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O dia do marinheiro na literatura

13 de dezembro é, desde 1925, o Dia do Marinheiro no Brasil. A data foi escolhida por marcar o nascimento do Almirante Joaquim Marques Lisboa, o Marquês de Tamandaré, Patrono da Marinha no Brasil. Em homenagem aos homens do mar, aqui vão alguns trechos de livros que falam de marinheiros, comandantes e capitães – reais ou ficcionais – que enfrentaram tempestades, correntezas, marés e calmarias para viver aventuras que os colocaram na “crista da onda” da história e da literatura.

E o que poderia Billy saber sobre o homem, a não ser sobre o homem como um mero marinheiro? E o marinheiro à moda antiga, o verdadeiro lobo-do-mar, o marujo que navega desde a infância, embora seja da mesma espécie do homem da terra, em alguns aspectos é singularmente distinto dele. O marinheiro é a franqueza, o homem da terra é a esperteza. A vida para o marinheiro não é um jogo que exija astúcia; não é um complicado jogo de xadrez em que poucos movimentos são francos e cujos fins são obtidos indiretamente (…)BILLY BUDD, MARINHEIRO, Herman Melville

Três janelas altas davam para o porto. Nelas não se via nada além do cintilante mar azul-escuro e de um luminoso azul pálido no céu. Meus olhos captaram, na profundidade e nas distâncias das tonalidades azuis, o ponto branco de algum grande navio recém-chegado prestes a fundear no ancoradouro. Um navio de casa – depois de uns noventa dias no mar. Existe algo de comovente em um navio que chega do mar e fecha as asas em repouso. A LINHA DE SOMBRA, Joseph Conrad

Ele obedeceu com rapidez, e me vi sozinho no convés do Ghost. Do modo mais silencioso possível, recolhi as velas de joanete, baixei a giba e a vela de estai, puxei a bujarrona para trás e retesei a vela mestra. Então desci para encontrar Maud. Pus um dedo sobre seus lábios pedindo silêncio, e entrei no quarto de Wolf Larsen. Ele estava na mesma posição em que eu o havia deixado, e sua cabeça se balançava – quase em convulsão – de um lado para outro. O LOBO DO MAR, Jack London

O cheiro de alcatrão e sal era novo para mim. Eu via as figuras de proa mais maravilhosas, que tinham estado em oceanos muito distantes. E via, além disso, muitos marinheiros velhos, com argolas nas orelhas e barbas que se enrolavam em cachos, e tranças alcatradas, e sua maneira desajeitada e balouçante de caminhar, como se ainda estivessem no mar. Ora, se eu tivesse visto o mesmo número de reis ou arcebispos, não teria ficado mais encantado! A ILHA DO TESOURO, Robert Louis Stevenson

“No decorrer da nossa expedição, desembarcamos em inúmeras ilhas e nelas vendemos ou trocamos mercadorias. Um dia em que estávamos navegando, o mar calmo nos colocou frente a frente com uma pequena ilha, tão verde como uma campina, quase no nível da água. O capitão fez baixar as velas e permitiu que desembarcassem aqueles que quisessem. Eu estava entre os que desceram. Nos divertíamos bebendo e comendo e descansávamos das fadigas do mar, quando, de repente, a ilha tremeu, sacudindo-nos rudemente…” AS AVENTURAS DE SIMBAD O MARUJO, Histórias das 1001 Noites

Foi como uma miragem bailando sobre as águas salgadas. Após uma sequência infindável de dias iguais, o horizonte já não era uma linha longínqua e vazia. No último ponto que os olhos podiam vislumbrar, surgiam, agora, estranhas silhuetas. Pareciam montanhas flutuantes singrando o oceano. Os homens acotovelavam-se à beira mar, com os olhos postos de encontro ao céu matinal para vislumbrar a mais espantosa novidade de suas vidas. Que tipo de canoas seriam aquelas, que pareciam ter asas tão brancas e tão amplas e que avançavam junto com o sol? BRASIL: TERRA À VISTA!, Eduardo Bueno

Capa_mar_irmao_LPM.inddNo convés superior, grupos de quietos marinheiros mantinham-se ao lado de seus botes, um conjunto grotesco em salva-vidas, macacões, quepes de cozinheiro, aventais, quepes de lubrificador, quepes de proa, calças cáqui e dezenas de outras combinações variadas de vestimentas. Bill correu até seu próprio bote salva-vidas e parou ao lado de um grupo. Ninguém falava. O vento uivava na chaminé fumacenta, vibrava ao longo do convés, agitando a roupa dos marinheiros e corria por sobre a popa e ao longo do rastro verde e brilhante do navio. O oceano suspirava uma quietude suavizadora e sonolenta, um som que trespassava todos os cantos (…) O MAR É MEU IRMÃO & Outros escritos, Jack Kerouac

Quando Jack London veio ao mundo

A vida do escritor Jack London foi uma aventura que começou antes mesmo do seu nascimento. Segundo contou sua mãe, a professora de música e espiritualista, Flora Wellman, quando ela comunicou ao companheiro, o astrólogo William Chaney, que estava grávida, ele exigiu que ela abortasse. Num ato de desespero, Flora atirou contra si mesma. Felizmente (para os fãs de Jack London), a mãe e seu bebê não sofreram nada grave. Mas ao nascer, em 12 de janeiro de 1876, o filho de Flora foi renegado e entregue à ex-escrava Virginia Prentiss. Naquele mesmo ano, Virginia casou-se com um veterano da Guerra da Secessão de nome John London que assumiu o bebê da esposa (também chamado de John) e deu a ele seu sobrenome.

Mas quando o pequeno John, que depois seria chamado de Jack, cresceu, quis saber mais de suas origens. Aos 21 anos, ele encontrou notícias de jornais que contavam sobre a tentativa de suicídio da mãe e davam o nome de seu suposto pai biológico. Ele então escreveu uma carta a William Chaney e teve a seguinte resposta:

“Nunca me casei com Flora Wellman, mas vivi com ela de 11 de junho de 1874 a 3 de junho de 1875. Sofria eu nesse tempo os terríveis efeitos de muitas privações, dificuldades de vida e excessivo trabalho intelectual, sendo inteiramente platônicas as nossas relações. Portanto, não posso ser o seu pai nem lhe dizer com certeza quem seja ele. (…) O ‘Chronicle’ disse que eu a expulsei de casa porque ela não quis fazer o aborto. Essa notícia correu o país inteiro, reproduzida por toda a imprensa. Por causa dessa história, duas das minhas irmãs se tornaram minhas inimigas. Uma delas morreu ainda me julgando culpado. Todos os outros parentes, exceto uma irmã que mora em Portland, estão ainda contra mim e me apontam como a vergonha da família. Na época do escândalo, publiquei em folheto uma declaração da polícia em que se demonstrava a falsidade de muitas acusações levantadas contra a minha conduta, mas nem o ‘Chronicle’ nem os outros jornais que me difamaram quiseram desmanchar a calúnia. Desisti então de me defender e durante anos e anos a minha vida pesou como um fardo. Veio finalmente a reação e agora já tenho alguns amigos que me consideram homem de bem. Já passei dos 76 e vivo na pobreza.” (Do livro “A vida errante de Jack London”, editora José Olympio).

London ficou mal com a resposta, mas seguiu adiante. Largou os estudos, foi jornaleiro, pescador e marinheiro. E ao morrer precocemente, aos 40 anos, deixou uma obra que, se você ainda não leu, não sabe o que está perdendo. Livros capazes de resgatar as origens, o lado animal do ser humano, o uivo engasgado na garganta…

E já que é aniversário dele, nada melhor do que uma foto que mostra como o autor de O chamado da floresta, Caninos Brancos, Antes de Adão, O lobo do mar, entre outros, veio ao mundo (ou quase):

Em 2012, a L&PM vai lançar mais um livro de Jack London: Martin Eden.

O que os personagens lêem?

Quais os livros preferidos dos personagens clássicos da literatura? A partir desta pergunta, a agência de propaganda Ogilvy & Mather criou uma campanha para a rede de livrarias mexicana Gandhi. Nos anúncios, Alice, de Lewis Carroll, está lendo LSD, de Timothy Leary. A barata de A metamorfose, de Franz Kafka, está lendo Cem anos de solidão, de Gabriel Garcia Marquez. E a célebre Chapeuzinho Vermelho, dos Irmãos Grimm, folheia as páginas de O lobo da estepe, de Herman Hesse.

A partir desta “brincadeira”, nós também resolvemos dar algumas dicas da Coleção L&PM POCKET para estes personagens. Para Alice, indicamos Um parque de diversões na cabeça, de Lawrence Ferlinghetti, e Que loucura!, de Woddy Allen. Para Chapeuzinho Vermelho, sugerimos O lobo do mar ou O chamado da floresta, ambos de Jack London. Já para a barata de Kafka, a dica é Enquanto agonizo, de William Faulkner, e O cortiço, de Aluísio Azevedo.

Autor de hoje: Jack London

San Francisco, EUA, 1876 – † Glen Elle, EUA, 1616

Pseudônimo de John Griffith, trabalhou como jornalista e correspondente de guerra. Sua vida foi rica em experiências: trabalhou como pescador e pesquisador de ouro no Alasca, chegando a tornar-se vagabundo de estrada. Socialista, sua obra literária caracteriza-se pelo relato de episódios de força primitiva, ou de aspectos brutais e vigorosos que articulou em contos e romances. A vida aventureira, entre os que buscavam o ouro nos confins do Yukon, forneceu-lhe material para a maior parte de sua ficção. Combinando experiências pessoais com as ideias evolucionistas de Darwin e de Spencer, mais as técnicas estilísticas colhidos nas obras de Rudyard Kipling, produziu obras de sucesso, desde a sua estreia com O filho do lobo (1900). Ao longo de sua vida, escreveu intensamente, produzindo cinquenta livros em dezessete anos.

Obras principais: O chamado da floresta, 1903; O lobo e o mar, 1904; Caninos brancos, 1906; Antes de Adão, 1907; De vagões e vagabundos, 1915

JACK LONDON por Ana Esteves

Como a figura do lobo diante de sua presa, Jack London abocanhou o mundo e, com a mesma voracidade que o devorou, transformou-o em literatura. Foram mais de cinquenta livros, entre novelas, contos, ensaios e reportagens, escritos em apenas dezessete anos, com a mesma intensidade com que London vivia sua vida. De forma magistralmente criativa, sua obra é resultado de um emaranhado de experiências pessoais, recheada de temas que o autor conheceu na prática. De um lado, nos deparamos com o olhar de um escritor politicamente engajado com a realidade social mutante de sua época que, para retratar a situação de exclusão e miséria dos habitantes do East End londrino, se faz passar por um deles. Sua obra está fortemente marcada pelo prisma do socialismo; nela o escritor/repórter narra com detalhes situações de desigualdade social, enfatizando as principais questões sociais e políticas então vigentes: a expansão imperialista, a exploração do trabalho, a concentração da riqueza. Sob esse viés, nos deparamos com um autor que produziu ensaios e contos altamente significativos, inseridos no debate político de sua época. Essa faceta de London se revela em contos como “The Apostate”, em que se mostra inconformado com a exploração do trabalho infantil nos Estados Unidos, ou em “The Mexican”, em que expressa simpatia pela Revolução Mexicana.

Jack London, porém, é muito mais. Trata-se de um autor que, mesmo comprometido com suas convicções político-ideológicas, lança-se à ficção, às narrativas de viagens e aventuras, baseadas em suas andanças pelo mundo. Sua composição é enriquecida pelo contato direto com outras culturas, diferentes regiões e tipos humanos, como quando relata suas experiências como marinheiro na Ásia, ou contextualiza suas narrativas em lugares pitorescos como o Alasca, onde trabalhou como garimpeiro. Assim ele se tornou conhecido, com seus romances e contos vigorosos sobre aventuras vividas em lugares exóticos e selvagens, sem esquecer, é claro, sua veia fantástica. Toda a vivacidade impressa em suas narrativas é reflexo da mentalidade de um escritor – como ele próprio define – que deseja ser convencido pela evidência dos próprios olhos e não pelos ensinamentos de quem não havia visto, ou pelas palavras dos que o tinham.

* Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. Todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Para melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.

Em maio, a L&PM lançará mais um dos principais livros de Jack London: O lobo do mar.