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22. A história do fracasso de Andy Warhol… na L&PM

Por Ivan Pinheiro Machado*

Era o final de 1987 e  ainda ecoava no mundo Pop as lamentações pela morte de Andy Warhol. Um suposto erro médico, numa banal cirurgia de vesícula em fevereiro daquele ano, tinha tirado a vida do inventor da Pop Art. Europa e Estados Unidos preparavam retrospectivas de sua obra gráfica e cinematográfica. Tudo ao som de Lou Read e seu “Velvet Underground”, descobertas de Warhol.

Foi neste clima profundamente andywarhoniano que, na Feira de Frankfurt de 1987, 8 meses depois de sua morte, um agente literário ofereceu a mim e ao Paulo Lima os famosos “Diários de Andy Warhol”, um enorme calhamaço recheado de mexericos e fofocas novaiorquinas do uper jet set com aproximadamente 800 páginas que sairia no início de 1988 no Estados Unidos. É claro que nos interessamos. Nós e outros 15 editores brasileiros. Como havia uma grande procura, o agente fez um leilão via fax (não havia e-mail na pré-história) e, depois de vários lances, fizemos uma oferta de U$ 20 mil dólares de adiantamento de direitos autorais. Lá no período paleolítico, no final dos anos 80, um dólar era um dólar de verdade! Não esta merreca de hoje em dia. Um dólar chegava a ser o que hoje equivale a três reais no câmbio oficial e uns 4 reais no famoso “black”, ou mercado negro. Tudo isto em meio a uma inflação de dois dígitos ao mês. Foi assim que recebemos a “feliz” notícia que todos os outros 14 pretendentes tinham se afastado do leilão e, portanto, o livro era nosso.

Confesso que quando baixou a poeira, não chegamos a festejar muito. No começo da operação, quando vencemos o leilão, aqueles 20 mil dólares nos tiraram apenas algumas horas de sono. No final, com o livro nas livrarias no começo do ano de 1989, passaram a nos tirar noites inteiras de sono… Foi assim:

Contratamos o músico e escritor Celso Loureiro Chaves, recém chegado de uma longa estadia nos Estados Unidos, para fazer a tradução. Foram 1.000 laudas. Revisamos em tempo recorde e, finalmente, um ano e pouco depois de assinarmos o contrato, colocamos um belo livro de 800 páginas em corpo 10, formato 16 x 23 cm nas livrarias de todo o Brasil. O preço seria o equivalente hoje a uns 100 reais. Imprimimos 5.000 exemplares para que a tiragem amortizasse o preço do calhamaço. Não precisou mais do que uma semana para que nossas esperanças se esvaissem. Nenhuma reposição. Só devoluções daqueles livreiros que apostaram – como nós – e fizeram pilhas nas suas livrarias. As pilhas foram muito observadas, mas ficaram intactas. Apesar da imprensa ter dado enorme destaque. O grande investimento em direitos, tradução (eram 1.000 laudas!), papel e gráfica tinha ido pelo ralo. Foi o livro mais festejado e não-comprado da história de mais de três décadas de L&PM. E nosso primeiro contato com aquilo que chama-se fracasso editorial. Dez anos depois, decidimos acabar com as enormes, gigantescas, pilhas que se acumulavam no nosso depósito. Aí então Andy Warhol foi um verdadeiro bestseller. Vendemos os 3 mil exemplares que sobraram por R$ 10,00 na Feira do Livro de Porto Alegre de 1997. Foi o saldo mais disputado da história de mais de meio século de Feira.

Sobre o livro, vale dizer que ele foi organizado por Pat Hackett, secretária e amiga de AW, que editou e escreveu o diário baseado nos telefonemas e no convívio diário com ele. Quem espera tiradas geniais e pistas para entender o mega universo Pop, fica profundamente decepcionado. Os diários empilham ti-ti-tis de celebridades, maldades, fofocas, tricôs e não revelam mais do que um personagem fútil, deslumbrado com o mundo dos ricos e das celebridades. Em bom português, pode-se dizer que, apesar das suas 800 páginas, os diários de Andy Warhol possuem a profundidade de uma poça d’ água. E não fazem jus ao seu gênio.

A fábrica do pop

Sua primeira grande criação foi a Factory (estúdio multi-disciplinar, onde Warhol pintava, desenhava e fazia seus célebres filmes underground. Depois criou a revista Interview que tornou-se uma referência no jornalismo cultural mundial. Célebre pela “invenção” da serigrafia como forma de arte, ou da concepção da obra de arte como um múltiplo, ele influenciou gerações. Em suas mãos, o banal se transformou em objeto artístico. Fotos criaram um clima inconfundível com seus alto contrastes e cores fortes. Cada retrato recebia dezenas de versões, sendo colorizado a partir de uma matriz que era reproduzida em várias telas. AW criou também o culto à celebridade e inventou a máxima bilhões de vezes repetida de que “todos teriam seus 15 minutos de fama”. Em 1968, foi alvejado três vezes por uma ex-funcionária da Factory, doublê de dramaturga e lésbica que se prostituía para ganhar a vida. Conseguiu sobreviver. Morreu dezenove anos depois. Foi enterrado em Pittsburgh, cidade onde nasceu, descendente de uma família de judeus húngaros, e onde está hoje o Museu Andy Warhol.

Embora os diários, como livro, não façam jus a dimensão do artista, AW é o último grande esteta num mundo que banalizou-se plasticamente. Ele transformou a arte num objeto de consumo e foi o monstro sagrado das artes visuais. Tímido, adquiriu, post-mortem, a celebridade e a importância do artista que fez a última grande revolução na arte moderna. Andy Warhol também está na série Biografias L&PM.

O mito Marilyn imortalizado pelas cores do pai da pop arte

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Andy Warhol, Mr. Contradição

Por Cristine Kist*  

Se algumas paredes têm ouvidos, como garantiam nossos avôs, outras bem parecem ter boca. As da Estação Pinacoteca, por exemplo. As paredes da Estação gritam contradições desde o dia 20 de março, quando foi aberta a exposição “Andy Warhol, Mr. America”. Estão elas todas cobertas de citações, palavras conhecidas e desconhecidas, os 15 minutos de fama e à renegação das espinhas.    

Os famosos retratos coloridos de Marilyn Monroe / Reprodução

Logo na entrada são desfeitas as ilusões dos que esperavam confirmar a suspeita de que Warhol era um artista, uma pessoa ou um artista e uma pessoa apenas superficial. Os visitantes já são recebidos com uma citação digna de grande pensador:
“Everybody has their own America, and then they have pieces of a fantasy America that they think is out there but they can’t see. When I was little, I never left Pennsylvania, and I used to have fantasies about things that I thought were happening in the Midwest, or down South, or in Texas, that I felt I was missing out on. But you can only live life in one place at a time. And your own life while it’s happening to you never has any atmosphere, until it’s a memory.”  

Pois é. E depois de ler isso o sujeito mais desprevenido já fica inclinado a cometer duas injustiças. A primeira é pensar que são imprensa e crítica as responsáveis pelo rótulo que Warhol carrega. Não. Ele mesmo fazia questão de se vender assim. A segunda é concluir que de superficial ele não tinha nada. Tinha muito.    

Quando perguntavam se as 32 latas de sopa Campbells, os retratos de presidiários e os autorretratos como drag queen eram uma crítica ao american way of life, ele negava e jurava de pés juntos que amava os Estados Unidos e não tinha qualquer intenção de mostrar o “lado feio” do país.  

Muito provavelmente estava sendo sincero.  

A impressão é de que Warhol era contraditório até para ele mesmo. Batia e acariciava. É preciso mesmo muita força de vontade para acreditar que obras como “Confronto racial” ou os vários retratos coloridos de uma mesma cadeira elétrica estejam ali apenas por motivos estéticos. As latas de sopa também não são exatamente bonitas. E os bandidos mais procurados até são bonitos, mas bom, não deve ser só por isso que estão ali.  

Nunca gostei de meio termo. Sempre achei que meio termo fosse para os fracos. Me rendi. Sou fraca. Andy Warhol, aquela figura excêntrica e cheia de extremos, está mesmo no meio termo entre algo que lembra o intelectual e algo que lembra o superficial. É essa a sua última contradição.  

A exposição fica na Estação Pinacoteca até 23 de maio, de terça a domingo, sempre das 10 às 18h.  E aos interessados em conhecer um pouco mais da personalidade de Warhol, uma bela dica é o livro de quase mil páginas “Diários de Andy Warhol”, publicado pela L&PM em 1989, e agora disponível nos melhores sebos do Brasil.  

  

  

 * Cristine é assessora de imprensa da L&PM