender da L&PM, o velho Hank jamais morrerá. Prova disso são os livros da série Bukowski.

Um mundo de homenagens a Shakespeare

Pouco importa de William Shakespeare nasceu e morreu mesmo em 23 de abril. Esta foi a data escolhida para prestarmos homenagens a ele. E ponto. 23 de abril deste ano, aliás, marca os 400 anos de sua morte, ocorrida em 1616, o que fará acontecer muitas produções, concertos, exposições e eventos ao redor do mundo. O The New York Times separou aqueles que considerou mais significativos e publicamos eles aqui com tradução feita pela Folha de S. Paulo.

Este seria o único retrato de Shakespeare que foi pintado enquanto o dramaturgo era vivo

Este seria o único retrato de Shakespeare que foi pintado enquanto o dramaturgo era vivo

CENTRO DE LONDRES

O trecho da margem sul do rio Tâmisa, em Londres, situado entre Westminster e Tower Bridge, deve ficar lotado no fim de semana de 23 e 24 de abril. Nesses dias, o Shakespeare’s Globe vai apresentar “The Complete Walk”, uma celebração shakespeareana com 37 telas, cada uma das quais exibindo um curta-metragem com atores notáveis como Simon Russell Beale e Jonathan Pryce representando cenas de cada peça de Shakespeare.

‘FIRST FOLIO’ EM TURNÊ

A Folger Shakespeare Library está enviando exemplares do “First Folio” —a publicação de 1623 que incluiu quase todas as peças do dramaturgo em um só volume, pela primeira vez— em uma turnê que passará por todos os 50 Estados americanos. A tour do “First Folio” faz parte de uma celebração promovida pela biblioteca Folger intitulada “The Wonders of Will”, que também inclui uma produção de “Sonho de Uma Noite de Verão” na Folger, em Washington, uma série de palestras e um convite para as pessoas compartilharem em vídeo suas histórias envolvendo Shakespeare ou suas visões do discurso “ser ou não ser” de Hamlet.

DEPOIS DO APOCALIPSE

A distopia se espalha pelo palco em “unShakeable”, obra encomendada pela Santa Fe Opera ao compositor e regente Joseph Illick e a libretista Andrea Fellows Walters. Inspirada nas peças de Shakespeare, a ópera é ambientada num teatro abandonado do Novo México, 25 anos no futuro, três anos depois de uma pandemia viral. Contrariando essa descrição trágica, trata-se de uma comédia romântica, pelo menos pelos padrões operísticos. Depois de apresentações em Santa Fe em 9 e 10 de abril, a produção partirá em turnê pelo Novo México e Colorado.

VENDENDO ESPETÁCULOS

Em 28 de março a companhia Theater for a New Audience e a Princeton Architectural Press vão promover uma discussão livre sobre o design de pôsteres para obras de Shakespeare, vinculada a “Presenting Shakespeare: 1.100 Posters from Around the World”, um grande compêndio de arte de 55 países. Os pôsteres que mais chamam a atenção no livro são minimalistas inteligentes, como o deliciosamente mórbido sorvete de casquinha de carne numa produção argentina de “Hamlet”. A discussão será presidida pelos autores do livro, Mirko Ilic e Steven Heller, e contará com a participação dos designers gráficos Milton Glaser e Paul Davis.

RELÂMPAGO

Para assistir a uma peça do jeito que os contemporâneos do autor faziam -possivelmente até em pé-, uma boa opção pode ser dar um pulo até Auckland, Nova Zelândia. Ali você encontrará uma réplica do Globe Theater em dimensões fiéis ao original. Estamos falando do segundo Globe Theater: o primeiro, construído em 1599, tinha telhado de colmo e foi destruído em um incêndio em 1613, durante uma apresentação de “Henrique 3º”. “Hamlet” e “A Tempestade” são algumas das peças que serão encenadas na temporada curta deste espaço relâmpago, que vai desaparecer rapidamente em abril.

FLUIDEZ DE GÊNERO

A companhia Cohesion Theater, de Baltimore, está dedicando parte de sua temporada a obras de autores teatrais transgêneros ou estreladas por transgêneros. No caso de sua produção de “Hamlet”, a diretora Alice Stanley, que não se identifica com nenhum gênero, escolheu uma atriz para representar uma Hamlet mulher e uma atriz para fazer um Laerte homem.

SHAKESPEARE E VOCÊ

“We Are Shakespeare”, criado pela Shakespeare Theater Association em colaboração com a Universidade de Notre Dame, convida qualquer pessoa a compartilhar uma homenagem —quer seja um discurso, monológo, trabalho de arte visual ou qualquer outra coisa—, colocando no site do projeto um link para um vídeo do YouTube. As contribuições já postadas incluem uma performance de um Hamlet armado com navalha e uma explicação do deputado democrata Ted W. Lieu, da Califórnia, das razões por que gosta de Shakespeare.

Conheça a Série Shakespeare na L&PM Editores.

20 anos sem o Blá, Blá, Blá dos Mamonas Assassinas

Foi um acidente aéreo que pôs fim à meteórica carreira do grupo Mamonas Assassinas. O primeiro álbum da banda vendeu incríveis 2 milhões de cópias e se tornou o maior fenômeno comercial da história da indústria fonográfica brasileira até então. Na noite do dia 2 de março de 1996, quando retornavam de um dos shows da turnê que correu o Brasil, o jatinho da banda se chocou contra a Serra da Cantareira, há poucos minutos do pouso em Guarulhos. Os cinco integrantes, os dois empresários, o piloto e o co-piloto do avião morreram na hora. De forma trágica e inesperada, chegava ao fim a história dos Mamonas Assassinas.

Menos de três meses depois do acidente que comoveu o país, a L&PM lançou o livro Blá, Blá, Blá – biografia autorizada, em que o jornalista e escritor Eduardo Bueno resgata a história do grupo por meio de longos depoimentos de pais, mães, irmãos, amigos, namoradas, companheiros de estrada, empresários, enfim, todas as pessoas que foram importantes na vida dos Mamonas Assassinas.

No primeiro capítulo intitulado “O feitiço da Lua Nua”, Eduardo escreve:

Quando João Augusto de Macedo Soares, 39 anos, vice-presidente da gravadora EMI Odeon, seu filho Rafael, 16, e o produtor independente Arnaldo Saccomani enfim chegaram, a boate Lua Nua estava quase vazia. Eram dez e trinta da noite meio fria de 7 de abril de 1995. (…) Era uma visita anunciada e João Augusto foi logo conduzido ao mezanino e instalado na melhor mesa, próximo a uma garrafa de uísque cujo lacre permaneceria intocado até tarde da noite. (…)

No instante em que cinco Chapolins Colorados saltaram no palco, loucos furiosos, anteninhas balouçantes e tudo, e detonaram um rock ensandecido que levantou a massa – era Cabeça de Bagre II -, João Augusto ouviu o som que estava aguardando não há 3 horas, mas há quase um mês. E ao vivo era ainda melhor do que ele imaginava. Em seguida, um forrock também arrasador, sobre a vida seca e a sina tragicômica de um baiano e seu jumento com toca-fitas, fez os muitos espiões estrategicamente espalhados pela casa terem certeza de que o executivo da multinacional, recém-chegado do Rio, estava no papo: ninguém riria tanto se não estivesse mesmo gostando. Os olheiros se estressavam à toa: João Augusto já não tinha a menor dúvida sobre o resultado final daquele jogo.

Quando o Chapolin-cantor colocou um enorme bigode postiço e os Chapolins-instrumentistas detonaram um fado turbinado, cuja letra a plateia amestrada sabia de cor, a casa quase veio a baixo. João Augusto só não parou o show naquela hora para apertar a mão dos rapazes porque seria linchado pela massa – e porque também queria mais.

Infelizmente, o livro Blá, Blá, Blá – biografia autorizada está esgotado, mas quem quiser saber mais sobre esta história, vale conferir a entrevista (áudio) que fizemos com o Eduardo Bueno sobre o fenômeno Mamonas Assassinas no dia dos 15 anos da morte do grupo.

A “dominatrix” Lou Andreas-Salomé

Friedrich Nietzche e Paul Rée, ambos alemães, ambos filósofos, ambos apaixonados pela mesma mulher: a jovem russa Lou von Salomé. Em 1882, os dois amigos – primeiro Rée e depois Nietzsche – pediram a mão de Lou em casamento. Ela, que na época tinha apenas 20 anos, não aceitou nenhum deles. Após recusá-los, Nietzsche sugeriu que os três fizessem uma foto juntos. A história desta fotografia, até hoje polêmica, está contada em “Lou Andreas-Salomé”, de Dorian Astor (Série Biografias L&PM).

O pedido solene acontecerá em 13 de maio, em Lucerna: um encontro é marcado no parque Löwengarten, ao pé da estátua do leão. Rée aguarda no hotel, ansioso, Nietzsche faz sua declaração, Lou reitera sua recusa, relembra sua aversão pelo casamento, insiste numa comunidade intelectual e amigável, à qual o nome de Rée não deixa de ser associado. Eles vão ao encontro de Rée no hotel. Nietzsche, para salvar as aparências, propõe que eles celebrem a Trindade com uma fotografia que seria encomendada a seu amigo Jules Bonnet. Rée detesta sua própria imagem e é reticente; mesmo assim, os três amigos acertam a representação de sua amizade, sob a direção de Nietzsche. Esse famoso retrato não deixa de causar desconforto. O trio se organiza ao redor de uma pequena charrete, diante de um cenário representando a montanha de Jungfrau (a Virgem).

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Rée, no centro e em primeiro plano, olha para a câmara com um sorriso embaraçado, suas mãos procuram uma posição, a direita colocada dentro do colete, a esquerda roçando a atrelagem. Atrás dele, Nietzsche segura a atrelagem com mais convicção, com o olhar voltado para longe, em direção a um ponto obscuro. Lou está desconfortavelmente sentada dentro da charrete, fixando a câmera com um semirrorriso satisfeito: ela segura na mão direita um chicote ornamentado com lilases, pronta para fustigar os dois homens como dois bons cavalos de tração. Sua mão esquerda segura como rédeas as extremidades de uma corda enlaçada ao redor dos braços de Rée e Nietzsche. Comenta-se que o próprio Bonnet se chocara com a incidência da pose. Mas os três nada quiseram ouvir.

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Muito se comentou essa fotografia, que alimentou, em relação a Lou von Salomé, a imagem da mulher fatal e cruel, aos pés de quem os homens – mesmo um gênio da dimensão de Nietzsche – se humilhavam, como que estupidificados. Se for para interpretar essa posição como uma encenação masoquista (dois homens amarrados e submissos, e uma dominadora armada com um chicote), também será preciso especificar que a relação masoquista repousa num contrato livremente aceito, no qual o mestre do jogo não é aquele que pensamos. (…) Depois de analisar por tempo suficiente essa fotografia, vemos que o mais tragicamente sério é Paul Rée, aquele que não queria ser fotografado, aquele que não gostava de si mesmo, aquele que Nietzsche descreveria dois meses depois, num rascunho de carta para Malwida, da seguinte maneira: “A ideia de perpetuar a humanidade lhe é insuportável: ele não consegue vencer seu sentimento de aumentar o número de infelizes.” Rée desejaria de fato aquele casamento? Tudo acontece como se cada um dos três personagens da fotografia, reunidos para “celebrar a impossibilidade de um simples casamento”, fizesse com os outros dois um contrato de natureza completamente diferente: retardar a realização, adiar o desenlace, ser pura tensão, pura direção. Sujeitos a rebentar como uma corda tensionada demais. As duas bestas de carga se esgotarão. A condutora se sairá melhor.  

Em 1887, Lou se casaria com Friedrich Carl Andreas. Em 1897, se tornaria amante do escritor Rainer Maria Rilke e, mais tarde, seria acolhida por Freud como sua discípula mais brilhante.

Loving Vincent: mais do que um filme, uma verdadeira obra de arte

8 anos, 860 pinturas, 1026 desenhos, 800 cartas e 20 pessoas, contando a história de um homem: Vincent Van Gogh. Assim é o filme “Loving Vincent” (Amado Vincent), cujo trailer foi divulgado esta semana. Basta assistir para ver que se trata de uma verdadeira obra de arte em movimento.

Segundo o site oficial do filme, este é o primeiro longa-metragem do mundo em que cada frame foi pintado à mão com tinta à óleo, seguindo o mesmo estilo de Van Gogh. “Loving Vincent” é dirigido pelo polonês Dorota Kobiela e por Hugh Welchman, vencedor do Oscar de animação com “Pedro e o Lobo”.

A equipe de artistas do filme

A equipe de artistas do filme

Artista em ação

Artista em ação

A L&PM Editores publica vários livros sobre Van Gogh: cartas, biografia e HQ.

Tennessee Williams, um homem chamado desejo

Tennessee Williams nasceu em 26 de março de 1911. Autor de “Um bonde chamado Desejo” e “Gata em teto de zinco quente” – só para citar duas de suas peças mais famosas – ele foi batizado como Thomas Lander Williams. Mas aos 26 anos resolveu adotar o pseudônimo que o faria famoso:  Tennessee. Seu tema favorito sempre foi a família problemática: os vínculos prestes a se dissolverem ou já totalmente falidos. Em sua dramaturgia, usou como inspiração a própria vida, sua infância carente de dinheiro e de afeto. A lobotomia da irmã, autorizada pela mãe, por exemplo, está na peça “De repente no último verão”. E há realmente mais dramas do que comédias em seu currículo de vida. Quando garoto, Tennesse Williams fugia de casa para não escutar os gritos da mãe, que não se continha na hora do sexo.  Sem um tostão, passou por uma cirurgia de catarata gratuita diante de uma platéia de estudantes. E certa vez foi espancado por michês marinheiros até ver a morte de perto. Mas ele resistiu, fez sucesso, fez amigos, ganhou fama, ganhou dinheiro, abusou do álcool, abusou da sorte. Até que morreu em 25 de fevereiro de 1983, sufocado por uma tampa de spray nasal em um quarto de hotel em Manhattan. “Um bonde chamado desejo”, publicado pela L&PM com tradução de Beatriz Viégas-Faria, foi escrito por Tennessee Williams em 1947. Além de fazer sucesso nos palcos até hoje, o texto imortalizou Marlon Brando no papel do rude Stanley Kowalski, cunhado de Blanche DuBois.

Andy Warhol e Tennessee Williams, ambos de óculos escuros

São Paulo tem Shakespeare e Cervantes

2016 marca o quarto centenário da morte de dois grandes nomes da literatura: William Shakespeare e Miguel de Cervantes (que a história erroneamente se encarregou de divulgar que morreram no mesmo dia, 23 de abril de 1616, mas parece que não é bem assim).

Como não é todo ano que uma efeméride destas acontece, serão muitos os eventos ao redor do mundo. E o Brasil não poderia ficar fora desta. Alguns espetáculos que acontecerão em São Paulo já estão sendo divulgados. Dê uma olhada:

Exposição “Shakespeare”, da fotógrafa Ellie Kurttz. Até dia 7 de março, no Centro Britânico (Rua Ferreira de Araújo, 741, Pinheiros). A fotógrafa Ellie Kurttz acompanhou os espetáculos da Royal Shakespeare Company e, em 2012, foi escolhida para documentar os espetáculos de “Globe to Globe”, festival que aconteceu durante as Olimpíadas de Londres e que aconteceu no Shakespeare’s Globe. A mostra paulista, com cenografia assinada por Gringo Cardia, reúne fotografias de mais de 12 anos da trajetória profissional de Kurttz e representa grande variedade nas interpretações das obras do inglês. A entrada é franca.

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Titus Andronicus, NinagawaRSC,2006©Ellie KurttzRoyal Shakespeare

Romeu e Julieta, ©Ellie KurttzRoyal Shakespeare

Romeu e Julieta, ©Ellie KurttzRoyal Shakespeare

Ópera Dom Quixote. Estreia 2 de março. Primeiro título da temporada lírica 2016 do Theatro São Pedro (Rua Barra Funda, 171, São Paulo/SP). Ópera em cinco atos composta por Jules Massenet, baseada no libreto de Henri Caïn e inspirada no romance de Miguel de Cervantes, Dom Quixote. A estreia acontece no dia 2 de março e será seguida de seis récitas, nos dias 04, 06, 09, 11 e 13 de março, sempre às 17h. A ópera terá regência e direção musical do maestro Luiz Fernando Malheiro e direção cênica de Jorge Takla. Os ingressos custam a partir de R$ 30 e podem ser comprados pelo Ingresso Rápido.

Alice se prepara para chegar ao Brasil

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Acaba de ser divulgado o trailer legendado em português e o cartaz brasileiro de Alice Através do Espelho (Alice in Wonderland: Through The Looking Glass), continuação do sucesso Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland) de 2010, que foi dirigido por Tim Burton. Dessa vez, no entanto, Burton desistiu da direção e ficou só na produção, passando o bastão para James Bobin (que dirigiu Os Muppets).

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O elenco principal será praticamente o mesmo: Mia Wasikowka é Alice, Johnny Depp é o Chapeleiro Maluco, Anne Hathaway é a Rainha Branca e Helena Bonham Carter é a Rainha de Copas. Sacha Baron Cohen (o eterno Borat) também estará elenco no papel de Time (Tempo).

Nessa nova aventura, Alice precisa salvar o atrapalhado e ingênuo Chapeleiro do sarcástico e vilânico Tempo. A estreia no Brasil está prevista para 26 de maio do 2016.

A Coleção L&PM Pocket publica Alice no País das Maravilhas Alice através do espelho, as obras de Lewis Carroll que já inspiraram muitos filmes.